Ilustração: Calicut
26
B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro,
v. 34, n.2, maio/ago. 2008.
“Capital Social”: solução para os
males do capitalismo mundializado?
1
Vânia C. Motta*
Resumo
Esse artigo debate sobre a “teoria do capital social” como nova base ideológica das “políticas de desenvolvimento
do milênio”. Na primeira parte apresentar-se-ão uma síntese da “teoria do capital social” desenvolvida por Robert
Putnam e uma breve análise de sua abordagem apoiada em Gramsci, mais especificamente em sua obra “A Questão Meridional”, e em autores da atualidade. Numa segunda parte discorrer-se-á sobre as categorias ideologia e
Estado-educador em Gramsci, com a finalidade de indicar as possíveis implicações política e cultural desse tipo de
abordagem na atual conjuntura do capitalismo, tendo em vista a finalidade de educar para o conformismo. E, num
terceiro momento, será tratado como os principais organismos multilaterais incorporaram elementos da “teoria
do capital social” dentro de suas especificidades de orientação e de financiamento de políticas sociais.
Palavras-chave: Teoria; Capital Social; Ideologia; Estado-educador; Conformismo;
Introdução
O tema “capital social” entrou no debate acadêmico promovido pelas principais agências internacionais em meados da
década de 1990, tendo em vista o reconhecimento do potencial
do “capital social” em relação às possibilidades de habilitar setores
pobres a participar e se beneficiar do processo de desenvolvimento2, e amenizar as perversas conseqüências do processo de
globalização dos mercados de “capitalismo dependente”3.
O tema emerge num contexto em que dados da realidade
vão contrapor a tese difundida pelos entusiastas da globalização
econômica de que com o mercado “livre” das amarras do Estado
os benefícios do crescimento econômico seriam “derramados”
por osmose aos setores desfavorecidos e os tirariam da pobreza
– “teoria do derrame”4. Diante da conjuntura que indicava a
infinita capacidade produtiva do novo padrão tecnológico de
produção, constatava-se que a polarização entre países foi intensificada; a pobreza e a miséria não só aumentaram nos países
“periféricos” como também foram globalizadas5; o mundo do
trabalho foi precarizado, com perdas de direitos conquistados,
com o aumento do desemprego estrutural e da informalidade.
* Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; mestre em
Educação pela Universidade Federal Fluminense; pedagoga. bolsista recém-doutora pela
FAPERJ no Programa de Pós-graduação Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH)
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com a supervisão de Gaudêncio
Frigotto. E-mail: [email protected].
Recebido para publicação em: 12/06/08.
B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro,
v. 34, n.2, maio/ago. 2008.
Nos anos finais da década de 1990, o clima instalado de
insegurança, de competição acirrada e de exacerbação do individualismo, e a série de crises econômicas em países de capitalismo
dependente criaram tensões em nível mundial, resultando numa
crescente onda antiglobalização. Diante desse quadro, setores
dominantes chegaram à conclusão de que o fracasso da “teoria do
derrame” estava colocando em risco a coesão social, nos planos
nacional e internacional. A partir de então, vários encontros foram
realizados entre setores políticos e econômicos para discutirem
sobre essa possível ameaça de ruptura e sobre a necessidade de
redefinir ações voltadas para administrar esse risco.
Do encontro da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento
Social, em Copenhague, em 1995, ao encontro de Cúpula do
Milênio da Organização das Nações Unidas, realizado em
2000, em Nova York, definiu-se um conjunto de políticas que
foi denominado de Políticas de Desenvolvimento do Milênio
(PDMs). Nesse conjunto de políticas sociais, as bases ideológicas
de orientação são renovadas com a idéia de gerar “capital social”
e a tese defendida é a de que as reformas econômicas devem
incorporar também ajustes nas dimensões culturais e sociais.
Considerando a importância de se analisar os efeitos dessa
teoria no contexto de um “capitalismo dependente”, no âmbito deste artigo, objetiva-se contribuir com o debate indicando
elementos da “teoria do capital social” que foram incorporados
nesse conjunto de políticas.
Na primeira parte, apresentar-se-ão uma síntese da “teoria do
capital social” desenvolvida por Robert Putnam e uma breve análise de sua abordagem apoiada em Gramsci, mais especificamente
em sua obra A Questão Meridional,6 e em autores da atualidade.
27
Numa segunda parte, discorrer-se-á sobre as categorias ideologia
e Estado-educador em Gramsci7, com a finalidade de indicar as
possíveis implicações política e cultural desse tipo de abordagem
na atual conjuntura do capitalismo, tendo em vista a finalidade de
educar para o conformismo. E, num terceiro momento, será tratado
como os principais organismos multilaterais – Banco Mundial
(BIRD), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),
Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL)
e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura (UNESCO) – incorporaram elementos da “teoria do
capital social” dentro de suas especificidades de orientação e de
financiamento de políticas sociais.
1 – O resgate da “teoria do capital social” por
Robert Putnam
O termo “capital social” não é novo e possui vários significados. Enquanto “teoria”, o termo ganha, na contemporaneidade,
notoriedade e uma roupagem nova a partir da obra de Robert
Putnam (2002)8. Segundo D’Araújo (2003): “É uma nova roupagem
para preocupações antigas que inquietam grande parte da população”9.
Para pesquisadores da área, trabalhar com a idéia de “capital
social” introduz uma dimensão mais humanizada no processo
econômico, isto é, pode tornar o capitalismo menos selvagem.
Trata-se de uma abordagem que, de certo modo, desafia a própria
lógica do modo de produção capitalista e incita questões do tipo:
seria realmente possível introduzir uma dimensão mais humana
numa lógica que prioriza o capital na relação de produção; em que
as atividades e produtos humanos se convertem em mercadoria
– tudo vira mercadoria –, não para satisfazer as necessidades
mais elementares da população, mas para criar necessidades
ampliadas de consumo; num movimento incessante e insaciável
de valorização do capital, de ganho operado pelos capitalistas?
Seria esse o caminho – amenizar as conseqüências imanentes
desse modo de produção? Até quando isso seria possível?
Marx esclareceu que o capitalismo só pode existir em expansão contínua, impulsionado pela competição, pelo lucro
sempre ampliado; num processo de mercantilização crescente
de todas as atividades e produtos humanos. Nesse processo,
com a superexploração do trabalho, condiciona com suas regras
as várias esferas da vida social. Sua contradição essencial: “Nas
mesmas condições em que se produz a riqueza, produz-se também a miséria”
(MARX, 2002; grifo nosso)10. E Polanyi (2000) adverte que a
economia capitalista, mais do que uma economia de mercado, é
uma economia para o mercado11.
Contudo, para muitos e para os principais organismos
multilaterais, é possível abrandar essa lógica e “solucionar” algumas expressões da “questão social” introduzindo mecanismos
sugeridos pela “teoria de capital social” de Putnam nas políticas
sociais. Mas do que se trata?
...
capitalismo só pode existir
em expansão contínua,
impulsionado pela
competição, pelo lucro sempre
ampliado; num processo de
mercantilização crescente de
todas as atividades e produtos
humanos.
exemplos de seus atributos que englobam tanto variáveis “estruturais” quanto “atitudinais” que levam à formação de redes de
cooperação visando à produção de bens coletivos e à capacidade
de estabelecer laços de confiança interpessoal.
Putnam13 elabora sua definição de “capital social” durante
20 anos de pesquisa na Itália moderna, entre 1970 e 1989,
acompanhando o processo de implantação da descentralização
administrativa e o desempenho institucional dos 20 governos
regionais criados nas regiões Norte e Sul. Com a questão “Por
que alguns governos democráticos têm bom desempenho e outros não?”14, o
pesquisador empenhou-se em examinar o potencial da reforma
institucional como estratégia para a mudança política e também
as restrições que o contexto social impõe ao desempenho institucional. Seu objetivo foi avaliar o impacto da descentralização
na redução da desigualdade entre as regiões Norte e Sul.
Nesse sentido, foi investigar, empiricamente, “se o êxito de um
governo democrático depende de quão próximo seu meio se acha do ideal de
uma ‘comunidade cívica’”15. Definiu que, em termos práticos, uma
“comunidade cívica”, que tem o mesmo sentido de “capital social”, incorpora os princípios de: participação cívica; igualdade
política; sentimentos de solidariedade, confiança e tolerância;
estruturas sociais de cooperação (associações).
Nas palavras do pesquisador:
1.1 – A “teoria do capital social”
A participação em organizações cívicas desenvolve o espírito de
cooperação e o senso de responsabilidade comum para os empreendimentos coletivos. Além disso, quando os indivíduos pertencem a
grupos heterogêneos com diferentes tipos de objetivos e membros,
suas atitudes se tornam mais moderadas em virtude da interação grupal
e das múltiplas pressões.(...)
Não existe na obra de Putnam (2002)12 uma definição exata
do termo “capital social”, mas indicadores associados a vários
No âmbito externo, a ‘articulação de interesses’ e a ‘agregação de
interesses’ (...) são intensificadas por uma densa rede de associações
secundárias.
28
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(...) uma densa rede de associações secundárias ao mesmo tempo
incorpora e promove a colaboração social. Assim, contradizendo o
receio de sectarismo manifestado por pensadores como Jean-Jacques
Rousseau, numa comunidade cívica as associações de indivíduos que
pensam da mesma forma contribuem para um governo democrático
eficaz (PUTNAM, 2002)16.
Explica Putnam (2002) que a idéia de desempenho institucional empregada na pesquisa difere de certos teóricos que
compreendem o desempenho institucional como “‘as regras do
jogo’, as normas que regem a tomada de decisões coletiva, o palco onde os
conflitos se manifestam e (às vezes) resolvem”17. Trata-se, segundo ele,
de uma noção até “pertinente, mas não esgota o papel das instituições
na vida pública”18. Explica que para esse tipo de compreensão de
desempenho institucional “ter ‘êxito’ (...) significa capacitar os atores
a resolver suas divergências da maneira mais eficiente possível, considerando
suas diferentes preferências”19.
Um bom desempenho institucional para Putnam20 está
relacionado à administração eficaz e eficiente dos recursos disponíveis. Acordos não seriam centrais nesse tipo de desempenho
institucional porque conflitos devem ser evitados; inexistem
correlações de forças e relações de poder. Nessa perspectiva,
Putnam21 considerou como resultado positivo da descentralização
administrativa italiana a formação de uma política menos polarizada ideologicamente e mais voltada para problemas práticos
da população, com instituições governamentais mais tolerantes
e próximas do povo.
No entanto, o pesquisador constatou que, nas regiões italianas
menos desenvolvidas, essa ênfase tecnocrata não foi consolidada, não houve alteração na qualidade do governo. Era possível
identificar, ainda, comportamentos observáveis no período da
centralização, tais como: corrupção, burocracia, clientelismo,
impasses políticos, entre outros. O que o levou a construir a
hipótese de que o processo histórico da formação das instituições
político-sociais interfere no “êxito” ou “fracasso” delas.
Segundo Putnam (2002), “o debate do tipo ‘o ovo ou a galinha’ sobre
a cultura versus estrutura é essencialmente infrutífero. Mais importante é
entender por que a história facilita certas trajetórias e obstrui outras”22. O
processo histórico a que se refere está relacionado às diferenças na
forma como historicamente se estruturaram as relações políticas
e sociais do Norte e do Sul da Itália, no âmbito institucional e
sociocultural. Uma região (Norte) altamente industrializada e
organizada e outra (Sul) “atrasada”, ainda apresentando fortes
características “feudais”.
Na concepção de relação política e social restritamente
administrativa de Putnam, o Norte estabeleceu historicamente
uma relação mais horizontal com o governo, por apresentar uma
forte tendência à organização e à formação de forças sociais
– formação de associações. No Sul, houve o predomínio de uma
relação vertical, de dependência do governo central.
Para Putnam (2002), foi a eficácia no atendimento e na administração das demandas que contribuiu para o desenvolvimento
do Norte da Itália, e foi a inexistência dele que fez com que o Sul
permanecesse atrasado. O Sul não “herdou” um bom estoque
de “capital social”24.
Sem considerar as contradições na formação econômico-social da Itália moderna, Putnam25 identifica dois tipos de atuação
do Estado que vão interferir de modo positivo ou negativo no
desempenho das instituições públicas, não só da Itália, mas de
qualquer formação histórico-social: uma que ele denomina de
“círculo vicioso autoritário” e outra, em oposição, o “círculo virtuoso
democrático”. Na primeira, o Estado garante a ordem de maneira
coercitiva, por meio do medo, da repressão e da dependência,
inibindo a construção de comportamentos mais cooperativos
no interior da população, dificultando o estabelecimento de
“laços horizontais” de “confiança mútua”. Na segunda, há o
investimento em formular regras e normas “impessoais” de
“solução de disputas”, que devem ser seguidas por todos, independentemente das condições social e econômica.
Concluiu que: “Praticamente sem exceção, quanto mais cívico o
contexto, melhor o governo.(...) Eis a lição a ser tirada de nossa pesquisa:
o contexto social e a história condicionam profundamente o desempenho das
instituições”26. Isto é, existe uma “forte correlação [não de forças, mas
de cooperação] entre associações cívicas e instituições públicas eficazes”27.
Isso o levou a afirmar que a cultura cívica é um fator central para
o bom funcionamento das instituições; associada à confiança
interpessoal forma um recurso fundamental de poder para os
indivíduos e para a sociedade – capital social.
Dois fatores são essenciais na relação entre as associações
cívicas e as instituições públicas para resultar em melhores
desempenhos produtivos e sociais, e promover o crescimento
econômico: a “consciência cívica” (diferente de “consciência
crítica”)28 e as intervenções voluntárias de indivíduos associados,
No Norte, as regras de reciprocidade e os sistemas de participação
cívica corporificaram-se em confrarias, guildas, sociedades de mútua
assistência (...). Esses vínculos cívicos horizontais propiciaram níveis de
desempenho econômico e institucional muito mais elevados do que no
Sul, onde as relações políticas e sociais estruturaram-se verticalmente.
(PUTNAM, 2002)23
B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro,
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29
A questão da desigualdade
é limitada a uma questão de
moralidade e de administração
eficaz e eficiente, e está
sujeita a penalização; limitase ao caráter instrumental
e apresenta-se como um
mecanismo apolítico.
na cobrança por melhor desempenho das instituições políticas
(política de resultado). E essas instituições, para serem eficazes,
devem ter sensibilidade no atendimento das demandas da comunidade e saber gerenciar essas demandas nas condições dadas.
Segundo o autor: “As regras de reciprocidade generalizada e os
sistemas de participação cívica estimulam a cooperação e a confiança social
porque reduzem os incentivos de transgredir, diminuem a incerteza e fornecem
modelos de cooperação futura”29. Os “círculos virtuosos” resultam em
equilíbrios sociais, com níveis de cooperação, confiança, reciprocidade, civismo e bem-estar coletivo elevados, o que caracteriza
a definição de “comunidade cívica” de Putnam.
Para Putnam (2002):
(...) o contrato social que sustenta essa colaboração na comunidade cívica não é de cunho legal, e sim moral. A sanção para
quem transgride não é penal, mas a exclusão da rede de solidariedade
e cooperação. (...)
A consciência que cada um tem de seu papel e de seus deveres como
cidadão, aliada ao compromisso com a igualdade política, constitui o
cimento cultural da comunidade cívica (grifo nosso)30.
Assim, com uma visão determinista da história, o pesquisador
entende que o problema das desigualdades econômico e social,
em qualquer formação histórico-social, pode ser superado pondo
no centro a questão da “cultura cívica” e o papel das associações
locais. A questão da desigualdade é limitada a uma questão de
moralidade e de administração eficaz e eficiente, e está sujeita
a penalização; limita-se ao caráter instrumental e apresenta-se
como um mecanismo apolítico.
Sua base de análise sociocultural é a teoria da governança
democrática de Tocqueville. São as associações cívicas que vão
reforçar os “hábitos do coração”, essenciais para se ter instituições democráticas estáveis e eficazes. Nessa ótica, o pesquisador
30
sugeriu o desenvolvimento da “virtude cívica” para a formação
de uma “comunidade cívica”, que implica em direitos e deveres iguais para todos, e insere cidadãos solidários, tolerantes e
estabelecendo laços de confiança mútua. Em sua obra, Putnam
(2002) destacou o seguinte trecho da teoria de Tocqueville: “A
confiança mútua é talvez o preceito moral que mais necessita ser difundido
entre as pessoas, caso se pretenda manter a sociedade republicana”31.
Em síntese, na sua concepção, a propensão de uma comunidade formar associações cívicas é fundamental para a eficácia
e a estabilidade de um governo democrático, pois estas incutem
nos membros os hábitos de cooperação, solidariedade e espírito
público, isto é, traduz-se em “capital social”. Sociedades ou regiões
com estruturas mais democráticas seriam mais capazes de avançar
no crescimento econômico e social, pois podem empreender
uma dimensão comunitária do desenvolvimento.
1.2 – Caráter instrumental e conformador da “teoria
do capital social”
As conclusões de Putnam32 sobre a diferença de resultado
no desempenho institucional nas regiões Sul e Norte da Itália,
restritamente condicionada à relação horizontal ou vertical com
o Estado, desconsideraram a relevância das relações de poder
e dominação estruturais e superestruturais que inserem o desenvolvimento de uma formação social específica e sua relação
com a dinâmica do sistema capitalista global. Nesse sentido,
considerou-se importante trazer as análises de Gramsci sobre
o desenvolvimento da formação social italiana porque abarcam outros elementos que não estão considerados na análise
de Putnam.
Gramsci, analisando a formação histórico-social da Itália
moderna, observou que a reprodução global do capital na formação econômico-social daquele país passa necessariamente pela
“questão meridional”. Tal questão é resultado do movimento de
unificação da Itália em meados do século XIX – Risorgimento33
–, “dirigido pela burguesia liberal moderada, em aliança com os grandes
latifundiários e sob a égide da monarquia piemontesa”34, que gerou um
“processo de modernização conservadora”.35 Ela “expressa, sobretudo, na
não-integração do mundo camponês sulista aos processos de modernização
econômica e política” (COUTINHO, 1999)36.
A Itália dos anos iniciais do século XX conserva os “resíduos
feudais” do Sul sob o domínio dos latifundiários em aliança com a
burguesia liberal que se desenvolve no Norte. Conforme explica
Coutinho (1999): “O Sul, atrasado e semifeudal, funcionou objetivamente como um território colonial explorado pela burguesia industrial do
Norte”37; a região Sul da Itália era, sobretudo, “um fornecedor de
força de trabalho barata para a indústria do Norte”38, isto é, fez parte
do rebaixamento do custo da reprodução da força de trabalho,
favorecendo tanto a “burguesia nortista”, como “também os grandes
latifundiários do Sul, que eram protegidos pelo Estado contra transformações
radicais no estatuto da propriedade rural”39.
Ainda segundo Coutinho (1999):
Mais que isso: as grandes margens de lucro desfrutadas pela burguesia
nortista, graças ao protecionismo e ao volumoso exército industrial de
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reserva, favoreciam as tentativas de ‘cooptação’ transformista de alguns
setores operários, que se expressavam politicamente no reformismo. Com
isso, um setor privilegiado da classe operária – uma ‘aristocracia operária’
– terminava por contribuir para consolidar o bloco industrial-agrário
que dominava o país e era responsável direto pelas miserabilíssimas
condições de vida do campesinato do Sul40.
A diferença de desenvolvimento entre o Norte e Sul da Itália,
na concepção de Gramsci (2000)41, deu-se pela aliança entre os
latifundiários e a burguesia, num processo de manutenção de
mão-de-obra barata e redução dos custos da produção industrial
e conservação das condições precárias de trabalho no campo. E
teve, em certa medida, o apoio da classe operária organizada do
Norte ao restringir as disputas trabalhistas no âmbito econômicocorporativo, isto é, “sente-se a unidade homogênea do grupo profissional e o
dever de organizá-la, mas não ainda a unidade do grupo social mais amplo”42.
Trata-se de uma abordagem que problematiza a dinâmica inerente
ao modo de produção capitalista, que se dá na contradição entre
a criação do moderno e do atrasado, na produção da riqueza e da
miséria e o papel fundamental da burguesia local também em fazer
uso do poder para conseguir o máximo de estabilidade política e
social para a reprodução do capital global.
Apoiando-se nesta perspectiva analítica, pode-se considerar
que a idéia de Putnam de desenvolver a “virtude cívica” como
mecanismo de desenvolvimento social e bem-estar coletivo não
está relacionada à questão política na sua forma ampliada, éticopolítica; no sentido de desenvolver a capacidade organizativa
dos trabalhadores para estabelecer uma “aliança operário-camponesa” voltada para a formação de uma classe nacional, “capaz
(...) de exercer sua própria hegemonia sobre a maioria dos trabalhadores”
(COUTINHO, 1999)43. A “consciência cívica” de Putnam é uma
questão moral, que responde por seus atos, tendo em vista sua
própria consciência individual, e se dá nos limites das associações
corporativas e necessidades imediatas.
A defesa de Putnam de que a superação da desigualdade
entre regiões e setores em uma determinada formação social
está relacionada à capacidade de o indivíduo adquirir virtudes
cidadãs transita nos limites da “boa governança”. E enquanto
“potencial moral” que garante a coesão social, a abordagem de
Putnam incorpora elementos da sociologia de Durkheim.
Para Durkheim44, a função da Sociologia é a de detectar e
buscar soluções para os problemas sociais, restaurando a normalidade social e converter em uma técnica de controle social e
de manutenção do poder vigente. Os “fatos sociais” que “desviam” da normalidade são vistos como uma “patologia”, isto é,
uma “anomia”, desajustes entre as funções sociais que podem
comprometer a solidariedade ou a coesão social. Em síntese,
pode-se dizer que para Durkheim, o problema fundamental da
vida social é um problema moral – só a potência moral pode
cessar as paixões humanas.
Esse tipo de concepção que enfatiza a importância da confiança e a participação ativa dos cidadãos para o funcionamento
eficaz das instituições públicas tem sido uma abordagem predominante na atualidade. O aprofundamento da desconfiança e
da instabilidade política em várias partes do mundo provocou o
deslocamento da discussão sobre o processo de democratização
B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro,
v. 34, n.2, maio/ago. 2008.
para o terreno da consolidação da cidadania. Provavelmente, isso
se deu com o aumento das demandas sociais, frente à exacerbação
do individualismo, das desigualdades e da pobreza no contexto
do capitalismo mundializado45, e o fortalecimento dos debates
sobre a exclusão social de grupos discriminados. Nesse contexto,
ganha força o debate em torno do conceito de cidadania que,
segundo Moisés (2005)46, se polariza em duas vertentes conservadoras: a “comunitarista” e a “liberal clássica”.
A vertente “comunitarista” procura resgatar a noção cívicorepublicana do tema; o valor fundamental da atividade política
é a busca do bem comum, sobrepondo aos interesses privados,
que seriam alcançáveis através da participação direta e ativa dos
cidadãos no processo de tomada de decisões coletivas, e não
pela representação; é a partir da participação dos cidadãos que
se desenvolve a “comunidade cívica” necessária ao advento de um
governo virtuoso, e a liberdade é a condição de seu compromisso
com o bem público, entendido como expressão dos interesses
de todos. A vertente “liberal clássica” é de cunho essencialmente
jurídico e administrativo formal; restrita à “comunidade instrumental”, na qual os indivíduos participam de interesses e identidades
previamente constituídos, sem vínculo ou raiz social, o que leva
a minimizar a “importância da esfera pública para o desenvolvimento das
virtudes cívicas necessárias ao funcionamento do bom governo”47.
Para os comunitaristas, conforme expressa Moisés (2005), “a
tradição liberal relegou as preocupações normativas da política ao campo
da moralidade privada”48. Nesse sentido:
...a política teria sido destituída do seu componente ético – associado
na concepção cívico-republicana com o desenvolvimento das virtudes
requeridas pela participação na pólis e na república – para assumir uma
concepção essencialmente instrumental, voltada apenas para a
realização de interesses privados definidos independentemente
da discussão pública. (grifo nosso)49.
O aprofundamento
da desconfiança e da
instabilidade política em
várias partes do mundo
provocou o deslocamento da
discussão sobre o processo
de democratização para o
terreno da consolidação da
cidadania.
31
No entanto, para Semeraro (2001)50, a vertente “comunitarista”
busca superar a concepção fragmentária e formalista da vertente
liberal, mas tende a idealizar modelos sociais da Antiguidade e
a reativar “elementos culturais, raízes religiosas e étnicas com o objetivo
de resgatar ‘virtudes’ republicanas e vínculos com tradições e costumes que
assegurem identidades culturais, regionais e nacionais”51.
Ainda segundo o autor: “Aos comunitaristas não faltam boas
razões para desvendar a perversidade do liberalismo e a fragilidade dos seus
argumentos”52. É importante que se tenha clareza de que as idéias
dos “neo-comunitaristas” não surgiram na atualidade para se
contrapor ao liberalismo, mas foram fortalecidas na atualidade
com a exacerbação do individualismo e com a necessidade de se
estabelecer uma maior solidariedade nas
relações intersubjetivas e de “valorização
das pessoas” em um mundo em que predomina o anonimato e o desinteresse pelo
outro, resultante do aprofundamento das
contradições fundamentais da sociedade
capitalista.
O embate entre a concepção de cidadania de caráter jurídico e administrativo
formal e a de cunho republicano esvaziado
da práxis “pode vir a se transformar em arma
poderosa nas mãos de forças conservadoras”53. A
questão que se coloca é: Que implicação
pode ter a conservação de um regime de
acumulação de capital altamente excludente assegurada pelas bases ideológicas do
“capital social”, isto é, pela formação de uma
sociedade harmoniosa e solidária; sem lutas
de classes e conflitos de interesses?
2 – A ideologia do capital social:
educando para o conformismo
Que implicação pode ter a
conservação de um regime
de acumulação de capital
altamente excludente
assegurada pelas bases
ideológicas do “capital
social”, isto é, pela
formação de uma sociedade
harmoniosa e solidária;
sem lutas de classes e
conflitos de interesses?
Gramsci (1999) vai dizer que “é ideologia
toda concepção particular dos grupos internos da
classe que se propõem ajudar a resolver problemas
imediatos e restritos”54. Nessa ótica, entende-se que, sendo a questão
da desigualdade inerente e necessária à expansão do capitalismo
e não uma anomalia, a proposta de Robert Putnam de reduzir as
desigualdades econômicas e sociais entre as regiões Sul e Norte da
Itália, assim como de qualquer outra formação social capitalista,
através do desenvolvimento do “capital social”, é ideologia.
E ideologia em Gramsci está situada na “batalha pela hegemonia”. Na sua concepção, ideologia é mais do que no sentido gnosiológico de “falsa consciência” se opondo à “consciência
verdadeira” (COUTINHO, 1999)55. Ela é analisada como força
material, como realidade prática; “a ideologia – enquanto concepção
de mundo articulada com uma ética correspondente – é algo que transcende
o conhecimento e se liga diretamente com a ação voltada para influir no
comportamento dos homens”56.
Aponta Gramsci57 que a filosofia que se transformou em
movimento cultural, assim como toda concepção de mundo
32
que penetrou no senso comum e produziu normas de condutas,
“forma uma unidade ideológica, cimentada e unificada” em todo o “bloco
histórico” 58. Essa filosofia ou concepção de mundo, manifestada
nas artes, no direito, nas atividades econômicas, “em todas as
manifestações de vida individuais e coletivas”59, que apresenta uma
unidade de pensamento e ação coerente e unitária – uma “unidade
ideológica” –, seria, para Gramsci, uma “ideologia”.
Ideologia para Gramsci (1999)60 tem, nesse contexto, o sentido
de uma determinada concepção de mundo arraigada no senso
comum; é uma realidade prática que não é posta em questão.
É configurada por elementos absorvidos historicamente, sem
análise crítica, “cimentados” e “unificados” no modo de pensar,
de sentir e de agir no mundo resultante
do acúmulo histórico-social de um determinado grupo. De caráter “conformista”,
ideologia é uma questão de “fé”.
Nessa perspectiva, no processo de
luta pela hegemonia, a classe dominante
procura permanentemente formar uma
“unidade ideológica”, cimentando e
unificando um determinado modo de
pensar, de sentir e de agir no mundo em
todo o bloco histórico (“Os pensamentos
da classe dominante são, também, em todas as
épocas, os pensamentos dominantes”, Marx e
Engels)61.
No entanto, sendo a gênese do Estado
capitalista um Estado de classe, mas que
já não mais impõe coercitivamente sua
“religião”62, dialeticamente a esse processo
permanente de renovação e de ajustes
necessários à acumulação do capital se
darão as lutas para as massas se libertarem
“das ideologias parciais e falazes” e a disputa
constante pela hegemonia.
Nesse sentido, para Gramsci (1999),
tendo em vista a filosofia da práxis:
...as ideologias não são de modo algum arbitrárias; são fatos históricos reais, que devem ser
combatidos e revelados em sua natureza de instrumentos de domínio,
não por razões de moralidade, etc., mas precisamente por razões de
luta política: para tornar os governados intelectualmente independentes
dos governantes, para destruir uma hegemonia e criar outra, como
momento necessário à subversão da práxis.63
Gramsci (1999)64 trabalha no sentido de apontar que há
uma unidade entre a filosofia e a ação, entre a forma como se
compreende o mundo e se age sobre ele. A filosofia “superior”
apresenta um caráter de elaboração individual do pensamento,
racional e coerente, já o senso comum apresenta um pensamento
genérico, com características difusas e dispersas, que pode ser
renovado, transformar-se em “bom senso”, com a coerência e
o vigor das filosofias individuais. A filosofia, numa perspectiva
mais elevada, é a crítica e a superação da “filosofia espontânea”
ou do senso comum e da “religião”, isto é, um “convite à reflexão,
B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro,
v. 34, n.2, maio/ago. 2008.
à tomada de consciência de que aquilo que acontece é, no fundo, racional, e
que assim deve ser enfrentado, concentrando as próprias forças racionais e
não deixando levar por impulsos instintivos e violentos”.65
Para “libertar-se das ideologias parciais e falazes” há a necessidade
de substituir a concepção de mundo “desagregada e ocasional”, de
superar a “filosofia espontânea” por uma outra calcada na ciência
e na filosofia. Para tal, deve-se polemizar e criticar a “filosofia
espontânea”, isto é, o “conjunto de noções e de conceitos determinados”
que estão contidos na linguagem66, no senso comum e no bom
senso, em “todo o sistema de crenças, superstições, opiniões, modos de
ver e de agir” 67; superar uma determinada concepção de mundo,
“’imposta’ mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos muitos
grupos nos quais todos estão automaticamente envolvidos desde sua entrada
no mundo consciente”68 que é expressa nas formas como o homem
compreende e sente sua realidade e age sobre ela, ainda que seja
uma concepção de mundo “desagregada e ocasional”.69
Na sua perspectiva, uma concepção de mundo desagregada
e ocasional, compartilhada em um mesmo modo de pensar e de
agir, significa conformismo, isto é, que “somos conformistas de algum
conformismo, somos sempre homens-massa ou homens-coletivos”.70 Assim,
é fundamental que se realize o “momento da crítica e da consciência”
partindo da crítica da própria visão de mundo, “...um ‘conhece-te
a ti mesmo’ como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que
deixou em ti uma infinidade de traços acolhidos sem análise crítica”71, para
elaborar a própria concepção de mundo, “coerente e unitária”72.
Daí, Gramsci afirmar a necessidade de resgatar a história do
ponto de vista das classes dominadas para construir as bases de
uma contra-hegemonia.
Construir uma concepção de mundo crítica e coerente é,
para o pensador italiano, ter consciência da própria historicidade, o que provoca uma compreensão dinâmica do processo
histórico e insere uma perspectiva de mudança; é identificar as
determinações do momento histórico vivido, o que implica em
superá-las, se for o caso; é compreender que tal concepção de
mundo construída crítica e coerentemente vai colidir com outras
concepções, o que vai levar a identificar as forças sociais que
compõem a dinâmica do processo histórico.
A superação da “condição de homem-massa” insere, nesse sentido,
criar uma nova cultura. E criar uma nova cultura para Gramsci
tem o sentido de difundir, socializar, verdades já descobertas e
“transformá-las em base de ações vitais, elementos de coordenação e de ordem
intelectual e moral” para os homens73.
A criação de uma nova cultura se dá em contradição com
outras concepções de mundo e com elementos arraigados da
concepção de mundo de uma determinada classe hegemônica.
Nesse sentido, para desenvolver um processo de construção de
uma nova cultura devem ser consideradas as seguintes premissas:
na formação dos Estados modernos, o exercício da hegemonia
foi fundamental para a conquista da direção política e cultural
da sociedade e nas sociedades capitalistas avançadas, a força do
Estado reside cada vez menos na coerção, pois foi desenvolvendo
mecanismos de hegemonia cada vez mais refinados.
Há, na abordagem do “capital social” como mecanismo de
redução da desigualdade e de alívio da pobreza, duas questões,
entre outras, que nos remetem às categorias centrais em Gramsci:
Estado-educador e sociedade civil.
B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro,
v. 34, n.2, maio/ago. 2008.
O Estado burguês é, na concepção de Gramsci (2000), um
Estado-educador.
A classe burguesa põe-se a si mesma como um organismo em contínuo
movimento, capaz de absorver toda a sociedade, assimilando-a a seu
nível cultural e econômico; toda a função do Estado é transformada:
o Estado torna-se ‘educador’... grifo nosso)74.
Gramsci (2000) coloca que “o Estado (burguês) deve ser concebido
como ‘educador’ na medida em que tende precisamente a criar um novo tipo
ou nível de civilização”75. Isto é, exerce a função educadora de dirigir
e organizar a sociedade para uma determinada vontade política.
Sua função educadora pode ser identificada ao longo do processo
de desenvolvimento histórico do modo de produção capitalista
– seja para civilizar e disciplinar aquela massa de trabalhadores
“livres” ainda em formação, libertando-os das tradições acríticas
do Ancien Règime e formando-os pelos valores da laboriosidade
burguesa, seja como estratégia de segurança internacional para
conter o avanço do comunismo76, seja para modernizar e aumentar
a produtividade77. Enquanto tal, no decorrer de seu processo
histórico e impulsionado pela sua própria essência contraditória,
o Estado burguês expandiu sua esfera de domínio, desenvolvendo
capacidades estratégicas, cada vez mais refinadas, de impor a
adesão à sua forma particular de ver o mundo.
Na atual conjuntura, o Estado burguês aprimora os mecanismos de hegemonia ao operar como “administrador dos ciclos
33
de crise” do capital e como Estado-educador, em harmonia com o
mercado e em parceria com as organizações da sociedade civil, esta
convertida num mítico “terceiro setor” (COUTINHO, 2006)78,
e ao atuar diretamente nas esferas microssociais e individual,
visando uma “reforma intelectual e moral” para o enfrentamento
da “questão social”79.
Sociedade civil, em Gramsci, é um espaço do Estado “dedicado
a promover a articulação e a unificação de interesses, a politizar ações e
consciências e a superar tendências corporativas ou concorrenciais” (NOGUEIRA, 2003)80, com fins de construção de projetos globais
de sociedade e de articulação ético-política. A sociedade civil é
essencialmente o espaço da política (em seu sentido amplo), de
disputa de poder e da dominação (direção política, intelectual
e moral).
A segunda problemática posta na abordagem do “capital social”
é o processo de despolitização e enfraquecimento dos embates
no interior da sociedade civil ao disseminar a idéia de se criar um
clima ameno, sem confrontos, solidário e coeso para “combater”
as mazelas sociais. Justamente essa categoria de Gramsci, “um
conceito, complexo e sofisticado, com o qual se pode entender a realidade
contemporânea (....) um projeto político, abrangente e igualmente sofisticado,
com o qual se pode transformar a realidade” (NOGUEIRA, 2003)81
que vem sendo expandida com outras óticas, pretensamente
“desinteressadas”.
Tomando a concepção de Gramsci de Estado ampliado (sociedade política + sociedade civil) e de Estado-educador, pode-se
concluir que a penetração da ideologia do capital social no senso
comum das massas, ao promover a despolitização e enfraquecer
os embates entre classes, exerce uma “função educadora”. Ao disseminar a idéia de se construir um clima ameno, sem confrontos,
solidário e coeso para “combater” as mazelas sociais, cria-se
uma “vontade de conformismo”.
Nessa perspectiva, torna-se fundamental problematizar
o conjunto de “políticas de desenvolvimento do milênio” enquanto
mecanismo de despolitização e de conformismo, isto é, processo de educar para o conformismo, averiguando como principais
organismos multilaterais incorporaram elementos da “teoria do
capital social”.
3 – A concepção de “capital social” difundida
pelos organismos multilaterais
Além da obra de Robert Putnam, são apontados trabalhos
de outros autores, tais como, James Coleman82, Bernardo Kliksberg e Luciano Tomassini83, e Francis Fukuyama84 como sendo
obras fundamentais para a compreensão do termo e para definir
estratégicas de desenvolvimento e ainda vários outros estudos,
até de caráter mais prático, geralmente financiados pelo Banco
Mundial, que procuram demonstrar a importância do “capital
social” no desempenho econômico e político dos países.
A partir da pesquisa de Putnam, é possível identificar um
volume significativo de estudos e pesquisas sobre o tema, alguns se dedicando aos aspectos conceituais e outros a estudos
empíricos. No documento da Cepal – “Capital social y reducciòn
de la pobreza en América Latina y el Caribe: en busca de um nuevo
paradigma”85 –, os autores apontam os conflitos existentes em
relação às diversas definições e abordagens de “capital social” e
relacionam as seguintes diferenças:
Lo que algunos denominan capital social, es lo que otros consideran
manifestaciones o productos del capital social.
Hay quienes estiman que el capital social es un concepto micro. Otros
piensan que se trata de un concepto macro.
Algunos equiparan el capital social a conceptos como las instituciones,
las normas y las redes, mientras que otros prefieren identificar estos
conceptos en forma separada, como elementos del paradigma del
capital social.
En sus definiciones del capital social, hay quienes lo ubican en unidades tales como la sociedad civil, las comunidades y las familias. Otros
sostienen que no corresponde hacer referencia a esa ubicación en la
definición del capital social.
Nosotros definimos el capital social como los sentimientos de
solidariedad de una persona o un grupo por otra persona o grupo.
Esos sentimientos pueden abarcar la admiración, el interés, la preocupación, la empatía, la consideración, el respeto, el sentido de obligación,
o la confianza respecto de otra persona o grupo. (ROBISON, Siles;
SCHMID, 2003, grifo nosso)86
Contudo, identifica-se que há um consenso entre os organismos multilaterais de que o desenvolvimento de “capital social”
é uma saída à crise que está posta nos anos finais da década de
1990, de forma a aliviar as tensões e a pobreza que se ampliam
e se globalizam.
Tonella (2003), resenhando a obra da Cepal, observa que
a tentativa de os atores definirem o termo, bem como tentar
quantificá-lo, resultou em uma infinidade de “tipos” de capital
social.87 Ao averiguar a observação da autora, foram encontrados
os seguintes “tipos” de “capital social” na obra citada: individual,
grupal e comunitário; “de puente” (alianças horizontais no território), “de escalera” (reciprocidade com controle) e “societal”;
formal e informal; restrito e ampliado; de união, de vinculação
e de aproximação.
Ocampo (2003)88, Secretário Executivo da Cepal, introduz
a obra definindo “capital social” como:
34
B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro,
v. 34, n.2, maio/ago. 2008.
...el conjunto de relaciones sociales caracterizadas por actitudes de
confianza y comportamientos de cooperación y reciprocidad. (...) un
recurso de las personas, los grupos y las colectividades en sus relaciones
sociales (que) está desigualmente distribuido en la sociedad.89
Contudo, isto é, com todo o esforço da intelectualidade
cepalina para definir o “conceito” de “capital social” e/ou os
tipos, no geral da obra pode-se concluir que o termo se baseia
em relações de solidariedade, entre pessoas ou grupos, que
compreende o próprio “capital social”, as redes, os bens socioemocionais, os valores afetivos, as instituições e o poder, para
produzir benefícios econômicos e bens socioemocionais que levem ao
bem-estar socioeconômico.
Os cepalinos acreditam que, na medida em que aumenta
o “capital social” de uma pessoa, aumenta o seu interesse pelos
demais membros, isto é, aumenta o sentimento de solidariedade
e, com isso, ampliam-se as oportunidades de adquirir benefícios
econômicos e bens socioemocionais já disponíveis na sociedade. São os seguintes os bens socioemocionais relacionados:
educação, vigilância do cumprimento da lei, alguns serviços de
saúde e transporte, saneamento, higiene dos alimentos, defesa e
proteção ambiental (ROBISON; SILES; SCHMID, 2003)90. Estes
bens socioemocionais são denominados pelo Banco Mundial de
“estoques pessoais de ativos”.
Conforme observa Robison; Siles; Schmid (2003):
Los esfuerzos de reducción de la pobreza ejercen una influencia positiva en el capital social de un país, porque disminuyen la segregación.
Además, las iniciativas de inversión en capital social, que conectan a
personas anteriormente desvinculadas, tienden a aminorar la desigualdad
de ingresos y la pobreza que contribuyen a esa segregación.91
Segundo Ocampo (2003), o atual debate sobre a agenda do
desenvolvimento tende a ordenar-se em torno de dois eixos
principais e complementares:
(...) por una parte, la búsqueda de un nuevo equilibrio entre el
mercado y el interés público y, por otra, la concepción de las
políticas públicas como formas de acción en favor de objetivos de
interés común, que no se limitan a las acciones estatales. De esta
manera, se pone de relieve la necesidad de abrir nuevas oportunidades
para la participación de la sociedad civil y superar, por ese camino, ala
crisis del Estado que repercute por igual en los mundos desarrollado
y en desarrollo. (grifo nosso)92
Para Robison; Siles; Schmid (2003)93, por exemplo, uma das
formas para que os pobres possam adquirir o “capital social” por
meio de oportunidade de serem ouvidos e fazer valer suas opiniões94. No entanto, esclarecem os autores, tal condição requer
capacitação. Com isso, eles recomendam desenvolver políticas
que promovam a formação de dirigentes, com a colaboração de
organizações da sociedade civil, dando orientações sobre a forma
de gerar capital financeiro e físico e capital social.
Nessa perspectiva de que o papel “ativo” das organizações
da sociedade civil (terceiro-setor), da comunidade e dos grupos
é fundamental no processo de redução das desigualdades sociais
e na “inclusão social” dos pobres, pois a ampliação desse recurso
social (confiança, cooperação, reciprocidade) requer mudanças
B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro,
v. 34, n.2, maio/ago. 2008.
...
há um consenso entre os
organismos multilaterais
de que o desenvolvimento
de “capital social” é uma
saída à crise que está posta
nos anos finais da década de
1990, de forma a aliviar as
tensões e a pobreza que se
ampliam e se globalizam.
culturais, ou como colocara Fukuyama (2005), exige certos “hábitos mentais”95. Torna-se fundamental a atuação direta nas esferas
microssociais e individual, visando uma reforma intelectual e
moral para o enfrentamento da questão social – expressa na
atual conjuntura pelo aumento da pobreza e da desigualdade,
do desemprego e da precarização do trabalho, principalmente
no que se refere ao rebaixamento dos salários, à ausência de
proteção trabalhista e ao enfraquecimento da representatividade
sindical, além da intensificação da brutalização e degradação
moral anunciada pelo aumento do índice de violência.
Nesse conjunto de orientação dos cepalinos estão incluídas, também, políticas de acesso e melhoria do ensino público.
Explicam que um “sólido programa de ensino público” também é
fundamental: “Esos programas no solamente generan capital humano,
sino que además pueden ser fundamentales para la creación de capital social”
(ROBISON; SILES; SCHMID, 2003)96. Ao sistema educacional, público, porque é o sistema que atende as camadas mais
pobres da população, é atribuída a tarefa de administrar a crise
e a pobreza. Alargam-se as atribuições da escola e restringe-se
o caráter político que lhe é inerente97.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) vai
incorporar as idéias de desenvolvimento do “capital social” nos
programas de redução da pobreza e de promoção da “eqüidade
social” na América Latina e no Caribe, enfatizando os “grupos social
e culturalmente excluídos” da América Latina, inclusive portadores
de deficiência física. Nesse sentido, fazem parte de uma das
“dimensões” de políticas do Banco para o combate à pobreza as
temáticas: Inclusão Social, Governabilidade e Capital Social.
Conforme expressou o Presidente do BID, Enrique
V.Iglesias:
35
enfrentar eventos adversos devem ser complementadas
por políticas mais abrangentes, que ampliem o acesso
a oportunidades. A característica de transmissão da
falta de oportunidade de uma geração a outra também
destaca a importância da comunidade e da família na
formulação de políticas destinadas a interromper essa
transmissão.101
En la búsqueda de los medios más eficaces para enfrentar la pobreza,
el Banco continúa definiendo más claramente el objetivo de su financiamiento. A mediados de los años setenta, la agricultura y el desarrollo
urbano fueron los principales sectores a los que se dirigió este esfuerzo,
en los años ochenta el Banco contribuyó a cerrar la brecha de financiación creada por la crisis de la deuda; y a principios de los noventa ha
asumido el liderazgo en cuanto al respaldo a los programas de reforma
económica encarados por los países miembros. En la actualidad el Banco
está prestando más atención a la reducción de la pobreza que en cualquier
otro momento de su historia. Los préstamos para los sectores sociales
han alcanzado niveles sin precedentes; la diversidad de iniciativas para
reducir la pobreza es cada vez mayor, y en sus operaciones crediticias,
el Banco cuenta ahora con mecanismos internos para promover los
intereses de las mujeres, los niños, los grupos indígenas y otras minorías.
Estos esfuerzos aún se encuentran en plena evolución, como lo muestra
este documento. (BID, 1998)98
O “capital social”, para a equipe do BID, é um elemento facilitador para a inclusão social de grupos “marginalizados” e para o
“combate” à pobreza e à desigualdade social. A “exclusão social”
é definida pela equipe do BID (2004) como a incapacidade de
um indivíduo de participar do funcionamento básico político,
econômico e social da sociedade em que vive ou a negação do
acesso igualitário a oportunidades impostas por alguns grupos da
sociedade a outros.99 Essa “incapacidade” de participação, ou de
ter “voz e poder na sociedade”, é resultante de processos sociais
e culturais que “privaram socialmente” o indivíduo a realizar seus
desejos e impor suas escolhas, e o condenaram a condição de
pobreza durante gerações. Nessa perspectiva, a cultura, enquanto
“valores que inspiran la estructura y comportamiento de una sociedad y de
sus distintos miembros, (....) es un factor decisivo de cohesión social. En ella,
las personas pueden retoñecerse mutuamente, cultivarse, crecer en conjunto
y desarrollar la autoestima colectiva” (BID, 2001)100.
Nesse sentido, coloca a equipe do BID (2004):
Para combater essa natureza permanente da exclusão, a proteção social
e outras medidas de curto prazo desenvolvidas para ajudar os pobres a
36
Para o BID (2004), o processo de globalização da economia, que “recompensa o trabalho
altamente qualificado em detrimento do trabalho pouco
qualificado”102, intensificou as desigualdades
salariais na América Latina, tornando-as mais
visíveis. E, com o fortalecimento da democracia, aumentou os processos participativos e as
demandas sociais dos cidadãos: “Mulheres, povos
indígenas, portadores de deficiência e, mais recentemente,
grupos de afrodescendentes, levantaram suas vozes no
processo de formulação de políticas”103. Explica que,
nesse contexto histórico, em que há a intensificação das desigualdades e o aumento de
demandas sociais, os organismos multilaterais
decidiram voltar-se para a questão da pobreza
e da desigualdade. Assim, expressa:
...a percepção amplamente compartilhada de que os atuais paradigmas
de desenvolvimento não são capazes de atender às preocupações sociais
prementes e às desigualdades históricas, (...) organismos internacionais
de desenvolvimento decidiram abraçar a meta de inclusão social e apoiar
não apenas pesquisas sobre as causas da pobreza e da desigualdade,
mas também as medidas necessárias para combatê-la.104
No caso específico do BID, pautado no “consenso geral”
de que as principais características e indicadores básicos da exclusão social desses grupos estão relacionados com a pobreza
e com a desigualdade, vai se dedicar à promoção de políticas
que venham a “corrigir os constrangimentos sofridos pelas populações
excluídas”105, através de ações afirmativas. Conforme expresso
no documento do BID (2004):
Embora a insuficiência de renda seja um fator fundamental, há consenso no sentido de que a exclusão social se refere a um conjunto de
circunstâncias mais abrangentes do que a pobreza. A exclusão social
está estreitamente relacionada ao conceito de pobreza relativa do que
à pobreza absoluta e, portanto, está inextricavelmente vinculada à
desigualdade. A exclusão social se refere não apenas à distribuição de
renda e ativos (como as análises da pobreza), mas também à privação
social e à ausência de voz e poder na sociedade.106
Nessa perspectiva, o BID volta-se para intervenções políticas de inclusão social, “combatendo” a exclusão racial e étnica
e a discriminação das minorias. São as seguintes as “opções de
política” definidas pelo grupo: 1) tornar o invisível visível nas
estatísticas; 2) romper a transmissão da falta de oportunidades
de uma geração a outra; 3) ampliar o acesso ao trabalho, à terra
e ao mercado de capitais; 4) implementar projetos locais de
desenvolvimento integrado; 5) combater o estigma e a discriminação, com leis e políticas preferenciais; 6) afirmar o poder
dos grupos excluídos.
B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro,
v. 34, n.2, maio/ago. 2008.
Los beneficios de promover políticas de inclusión son muchos. Un
estudio contratado por el BID en el 2001 estimó las ganancias en el
Producto Interno Bruto (PIB) si se elimina la discriminación de indígenas y personas de ascendencia africana en los mercados laborales. Los
resultados son dramáticos: la economía de Bolivia, crecería un 36.7%;
la de Brasil, un 12,8%; la economía de Guatemala un 13,6%; y la de
Perú, un 4,2%. Estas estimaciones no tienen en cuenta las mejoras en
términos de cohesión social, integración comunitaria, desarrollo educativo, entre otras, que también resultan de una mayor inclusión. Los
organismos multilaterales como el BID buscan trabajar con los países
para lograr desarrollo económico, social e individual en la región a través
de promover políticas de inclusión social. (BID, 2004)107
Já para a equipe do Banco Mundial (2002)108, a concepção
de “capital social” enfatiza as relações interinstitucionais com a
comunidade, “refere-se às instituições109, relações e normas sociais que
dão qualidade às relações interpessoais em uma dada sociedade. A coesão
social é a argamassa que mantém as instituições em contato entre si e as
vincula ao cidadão visando à produção do bem comum”110.
Na visão do Banco Mundial (2000)111, a formação de boas
instituições públicas também é essencial para assegurar o desenvolvimento e reduzir os possíveis conflitos:
A formação de instituições públicas de alta qualidade é essencial para
assegurar que a disparidade de identidades venha a ser um ativo para o
desenvolvimento, e não uma fonte de divisão política e violência. Isso é
especialmente importante em países com recursos naturais abun-
...
alerta a equipe do Banco
Mundial que esses “estoques
pessoais de ativos” podem
esgotar-se quando o indivíduo
ou uma família enfrenta,
permanentemente, riscos
econômicos, tais como
instabilidade de renda, e
ser desperdiçado quando
indivíduos qualificados para
um emprego são rejeitados
por discriminação racial.
dantes, tais como petróleo, diamantes e minérios. Nos casos em
que há pouca responsabilização e transparência institucional, as rendas
econômicas exorbitantes desses recursos se transformam numa fonte
primária de competição entre facções governantes. (grifo nosso)112
E são as organizações da sociedade civil e o Estado que podem
lançar os alicerces institucionais para que haja cooperação entre
os grupos visando ao bem comum. Segundo o Banco: “Uma
visão integradora do capital social reconhece que as micro, meso e macro
instituições coexistem e podem se complementar entre si”113.
A concepção de “capital social” expressa pela equipe do
Banco Mundial tem funções unificadora, conectiva e vinculadora. Significa a capacidade de a sociedade civil se associar para
cumprir compromissos e controlar os “estoques pessoais de ativos”
– saúde, educação, treinamento, capacidade inata do indivíduo
e também a capacidade de controlar a criminalidade –, necessários ao desenvolvimento social. Para o Banco Mundial (2002),
o “capital social” produz estoques pessoais de ativos, que são
incorporados individualmente, e que vão refletir “na melhoria das
condições de trabalho, no aumento da produtividade e, conseqüentemente,
na capacidade das pessoas de produzirem bem-estar para si próprio e para
suas famílias”114.
O aumento da participação dos pobres no desenvolvimento
e a redução de barreiras sociais são complementos importantes
da criação de um contexto no qual eles tenham maiores oportunidades e segurança. Essa emancipação é promovida pelo
fortalecimento das instituições sociais, aumentando a capacidade
dos pobres e dos socialmente desfavorecidos para fazer frente
à estrutura de poder da sociedade e expor seus interesses e
aspirações (BIRD, 2000)115.
No entanto, alerta a equipe do Banco Mundial que esses
“estoques pessoais de ativos” podem esgotar-se quando o indivíduo ou
uma família enfrenta, permanentemente, riscos econômicos, tais
como instabilidade de renda, e ser desperdiçado quando indivíduos
qualificados para um emprego são rejeitados por discriminação
racial. Nesse sentido, a redução da vulnerabilidade a crises
econômicas, entre outros, é essencial, especialmente para os
pobres, que podem ter o seu capital humano irreversivelmente
afetado (BIRD, 2000)116. A prática discriminatória cria barreiras
à mobilidade ascensional e limita a capacidade de participar das
oportunidades econômicas117.
Segundo o Banco Mundial (2000):
Em sociedades profundamente estratificadas é preciso suplementar
esses esforços com programas de ação afirmativa, para compensar
as incapacidades resultantes de uma prolongada discriminação. Para
competir na arena política e econômica, as vítimas da discriminação precisam de assistência especial na aquisição de educação,
informação e autoconfiança. (...)
Destacam-se na ação afirmativa os esforços para reduzir as desvantagens cumulativas de um acesso mais restrito à educação e
ao emprego. Via de regra, isso requer ajuda aos membros de grupos
discriminados para adquirir aptidões e acesso a oportunidades, mediante
apoio financeiro para educação, admissão preferencial ao ensino superior
e quotas de empregos (grifo nosso)118.
Para o Banco Mundial (2004): “a exclusão de grandes segmentos
da sociedade desperdiça recursos potencialmente produtivos e gera conflito
B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro,
v. 34, n.2, maio/ago. 2008.
37
social”119. E que, segundo estudos realizados, “Está demonstrado
que as instituições que garantem os direitos de minorias e oferecem oportunidades para a solução de conflitos neutralizam os efeitos colaterais de
sociedades polarizadas”120.
O enfoque do Banco Mundial em relação ao desenvolvimento de “capital social” está centrado na estabilidade política,
principalmente, dos “países com recursos naturais abundantes, tais
como petróleo, diamantes e minérios”121, isto é, de maior interesse
do capital internacional. O Estado, na visão do Banco, passa a
ter um papel fundamental no fortalecimento das instituições,
tendo em vista o desperdício, não só de recursos materiais, mas
também de recursos humanos, por causa de instituições de bases
fracas. A idéia da necessidade de fortalecer os Estados, embora
aparentemente apresentem razões diferentes122, vai ao encontro
dos argumentos de Fukuyama (2005):
O fortalecimento desses Estados (fracos) por várias formas de construção de nações é uma tarefa que se tornou vital para a segurança
internacional (...).
Embora não desejemos retornar a um mundo de grandes potências em
choque, precisamos estar atentos para a necessidade de poder.
Aquilo que somente os Estados são capazes de fazer é agregar e distribuir
poder legítimo. Este poder é necessário, em termos nacionais, para
fazer com que as leis sejam cumpridas e, no plano internacional,
para preservar a ordem mundial. (...) não temos escolha a não
ser retornar ao Estado-nação soberano e tentar mais uma vez
aprender como torná-lo forte e eficaz. (grifo nosso)123
...
Fazendo uma retrospectiva sobre as políticas macroeconômicas dos anos pós-Segunda Guerra Mundial, na qual se
uma rede de colaboração
entre os indivíduos e
entre instituições em uma
“comunidade cívica” não
possui cunho legal, e sim
moral. Nesse sentido,
a formação dessa rede
de colaboração requer a
construção de uma “cultura
cívica”; requer um processo
educativo mais amplo.
38
compreendia que o processo de desenvolvimento seria mais
bem conduzido através do Estado, e as políticas dos anos 197090, mais especificamente ao Consenso de Washington, na qual
defendia uma posição contrária, a interferência do Estado na
economia impedia o desenvolvimento, o BIRD (2000) faz a
seguinte observação:
(...) tornou-se evidente que as estratégias simples de desenvolvimento
e redução da pobreza eram ilusórias. Embora os mercados sejam instrumentos poderosos para a redução da pobreza, também é importante
contar com instituições para assegurar que os mercados sejam eficientes
e beneficiem os pobres.124
As concepções de desenvolvimento e pobreza foram ampliadas, atribuindo-se uma dose de complexidade, pragmatismo
e eticidade, conforme declara a equipe do Banco Mundial. Na
perspectiva do Banco, o Estado não deve ser nem mínimo nem
máximo, mas “ativo”. E a sociedade civil, mantendo o status de
uma terceira esfera entre o Estado e o mercado, deve fortalecer a
ética nas relações sociais, transmitindo valores de solidariedade, e
exercer a função educadora junto à camada mais pobre da classe
trabalhadora para formar uma “consciência cívica” necessária à sua
participação nos processos decisórios locais, visando à aplicação
do potencial produtivo que ainda dispõe.
A concepção de “capital social” do Banco Mundial estabelece
uma relação de reciprocidade entre a “teoria do capital humano”
e a “teoria do capital social”. Conforme colocado pela equipe do
Banco Mundial (2004): “Sem participação ampla, sem mais capital
humano e capital social, é improvável que o desenvolvimento seja rápido e
sustentável”125.
Investir em pessoas, na capacitação da força de trabalho mais
competitiva, reflete na melhoria das condições de trabalho e no
aumento da produtividade que, conseqüentemente, vão refletir
na melhoria da qualidade de vida do indivíduo e de sua família,
reduzindo os “problemas sociais”, uma vez que se desenvolve a
capacidade de controlar os “ativos” sociais, ou de gerar “capital
social”. Assim como também o desenvolvimento das capacidades
de controlar os “ativos” sociais, de associação, de participação e
de formação de redes solidárias pode ampliar as oportunidades
de inserção no mercado das camadas mais pobres. Essas capacidades estimulam e oportunizam o investimento no capital
humano e as incitam a participar do mercado, “agarrando” as
oportunidades oferecidas “de usar a sua reserva mais abundante: a
mão-de-obra” (estratégia sugerida no Relatório sobre o Desenvolvimento
Mundial 1990, BIRD, 2000)126, dando voz e poder de decisão
sobre a definição de suas necessidades, de forma a promover a
liberdade de escolha sobre a sua capacidade produtiva.
No caso específico das camadas mais pobres, a construção
de “capital social” exige a elevação de seu nível de instrução (básico) e o desenvolvimento de programas que visem capacitá-las
a participarem das decisões comunitárias sobre as formas de
gerar capital financeiro e físico com a “formação de dirigentes”, como
sugerem os cepalinos, ou com a formação de redes associativas,
como aponta a equipe do Banco Mundial.
Do ponto de vista de Putnam127, uma rede de colaboração
entre os indivíduos e entre instituições em uma “comunidade
B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro,
v. 34, n.2, maio/ago. 2008.
cívica” não possui cunho legal, e sim moral. Nesse sentido, a
formação dessa rede de colaboração requer a construção de
uma “cultura cívica”; requer um processo educativo mais amplo.
Como a proposta de gerar capital social inserida nas “políticas
de desenvolvimento do milênio” não trata de políticas de redução
de desigualdades estruturais, mas de políticas de controle das
conseqüências extremas do capitalismo mundializado, através
do reaproveitamento dos fartos recursos humanos que foram
disponibilizados, entende-se que esta concepção insere um
processo de educar para o conformismo.
Na passagem do novo milênio ou pós-crise dos anos 1990,
para reassumir a direção político-cultural do projeto neoliberal
sob novas bases ideológicas, era necessário “educar o consenso”,
como identifica Neves (2005)128. É necessário educar para o
conformismo para dar conta do impasse criado pelo aumento da
pobreza em meio à abundância da capacidade produtiva. Tratase de um tipo de educação para o conformismo que encontra
terreno fértil na atual conjuntura, na qual se tenta instaurar a
“paralisia da sociedade civil” e a impotência dos Estados diante “dos
interesses e estruturas transnacionais” (FIORI, 2003)129, dos detentores
do mercado internacional e das intervenções “orientadoras” dos
organismos multilaterais. A formação de consensos encobre
em seu “conteúdo” a “forma” ideológica que a configura.
Nesse sentido, entende-se que a incorporação da ideologia do
“capital social” nas “políticas de desenvolvimento do milênio” vão configurar ajustes no plano superestrutural, isto é, trata-se de um
processo hegemônico de função de direção intelectual e moral,
necessários à manutenção do regime de acumulação rentista na
virada do milênio.
Conclusão
Ao se apresentar como um mecanismo que possibilita o
desenvolvimento econômico e social pautado na solidariedade, a
“teoria do capital social” de Putnam foi ao encontro das preocupações dos setores dominantes com a “crise de governabilidade” que se
instaurou no fim do século XX e que pôs em risco a hegemonia
neoliberal e a capacidade de reprodução do capital, dentro do
regime de acumulação de predominância rentista.
A “teoria do capital social” de Putnam oculta a natureza conflitual
de classes, mais do que isso, considera que o conflito é improdutivo no processo de desenvolvimento de um bem-estar material
e social para o coletivo; exalta a “cultura cívica” ou a construção
de uma “comunidade cívica” solidária, harmônica, com fortes laços
de confiança intersubjetivos e institucionais como estratégica de
enfrentamento da “questão social”.
Putnam130 estabelece uma dicotomia entre Estado e sociedade civil. Estado e sociedade civil são duas esferas de natureza
diferenciada, que, em um nível ideal, utópico, se relacionam entre
si através da reciprocidade e da cooperação. Sua concepção de
Estado é instrumental. Trata-se de um conjunto de instituições
de caráter público e coercitivo; o poder é a capacidade repressiva
do Estado e a política refere-se ao conjunto de atividades realizadas para obter ou manter o controle do Estado. Sociedade civil,
B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro,
v. 34, n.2, maio/ago. 2008.
...
a incorporação da
ideologia do “capital
social” nas “políticas de
desenvolvimento do milênio”
vão configurar ajustes no
plano superestrutural, isto
é, trata-se de um processo
hegemônico de função de
direção intelectual e moral,
necessários à manutenção
do regime de acumulação
rentista na virada do milênio.
para Putnam131, é um espaço não politizado, marcado pelo livre
associativismo, com o objetivo de atingir as metas de interesse
específico de um grupo, ou do coletivo associado, alheia aos
interesses de classe. A associação civil é vista em contraposição
às formas de associação político-partidária, sem qualquer vínculo
ideológico. A função atribuída à sociedade civil, enquanto uma
esfera social de livre associação voluntária dos indivíduos, é a
de guardiã do Estado. Este, na condição de instituição criada
para atender de forma eficiente as demandas sociais, deve ser
controlado, não só para que cumpra o atendimento das demandas
sociais, mas principalmente para que seja impulsionado a exigir o
bom desempenho das instituições públicas. Para que isso ocorra,
é necessário desenvolver um tipo de comportamento social de
cooperação e confiança entre os indivíduos, as comunidades e
as instituições, que se daria através da disseminação de valores
de solidariedade, de sentimento de prosperidade e de coesão
social, da “cultura cívica”, visando à ampliação das oportunidades
de gerar capital, integrando capital financeiro e material com o
“capital social”, tornando a dimensão econômica mais humana. É
o grau de desenvolvimento do “capital social” de uma determinada
sociedade que vai permitir o sucesso dessa relação entre a esfera
estatal e a sociedade civil.
Tratam-se de princípios educativos para a formação de um tipo
de homem (solidário e conformado) e de um tipo de sociedade
(colaboradora e não conflitiva) que os países, principalmente
39
Esse modelo idealizado de
“sociedade solidária” evita
o conflito, educa para a
tolerância e para a confiança
mútua; estimula esforços
conjuntos para superar os
infortúnios causados pelo
aumento da pobreza, da
desigualdade e do desemprego
...
os países de “capitalismo dependente”, que apresentam acentuados
níveis de desigualdade social, devem construir como caminho
possível para gerar crescimento econômico e social.
Nessa perspectiva, é uma “arma poderosa nas mãos de forças
conservadoras”, como bem colocou Semeraro132, mas não só por
ocultar o caráter de conflito de classe, mas fundamentalmente
por instaurar o conformismo.
A saída para a solução das mazelas sociais advindas do capitalismo mundializado apontada pelos organismos internacionais
é formar forças sociais beneficentes (indivíduos associados
conscientes civicamente) que, articuladas com o Estado na
implementação das metas estabelecidas pelo governo, facilitem
“ações coordenadas”. Os organismos multilaterais, em parcerias com
as organizações da sociedade civil, devem financiar programas
e projetos que atuem diretamente nas esferas microssociais
e individual, visando uma reforma intelectual e moral para o
enfrentamento da “questão social”. Para tal, torna-se necessário
construir, em conjunto com as organizações da sociedade civil
e com seus membros civicamente participativos, um Estado
“inteligente” ou “ativo”, no sentido de promover a harmonia
entre o Estado, o mercado e a sociedade civil, com instituições
descentralizadas, fortes, sensíveis às demandas da comunidade
e eficaz na administração do precário recurso disponível.
Esse modelo idealizado de “sociedade solidária” evita o conflito, educa para a tolerância e para a confiança mútua; estimula
esforços conjuntos para superar os infortúnios causados pelo
aumento da pobreza, da desigualdade e do desemprego; identifica
o problema e a possível superação, baseado na “vocação produtiva”
de cada grupo, comunidade ou zona de pobreza localizada,
promovendo a oportunidade de cada um desenvolver suas
capacidades produtivas, ou aliviando o problema com políticas
de ação afirmativa e compensatória.
40
A ideologia disseminada é a de que somente através de uma
sociedade harmônica, não-conflitiva, que colabore solidariamente
com o desenvolvimento comunitário, os países de “capitalismo
dependente” podem reduzir suas zonas de pobreza e se desenvolverem econômica e socialmente. Os sistemas educacionais da
idealizada “sociedade solidária” devem transmitir “mensagens culturais” que reforcem, não mais as ideologias de competitividade,
individualidade e empregabilidade como fora nos anos 1980-90,
mas de solidariedade, cooperação, autonomia produtiva, de
bem-estar coletivo. Deve-se construir um consenso em relação
à necessidade de se manter a “coesão social” para o enfrentamento
dos riscos que impõe a economia globalizada. Para tal, o país
deve construir estabilidade econômica e política e estimular a
“cultura da paz” ou ficará “fora da história”.
A atual conjuntura impõe um grande desafio na disputa pela
hegemonia e no confronto com o capitalismo: a supressão da
condição econômica e “das ideologias parciais e falazes” da solidariedade, do tipo individualista-coletivo, e da “cultura da paz”. A
necessidade imediata de sobrevivência de uma grande parcela
de trabalhadores, empobrecida e descartada do mercado de trabalho, e sem possibilidade de retorno, e as condições a que são
submetidos os países de “capitalismo dependente” dificultam apontar
saídas. No entanto, embora não se tenha clareza do que está por
vir, a compreensão da incapacidade civilizatória desse modo de
produção, expressa na miséria, na violência, na degradação moral
e do meio ambiente, tem sido cada vez mais ampliada. E a clareza
desta incapacidade civilizatória pode suscitar os caminhos de sua
superação; levar o trabalhador a “exercer sua direção político-cultural
sobre o conjunto das forças sociais que, por essa ou aquela razão, desse ou
daquele modo, se opõe ao capitalismo” (COUTINHO, 1999)133.
Notas:
Este artigo integra parte da tese de doutorado “Da ideologia do capital
humano à ideologia do capital social: as políticas de desenvolvimento do
milênio e os novos mecanismos hegemônicos de educar para o conformismo”,
defendida no Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade
Federal do Rio de Janeiro/RJ, 2007.
1
SUNKEL, Guillermo. La pobreza en la ciudad: capital social y políticas públicas. In: ATRIA, Raúl; SILES, Marcelo; ARRIAGADA, Irma et al. (Comps.),
Capital social y reducciòn de la pobreza en América Latina y el Caribe:
en busca de un nuevo paradigma. Santiago do Chile: Comisión Econômica
para América Latina y el Caribe, 2003. Livro nº 71 (Parte 3 - Capital social,
pobreza y políticas públicas, cap. 9, p. 303-338).
2
A expressão “capitalismo dependente” encontra-se entre aspas por estar fazendo
referência à categoria desenvolvida por Florestan Fernandes.
3
É importante destacar que a inserção do Brasil na economia globalizada,
assim como a de outros países da América Latina, não se deu através do
convencimento da retórica de que estaríamos vivendo novos tempos e, com
isso, era necessário modernizar nossas bases políticas e econômicas. Ela foi
condicionada à renegociação da dívida externa junto ao Fundo Monetário
Internacional (FMI), seguindo os critérios e determinações definidos no
“Consenso de Washington”: abertura dos mercados, privatização, redução
dos gastos públicos na esfera social, flexibilização das leis trabalhistas, entre
outras.
4
CHOSSUDOVSKY, Michel. A globalização da pobreza: impactos das
reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo : Moderna, 1999.
5
B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro,
v. 34, n.2, maio/ago. 2008.
GRAMSCI, Antonio. A questão meridional. Seleção e Introdução Franco de
Felice e Valentino Parlato; Trad. de Carlos Nelson Coutinho e Marco Aurélio
Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
Trata-se de uma categoria de Gramsci que muito contribuiu, e ainda contribui, nas análises e estudos sobre o processo de desenvolvimento das forças
produtivas em países nos quais a formação do capitalismo foi tardia.
6
GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. Maquiavel, notas sobre o estado e a
política. Edição e tradução Carlos Nelson Coutinho; co-edição, Luiz Sérgio
Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira,
2000. v.3; Cadernos do Cárcere. V.1. Introdução ao estudo da filosofia, a filosofia
de Benedetto Croce. Edição e tradução Carlos Nelson Coutinho; co-edição,
Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1999.
7
Robert Putnam é pesquisador americano, professor da Universidade de Harvard. Sua abordagem de “capital social” foi construída com a pesquisa sobre o
desempenho institucional dos governos regionais da Itália moderna. Obra de
referência: “Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna”,
publicada pela Fundação Getúlio Vargas, em 1996 (em 2002 estava na 3ª edição); nos Estados Unidos foi publicada em 1993, pela Princeton University
Press, com o título “Marking democracy work: civic traditions in modern
Italy”.
8
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento
político. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1999. p. 67.
34
Id. ibid.
35
Id. ibid.
36
Id. ibid.
37
Id. ibid.
38
Id. Ibid.
39
Id. ibid.
40
GRAMSCI, A. (2000), op. cit.
41
Id. ibid., p . 40.
42
COUTINHO, Carlos Nelson.(1999), op. cit., p. 68.
43
D’ARAÚJO, Maria Celina. Capital social. Rio de Janeiro : Zahar, 2003.
p. 8. (Col. Passo a Passo, 25).
44
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. 18 ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002. Livro I, v. 2. p. 749.
45
9
10
POLANYI, K. A grande transformação: as origens da nossa época. 2.ed.
Rio de Janeiro : Elsevier, 2000.
11
PUTMAN, Robert. Comunidade e democracia: a experiência da Itália
moderna. Rio de Janeiro : FGV, 2002.
12
Id. ibid
13
DURKHEIM, E. Da divisão do trabalho social. 2. ed.. São Paulo: Martins
Fontes, 2004 (Col. Tópicos).
Chesnais (1996) introduz o termo “mundialização” do capital em detrimento ao
de “globalização” porque considera que este último, bem como outros adjetivos
atribuídos a ele, foram popularizados de forma que “cada qual pode empregá-lo
exatamente no sentido que lhe for conveniente, dar-lhes o conteúdo ideológico que quiser”,
além de introduzir com mais força a idéia e as dimensões incorporadas nesse
processo, que não se refere somente às atividades dos grupos empresariais e aos
fluxos comerciais, mas inclui também a globalização financeira. CHESNAIS,
François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã,1996. p. 24; 29.
MOISÉS, José Álvaro. Cidadania, confiança e instituições democráticas.
Revista Lua Nova, São Paulo : Cedec, 2005. p. 71-94. (Centro de Estudos
de Cultura Contemporânea),
46
Id. Ibid., p.32
14
Id. ibid., p. 101.
15
Id. ibid., p. 104.
47
Id. ibid., p. 23.
48
Id. ibid.
49
Id. ibid., p. 24.
50
16
Id. ibid., p. 79.
17
Id. ibid., p .78.
18
Id. ibid.
19
SEMERARO, Giovanni. Gramsci e a sociedade civil: cultura e educação
para a democracia. 2 ed. Petrópolis : Vozes, 2001.
Id. ibid.
20
Id. ibid., p. 261.
Id. ibid.
51
Id. ibid., p. 190.
52
Id. ibid., p. 191.
53
Id. ibid., p. 177.
54
Id. ibid.
55
Id. ibid., p. 190-191.
56
Id. ibid., p. 186.
57
21
Id. ibid., p. 260.
22
Id. ibid., p. 262.
23
GRAMSCI, Antonio (1999). op. cit., p.140.
24
COUTINHO, Carlos Nelson.(1999), op. cit.
25
Id. ibid., p.112-113
26
GRAMSCI, A. (1999), op. cit.
27
Para Gramsci, o início da elaboração crítica é a consciência daquilo que somos
realmente. Isto é, um “conhece-te a ti mesmo” como produto do processo
histórico.
28
PUTMAN, Robert (2002), op.cit., p.186.
29
Id. ibid.
59
Id. ibid., p.130.
60
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Introdução Jacob
Gorender; trad. Luis Cláudio de Castro e Costa. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
61
Id. ibid., p.192.
30
Id. ibid., p.103.
31
No sentido “de unidade de fé entre uma concepção do mundo e uma norma
de conduta adequada a ela”. GRAMSCI, A. (1999), op. cit. p. 96.
62
Id. ibid.
32
Na análise sobre o Risorgimento, Gramsci introduz o termo “revolução-restauração”
(ou “revolução passiva”) para indicar que, no processo de desenvolvimento das
forças produtivas, conservam-se elementos atrasados das relações sociais.
33
B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro,
Id. ibid., p.128.
58
v. 34, n.2, maio/ago. 2008.
Id. ibid., p.387.
63
41
Id. ibid.
Santiago do Chile : Comisión Econômica para América Latina y el Caribe,
2003. Livro, 71, Parte 2, Capital social y pobreza: el marco analítico, cap. 3,
p. 51-113.
64
Id. ibid., p.96.
65
Para Gramsci (1999), op. cit., p. 95, “toda linguagem contém elementos de
uma concepção de mundo e de cultura”.
66
Id. ibid.
67
Id. ibid. p. 93-94.
68
Id. ibid.
69
Id. ibid., p.94.
70
Id. ibid.
71
Id. ibid.
72
Id. ibid. Ação, para Gramsci, é sempre uma ação política.
73
“Capital social e redução da pobreza: o ponto de vista da CEPAL”, resenha da obra
ATRIA, Raúl; SILES, Marcelo; ARRIAGADA, Irmã; ROBINSON, Lindon J.et
al. (Comps.). Capital social y reducción de la pobreza en América Latina
y el Caribe: en busca de un nuevo paradigma. Santiago del Chile : Comisión
Econômica para América Latina y el Caribe, 2003. Elaborada pela autora na
Revista de Sociologia Política, Curitiba, 21, p.187-190, nov., 2003. p.187.
87
OCAMPO, José Antonio. Capital social y agenda del desarrollo. In: ATRIA,
Raúl, SILES; Marcelo, ARRIAGADA, Irma et al. (2003). op.cit. Também
contribuiu com a obra do BID, Para salir de la pobreza: el enfoque del
Banco Interamericano de Desarrollo para reducir la pobreza. Washington
: BID, 1998, com um artigo “Desenvolvimento econômico e inclusão
social” (p.33-40).
88
GRAMSCI, A. (2000), op. cit., p. 271.
89
Id. ibid., p.28.
90
Gestão de McNamara no Banco Mundial, entre 1971-1980. Ver LEHER,
Roberto. Da ideologia do desenvolvimento à ideologia da globalização:
a educação como estratégia do Banco Mundial para o “alívio da pobreza. São
Paulo, 1998. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-graduação
em Educação, USP, 1998.
91
74
75
76
“Teoria do capital humano”. A “teoria do capital humano” foi incorporada na
teoria econômica moderna por Jacob Mincer e popularizada por Schultz e
Becker nas décadas de 1950-60. A idéia fundamental da teoria é que o trabalho,
mais do que um fator de produção, é um tipo de capital: capital humano. Esse
capital é tão mais produtivo quanto maior for sua qualidade. Essa qualidade
é dada pela intensidade de treinamento científico-tecnológico e gerencial que
cada trabalhador adquire ao longo de sua vida. A qualidade do capital humano
não apenas melhora o desempenho individual do trabalhador – tornando-o
mais produtivo – como é um fator decisivo para gerar riqueza, crescimento
econômico do país e de equalização social.
77
COUTINHO, Carlos Nelson. Intervenções: o marxismo na batalha das
idéias. São Paulo : Cortez, 2006.
78
Ver MONTAÑO. Terceiro setor e questão social: crítica ao padrão emergente de intervenção social. São Paulo: Cortez, 2002; COUTINHO, Carlos
Nelson.(2006), op. cit..
79
NOGUEIRA, M. A. As três idéias de sociedade civil, o Estado e a politização.
In: COUTINHO, C. N.; TEIXEIRA, A.P. (Org.) Ler Gramsci, entender a
realidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p.223
80
Id. ibid., p.219.
81
COLEMAN, J. Foundations of social theory. Havard : Havard University
Press., 1990. Ele é citado pelo próprio Putnam quando em sua definição sobre
capital social.
82
KLIKSBERG, Bernardo; TOMASSINI, Luciano. Capital social y cultura:
claves estratégicas para el desarrollo. 3ª ed. Buenos Aires: Fondo de Cultura
Econômica de Argentina, 2000. Principalmente Kliksberg tem contribuído
significativamente com a difusão do tema.
83
Mais exatamente em sua obra “Confiança: valores sociais & criação de
prosperidade”. Lisboa: Gradiva, 1996.
84
ATRIA, Raúl; SILES, Marcelo; ARRIAGADA, Irma; et al. (Compl.) Capital
social y reducción de la pobreza en América Latina y el Caribe: en
busca de un nuevo paradigma. Santiago del Chile : Comisión Económica
para América Latina y el Caribe, 2003. Livro n. 71.
85
ROBISON, L .J., SILES, M .E.; SCHMID, A. A. El capital social y la reducción
de la pobreza: hacia in paradigma maduro. In: ATRIA, Raúl; SILES, Marcelo; ARRIAGADA, Irma et al. (Comps.). Capital social y reducciòn de la
pobreza en América Latina y el Caribe: en busca de un nuevo paradigma.
86
42
Id. ibid., p. 26.
ROBISON, L .J., SILES, M .E.; SCHMID, A. (2003). op. cit.
Id. ibid., p. 55.
OCAMPO, José Antonio. (2003), op. cit., p. 26.
92
ROBISON, L .J., SILES, M .E.; SCHMID, A. (2003). op. cit.
93
O que coincide com a visão do Banco Mundial em relação ao relatório
“Vozes dos pobres: Brasil – Relatório Nacional”. (Relatório participativo sobre a
pobreza preparado para o Poverty Reduction and Economic Management Network),
Washington, USA. Maio de 2000. Disponível em: http://siteresources.worldbank.org/INTPOVERTY/Resources/335642-1124115102975/15551991124138866347/brazilpr.pdf >Acesso em: 10/05/08.
94
FUKUYAMA, Francis. Construção de Estados: governo e organização no
século XXI. Rio de Janeiro: Rocco, 2005. p. 9.
95
ROBISON, L .J., SILES, M .E.; SCHMID, A. (2003). op. cit., p. 109.
96
Sobre essa questão, embora na especificidade do debate sobre a profissionalização docente, ver SHIROMA, E. O.; EVANGELISTA, O. A colonização
da utopia nos discursos sobre profissionalização docente. Santa Catarina :
UFSC, 2004. Projeto Integrado de Pesquisa Profissionalização e Gerencialismo na Educação, Departamento de Estudos Especializados em Educação
do Centro de Ciências da Educação e do Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Federal de Santa Catarina.. Mimeo.
97
Id. Para salir de la pobreza: el enfoque del Banco Interamericano de Desarrollo para reducir la pobreza. Washington, USA:BID, 1998. p.7
98
Id. Los objectivos de desarrollo del milenio en América Latina y el
Caribe: retos, acciones y compromisos. Washington, USA:BID, 2004. p. 5
99
Id. Reducción de la pobreza y fortalecimeinto del capital social y la
participación: la acción reciente del Banco Interamericano de Desarrollo,
Santiago do Chile, 2001. p. 9.
100
Id. (2004), op. cit., p. 6.
101
Id. ibid. p. 4.
102
Id. ibid.
103
Id. ibid. p.5
104
Id. ibid.
105
Id. ibid. Observa-se que tais colocações do BID têm forte influência dos
trabalhos de Amartya Sen, assim como, incorporam o ponto de vista do
Banco Mundial em relação a “Vozes dos Pobres” e a ênfase no plano valorativo
e cultural do capital social atribuído por Kliksberg, Tomassini e Fukuyama.
BID. (2004).
106
BID (2004), op. cit., p. 7.
107
B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro,
v. 34, n.2, maio/ago. 2008.
BIRD. Relatório de Progresso da Estratégia de Assistência ao País para
a República Federativa do Brasil. Washington : Banco Mundial, 2002.
108
“por instituições sociais entendem-se os sistemas de parentesco, as organizações locais e
as redes dos pobres”. BIRD. Luta contra a pobreza: relatório sobre o desenvolvimento mundial 2000/2001. Washington, USA : Banco Mundial, 2000,
p.134.
109
BIRD, p. 10.
110
Id. (2000), op. cit.
111
Id. ibid., p. 133.
112
Id. ibid.
113
BIRD (2002), op. cit., p. 37.
114
Id. (2000). op.cit., p. 136.
115
Id. ibid.
116
Id. ibid.
117
Id. ibid., p.130.
118
BID (2004), op. cit., p. 5.
119
ABSTRACT
Vânia C. Motta. Social capital: is it a solution for globalized
capitalism?
This article discusses the “theory of social capital” as the new
ideological basis for the “millennium development policies.” In the
first part, a synthesis of the “theory of social capital” as developed
by Robert Putnam is presented, as well as a brief analysis of his
approach based on Gramsci, more specifically on his work “The
Southern Question” and other contemporary authors. In a second part,
Gramsci’s categories ideology and the state as educator are discussed,
with the aim of indicating possible political and cultural implications of this type of approach to the current capitalist conjuncture,
taking into account the purpose of educating for conformism. In a
third moment, there is a discussion on how the main multilateral
organizations incorporated elements of the “theory of social capital”
into their specificities to guide and finance social policies.
Keywords: Theory; Social Capital; Ideology; State as Educator;
Conformism.
Id. ibid., p. 52.
120
Id. ibid.
121
Sendo uma ameaça internacional, propostas de “luta contra a pobreza” deixa de
ser da competência exclusiva dos governos nacionais e passa a ser uma missão
das organizações internacionais. Todos os aspectos da política interna dos
países pobres, por apresentarem instituições e governança fracas, passam pelo
controle das organizações de Bretton Woods. Em 2005, Paul Wolfowitz assumiu
a presidência do Banco Mundial. Wolfowitz foi vice-secretário de Defesa na
administração do presidente George W. Bush, em 2001-2005, assumindo
atribuições que incluíam o controle do orçamento e o desenvolvimento de
políticas para responder aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.
Segundo apresentação no site do Banco Mundial, Wolfowitz escreveu extensivamente sobre questões internacionais, diplomacia e segurança nacional, e
foi conselheiro editorial da revista Foreign Affairs.
122
Na concepção de Fukuyama, já no contexto do pós-11 de setembro, a pobreza
é questão de segurança internacional. FUKUYAMA, Francis (2005), op. cit.,
p.156-157.
123
BIRD (2000), op. cit., p. 200.
124
Id. (2004), op. cit., p. 5.
125
BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o desenvolvimento mundial, 1999/2000
: no limiar do século XXI. In: BIRD. Luta contra a pobreza: relatório sobre
o desenvolvimento mundial 2000/2001. Washington : Banco Mundial, 2000.
p. 31.
126
PUTMAN, Robert (2002), op. cit.
127
RESUMEN
Vânia C. Motta. “Capital Social”: ¿una solución para los males
del capitalismo mundializado?
Este artículo debate la “teoría del capital social” como una nueva
base ideológica de “las políticas de desarrollo del milenio”. En la
primera parte, se presenta una síntesis de la “teoría del capital
social” desarrollada por Robert Putnam y un breve análisis de
su abordaje apoyado en Gramsci, más específicamente en su obra
“La cuestión Meridional” y en otros autores de actualidad. En la
segunda parte se discuten las categorías: ideología y Estado educador en Gramsci, con el objeto de indicar las posibles implicaciones
políticas y culturales de ese tipo de abordaje en la actual coyuntura
del capitalismo, teniendo en cuenta la finalidad de educar para el
conformismo. El tercer momento, trata sobre la manera en que los
principales organismos multilaterales incorporan elementos de la
“teoría del capital social” dentro de sus especificidades de orientación
y financiación de políticas sociales.
Palabras clave: Teoría; Capital Social; Ideología; Estado
Educador; Conformismo.
NEVES, Lucia M. W. (Org.). A nova pedagogia da hegemonia: estratégias
do capital para educar o consenso. São Paulo : Xamã, 2005.
128
FIORI, José Luis. O vôo da coruja: para reler o desenvolvimentismo brasileiro. Rio de Janeiro : Record, 2003. p. 21-22.
129
PUTMAN, Robert. (2002) op. cit.
130
Id. ibid.
131
SEMERARO, Giovanni. (2001)
132
COUTINHO, Carlos Nelson (1999), op. cit., p. 65.
133
B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro,
v. 34, n.2, maio/ago. 2008.
43
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"Capital Social": Solução para os Males do Capitalismo