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Nicholas Georgescu-Roegen e a Economia Ecológica
Clóvis Cavalcanti
Presidente de Honra da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (EcoEco)
Professor da UFPE, Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
Com a idade, o desejo de reportar fatos da vida que estão por trás de meu perfil
profissional só tem crescido. A história, por exemplo, de por que, em 1965, depois de
um bom mestrado de economia em Yale, decidi não fazer doutorado nem lá nem em
qualquer outro lugar, insere-se aí. Eu tinha desconfianças (que nunca perdi) da teoria
econômica brilhante e elegante que se ensinava então nas universidades consagradas –
da qual meu professor em 1964, na Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio, Mário
Henrique Simonsen (1935-1997), era excepcional e convincente expositor. Tanta coisa
importante ficava nela de fora! A situação do subdesenvolvimento era uma, mostrandose como desafio para a compreensão, assunto que Celso Furtado (1920-2004), meu
professor em Yale (e chefe da Sudene quando lá estagiei em 1961-1963), abordara no
seu Desenvolvimento e Subdesenvolvimento1, livro que adquiri no Rio um mês após sua
publicação em 1961. No período de convivência constante com Furtado, em 1964-1965,
em Yale, algumas vezes na companhia de meus colegas na universidade, e roommates,
Edmar Bacha e David Barkin, este último um expoente hoje da Economia Ecológica,
meu pensamento crítico só fez se robustecer. Eu continuava, porém, dentro das
coordenadas da economia neoclássica, incomodado, mas ainda desarmado para seguir
rota diferente. Afinal, sempre gostei muito de matemática e dos gráficos de coordenadas
cartesianas que a economia emprega nos seus raciocínios. Além disso, a teoria não era
oca.
No curso de minha preparação e engajamento profissional, um fato
impressentido contribuiu de modo marcante para fortalecer meu perfil heterodoxo e me
levar na direção da Economia Ecológica. Foi em julho de 1964, quando ouvi Nicholas
Georgescu-Roegen (1906-1994), da Universidade de Vanderbilt (Estados Unidos),
falando na FGV do Rio, onde eu fazia o curso do Centro de Aperfeiçoamento de
Economistas (CAE), do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), então dirigido por
Octavio Gouveia de Bulhões (1906-1990) e que foi ministro da Fazenda do presidentemarechal Castelo Branco depois do golpe de 1964. O curso, que era a única pós1
Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, julho de 1961. Meu exemplar foi o de número 330.
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graduação (mestrado ainda não) de economia no Brasil na época, praticamente, era dado
apenas por Simonsen. De fato, além dele, havia um professor de estatística e dois de
inglês. Dois terços do tempo eram ocupados por Simonsen, que nos ensinava (muito
bem, diga-se de passagem) macroeconomia, microeconomia, economia monetária,
finanças públicas, comércio internacional, matemática, etc. Foi Simonsen que levou
Georgescu para nos falar em classe. Na ocasião, o mestre de Vanderbilt tratou das Leis
da Termodinâmica (e, obviamente, da entropia) no processo econômico. Quem, entre
nós, economistas dos anos 60, tinha noções de Termodinâmica (lacuna que subsiste até
hoje)?
Eu iria ouvir de novo sobre o assunto – o destino me puxava em sua direção –
em julho de 1966, na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de São Paulo
(USP). Fiz lá um curso intensivo de dois meses, organizado pela cátedra de Delfim
Netto, sobre ciência regional (e suas aplicações à economia). Ele foi ministrado pelo
prof. Walter Isard (1919-2010) e sua equipe, da Universidade da Pennsylvania.
Georgescu foi trazido para proferir palestras no curso. Com rigor incomum, fez duas
apresentações sobre economia matemática. Em janeiro de 1970, graças a convite de meu
amigo, o prof. Werner Baer, fui levado como visiting professor para a Universidade de
Vanderbilt. Por capricho da sorte, no Departamento de Economia de lá, onde fui lotado,
minha sala (office) era vizinha à de Georgescu. Via-o diariamente; conversávamos
nessas ocasiões. Um dia, a seu convite, fui com minha mulher e Annibal Villela (19262000), outro economista brasileiro visitante em Vanderbilt, jantar em sua casa,
experimentando uma hospitalidade inteligente com a oportunidade de ampla troca de
idéias.
Mas o que mais me marcou nesse período foi a leitura do livro de Georgescu
Analytical Economics. Issues and Problems2, em cujo prefácio Paul Samuelson (19152009), prêmio Nobel de Economia de 1970 e colega de Georgescu em Harvard nos anos
1930, classifica-o como “a scholar’s scholar, an economist’s economist”. Por essa
época, chamou-me a atenção insólito episódio de freqüentes incêndios no rio Cuyahoga,
no estado americano de Ohio, noticiados pelo New York Times3. Era um absurdo ver um
rio pegar fogo e, no caso, existir uma brigada do corpo de bombeiros treinada
especialmente para apagá-los (os incêndios eram feios mesmo, com grossos rolos de
fumaça negra anunciando sua presença). Coisa inacreditável: água inflamar-se. Um
2
3
Cambridge, EUA: Harvard University Press, 1967.
Ver fotos desses incêndios no site <http://www.clevelandmemory.org/SpecColl/croe/accfire.html>.
3
desperdício de recursos e a extinção de uma das funções da água, precisamente a de
combater fogo. Do outro lado, mobilização de recursos públicos para impedir que o
problema dos incêndios deixasse conseqüências mais graves. Ora, alguma coisa estava
errada no tocante à forma de promover dessa maneira o desenvolvimento econômico. A
natureza, com suas regras e leis, não estava sendo levada em consideração na equação
do desenvolvimento. Perceber isso e ler Georgescu-Roegen só aguçou minha
curiosidade em relação a examinar a economia na ótica da ecologia. Coincidiu que, nos
meus meses de Vanderbilt, li um livro muito bom, de Erich Fromm: The Art of Loving4.
A leitura me levou a pensar no conteúdo da reflexão de Fromm, ou seja, se o amor é
uma arte, o que exige conhecimento e esforço, ou uma sensação agradável, cuja
experiência é um lance de sorte, alguma coisa em que se cai se a fortuna ajuda. O livro
mostra que amar é uma arte. Amar a natureza é uma arte, portanto, impondo seu estudo
e que se faça algo a seu favor.
Em Analytical Economics, Georgescu reuniu doze de seus trabalhos elaborados
dentro do marco da economia convencional, ou “economia normal”, como, em alusão à
tipologia do filósofo Thomas Kuhn (1922-1996), a classifica Herman Daly5. Contudo,
para Analytical Economics, Georgescu teve o cuidado também de escrever longo ensaio
específico de introdução, que é a expressão mais elaborada até ali da posição
revolucionária que vinha adotando e que vai tomar forma definitiva, pouco tempo
depois, em The Entropy Law and the Economic Process6. Os capítulos da economia
mais convencional de Analytical Economics versam sobre temas da microeconomia,
como utilidade e escolha, teoria da produção, produtividade marginal, etc. Incluem
ainda uma abordagem do modelo macro de input-output de Leontief, modelo que, na
verdade, segue mais uma configuração micro. O livro compreende ainda uma
monografia sobre assuntos de epistemologia e metodologia relativos não só à ciência
social, mas à ciência em termos amplos. É na apresentação da revolucionária
interpretação do processo econômico sob a ótica da Termodinâmica, especialmente da
lei da entropia, todavia, que Georgescu, no ensaio introdutório de Analytical Economics,
cuida de aspectos macro da atividade econômica. Tomei conhecimento do material
durante dias de uma leitura que fez fervilhar meu raciocínio. Ainda mais com o reforço
da realidade dos incêndios no rio Cuyahoga e a inspiração de algo que condiciona mais
4
Nova York: HarperCollins Publishers, 1956.
“On Nicholas Georgescu-Roegen’s Contribution to Economics: An Obituary Essay”, Ecological
Economics, v. 13, n. 3 (junho, 1995), p. 149.
6
Cambridge, EUA: Harvard University Press, 1971.
5
4
que tudo nossa vida – o amor, como tratado por Fromm em A Arte de Amar7. Sem
contar que podia esclarecer dúvidas, na medida em que elas surgiam, junto ao meu
vizinho de corredor, o próprio autor de reflexões tão valiosas.
Como se sabe, Kuhn8 popularizou a noção de “ciência normal” em
contraposição à de “ciência revolucionária”. A contribuição de Georgescu para a
economia do tipo normal originou-se em seus contatos com Schumpeter durante sua
permanência em Harvard nos anos 1930. No entanto, não se pode dizer que Gorgescu
tenha replicado pura e simplesmente a ciência normal da economia. Como salienta
Daly9, ele foi, na verdade, um pensador revolucionário da economia, seu trabalho mais
standard parecendo agora da ciência normal apenas porque a revolução de que
participou tornou-se vitoriosa, convertendo-se na norma vigente. Isso não sucede com o
lado que continua revolucionário da obra de Georgescu, apresentado na introdução de
Analytical Economics e, de modo mais elaborado, em The Entropy Law and the
Economic Process. Essa contribuição permanece revolucionária na medida em que
continua enfrentando forte oposição do paradigma prevalecente – paradigma esse para
cuja consolidação Georgescu ofereceu importantes contribuições.
Não pode ter sido à toa, na verdade, que Samuelson chamou seu colega – e
amigo do grupo formado ao redor de Schumpeter em Harvard – de “economista dos
economistas”. Aliás, quando li isso em 1970, veio-me à lembrança a expressão “rei dos
reis”. Aparentemente, porém, para mim, hoje, Samuelson estava se referindo aos 12
capítulos de Analytical Economics que sucedem à introdução, digamos assim, entrópica,
da obra. Porque o fato é que, nas décadas posteriores à publicação desse livro,
Georgescu, sem ser criticado ou ter visto suas argumentações desfeitas, foi, o que é pior,
simplesmente ignorado pelos colegas de profissão. Sem embargo, Samuelson exaltou
Georgescu, referindo-se explicitamente no prefácio de Analytical Economics à profunda
significação do entrópico ensaio introdutório do livro. Escreveu: “Desafio qualquer
economista informado a continuar complacente depois de meditar sobre esse ensaio”.
Só que o próprio Samuelson não mudou em nada sua postura. O conteúdo de seu
consagrado Economics: An Introductory Analysis (Introdução à Análise Econômica10)
não contempla nas últimas edições nenhum traço da revolução explicada e anunciada
7
São Paulo: Martins Fontes, 2000.
T. S. Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions. Chicago: University of Chicago Press, 1962.
9
Op. cit., pp. 149-150.
10
P. A. Samuelson, Economics: An Introductory Analysis. New York: Irwin/McGraw-Hill, 2009, 19ª ed.
Possuo a 4ª edição brasileira, Introdução à Análise Econômica, traduzida por O. A. Dias Carneiro e Ruy
Lourenço Filho, Rio de Janeiro: Agir Editora, 1961.
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5
por Georgescu. Este permanece ali ignorado e Samuelson nunca deixou de ser aquilo
que considerava impossível que ocorresse com quem lesse a introdução de Analytical
Economics: continuar complacente.
Pode-se alegar que um livro de introdução à economia como o citado de
Samuelson não teria como conter tópicos avançados de teoria. Acontece que a
demonstração oferecida pela visão de Georgescu – de que o sistema econômico não é
um sistema isolado, e sim um subsistema aberto do ecossistema, estando, pois,
submetido a leis biofísicas – não tem nada de avançado. Com efeito, dizer que as Leis
da Termodinâmica, como a da Entropia, governam as atividades econômicas é tão
elementar como a proposição de que a economia é criação cultural. Isso representa
matéria introdutória ao estudo da análise econômica. Ou deveria representar. Acontece
que falar de leis físicas por detrás dos fenômenos econômicos, como propõe Georgescu,
remete a questões com implicações perturbadoras na perspectiva convencional da
economia. A abordagem de Georgescu impede, de saída, que se fale do sistema
econômico como sendo caracterizado pelo diagrama do fluxo circular do dinheiro, ou
seja, como um sistema isolado, esquema esse que aparece em todo manual de economia
para principiantes11. É essa a visão pré-analítica dos economistas – para usar uma
expressão de Schumpeter – que supõe a vida econômica limitada à circulação do
dinheiro entre firmas e famílias, sem entradas e saídas relativamente a um entorno
qualquer. Simplesmente, esse entorno não existe. O sistema econômico se assemelharia
a um animal que possuísse apenas sistema circulatório: sem aparelho digestivo.
Certamente, o diagrama não se presta para o estudo da produção e do consumo, embora
possa ter utilidade para o tratamento da questão das trocas. Na visão de Georgescu,
pensar em produção e consumo requer que se explique que o processo que deles dá
conta começa retirando recursos de uma fonte e finda devolvendo lixo a uma fossa. Em
outras palavras, extrai matéria e energia de baixa entropia para transformá-las e as
restitui com alta entropia ao ambiente que o abriga. Nesse sentido, trata-se de um fluxo
unidirecional que começa com recursos e termina com lixo – o “fluxo entrópico”, da
classificação de Georgescu; ou o “throughput”, de Kenneth Boulding (1910-1993),
batizado em português de “transumo” por Osório Viana12. Não parece haver mistério na
11
Ver, por exemplo, Gregory Mankiw, Principles of Economics. Stamford (Connecticut): Cengage
Learning, 2014, 7ª edição, o livro mais usado no mundo, atualmente, para iniciantes de economia.
12
Ver Clóvis Cavalcanti, “Política de Governo para o Desenvolvimento Sustentável”. In Clóvis
Cavalcanti (org.), Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas. São Paulo: Cortez,
1997, n. 5, p. 30.
6
explicação que aí se contém. Ela retrata uma realidade de fácil constatação. Apenas,
nunca figurara (nem figura) na abordagem básica da ciência econômica dominante.
Aceitá-la e tentar incorporá-la constituiria (e constitui) uma revolução no diagrama
simplificado ao extremo do fluxo circular.
Para Georgescu, o que os economistas convencionais (“ordinary”, no seu léxico)
concebem é que o sistema econômico, além de isolado, é um sistema autocontido e ahistórico. A ciência da economia não oferece qualquer sinal de reconhecimento do papel
dos recursos naturais no processo econômico, sublinha Georgescu, que conclui:
Se a economia considerasse a natureza entrópica do processo econômico, poderia ter sido capaz
de alertar seus companheiros de trabalhado no aprimoramento da humanidade – as ciências
tecnológicas – de que “maiores e melhores” máquinas de lavar, automóveis e superjatos
conduzem necessariamente a “maior e melhor” poluição.13
O modelo convencional da economia ignora as Leis da Termodinâmica, as quais
definem todos os processos de transformação energética do universo. Na visão de
Georgescu, em essência, e do ponto de vista material, o que o processo econômico faz é
transformar riqueza em waste (lixo)14. Resulta daí que, quanto mais rápido for o
processo econômico, tanto mais depressa sujeira se acumulará15. No entanto, ressalva o
autor, que Martínez Alier classifica como o principal expoente da crítica ecológica da
economia16, “seria extremamente absurdo pensar que o processo econômico só exista
para produzir lixo”. Sua ressalva, que ele diz irrefutável, “é de que o produto verdadeiro
desse processo é um fluxo imaterial, de gozo da vida”17. Sem introduzir em nosso
“armamentarium” o conceito de “enjoyment of life”, que não possui dimensão física e,
portanto, pode crescer sem limites, não estaríamos no mundo econômico. É o gozo da
vida ou a alegria de viver que representa a diferença entre o processo econômico “e a
marcha entrópica do ambiente material”18, explicada pela Termodinâmica. Assim,
Georgescu-Roegen propõe a hipótese de que tudo o que sustenta o “life enjoyment”,
direta ou indiretamente, pertence à categoria de valor econômico19.
13
The Entropy Law, cit., p. 19.
Id., 18.
15
Id., p. 318.
16
Joan Martínez Alier. De la Economía Ecológica al Ecologismo Popular. Barcelona: Icaria Editorial,
1995, 3.ª ed., p. 27.
17
The Entropy Law, cit., p. 18.
18
Id, p. 282.
19
Id., p. 287.
14
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Ele aproveita para enfatizar que essa categoria “não é passível de mensuração no
estrito sentido do termo”20. No seu raciocínio, com efeito, como ele explica, a
intensidade do fluxo do gozo da vida em um instante do tempo não parece que seja uma
entidade mensurável, “nem mesmo no sentido ordinal”21. Tal declaração equivale à não
aceitação do princípio da maximização do gozo da vida ou, o que seria o mesmo, da
maximização da felicidade: haveria sempre a possibilidade de se ultrapassar o último
degrau alcançado. Crescimento perene, sustentável, pois, ad infinitum, cabe nessa
dimensão – mas apenas nela, por sua imaterialidade. Em outras palavras, crescimento
sustentável da economia é uma impossibilidade termodinâmica como proposta de longo
prazo. Ponto adicional de interesse do raciocínio de Georgescu diz respeito ao que ele
chama de “aritmomania”22: o fato de a complexa noção de desenvolvimento econômico
ter sido reduzida a um número, o PIB – ou renda – per capita. Como lembra, “nos
últimos duzentos anos, voltamos todos os nossos esforços para entronizar uma
superstição tão perigosa quanto o animismo de antigamente”: a do “Onipotente
Conceito Aritmomórfico”23.
No primeiro semestre de 1975, por sugestão do prof Yony Sampaio, da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ministrei a disciplina de Economia do
Meio Ambiente, ramo da economia neoclássica então em processo de construção. Foi na
graduação de economia da UFPE. Ao que parece, trata-se da primeira vez no Brasil em
que se ofereceu a possibilidade de um curso assim, regular, de um semestre, em
universidade brasileira, sobre questões ambientais examinadas sob a ótica econômica24.
Na ocasião, a bibliografia sobre o assunto era muito escassa, quase inexistente em
língua portuguesa. Fiz uma pesquisa a respeito e não encontrei muita coisa. A partir daí,
pouco a pouco, fui concentrando meus interesses de pesquisa na questão. Em 1981,
escrevi uma resenha, junto com Annibal Villela25 (que foi diretor do Ipea), sobre um
livro com posfácio de Georgescu-Roegen, Entropy: a New World View26, que aborda a
20
Ib.
Id., p. 284.
22
Id., p. 52.
23
Id., p. 79.
24
Em 8 de novembro de 2004, consultado por mim a respeito da questão, o prof. José Eli da Veiga
(Economia da USP), uma renomada autoridade nas questões econômico-ambientais, me enviou a seguinte
mensagem: “Oi Clóvis, Nunca ouvi falar de curso de Economia Ambiental que tenha sido anterior a 1990.
E olhe lá... Abração, Zeeli”.
25
Annibal Villela e Clóvis Cavalcanti, “Entropy: a New World View”. Pesq. Plan. Econ., 11 (2), ago.
1981, pp. 553-559.
26
Jeremy Rifkin, Entropy: A New World View. Colaboração de Ted Howard e posfácio de Nicholas
Georgescu-Roegen. New York: Viking Press, 1980.
21
8
visão de mundo condicionada pela entropia. O autor, um teórico social e ativista
americano, Jeremy Rifkin (1946-), faz interessante crítica do modelo mecanicista,
atomista e reducionista da ciência econômica convencional, introduzindo a questão dos
recursos naturais não-renováveis e do caráter finito de tudo que está relacionado à
empreitada humana. Mais que isso, o livro considera a mudança qualitativa (de energia
ordenada para energia dissipada), contida na essência da Segunda Lei da
Termodinâmica.
Em 1983, pensando na perspectiva já da Economia Ecológica, que é o
paradigma de Georgescu apresentado, entre outros, pelo livro de Rifkin que resenhei
com Villela, organizei um minicurso intitulado “A Economia dos Anos Oitenta”, para
ser oferecido em julho, durante a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC), em Belém do Pará. Para participar dessa atividade, convidei o
discípulo mais destacado de Georgescu, Herman Daly, autor de obras que sistematizam
em linguagem clara o pensamento do mestre – e que passava um semestre no Caen, pósgraduação de economia da UFCE –, além dos economistas não-convencionais
Cristovam Buarque e Dirceu Pessoa27. O curso, cujas aulas começavam às 7h30 – cedo
demais, o que me fez temer não haver público no primeiro dia da atividade –, foi um
sucesso, com, desde o primeiro momento, cerca de 50 alunos – entre eles, como
monitora, uma estudante que foi, mais tarde, presidente da EcoEco, Amélia Rodrigues.
No curso, falamos de aspectos relegados da ciência econômica convencional, entre os
quais os fundamentos biofísicos do sistema econômico.
A partir daí, fui migrando cada vez mais da economia tradicional para a visão
ecológica da disciplina, tornando-me um economista ecológico, e não economista do
meio ambiente, porque, neste caso, apenas estaria aplicando a economia a problemas do
meio ambiente28. Isso eu fazia em 1978, como se pode ver em artigo meu, publicado em
número desse ano, no periódico da Fundação Joaquim Nabuco, então Instituto Joaquim
Nabuco de Pesquisas Sociais29. A abordagem de artigo que publiquei em 198530 já era,
27
Dirceu Pessoa, nascido em 1937 e um grande amigo meu, era recém-empossado secretário geral do
Ministério da Reforma Agrária, quando faleceu junto com o ministro Marcos Freire e toda a cúpula do
ministério no misterioso acidente com um jatinho da FAB na Serra dos Carajás, no dia 8 de setembro de
1987.
28
Ver Clóvis Cavalcanti, “Concepções da Economia Ecológica: Suas Relações com a Economia
Dominante e a Economia Ambiental”, Estudos Avançados (USP), v. 24, n. 68, 2010. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010340142010000100007&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
29
Clóvis Cavalcanti, “Compreensão Econômica e Social da Preservação Ambiental”. Ci. & Tróp., 6 (2),
jul./dez. 1978, pp. 287-296.
9
porém, ecológica – ou termodinâmica. Como foi toda minha reflexão sobre os
problemas econômicos, especialmente os do desenvolvimento, dessa época em diante.
Em maio de 1990, convidado pelos organizadores, participei como palestrante do I
Encontro Bienal da Sociedade Internacional de Economia Ecológica (ISEE), em
Washington, D.C. (EUA). Falei na ocasião sobre a relação meio ambientedesenvolvimento na história econômica brasileira31. Em seguida à reunião de
Washington (maio-jun. 1990), que teve 370 participantes, efetuou-se um workshop em
antiga fazenda no estado de Maryland, conhecida como Wye Island, pertencente ao
Instituto Aspen, congregando 38 das pessoas que haviam ido ao encontro bienal. Tive a
honra de estar presente a esse seminário de trabalho, ao lado, por exemplo, de Kenneth
Boulding, Herman Daly, Joan Martínez Alier, Silvio Funtowicz, Richard Norgaard,
Garrett Hardin (1915-2003), Enzo Tiezzi (1938-2010), no qual foram assentadas as
bases da economia ecológica, que tivera o instante solene de fundação de sua sociedade
científica poucos dias antes em Washington.
Em Wye Island discutiu-se o que é e o que não é a Economia Ecológica, um
manifesto sobre essa nova empreitada científica estando contido no capítulo 1 do livro
que se seguiu à reunião fundadora da ISEE e à do Instituto Aspen32. Para que isso
acontecesse, foi decisiva a contribuição revolucionária de Nicholas Georgescu-Roegen,
inspirador e pai da Economia Ecológica. Uma contribuição que significa rompimento
com o paradigma mecanicista da economia convencional – a visão econômica da
economia, no meu entendimento33 – e requer que se trabalhe com a visão ecológica da
economia. Aqui se situa o modelo lançado por Georgescu sobre as bases da
Termodinâmica, implicando rejeição da Mecânica clássica, onde não cabe a mudança
qualitativa, e que representa, na Física, o alicerce do pensamento econômico
convencional. A mudança – unidirecional, irrevogável, da baixa para a alta entropia –
constitui a essência da Segunda Lei da Termodinâmica. E da nova cosmovisão que
emoldura a Economia Ecológica.
Olinda, maio de 2015.
30
Clóvis Cavalcanti, “Anotações para um Modelo Novo de Desenvolvimento”, Cad. Est. Soc., 1 (2),
jul./dez. 1985, pp. 133-140.
31
Clóvis Cavalcanti, “Government Policy and Ecological Concerns: Some Lessons from the Brazilian
Experience”. In Robert Costanza (org.), Ecological Economics: The Science and Management of
Sustainability. Nova York: Columbia University Press, 1991, pp. 474-485.
32
Ver Robert Costanza (org.), Ecological Economics: The Science and Management of Sustainability.
Nova York: Columbia University Press, 1991, pp. 1-20.
33
Clóvis Cavalcanti, “Concepções da Economia Ecológica, etc.”, cit.
10
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