Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial II, 757-760 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X Caracterização geológica e tecnológica dos polos cerâmicos do Estado de São Paulo, Brasil Geological setting and technological characteristics of ceramic clusters of São Paulo, Brazil M. Cabral Junior1*, L. C. Tanno1, D. Alves Albarelli1 . Artigo Curto Short Article © 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP Resumo: O Estado de São Paulo concentra a produção cerâmica no Brasil, sendo que os grandes destaques são para os produtos de cerâmica vermelha e revestimentos. A partir do reconhecimento da distribuição geográfica da estrutura produtiva atual desses dois setores industriais no território paulista, este trabalho busca estabelecer o contexto geológico das principais fontes de suprimento de matérias-primas, com a definição da tipologia dos depósitos e a caracterização sucinta da composição mineralógica e das propriedades tecnológicas de suas argilas. Palavras-chave: Matéria-prima, Argila, Cerâmica, Mineração. Abstract: The State of São Paulo concentrates ceramic production in Brazil, and the highlights are the products of heavy clay ceramics and ceramic tiles. From the recognition of the geographical distribution of the current productive structure of these two industries in the State of São Paulo, this paper seeks to establish the geological context of the main sources of supply of raw materials, with the definition of the type of deposits and succinct characterization of the mineralogical composition and the technological properties of their clays. Keywords: Raw materials, Clay, Ceramic, Mining. 1 Instituto de Pesquisas Tecnológica do Estado de São Paulo – IPT. Avenida Prof. Almeida Prado, 532, Cidade Universitária, Butantã. CEP 05508-901, São Paulo, SP. Brasil. * Autor correspondente / Corresponding author: [email protected] 1. Introdução A grande expressão demográfica, em conjunto com a tradição dos processos construtivos, com o uso intensivo de produtos cerâmicos, faz com que a produção dessa indústria no Brasil esteja entre as mais expressivas mundialmente. O Estado de São Paulo, situado na região sudeste do País, concentra a produção cerâmica brasileira, sendo que os grandes destaques são para os produtos de cerâmica vermelha e revestimentos. Atualmente, o parque industrial paulista é responsável por cerca de 25% das cerâmicas vermelhas e 70% dos revestimentos, do total produzido no país. A partir do reconhecimento da distribuição da estrutura produtiva atual desses dois setores industriais no Estado de São Paulo – cerâmica vermelha e de revestimentos, este trabalho busca estabelecer o contexto geológico das principais fontes de suprimento de matérias-primas, com a definição da tipologia dos depósitos e a caracterização sucinta da composição mineralógica e das propriedades tecnológicas de suas argilas. 2. Polos minero-cerâmicos do Estado de São Paulo Como acontece em outras regiões brasileiras, o fator geológico – existência de jazidas –, de maneira isolada, ou associado a outros condicionantes favoráveis, como proximidade de mercados, base infraestrutural privilegiada e cultura empresarial, tem conduzido à concentração do setor cerâmico em territórios específicos, levando à constituição de aglomerados produtivos (Cabral Junior et al., 2005). A distribuição dessas aglomerações de indústrias de cerâmica estrutural e de revestimentos guarda íntima relação com os terrenos geológicos portadores das principais jazidas de argila no Estado. Na figura 1, que ilustra esquematicamente o arcabouço geológico do território paulista, estão posicionados os principais polos minero-cerâmicos reconhecidos no Estado, e sintetizados o contexto geológico e algumas características físicoquímicas e tecnológicas das argilas. Em primeiro plano, distingue-se uma sequência de cinco polos que acompanha a Depressão Periférica Paulista, associando-se às minerações que exploram a extensa faixa de afloramentos de rochas pelíticas da idade Permo-Carbonífera da Bacia do Paraná. Essa sucessão de aglomerações produtivas constitui uma faixa que se estende do centro-leste do Estado (região de Tatuí) até a sua porção nordeste (região de Tambaú), praticamente contínua, e com regiões em que a aproximação das concentrações industriais chega a formar uma amalgamento de aglomerações, constituindo o chamado Cinturão Mínero-Cerâmico Paulista (Cabral Junior et al., 2010). Os outros quatro polos distribuem-se de maneira isolada, com as principais aglomerações situando-se no oeste do Estado (Planalto Ocidental Paulista), associados às faixas lindeiras dos principais rios (Paraná, Tietê e Paranapanema), de onde provém o suprimento mineral. 758 M. Cabral Junior et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial II, 757-760 O encadeamento territorial existente entre o sistema de suprimento mineral e a manufatura cerâmica, bem como a grande expressão dessas indústrias (extrativa e de transformação), fazem com que essas concentrações minero-industriais sejam melhor caracterizadas como aglomerações produtivas de base mineral, ou, mais especificamente, como polos minero-cerâmico. Fig. 1. Mapa geológico simplificado do Estado de São Paulo com a localização dos polos cerâmicos e das fontes de suprimento de matérias-primas, e síntese das características físico-químicas, mineralógicas e tecnológicas das argilas (Baseado em Cabral Junior et al., 2001). Fig. 1. Simplified geological map of the State of São Paulo with the location of ceramic clusters and sources of supply of raw materials and synthesis of physical, chemical, mineralogical and technological characteristics of clays (Based on Cabral Junior et al., 2001). Geologia dos polos cerâmicos – Estado de S. Paulo (BR) 3. Contexto geológico e características mineralógicas e tecnológicas das argilas As matérias-primas empregadas nesses setores cerâmicos correspondem às denominadas argilas comuns (common clays), que abrangem uma grande variedade de substâncias minerais de natureza argilosa. Compreendem, basicamente, sedimentos pelíticos consolidados e inconsolidados, como argilas aluvionares quaternárias, argilitos, siltitos, lamitos, folhelhos e ritmitos, que queimam em cores avermelhadas, a temperaturas variáveis entre 800 e 1.250ºC (Cabral Junior et al., 2009). Essas substâncias argilosas possuem granulometria fina, característica que lhes conferem, quando adicionada de determinadas porcentagens de água, diferentes graus de plasticidade (o que pode ser incrementado com a presença de matéria orgânica), além da trabalhabilidade e resistência mecânica das peças secas e após o processo de queima. Tais aspectos são importantes para a fabricação de uma grande variedade de produtos cerâmicos fabricados por processos de extrusão e prensagem, empregados como elementos estruturais, de vedação e de acabamento na construção civil (blocos de vedação e estruturais, telhas, lajotas, tubos, agregados leves e revestimentos em geral). As cores de queima tipicamente avermelhadas são decorrentes do elevado conteúdo de óxido de ferro desses materiais, que se tornam mais proeminentes a partir de teores superiores a 4% (Facincani, 1992). Baseando-se nas informações das representações empresariais quanto à produção cerâmica (Anicer, 2014; Aspacer, 2014), estima-se que a produção anual de argilas comuns alcance no Estado de São Paulo cerca de 40 milhões de toneladas. Desse total, aproximadamente 22% (9 milhões de toneladas) é destinado à fabricação de revestimentos. O restante das argilas mineradas, que deve representar em torno de 31 milhões de toneladas, abastece os demais produtos de cerâmica vermelha. Segundo a subdivisão tipológica proposta por Motta et al. (2004), de acordo com o contexto geológico, as concentrações econômicas de argilas para cerâmica vermelha e revestimentos no Estado podem ser individualizadas em dois grandes grupos tipológicos: argilas formacionais e argilas quaternárias. 3.1. Depósitos de argilas formacionais Os depósitos formacionais, também denominados de argilas de bacias sedimentares, no território paulista, estão inseridos na borda leste da Bacia do Paraná. Essa província geológica constitui uma grande bacia sedimentar intracratônica, situada na faixa centro-leste da América do Sul, ocupando parte dos territórios do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Seu desenvolvimento deu-se ao longo das eras Paleozoica e Mesozoica, com preenchimento de rochas sedimentares e vulcânicas com até 7.000 m de espessura. Seus conjuntos pelíticos intensamente lavrados no território paulista e que abastecem os cinco polos cerâmicos situados na Depressão Periférica Paulista – regiões de Tatuí, Itu, Santa Gertrudes, Tambaú e Vargem Grande do Sul (Fig. 759 1) fazem parte da Sequência Permocarbonífera, mais especificamente do Grupo Itararé (indiviso em São Paulo), Grupo Guatá (em especial, a Formação Tatuí), e Grupo Passa Dois (em especial, a Formação Corumbataí). Característica importante das argilas formacionais é a grande dimensão dos seus depósitos. Todas essas unidades desenvolveram extensos ambientes marinhos costeiros e plataformais em determinados períodos evolutivos, e que acomodaram camadas de rochas pelíticas espessas e contínuas, com relativa homogeneidade textural, que podem atingir espessuras de algumas dezenas de metros. Configuram-se assim como depósitos com grandes reservas explotáveis, comumente envolvendo dezenas de milhões de toneladas. As rochas de interesse cerâmico são os folhelhos, argilitos, siltitos, ritmitos e outras rochas de natureza pelítica, que são denominadas genericamente de “taguás” no jargão cerâmico. Os taguás possuem granulometria fina, geralmente como argilitos sílticos ou siltitos argiloso, com mais de 80% das partículas menores que 325 mesh e 40 a 60% do material contido na fração argila (menor que 0,004 mm). A composição dos argilominerais inclui principalmente illita, associada a proporções variáveis de esmectita, camadas mistas (I-E) e caulinita. Enquanto a presença dos três primeiros está vinculada aos processos de sedimentação e diagênese do pacote pelítico, a participação significativa da caulinita está relacionada à ação de processos intempéricos lixiviantes, formando-se a partir da degradação da illita, esmectita e de feldspato detrítico. A granulometria fina e o elevado teor de álcalis, associado sobretudo ao conteúdo potássico das illitas contido nas rochas frescas ou pouco intemperizadas, proporcionam aos taguás desempenho cerâmico destacado, apresentando resistência mecânica elevada e baixa absorção de água após queima em temperaturas na faixa de 800 a 1.150°C. Já a alteração intempérica dos horizontes mais superficiais, que provoca a remoção parcial dos óxidos fundentes e o incremento da refratariedade, propicia a desagregação dos materiais, diminuição da granulometria e aumento da plasticidade, o que facilita o processo de conformação das massas cerâmicas e incrementa as reações de sinterização durante a queima das peças. A partir desse tipo de matéria-prima, as indústrias do Cinturão Cerâmico Paulista preparam uma série de massas, por meio de misturas entre diferentes rochas pelíticas, menos e mais alteradas, que suprem uma produção diversificada, desde blocos cerâmicos até tubos, revestimentos e agregado leve. Eventualmente em situações mais restritas, as misturas podem incluir também argilas aluviais quaternárias, principalmente quando se deseja incrementar a plasticidade das massas. Para a indústria de revestimentos cerâmicos, o grande destaque em termos de fonte de matérias-primas refere-se ao conjunto lítico da Formação Corumbataí, unidade permiana da Bacia do Paraná (Landim, 1970), que abastece o polo cerâmico de Santa Gertrudes. 760 M. Cabral Junior et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial II, 757-760 A matéria-prima utilizada é constituída essencialmente por siltitos maciços e laminados, e intercalações de siltitos com argilitos, folhelhos e arenitos finos de cores variadas, inseridos dentro de uma sequência sedimentar que chega a alcançar cerca de 100 metros de espessura. Quase toda essa coluna litológica da Formação Corumbataí pode ser utilizada na fabricação de produtos cerâmicos, sendo comumente lavrados horizontes de 20 a 50 m de espessura. O êxito das matérias-primas da Formação Corumbataí para a produção de revestimentos pelo processo de via seca (moagem a seco das matérias-primas) está relacionado à composição mineralógica e textural dos litotipos, ressaltando a pequena quantidade de quartzo detrítico (inferior a 25%), com dimensões normalmente inferiores a 120 μm, amplo predomínio de illita entre os filossilicatos (média ao redor de 50%) e a significativa presença de albita diagenética, com camadas contendo ao redor de 30% (Roveri, 2010). 3.2. Depósitos de argilas quaternárias Os quatro polos que centralizam a produção de cerâmica vermelha na região oeste do Estado – Barra Bonita, Ourinhos, Penápolis e Panorama-Pauliceia, são supridos por argilas lavradas a partir de jazidas de idade Quaternária (Fig. 1). Trata-se de acumulações sedimentares de fundo de vales, associados a planícies atuais e terraços aluvionares (paleo-planícies), ocorrendo, mais restritamente, em pequenas bacias lacustres. Nesses locais, formam-se depósitos de formato lenticular, com espessuras de porte métrico, que ocupam áreas de poucos hectares até alguns quilômetros quadrados, comumente intercalados a lentes e camadas arenosas. As jazidas são formadas por sedimentos argilosos inconsolidados, constituídos essencialmente de caulinitas detríticas, e, em menor proporção, de quantidades variáveis de quartzo. De forma subordinada, pode incorporar também outros argilominerais (illita e esmectita), além de conteúdo de muscovita, feldspatos, óxidos e hidróxidos de ferro, o que lhes conferem a característica de queima avermelhada. De forma geral, os depósitos de argila quaternária são texturalmente mais heterogêneas que os formacionais, possuindo de 70 a 95% de partículas menores que 325 mesh em média. A matéria orgânica geralmente contida nessas argilas inconsolidadas incrementa a sua plasticidade, facilitando o processo de moldagem dos produtos cerâmicos. Colabora também no aumento da resistência mecânica das peças secas, possibilitando manuseio adequado durante o processo de fabricação dos produtos. No entanto, a composição essencialmente caulinítica e o baixo teor de álcalis são responsáveis pela relativa refratariedade desses materiais argilosos. Isto tende a destiná-los à fabricação de produtos de cerâmica vermelha menos exigentes quanto aos parâmetros de resistência e absorção de água. Consequentemente, essas propriedades cerâmicas influenciam na produção dos polos do oeste paulista, especializados na confecção de blocos de vedação e lajes. As massas cerâmicas empregadas nos polos do oeste paulista são preparadas empiricamente, envolvendo a mistura de uma argila “gorda”, caracterizada pela alta plasticidade, granulometria fina e composição essencialmente de argilominerais, com uma argila “magra”, rica em quartzo e menos plástica, que pode ser caracterizada como um material redutor de plasticidade e que permite a drenagem adequada das peças nos processos de secagem e queima. 4. Considerações finais As argilas formacionais são mais abundantes que as argilas quaternárias, possuem ampla distribuição no território paulista e apresentam bom desempenho cerâmico, sobretudo no processamento térmico. Além disto, outros fatores favoráveis concorrem para o crescimento do seu aproveitamento nas indústrias de cerâmica vermelha, em substituição às argilas aluvionares, como a maior espessura e homogeneidade das camadas de argila e o posicionamento dos depósitos em situações topográficas mais elevadas, fora das áreas de inundação, o que lhes conferem vantagens técnicas e ambientais para as operações de lavra. O uso de argilas formacionais vem sustentando também a expansão em larga escala da indústria de revestimentos cerâmicos no Estado de São Paulo. Assim, fatores como a disponibilidade de jazidas de maior qualificação e a proximidade com centros consumidores têm favorecido o adensamento da mineração de argila e das atividades cerâmicas na faixa aflorante da sequência permocarbonífera da Bacia Sedimentar do Paraná, em detrimento aos polos situados no oeste paulista. Referências Anicer - Associação Nacional da Indústria Cerâmica, 2014. Dados do Setor, http:/www.anicer.com.br, consultado em 12/3/2014. Aspacer - Associação Paulista das Cerâmicas de Revestimentos, 2014. Informações gerais - estatísticas do setor, http//www.aspacer.com.br, consultado em 12/3/ 2014. Cabral Junior, M., Motta, J.F.M., Mello, I.S.C., Tanno, L.C., Salvador, E.D., Chierergatti, L.A., 2001. Recursos Minerais do Fanerozóico do Estado de São Paulo. Geociências, 20(1/2), 105-159. Cabral Junior, M., Sintoni, A., Obata, O. R. (Coord.), 2005. Minerais Industriais: orientação para regularização e implantação de empreendimentos. Publicação IPT n. 3000, São Paulo, 86 p. Cabral Junior, M., Motta, J.F.M., Almeida, A. dos S., Tanno, L.C., 2009. Argilas para Cerâmica Vermelha. In: A.B. Luz, Freitas; Lins, F.A.F. (Orgs). Rochas & Minerais Industriais: usos e especificações. CETEM/MCT, Rio de Janeiro, 747-770. Cabral Junior, M., Suslick, S.B., Suzigan, W., 2010. 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