Vozes do Horto 2008 Ano 1 - nº1 / 2008 Distribuição gratuita OS MOVIMENTOS POPULARES E A LUTA PELA TERRA Miguel Baldez, professor de Direito, Procurador do Estado do Rio de Janeiro aposentado, um dos fundadores do Núcleo de Terras da Procuradoria do Estado na década de 80, relata sua trajetória junto aos movimentos populares. Foto: Daniel Lopes “...Os movimentos constroem a história, e a representação repete mal uma história perversa.” por Mariah Bizzo Relatos...pág 6 Fazendo a Diferença Foto: Cristiane Nascimento Roni Marruda, músico e ator, morador do Horto, fala de sua relação com o lugar, o que mais aprecia e também o que gostaria que tivesse no Horto. por Luana Figueiredo “...Mais espaço para a cultura. Galpões em que possam ter aulas de interpretação para jovens e adultos, creches para as crianças da comunidade e um posto médico.” Vozes em Destaque...pág 3 FORÇA DO PAGODE A musicalidade do Horto se expressa para além de sua localidade. Jovens músicos buscam espaços e sonham. Foto: Arquivo do Samurai Foto: Arquivo do Samurai “ ...Não desistir e acreditar no sonho. E quando ele se realizar, manter a huimildade sempre.” por Antonio Carlos Albuquerque Arte e Cultura...pág 8 NÃO DEIXE DE LER: Idéias e Práticas pág 2 Vozes do Leitor pág 2 Nossas ruas, Nossa história... pág 4 Moradia e Meio Ambiente pág 5 Vozes do Horto 2008 2 IDÉIAS E PRÁTICAS Uma idéia à altura das expectativas EDITORIAL Criatividade na criação das peças, cuidado nas escolhas dos materiais utilizados, delicadeza e atenção nos detalhes e primor pela qualidade no acabamento são apenas algumas das características do projeto social Retalharte, cuja idéia principal é o resgate da mão de obra de costureiras e bordadeiras, mulheres da comunidade do Horto, verdadeiras artesãs, a fim de divulgar o artesanato local. Idealizado pela estilista Fabíola Key de Oliveira Peças inspiradas na história do Horto, com muitas flores e cores eram produzidas cada uma por pelo menos três artesãs. Um trabalho em equipe que resultava em um produto final à altura das expectativas. O projeto participou de diversos bazares, tendo a renda revertida em prol do mesmo. Algumas peças foram vendidas para lojas e outras compradas por pessoas que tinham conhecimento do trabalho realizado. A estilista Fabíola ressalta o interesse em retornar o projeto Retalharte, que durou dois anos, mas que por falta de patrocínio teve que parar suas atividades.”Precisávamos de um espaço físico maior, de maquinário e sem patrocinador não foi possível continuar. A procura pelas aulas foi tanta que precisamos pedir para as artesãs não comentarem mais sobre as aulas por aí, não tínhamos estrutura para receber todas as mulheres da comunidade”. Dada a ausência de patrocinadores, o projeto Retalharte só foi possível graças ao apoio da Associação e de amigos que, de alguma forma, contribuíram com doações de cadeiras e materiais, espaço e apoio na realização de eventos, como o desfile realizado na Inter Model, na Lagoa, com modelos recém-formadas. Além, é claro, da dedicação e do profissionalismo das pessoas diretamente envolvidas com o projeto. EXPEDIENTE JORNAL VOZES DO HORTO Uma publicação da AMAHOR (Associação de Moradores e Amigos do Horto) DIREÇÃO Emília Maria dos Santos Mariah Nilda Bizzo Tiragem: 10 mil exemplares Periodicidade: mensal Onde encontrar: Clube Caxinguelê, Assoçiação de Moradores do Horto jornais do Horto e cinemas. FOTOGRAFIAS DIAGRAMAÇÃO Marlon: 8293-4476 [email protected] JORNALISTA Por Luana Figueiredo Foto: Luana Figueiredo Vozes do Leitor (AMAHOR), Bancas de REPORTAGENS, REDAÇÃO E Antonio Carlos Albuquerque Cristiane Nascimento Luana Figueiredo Foto: Cristiane Nascimento e Adriana Sonino, com o apoio da Associação de Moradores e Amigos do Horto (AMAHOR), o projeto teve início em agosto de 2006, com apenas cinco mulheres da comunidade que tiveram conhecimento das aulas através do boca a boca. Mesmo sem divulgação, o número de mulheres cresceu aproximadamente para vinte e cinco. As aulas e o desenvolvimento das peças, como bolsas, objetos de decoração e acessórios, eram realizadas em uma sala gentilmente cedida pela Associação, no Clube Caxinguelê. Foto: Cristiane Nascimento Discutir a cidade em todas as suas dimensões. Buscar novas idéias, estéticas, fantasias. Juntar sonhos e ideais diferentes. Dar espaço e voz a soluções e perspectivas inexploradas. Fazer circular propostas e projetos. Com estes objetivos renasce o jornal VOZES DO HORTO, iniciativa da Associação de Moradores do Horto (AMAHOR), fruto de um trabalho coletivo iniciado em 2004 que, após a edição de dois números e sua paralização, retoma suas atividades. O convite permanece: reunir pessoas, projetos, perspectivas, em busca da integração das várias questões e visões que afetam moradores em suas sensibilidades distintas, a partir da ênfase na diversidade social. Diversidade em prelúdio e cultural, estimular a criação de condições para a harmonização de pontos de vista diferentes, construindo um espaço de beleza, convivência e solidariedade. São bem-vindas vozes dissonantes, as roucas, aquelas que falam, falam e ninguém ouve. Também as desafinadas, pois, afinal, “no peito de um desafinado também bate um coração”. Limpemos nossas gargantas, afinemos nossos instrumentos, passemos aos ensaios. Para o sucesso de nossa sinfonia, são fundamentais a diversidade de timbres e a multiplicidade de compositores e executantes. Bianca Villar:3351-4320 / RESPONSÁVEL 7628-2038 Coryntho Baldez (MT25.489) [email protected] Moro na Rua Pacheco Leão, 2040 e há um trecho da rua em que não existe asfalto, somente buracos e pedras, além da escuridão. Já pedi ao tele-buraco, que não nos atendeu alegando ser uma área federal. Então decidi entrar em contato com o órgão do Jardim Botânico responsável, que até a presente data não deu nenhuma resposta sobre a falta de asfalto. Fiz um ofício pedindo o capeamento do local ou mesmo que nós moradores pudéssemos cimentar com nossos próprios recursos. Mas o descaso continua até hoje, mesmo tendo conhecimento que muitas pessoas já caíram e se machucaram. A iluminação é precária! Troco a lâmpada toda vez que necessário for. Estamos em completo abandono! A quem devemos reclamar? Bernadete Costa - moradora há mais de 30 anos Vozes do Horto 2008 VOZES EM DESTAQUE 3 Fazendo a Diferença Por Cristiane Nascimento Morador há mais de trinta anos do Horto, Ronaldo Arruda Pinheiro, mais conhecido como Roni Marruda, hoje é músico e ator reconhecido por todos, e uma das Vozes em destaque. Marruda fala de sua relação com o lugar e o que gostaria que existisse no Horto. incomoda muito. Quem gosta e freqüenta a cachoeira tem por obrigação cuidar da mesma e mantê-la limpa. Foto: Cristiane Nascimento Vozes do Horto: Qual a sua opinião em relação a questão de moradia no Horto? Roni Marruda - Acho isso uma covardia, porque essas terras são praticamente de quem ajudou a construir o Jardim Botânico. Não vejo um por que de desapropriar essas pessoas. Isso é mesmo uma questão de especulação imobiliária. Vozes do Horto: O que você gostaria de ver acontecer no Horto em termos culturais? Roni Marruda - Mais espaço para a cultura. Galpões em que possam ter aulas de interpretação para jovens e adultos, creches para as crianças da comunidade e um posto médico. Vozes do Horto: Você gosta de morar aqui? Roni Marruda - Gosto. Sempre fui muito ligado a natureza. Vozes do Horto: Para você, o que tem de melhor no Horto e que não encontra em outros lugares? Roni Marruda - A tranqüilidade e o contato com a natureza Vozes do Horto: Existe algo no bairro que te entristeça e que você gostaria de mudar? Roni Marruda - A mentalidade de certas pessoas e a falta de conscientização em relação à natureza. A falta de zelo de alguns moradores pelo local em que moram também é algo que me Vozes do Horto: Você já sofreu algum tipo de preconceito? Roni Marruda – Vários! Até acabar esse vírus do preconceito muita gente vai sofrer com ele. Vozes do Horto: O que você acha da criação de cotas para negros nas Universidades? Roni Marruda - Eu sou a favor. Eu não acho que a cota denigre a imagem de ninguém. Só quem se tiver capacidade vai conseguir a cota. Vozes do Horto: Que mensagem você daria para o leitor que quisesse seguir uma carreira artística? Roni Marruda – Primeiro, muito amor pelo que vai fazer. Segundo, conhecimento e determinação. E terceiro, muita, mas muita paciência. Vozes do Horto: Você pensa em algum momento de sua vida ensinar a arte de interpretar para as crianças do bairro? Roni Marruda - Gostaria muito, mas para isso eu preciso terminar minha licenciatura Vozes do Horto: Fale um pouco de sua trajetória artística? Roni Marruda - A arte sempre chamou muito minha atenção. Sou músico e já trabalhei com publicidade. Agora faço teatro, cinema e televisão. Foto: Mariah Bizzo Você Sabia? TEMPEROS POÉTICOS ÁRVORE Abriguei-me em ti Para em tua sombra repousar, E ao mirar-te vi O quanto és bela Com teus galhos a bailar. Se floridas, Se frutíferas, Ou simplesmente verde ou seca, Não importa És a natureza viva ou morta. Por que te mutilam Ó árvore Nas mudanças de estações, Por que te cortejam Ó árvores Na chegada dos verões. Árvore Que a tua semente levada pelo vento, Pelo bico de um pássaro, Ou até mesmo pelo dejeto por ele deixado, Floresça distante de ti, E que na ausência da chuva, Encontre sempre alguém para regá-la Como faço aqui. Árvore Não importa como sejas (Roberto dos Santos – morador do Horto) “...Se soubesse que o mundo se desintegraria amanhã, ainda assim plantaria a minha macieira. O que me assusta não é a violência de poucos, mas a omissão de muitos. Temos aprendido a voar como os pássaros, a nadar como os peixes, mas não aprendemos a sensível arte de viver como irmãos...” (Martin Luther King) ...Tudo o que a mulher comprar com o dinheiro de seu trabalho pertence somente a ela. São os chamados bens reservados e, em caso de desquite ou divórcio, não entram na partilha mesmo que a união seja em regime de comunhão universal de bens. O marido não tem a mesma vantagem. ... Pais adotivos podem alterar completamente o nome do filho adotado. Quem é conhecido publicamente pelo apelido pode incorporar a alcunha ao nome. E quem tem nome esquisito que lhe causa transtornos também pode mudá-lo a qualquer tempo. ...Se você recebe em casa um produto que não solicitou acompanhado de um boleto para pagamento, tem o direito de ficar com a mercadoria sem pagar um tostão. Pelo Código de Defesa do Consumidor, produtos enviados sem solicitação prévia equivalem a amostras grátis. Vozes do Horto 2008 4 NOSSAS RUAS, NOSSA HISTÓRIA.... Esta seção é uma tentativa de mostrar as modificações que vêm ocorrendo neste canto do Rio ao longo da sua história. A partir da localização geográfica de instituições e estabelecimentos comerciais na rua Pacheco Leão e adjacências, podemos acompanhar tanto o desaparecimento como o surgimento de distintas relações sócio-econômicas, de formas e de espaços de convivência. A fonte destas informações se origina na memória dos seus moradores. Contamos com a colaboração dos leitores para a atualização e complementação histórica desta pesquisa. A responsabilidade do registro escrito desta história é de todos nós. 13 Residências particulares 11 5 Balança 12 Escola Capistrano de Abreu 4 DEPSI Solar da Imperatriz 2040 1 2 LIgth 6 3 Estacionamento do 2040 1. Poucas casas. Local entre o ponto de ônibus 125 e o portão 2.040 2. Solar da Imperatriz 3. Bosque de árvores frutíferas 4. Capinzal com diferentes pássaros e preás 5. Chácara de hortaliças de portugueses 6. Bosque com variedade de espécies de árvores: Arco-de Pipa, Tuia, Ipê Amarelo, PauRei, etc. 7 7. Grotão (comunidade das mais antigas) 8. Morro das Margaridas (onde localizava-se a senzala) 9. Brejo 10. Bosque de eucaliptos 11. Rua Barão de Oliveira Castro com casas 12. Chácara de hortaliças de propriedade de portugueses 13. Campo de futebol do Carioca Esporte Clube 20 15 Restaurante Restaurante Tanaka Couve-flor 10 Escola Julia Kubitschek 8 Margarida SERPRO 14 VilasOperárias 9 Caxinguelê 14. Antiga Chácara do Algodão (denominação das residências dos operários da Fábrica de Tecidos Carioca) 15. Padaria do Merola (imigrante italiano) 16. Fábrica de Tecidos Carioca (inaugurada em 1888) 17. Berçário da Fábrica de Tecidos Carioca 16 Condomínio de casas 19 Residências Particulares 18 TV Globo Padaria Séc.XX 17 Jardim Botânico (antigo Real Horto, fundado por D.João VI) Fonte: mapa da prefeitura do Rio de Janeiro, readaptado pelo Vozes do Horto 18. Clube Musical da Fábrica de Tecidos Carioca 19. Escola Municipal Olavo Bilac e casa do gerente da antiga Fábrica de Tecidos Carioca 20. Bar do Lili O Horto e seu Coração Jardim Botânico, bairro da zona sul, hoje um dos mais valorizados da Mas só esse argumento não resolve a questão. O fato é que realmente muitos moradores do Horto estão com um grave problema: estão cidade do Rio de Janeiro, abriga um sub-bairro chamado Horto, com sua principal Rua Pacheco Leão fazendo divisa das localidades que ficam no entorno ameaçados de remoção. E há muito tempo esses moradores resistem e lutam pela moradia. Isto porque eles vieram trabalhar, morar e formar famílias do parque Jardim Botânico e no asfalto, com as do outro lado e das encostas. e costumes no Horto, através do incentivo dos governos, das fábricas e do Mas este lugar, em menos de dois séculos se transformou num bairro da alta sociedade. Porém, como diz o ditado, “quem vê cara não vê coração”, e é a Parque Jardim Botânico, que cederam as terras para os trabalhadores construírem suas moradias. Nossos governantes, empresários e gestores mais pura verdade! O coração do Jardim Botânico está nos lugares que deram souberam aproveitar a mão-de-obra quando precisaram, quando o lugar era vida ao bairro, onde tudo começou, nos lugares mais simples como o precário, a Lagoa era fedida e ninguém suportava morar. Hoje, o lugar tem “Caxinguelê”, o “Morro da Margarida”, “Tunica”, “Grotão”, o “Balança”, e até mesmo no pagode da tia Elza. Todos trazem consigo as mais variadas histórias, muito verde, aroma agradável, é aprazível e disputado, principalmente pelo mercado imobiliário. recordações e, com certeza, muitos costumes próprios do lugar. Este “problema” teria tudo para não ser um problema se o pessoal O Horto hoje está muito diferente. Antigamente era possível virar a esquina “manda-chuva” do Parque Jardim Botânico não estivesse dominado pelo e dar de cara com o bar do Lili, antigo point dos boêmios do bairro, lembrado pensamento único, que vê na Gente Humilde, cantada por Chico, os por muitos moradores da antiga como o Silvio Iório: “Onde hoje é o restaurante Tanaka era o bar do Lili. Os moradores freqüentavam muito o bar do Lili, que foi o invasores do lugar. O que se vê como problema seria uma riqueza, como ressalta a Tia Elza (Elza Maria de Souza), de 73 anos: “Ninguém invadiu aqui. líder da luta pelas casas”. Não somos invasores, e eu tenho prova. Meu marido trabalhou no Ministério da Hoje, apenas encontramos mais um daqueles restaurantes japoneses Agricultura e a prestação da casa era descontada no contracheque dele até o caríssimos, freqüentados apenas por ricos e famosos, diminuindo assim, ou até mês que ele faleceu. Invasores não têm contracheque com desconto de casa. mesmo anulando, a oportunidade de acesso do pessoal “raíz” do bairro a estes Agora, os [moradores] herdeiros dos funcionários [do Jardim Botânico] são as espaços. E é isto o que está acontecendo...o Jardim Botânico vem sendo raízes daqui”. literalmente invadido por restaurantes “chiques”, pessoas ricas e famosas. Ver a riqueza do lugar é ver a possibilidade de convivência com a Com tudo isso vem também um grande problema: o de espaço!! É a diferença, com a natureza, com a diversidade de costumes e com a lógica afirmativa da física que diz que dois corpos não ocupam o mesmo lugar. tolerância entre os seres humanos. É ver o coração do Jardim Botânico, Para um entrar o outro tem de sair. Surge, então, um problema social e geográfico: um bairro que vem sendo valorizado, na zona sul, e ainda há grande representado por suas localidades que formam o Horto e por sua gente mais antiga e simples, batendo forte e exalando vida. número de moradores de baixa renda. O que acontece é isso mesmo, curto e LUTEMOS PELO CORAÇÃO E PRESERVAÇÃO DA VIDA DO HORTO! grosso, para a lógica do pensamento único os pobres têm de sair, até porque “zona sul não é lugar de pobre, a não ser nas favelas”. Texto de Daniel Lopes (morador do Horto) Vozes do Horto 2008 5 MORADIA E MEIO AMBIENTE Por Luana Figueiredo Famílias do Horto Há vinte anos, moradores como Bernadete Costa de Souza, a Beta, de 41 anos, vivem o drama de perderem o direito de continuar morando em suas casas. Seu pai, após voltar da guerra, passou a trabalhar como servente no Horto Florestal e recebeu a casa da instituição para ficar mais próximo do trabalho. Foram mais de 30 anos dedicados ao Horto: “meu pai conhece tudo sobre plantas, os nomes, como cultiva-las, que tipo de terra elas gostam”, orgulha-se Beta. Não se sabe o motivo real para as mais de duzentas ações de despejo e remoção. O Jardim Botânico diz que a área é de preservação ambiental e que precisa dela para expandir suas pesquisas. No entanto, eles não “meu pai conhece tudo sobre plantas, os nomes, como cultivá-las, que tipo de terra elas gostam” Foto: Luana Figueiredo Moradora do Horto Foto e montagem: Mariah Bizzo O Jardim argumenta que os moradores agridem o meio ambiente. Em relação a isso, Beta retruca: “Se tivéssemos agredindo, o rio estaria morto, não teria tucano, nem preguiças. E eles estão aqui. Se tem essa natureza toda aqui é porque nós estamos preservando, se não já teria virado uma favela”. E teria mesmo, uma vez que a Comlurb não entra no local para limpar as ruas e o próprio Jardim Botânico não toma iniciativa, ficando para os moradores a tarefa histórica de manter as ruas limpas e preservar o local. Alegando falta de recursos financeiros, o Jardim nunca realizou um trabalho de conscientização e preservação junto à comunidade. São vinte anos de gastos financeiros e energia para remover as famílias de suas casas, no entanto, faltou recurso para ensiná-las a conviver e preservar a natureza. “Em momento algum o Jardim tomou uma iniciativa, nós é que sempre brigamos pelo local”, afirma Beta. Localidades do Horto demarcaram essa área, especificando até onde eles precisam. A Secretaria de Patrimônio da União (SPU) afirma que a terra pertence à União Federal, portanto o Jardim não pode remover as famílias. Embora hoje haja um diálogo entre o Jardim e os moradores, o que antes não havia, é uma briga muito grande e dolorosa. No início, antes da advogada pegar o caso, há vinte anos atrás, mais ou menos, algumas pessoas foram removidas. “Antes, quando eu era criança até se falava em remoção, mas eram só palavras. Hoje não, existe realmente uma documentação”, comenta Beta lembrando que antes a remoção não era uma realidade, eram só boatos, comentários que não tinham nenhum valor legal. Beta diz que nas reuniões “a posição da Secretaria de Patrimônio da União hoje é de regularizar. Inclusive a direção de Brasília já está sabendo e está muito imbuída nesse assunto de resolver a regularização fundiária, e essa é a esperança dos moradores”. Para ela, por trás dos interesses do Jardim Botânico há a especulação imobiliária, que acha que pobre não pode morar na zona sul. Mas não se trata de invasores, são famílias que tem raízes fincadas nessas terras tanto quanto as árvores antigas do Jardim. Pessoas que mesmo sem a orientação de quem entende de preservação ambiental preservam e cuidam, pois acreditam que o convívio com a natureza é um privilégio, não de quem possui posses, mas de quem respeita o meio ambiente. Expandir as pesquisas é importante também, mas se existe outro local para isso, qual seria realmente o interesse do Jardim Botânico em remover quem também faz parte da História do Horto Florestal? “Em momento algum o Jardim tomou uma iniciativa, nós é que sempre brigamos pelo local” Vozes do Horto 2008 6 RELATOS Por Mariah Bizzo OS MOVIMENTOS POPULARES E A LUTA PELA TERRA Miguel Baldez, professor, militante sindical, Procurador do Estado do Rio de Janeiro aposentado, um dos fundadores do Núcleo de Terras da Procuradoria do Estado na década de 80, participou como assessor da criação da Articulação Nacional do Solo Urbano e como assessor dos movimentos populares no campo e na cidade. Hoje, um dos fundadores do Conselho Popular por Moradia na Cidade do Rio de Janeiro. Em seu relato sobre sua experiência política, Miguel Baldez ressalta a importância e especificidade dos movimentos populares e a luta da terra. ...Os movimentos constroem a história, e a representação repete mal uma história perversa “Na década de 80, no primeiro governo do Brizola, havia um discurso governamental que induzia a uma abertura democrática. Neste período, fui procurador do Estado e um grupo de procuradores, que não passou de quatro ou cinco, resolveu aproveitar aquele discurso para criar na Procuradoria o Núcleo de Terras da Procuradoria, depois de termos recebido a visita de várias comunidades da zona oeste. Seria uma boa oportunidade de fazer dentro da Procuradoria um trabalho mais conseqüente. Como recebíamos visitas de 13 ou 14 comunidades comissões que vinham de loteamentos irregulares e abandonados -, forma-se o Núcleo de Regularização de Loteamentos. O primeiro ponto foi que nós, procuradores, descobrimos que a lei de interesse do excluído, do marginalizado, do pobre, para ser efetivamente aplicada, exigia a participação comunitária; discutir com o excluído, perceber a lei na sua concretude, na sua realização efetiva. Desse modo, criou-se um coletivo para discutir com a própria comunidade as questões urbanas. Foto: Daniel Lopes Quando encerramos esta fase fizemos um relatório e encaminhamos ao governador que, na época, era o Brizola. O governador encaminhou ao município. O município não tinha procuradoria. A nossa procuradoria representava o município. O prefeito, que era o Marcelo Alencar, fez certamente o que o Brizola esperava, colocou o relatório na gaveta e esqueceu. Mas já tínhamos uma relação forte com a comunidade. Então fizemos a proposta da criação de um núcleo que dependia apenas de ato do Procurador Geral, que era do nosso grupo. Um ato dele criou o Núcleo de Terras dentro da Procuradoria do Estado e nós passamos a nos relacionar com os movimentos, principalmente os vindo lá da zona oeste, sempre através das várias associações de moradores que se criavam em cada loteamento. O que faziam os loteadores? Eles faziam os loteamentos, pegavam o dinheiro do povo e depois abandonavam os compradores. A lei que regula os loteamentos é a Lei 7667, de 1979. Nos loteamentos, com as valas abertas havia o risco permanente de doenças endêmicas. No nosso Núcleo tínhamos um representante de cada uma das Secretarias do Município envolvidas no processo de regularização. Então, tratamos como prioridade a questão do assoreamento das valas e a questão relativa à saúde da comunidade. O nosso coletivo se reunia sempre às terças-feiras, em assembléias, com a presença de todos os moradores interessados. Quem fosse tinha voz e voto. Nessa altura, deixei a representação da Universidade no Sindicato dos Professores e concentrei-me na questão da terra. Surgiu então no Rio, a prática das ocupações coletivas antes mesmo da chegada do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), criado em 1984, no Rio Grande do Sul, e depois estendido por todo o Brasil. Quando o movimento chegou aqui, o governo do Rio já estava muito envolvido na questão da terra. Naquela altura, entretanto, ao invés de levar-se a polícia para tirar o povo da terra era levada para colocar o povo na terra. Quantas vezes nas ocupações levava-se a polícia para apoiar o povo. Era um negócio complicado, mas fazía-se, como em Paracambi, por exemplo. Esta prática ligou-se de vez à luta pela terra. Quando terminado o governo Brizola foi eleito o Moreira Franco, mudificando tudo, com uma lógica incompatível com aquele trabalho. Quis afastar-me, mas fui impedido pelo vice-governador eleito, Francisco Amaral, pessoa significante, advogado dos movimentos populares e, à época, ligado ao grande e saudoso bispo Dom Adriano Hipólito, que era o bispo de Nova Iguaçu e apoiava o povo nessas lutas. Nessa época, participei da Articulação Nacional do Solo Urbano, onde trabalhávamos a questão urbana e as emendas populares. Viajei, praticamente, o Brasil todo naquele período pré-constitucional. Quando a minha licença acabou eu estava na iminência de me aposentar, mas o Brizola tinha voltado e aí eu pensei, a equipe volta. Como, porém, não se retomou o trabalho do Núcleo, extinto no governo Moreira Franco, o envolvimento com os movimentos populares manteve-me nas lutas pela terra. Hoje você pode falar dos movimentos populares e da importância desse fato porque a grande novidade, na minha avaliação, dentro de toda nossa realidade, está nos movimentos populares. Eles têm qualidades próprias e especialmente típicas. Vozes do Horto 2008 RELATOS 7 A burguesia precisava criar um terceiro Estado. Havia o estado clerical, a O movimento popular, qualquer que seja ele, tem sua expressão política. religião, a ideologia da Idade Média e o estado da nobreza. Eles precisavam Não precisa de vereador, nem de deputado, nem de presidente. Presenta-se criar outro estado. Assim, criaram a nação. Mas, como formar a nação? por si mesmo. É a principal característica dos movimentos populares. Por A burguesia tinha a si própria que comandava a ação revolucionária, mas outro lado, o movimento cria uma nova subjetivação. tinha que incluir no seu conceito de nação o Se pensarmos o que nós somos, individualizados campesinato e o proletariado. Assim ficou o estado pelo direito que me dá acesso de qualificação e que clerical, o estado da nobreza e o novo estado, me faz ser um indivíduo. E se pensarmos as grandes O movimento popular, formado pela burguesia, campesinato e proletariado. contradições sociais, posso mencionar o trabalho e o qualquer que seja ele, tem sua O campesinato e o proletariado logo perceberam capital. Essa é uma grande contradição. Como é que expressão política. Não que aquela revolução não era a deles e passaram a o direito trata isso? Ele reduz isso a conflitos precisa de vereador, nem de realizar esforços para escapar do controle da individuais. Você tem, de um lado, o trabalhador, e do deputado, nem de presidente. burguesia. Foram várias as revoluções nesse outro lado, o patrão. Cria-se aí uma justiça do Presenta-se por si mesmo. É a sentido. trabalho. O conflito entre capital e trabalho fica principal característica dos A luta pela reforma agrária, do ponto de vista do reduzido a um conflito individual. Por quê? Porque o movimentos populares. movimento, continua muito forte. Há uma organização nosso direito não admite, não reconhece o coletivo. internacional de lutas pela terra. No Brasil, são 8 ou Para você ter direito, você precisa ser 10 movimentos que participam da Via Campesina. individualizado, se assumir como indivíduo. Isso é o Mas os movimentos populares já tiveram uma que nós chamamos de subjetivação no campo presença maior, principalmente na cidade. Isso porque a Constituição de jurídico, que é uma forma de exclusão. Eu não posso ser nós porque eu sou 1988 é fruto da luta do povo. Primeiro, estávamos lutando contra a ditadura, eu. Então, quando nós nos organizamos e formamos um movimento, a gente depois, fizemos a luta pela anistia e, depois, a luta pelas Diretas Já. O povo se descobre numa subjetivação mais ampla porque vamos criar resultados, foi todo para a rua. Viajamos o Brasil quase todo discutindo as emendas produzir efeitos que cada um de nós individualmente não conseguiria populares. produzir. Mas as emendas eram um meio de juridificar uma luta política porque O movimento popular tem essa característica de ser presentativo e quando se quer encerrar a luta política se dá tratamento jurídico. O campo instituinte de novos direitos. Por que o sucesso do Movimento dos Semjurídico nega a ação política. Terra? Porque ele descobriu ou redescobriu esse fato da ocupação da terra. O direito é a grande ideologia da classe burguesa. Todas as lutas estão A terra está lá, abandonada ou não, mas ela tem uma cultura que é imprópria dentro da Constituição, só que congeladas. Isso realmente foi extremamente para a saúde do homem, do trabalhador. O movimento vai lá e ocupa a terra. perverso para a organização dos movimentos. Os movimentos estão se Esse é um fato político. Mas eu não poderia ocupar sozinho. Agora se nos recuperando, se organizando. O único que foi preservado foi o movimento organizamos e fazemos a ocupação, aí realmente produz um efeito político pela reforma agrária, porque não entrou na Constituição. que vai instituir novos direitos. Esse é o ponto da maior importância para A Constituição fechou as portas para a reforma agrária quando exigiu que entendermos os movimentos e sua importância. a reforma se desse sobre terras improdutivas. Assim a luta cresceu. Foi Temos o movimento da mulher, o movimento negro, o movimento dos importante a participação da igreja. Os padres, tocados pela Teologia da homossexuais. São todos movimentos muito legítimos. Mas esses Libertação são realmente fantásticos! Houve um momento em que a igreja movimentos são absolutamente compatíveis com a realidade que temos. teve uma importância vital na própria formação do Movimento dos Eles podem conviver perfeitamente com a nossa sociedade, com o nosso Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Estado. Isso não incomoda ninguém. Porém, o movimento que luta pela terra, Mas também acho que não dá mais para fazer a reforma agrária esse é o que chamamos de estratégico, porque ele vai implicar numa tradicional. Qual é a reforma agrária tradicional? É aquela que decorre da modificação da própria realidade. Vai abrir condições para a criação de uma contradição entre o capital e o latifúndio. Hoje, o capital já chegou a terra, e o nova sociedade. Mas aí esse movimento não pode. latifúndio depende do capital. O grande empenho do Lula, hoje, está na O movimento de luta pela terra é duramente reprimido pela justiça e pela produção agrícola. O agro-negócio está todo dia estampado nos jornais, mas polícia. O juiz ordena e o policial ou jagunço executa. o agro-negócio é uma conseqüência do latifúndio. O Temos também a grande imprensa que é agro-negócio produz divisas, mas o povo brasileiro extremamente perversa, fazendo a criminalização e O direito é a grande ideologia continua na mesma, com fome. O agro-negócio não desqualificação dos movimentos. Ela é uma das da classe burguesa. Todas as resolve a questão do homem na terra. Hoje, a grandes sustentações da estrutura capitalista. Quando lutas estão dentro da reforma agrária passa pela formação de uma nova procuramos fazer um enfrentamento, a repressão Constituição, só que sociedade. Daí a grande luta que o Movimento Sem bate; a repressão direta ou esse processo de congeladas. Isso realmente Terra vem travando. desqualificação para neutralizar. Há todo um processo foi extremamente perverso O Movimento Sem Terra conseguiu unidade no de desqualificação política feito pela imprensa. para a organização dos Brasil inteiro. Primeiro, com a ocupação criou-se um Eu costumo dizer que em torno da terra se movimentos. fato político. A ocupação cria a presentatividade do construiu uma cerca jurídica para excluir a apropriação movimento, sendo a negação da propriedade da terra pelo pobre, porque ele não participa da tradicional. É uma ação política que vai fazer a riqueza. Para ter acesso à terra precisa ter dinheiro e negação de todos os valores jurídicos. Hoje, o Movimento Sem Terra quem controla o dinheiro é o Estado que serve ao poder dominante, à classe significa o projeto de transformação social. dominante. Assim, na minha avaliação, o caminho é reforçar os movimentos Esse Estado que está aí, hoje, é um Estado criado pela burguesia quando populares. Hoje, a representação perdeu o sentido histórico, daí a ela fez a sua revolução na passagem do século XVIII para o século XIX. A importância dos movimentos populares. Constituição Francesa de 1793 é a certidão de nascimento do Estado Os movimentos constroem a história, e a representação repete mal uma Burguês. história perversa.” Se pensarmos historicamente, a burguesia já tinha o poder econômico, mas não tinha o poder político. O poder político era da nobreza e do clero. Assim, a burguesia se organizou em movimentos e fizeram a revolução Relato de Miguel Baldez contra os privilégios do Estado monárquico. Vozes do Horto 2008 8 ARTE e CULTURA Por Antonio Carlos Albuquerque FORÇA DO PAGODE “...Não desistir e acreditar no sonho. E quando ele se realizar, manter a humildade sempre.” O grupo Força do Pagode é formado por Leandro (Samurai), Rodrigo, Jeferson, Lála, Renato e Henrique. Samurai, que é morador da comunidade do Horto, iniciou sua carreira artística há oito anos no grupo Samba Junior, por influência de sua irmã que está se formando em Artes. O Força do Pagode começou com a idéia de um grupo de amigos do colégio Santa Rosa de Lima, em Botafogo, contando sempre com o apoio e incentivo de Luis Otávio, “Sabá”, que hoje empresaria o grupo. No período de integração do grupo, foi gravado um CD demo. O grupo também possui 4 (quatro) composições próprias, além de já terem se apresentado em locais como o Clube Caxinguelê, a Feijoada da Tia Elza e em outras festas na comunidade. Tocaram com artistas de renome como Beth Carvalho. Foto: Arquivo do Samurai Para o Força do Pagode, “a grande dificuldade que existe hoje é ter um local fixo para suas apresentações”, como afirma Samurai. Só após diversas tentativas e dificuldades de mostrar o seu trabalho em segmentos e espaços variados, o grupo recebeu a oportunidade para tocar no Bar Kamikazes, Pça XV, no Centro do Rio, onde há oito se apresentam todas às sextas-feiras. Além do Bar Kamikazes, o Força do Pagode também se apresenta todos os domingos na Quadra da escola de samba da comunidade Dona Marta, em Botafogo. Um dos grandes objetivos do grupo é voltar a tocar no local onde tudo começou, na comunidade do Horto. Segundo o vocalista Samurai, “isso não ocorre mais devido as mudanças na direção de alguns espaços que existem na comunidade, como o caso do Clube Caxinguelê”. Foto: Arquivo do Samurai O Força do Pagode deixa como mensagem aos novos grupos e aos que estão se formando a seguinte frase: Não desistir e acreditar no sonho. E quando ele se realizar, manter a humildade sempre. CLASSIFICADOS BUFFET ERLY DELICIOSAS COMIDAS CASEIRAS Os melhores doces, salgados e bolos para festas em geral (casamento, aniversário, bodas, etc.), com uma Equipe de Entrega a domicílio. Todas as sextas feijoada completa. Contato: 2274-1156 - Lira Buffet completa (garçons, cozinheira, copeira, decorador) e com os melhores preços você encontra com a Sra.ERLY ALBUQUERQUE. Contato: (21) 8215-1763 LOUCO POR BICHO PET SHOP A melhor do Jardim Botânico. 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Saiba mais: www.estimativa.org.br / Contato: (21)2567-0011 / 7896-9737 • A Brinquedoteca Volante do Horto, de caráter itinerante, tem como objetivo o brincar na rua, resgatar as brincadeiras do passado e ensinar as crianças a confeccionar os seus próprios brinquedos. Onde tiver criança a brinquedoteca estará sempre presente, seja no Caxinguelê, Grotão, Margarida, Horto ou Balança, o importante é brincar. Com uma sede no Balança há 4 anos, a Brinquedoteca vem participando ativamente do crescimento das crianças do Bairro. Realização Colaboradores: Solte a sua voz!! Contato para anúncios e envio de matérias e-mail: [email protected] Flash Back 100% Original ! O Dj carioca Marcelo Peixe vem mantendo a tradição tocando sucessos dos Anos 70, 80 e 90 com seus Singles e Lps originais da época .Todas às quintas no Far Up/Cobal do Humaita. Pra Você que gosta de boa música, vale a pena conferir. Com 90% do repertório em vinil o Dj faz com que a noite fique mais original ao meio de toda tecnologia que temos atualmente. Contatos para Festas & Eventos (Som & Luz): [email protected] (21)8803-9322 - 3467-8697