c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 1 Fı́sica Geral II - Electromagnetismo 1 Introdução. O Electromagnetismo é a parte da Fı́sica que se ocupa das interacções entre partı́culas carregadas. A estrutura da matéria e muitos processos biológicos são determinados por este tipo de interacções. A nossa sociedade está também muito dependente das propriedades das cargas em movimento: sem electricidade, quase nada funciona! Michael Faraday (1791-1867), um fı́sico autodidacta, que começou por ser encadernador e aprendeu muito lendo os livros que lhe davam para encadernar, foi contratado para a Royal Institution, em Londres, para descobrir maneiras de obter vidros mais perfeitos. Na altura, os métodos de fabricação do vidro conduziam a vidros com bolhas de ar e outras imperfeições que tornavam difı́cil a aplicação a lentes. Mas aquilo que Michael Faraday gostava realmente de investigar, e que no princı́pio só conseguia fazer nas horas vagas, era o electromagnetismo. As suas investigações permitiram perceber a ligação ı́ntima que existe entre o campo eléctrico e o campo magnético, pelo que ele deve ser considerado o fundador do electromagnetismo. As aplicações do electromagnetismo na sociedade actual não podem ser subestimadas, por exemplo, as correntes eléctricas são fundamentais para fazer funcionar o cada vez maior número de máquinas que temos em casa. Mas a atracção e repulsão entre corpos carregados têm muitas outras aplicações industriais, como nas fotocopiadoras e impressoras. 2 Carga eléctrica. Já os Gregos antigos sabiam que se se esfregasse um pedaço de âmbar, este levantaria pedacinhos de palha. Há uns 200 anos tornou-se claro que há dois tipos de cargas, a que se convencionou chamar positivas e negativas. As designações “positiva” e “negativa” e os sinais das cargas foram escolhidos arbitrariamente por Benjamin Franklin (1706-1790). c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 2 Na época de Franklin pensava-se que a corrente eléctrica era um fluxo contı́nuo. Ainda no princı́pio do século vinte muitos cientistas não acreditavam na hipótese atómica. Agora sabemos que a matéria é discreta, que é feita de átomos, e também que a carga eléctrica é quantificada e não vem em quantidades menores que um electrão. As correntes que alimentam objectos como uma lâmpada, envolvem 1019 destas cargas elementares e por isso o carácter quantificado da carga eléctrica não tem grande importância para a descrição do seu funcionamento. Por outro lado, nos sistemas biológicos, os processos que envolvem transferência de carga são quase sempre em termos de quantidades pequenas, ou de iões que passam de um lado para outro de uma membrana, ou de electrões que são transferidos de uma molécula para outra. Enquanto o electrão é a menor quantidade de carga negativa, o protão constitui carga positiva elementar e a matéria é neutra porque é formada por números iguais de electrões e protões. Por exemplo, os átomos são formados por núcleos, os quais são positivos porque são formados por protões e partı́culas não carregadas, chamadas neutrões, à volta dos quais orbitam electrões. O conjunto do núcleo com os electrões à volta é neutro. O átomo de hidrogénio é o único que não inclui neutrões, sendo formado por um protão e um electrão. A carga eléctrica constitui uma grandeza fı́sica com uma natureza própria e não é redutı́vel às grandezas mecânicas (massa, espaço e tempo) ou termodinâmicas (temperatura, pressão, etc). A sua unidade no sistema SI é o coulomb. Por razões que têm a ver com a precisão das medidas (é mais fácil medir uma corrente do que medir cargas elementares), a unidade de carga define-se a partir da unidade de corrente, o ampere: 1 coulomb é a quantidade de carga que é transferida através de uma secção de um fio num segundo quando nele flui uma corrente de 1 ampere. Em coulomb, a carga de um electrão é: e = −1.602 × 10−19 C (1) 3 Condutores e isoladores. Nalguns materiais, como os metais, a água da torneira e o corpo humano, parte da carga negativa pode mover-se mais ou menos livremente. Chamamos c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 3 a estes materiais condutores. Noutros materiais, como o vidro, a água destilada e o plástico, nenhuma carga se pode mover livremente. Chamamos a estes materiais não condutores ou isoladores. Nos condutores, como o cobre, acontece o seguinte. Quando os átomos de cobre se ligam para formar uma fase sólida, alguns dos electrões das últimas camadas, que estão menos ligados ao núcleo, libertam-se dos átomos de que fazem parte e deslocam-se livremente pelo sólido. Estes electrões chamamse electrões de condução. Um não condutor tem muito poucos ou nenhum destes electrões. Semicondutores, como o silı́cio e o germânio, são materiais que têm propriedades condutoras intermédias entre os condutores e os isoladores. A microelectrónica, que é usada nos computadores que tanto mudaram a vida nas últimas décadas, é baseada nos semicondutores. Há também outros materiais, chamados supercondutores, que não oferecem qualquer resistência à passagem da corrente. Os condutores, de maneira geral, apresentam resistência à corrente eléctrica. Esta resistência é devida à agitação constante em que se encontram os átomos de qualquer material, a temperatura finita. Nos supercondutores a corrente eléctrica flui sem resistência nenhuma. As correntes nos condutores subsistem apenas enquanto eles estão ligados a uma bateria. A bateria fornece energia de forma constante, a qual é necessária para compensar a perda de energia permanente, devida à resistência. Nos supercondutores, depois de gerarmos uma corrente, ela mantem-se indefinidamente, mesmo na ausência de qualquer bateria. Tais materiais são muito cobiçados porque precisam de muito pouca energia para trabalharem. A supercondutividade foi descoberta por Heike Kammerling Onnes (18531926), quando este estudava a variação da resistência do mercúrio sólido com a temperatura. Ele esperava que à medida que a temperatura fosse diminuindo, a resistência aumentasse, porque pensava que o movimento dos electrões deveria diminuir com a temperatura. Foi uma grande surpresa quando ele verificou, que em vez de aumentar, abaixo de 4.2 K, a resistência se tornava nula (ou melhor, não detectável). O problema continua a ser que é preciso arrefecer os materiais a temperaturas muito baixas para obter supercondutores. Nos últimos anos foi possı́vel obter outros materiais que são supercondutores c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 4 a temperaturas mais altas (50-150 K, 160 K a 106 atmosferas) mas o que se pretende realmente são materiais supercondutores à temperatura ambiente. 4 Conservação da carga. Podemos carregar um objecto de vidro esfregando-o com um pedaço de seda. O objecto de vidro fica carregado positivamente, enquanto a seda fica carregada negativamente. Isto acontece porque houve electrões que fluiram do vidro para a seda. Ou seja, a carga não pode ser criada, só pode ser transferida de uma região para outra. Este é mais um princı́pio de conservação, o Princı́pio de Conservação da Carga Eléctrica, que foi proposto primeiramente por Franklin e que tem sido essencialmente provado como verdadeiro, tanto em processos macroscópicos, como em processos microscópicos, que envolvem átomos, núcleos e partı́culas elementares. Por exemplo, no declı́nio radioactivo, quando o Urânio-238 decai para o Tório-234, por emissão α (ou seja, por emissão de um núcleo de Hélio): 238 92 U 4 ⇒234 90 Th +2 He. Se nós contarmos o número de protões antes e depois desta reacção nuclear temos: o átomo de Urânio, com um número atómico Z=92, tem 92 protões. A partı́cula α emitida tem Z=2, é um átomo de Hélio ionizado, com 2 protões e o núcleo filho, constituı́do pelo átomo de Tório, com um número atómico Z=90, é formado por 90 protões. Assim, a carga total dos núcleos depois do decaı́mento continua a ser 92 protões. Um caso que à partida pode parecer violar o princı́pio de conservação da carga é a criação e aniquilação de partı́culas. Vocês já devem ter ouvido falar da antimatéria. Cada partı́cula elementar tem a sua correspondente antipartı́cula. Assim, o electrão tem uma antipartı́cula, que é o positrão. O positrão tem uma massa igual à do electrão, é em tudo igual ao electrão, menos na carga, que é igual em módulo, mas de sinal diferente. Quando uma partı́cula choca com a sua antipartı́cula, pode acontecer que elas se aniquilem uma à outra, levando à criação de energia: e− + e+ ⇒ γ c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 5 Pode à primeira vista parecer que este processo viola o princı́pio da conservação de carga, porque no inı́cio do processo temos duas partı́culas carregadas e no fim temos só energia. Mas se contarmos a carga total antes e depois do processo, no princı́pio temos uma carga total nula e no fim temos a mesma coisa, pelo que a carga total se conservou neste processo. A este processo chama-se aniquilação. Existe também o processo inverso em que um fotão (radiação electromagnética) de alta energia, ao atravessar a matéria, cria um par electrão-positrão. Estes processos chamam-se processos de criação de pares electrão-positrão. Eles podem-se observar numa câmara de bolhas, porque as partı́culas carregadas ionizam a matéria por onde passam e as regiões ionizadas agem como núcleos para a condensação da água. 5 Força de Coulomb. Um princı́pio fundamental é também que cargas de sinal contrário se atraem e cargas de sinal igual repelem-se. A lei que descreve a força de interacção entre partı́culas carregadas em repouso chama-se lei de Coulomb, em honra do fı́sico francês Charles Augustin de Coulomb (1736-1806) que fez um estudo intensivo dessas forças em 1785, usando uma balança de torsão semelhante à usada por Henry Cavendish (1731-1810) no estudo da força gravitacional. O resultado é que a força que a carga q1 exerce sobre a carga q2 é dada por: q1 q2 (2) F~E = K 2 ~e12 r12 onde r12 é a separação entre as cargas, ~e12 é um vector unitário (versor) que indica a direcção da carga 1 para a carga 2 e K é chamada a constante electrostática. O ponto de aplicação desta força é na carga 2, mas a força é devida à presença da carga 1. A força electrostática entre duas cargas (2) é análoga à força gravitacional, se as cargas forem substituı́das pelas massas e K for substituı́da pela constante gravitacional. A constante K escreve-se também como: 1 K= = 8.99 × 109 Nm2 /C2 (3) 4 π 0 onde 0 é a permitividade eléctrica do vácuo: 0 = 8.85 × 10−12 C2 /Nm2 . (4) c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 6 A permitividade eléctrica do ar é aproximadamente igual à do vácuo. Quando as partı́culas se encontram noutro meio, fica: 1 4π onde é a permitividade eléctrica desse meio. K= (5) Aplicação. Consideremos dois iões de sódio no ar à distância de 100 Å. Qual a força de interacção entre eles? Já estudámos duas possibilidades: a força gravitacional e agora a força eléctrica. Vamos calcular estas duas forças. A força (de atracção) gravitacional entre dois iões de sódio é: FG = G −27 2 m2Na ) −11 (22.99 × 1.66 × 10 = 6.67 × 10 ≈ 10−42 N 2 −10 2 r (100 × 10 ) (6) Por outro lado usando (2) determinamos que a força (de repulsão) eléctrica é: (1.602 × 10−19 )2 FE = 8.99 × 109 ≈ 10−12 N (7) (100 × 10−10 )2 Ou seja, vemos que a força eléctrica entre dois iões sódio é 30 ordens de grandeza maior que a força gravitacional. Por isso, as forças gravitacionais entre objectos carregados podem-se desprezar. Por outro lado, quando consideramos massas macroscópicas, como a Terra, a Lua ou o Sol, que são globalmente neutras, são as forças gravitacionais que prevalecem e os seus movimentos são regulados pelas forças gravitacionais. Assim, enquanto a estrutura da matéria é regulada pelas forças eléctricas, a estrutura do Universo é regulada pelas forças gravitacionais. 6 O Princı́pio de sobreposição. Se tivermos não uma, mas várias cargas eléctricas, podemos calcular as forças que elas exercem umas sobre as outras considerando que elas interagem separadamente, duas a duas. Assim, a força eléctrica que actua sobre a carga q, devida à presença das cargas q1 , q2 , q3 , q4 , etc, é a soma das forças F~1 , F~2 , F~3 , F~4 , etc: F~tot = F~1 + F~2 + F~3 + F~4 + · · · (8) c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 7 onde, para cada uma das forças, F~i , se aplica a expressão da força de Coulomb (2). A equação acima traduz o chamado Princı́pio de sobreposição das forças eléctricas e diz-nos que a força total resulta da sobreposição linear das forças individuais, devidas a cada uma das cargas. As forças são vectores e portanto esta soma é uma soma vectorial, ou seja, o módulo da soma não é, em geral, igual à soma dos módulos de cada uma das forças. 7 O campo eléctrico Quando se aproximam duas cargas e elas interagem pela força de Coulomb (2), como é que elas sabem da existência uma da outra, não estando em contacto directo? Esta mesma questão já tinha sido considerada por Newton ao estudar a força gravitacional, a qual pode interagir através de vastas regiões de espaço vazio. Tão longe, que um objecto pode começar a sentir o efeito dessa força muito antes de poder ver o objecto que a cria. É a chamada acção à distância, que é explicada em termos da existência de um campo criado pelas cargas. O conceito de campo é um conceito misterioso do ponto de vista fı́sico porque significa que o efeito das cargas não fica confinado ao local onde elas se encontram ou ao volume que ocupam, como no caso dos choques mecânicos entre partı́culas, mas estende-se por toda a região do espaço à volta delas. Mas, embora do ponto de vista fı́sico não seja muito fácil perceber como é que isto acontece, do ponto de vista matemático há formalismos bem definidos para descrever campos e as suas propriedades. Já vimos uns exemplos de campo, por exemplo, a pressão. Numa sala, a pressão tem um certo valor médio. Isso quer dizer que podemos tomar as várias regiões dessa sala e atribuir-lhes um valor para a pressão. No caso dessa sala, essa pressão é aproximadamente igual em todos os pontos. Do ponto de vista matemático, o volume ocupado por essa sala é um campo de pressões uniforme. Na atmosfera terrestre, ou seja, numa camada esférica a certa distância da superfı́cie terrestre, a pressão não é igual em todos os pontos. São estes gradientes de pressão que geram os ventos e contribuem para as variações climatológicas. A este conjunto de pontos, cada um dos quais com certo valor da pressão, chama-se um campo de pressões. Como a pressão é um escalar, o campo das pressões é um campo escalar. c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 8 Da mesma forma, o campo eléctrico criado por uma carga é o conjunto de valores que o campo eléctrico assume na região do espaço à volta dessa carga. Como o campo eléctrico é um vector, em cada ponto do espaço vai estar definido um vector que é o valor do campo eléctrico nesse ponto. Podemos entender a acção à distância implicita na força electrostática entre duas cargas (2) da forma seguinte: dizemos que uma carga, q1 , cria um campo eléctrico no espaço. Esse campo representa uma espécie de zona de influência criada pela carga q1 . Quando se insere uma outra carga, q2 , nesse campo, o campo vai exercer sobre a carga q2 uma força que, em qualquer ponto do campo, é inversamente proporcional ao quadrado da distância entre as duas. Este campo é o campo eléctrico criado pela carga q1 . Dizemos que q1 é a ~ onde se encontra a carga fonte do campo. O campo eléctrico no ponto P2 , E, q2 , define-se como a força eléctrica por unidade de carga: ~ ~ = FE E q2 7.1 (9) Linhas equipotenciais e linhas de campo. Como se faz a visualização de um campo eléctrico? Quando assistem aos boletins meteorológicos vocês vêem representações gráficas do campo da pressão atmosférica. Os mapas mostram as chamadas linhas equipotenciais da pressão, que se obtêm ligando os pontos que estão todos à mesma pressão. Quando completo, esse mapa mostra as regiões onde a pressão é alta e onde a pressão é baixa. Podemos desenhar estes mapas porque a pressão varia sem grandes descontinuidades de ponto para ponto. Em geral, a força eléctrica e o campo eléctrico variam também de forma contı́nua de ponto para ponto. Mas há uma diferença fundamental entre o campo das pressões e o campo eléctrico: a pressão é uma quantidade escalar e o campo eléctrico é uma quantidade vectorial. No caso do campo eléctrico, ou da força, não só temos uma intensidade em cada ponto, mas também um sentido e uma direcção. Faraday, que introduziu a ideia de campos para descrever as interacções entre partı́culas carregadas no século 19, pensava no espaço à volta de um corpo carregado como cheio das chamadas linhas de força. Agora preferimos falar de linhas de campo. Como contruı́mos as linhas de campo? Suponhamos que queremos representar a força eléctrica devida a uma c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 9 carga negativa −Q medindo essa força com uma carga de prova1 . Como a carga de prova é positiva, a carga de prova é atraı́da pela carga que cria o campo. As linhas de força são radiais, dirigindo-se todas para o local onde se encontra a carga. No caso de uma carga positiva, as linhas de força têm ainda a mesma direcção radial, mas têm um sentido inverso, dirigindo-se para fora da carga. Como se pode ver pela definição de campo eléctrico (9), as linhas de campo são colineares com as linhas de força e como a carga de prova é positiva, têm também a mesma direcção (ver Figura 1). A direcção destas linhas é igual à da força em cada ponto (ver figura 1). Figure 1: Linhas de força ou linhas de campo (a) à volta de uma carga negativa e (b) à volta de uma carga positiva. A densidade das linhas diminui com o quadrado da distância à carga fonte. Para cargas isoladas, as linhas de força prolongam-se até ao infinito ou vêm do infinito. Mas como a matéria é neutra, não há cargas isoladas, pelo que as linhas de campo têm um princı́pio e um fim. Consideremos o caso em que temos dois objectos, um carregado positivamente e outro carregado negativamente. Para esta configuração de cargas as linhas de campo são como mostra a figura 2: nascem na carga positiva e acabam na carga negativa. Esta observação é válida não só para a configuração da figura 2 como para qualquer outra configuração. De modo geral, se as linhas de campo forem rectilı́nias a sua direcção é a direcção do campo em cada ponto. Se as linhas 1 Uma carga de prova é uma carga hipotética, pontual, sempre positiva, que é suficientemente pequena para não alterar o campo. c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 10 forem curvas, a tangente às curvas em cada ponto dá a direcção do campo eléctrico nesse ponto. A intensidade do campo numa região é proporcional ao número de linhas de campo numa área perpendicular à direcção das linhas de campo. Figure 2: As linhas do campo eléctrico começam na carga positiva e terminam na carga negativa. Os campos eléctricos estão longe de ser uma abstracção matemática: é possı́vel visualizá-los usando limalha de ferro ou até sementes. Quando submetidas a um campo eléctrico, as cargas positivas vão sofrer uma força num sentido e as cargas negativas vão sofrer uma força em sentido contrário. Por causa desta separação de cargas a semente fica com um lado positivo e o outro negativo. A este processo chama-se polarização. Uma vez polarizadas, as partı́culas alinham-se segundo a direcção do campo e tornam visı́veis as linhas de campo. A figura 3 mostra as linhas de campo para várias distribuições de carga. 7.2 Campo Eléctrico de uma carga pontual. O campo eléctrico criado por uma carga pontual, q1 , no ponto 2, pode obterse colocando uma carga de prova, q2 , nesse ponto e medindo a força de Coulomb que a carga q1 exerce sobre a carga q2 . Da expressão (2) e da expressão do campo eléctrico (9), fica: ~ = K q1 ~e12 E (10) 2 r12 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 11 Figure 3: Linhas do campo eléctrico em torno de (a) duas cargas de sinal igual, (b) duas cargas de sinal oposto, (c) um anel carregado (note que o campo dentro do anel é nulo), (d) um condutor carregado de forma arbitrária, (e) uma placa carregada e (f) um par de placas de carga igual, distribuida uniformemente e sinal contrário. temos assim o campo eléctrico, no ponto P2 , criado por uma carga, q1 , situada no ponto P1 . Do princı́pio de sobreposição para as forças electrostáticas pode- Electromagnetismo 12 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados ~ 1, mos deduzir o princı́pio de sobreposição para os campos eléctricos. Sendo E ~ 2, E ~ 3 , · · ·, E ~ n , os campos criados por n cargas diferentes, separadamente, E ~ criado por essa distribuição de cargas é: o campo total, E ~ =E ~1 + E ~2 + E ~3 + · · · + E ~n E 7.3 (11) Campo criado por um dipolo. Uma das distribuições de carga mais simples em que podemos pensar é a formada por uma carga positiva e uma carga negativa, iguais em módulo. Chamamos dipolo a esta configuração e ao campo eléctrico criado por ela chamamos campo dipolar. Podemos calcular o campo dipolar usando o princı́pio de sobreposição e calculando primeiro os campos eléctricos criados pela carga positiva e negativa, separadamente. Para isso consideremos um ponto P a uma distância z do centro do dipolo (carga negativa abaixo da carga positiva, z é a distância ao centro do dipolo, r é a distância à carga positiva). Assim temos: ! q ~ 1 1 ~ = E + E = K q ~j − K ~j (12) E j = Kq − d r2 (r + d)2 (z − 2 )2 (z + d2 )2 ~+ ou ~− ~ =K q 1− d E z2 2z !−2 − !−2 d ~j 1+ 2z (13) Considerando o desenvolvimento em série de McLaurin: f (x) = f (0) + f 0 (0) x + para a funções (1 ± x)−2 , onde x = d , 2z 1 00 f (0) x2 + · · · 2 (14) temos: f (0) = 1 ; f 0 (x) = ∓2 (1 ± x)−3 ; f 00 (x) = +2 × 3 (1 ± x)−4 ou seja, f 0 (0) = ∓2 ; f 00 (0) = +6 fica: d d d (1 ± )−2 = 1 ∓ + 3 2z z 2z !2 + ··· (15) Electromagnetismo 13 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados e temos, até à terceira potência de d 1− 2z !−2 d : 2z d − 1+ 2z !−2 =2 d z (16) o que, substituı́do na expressão (13), fica: ~ ~ = K q 2 d ~j = 2 K q d j = 1 p~ E z2 z z3 2π0 z 3 (17) O vector p~ = q d ~j é o momento eléctrico dipolar. Trata-se de um vector que se dirige da carga negativa para a carga positiva e que tem a direcção do eixo do dipolo. O campo eléctrico criado pelo dipolo ou campo eléctrico dipolar é proporcional à intensidade do momento eléctrico dipolar, ou seja, ao produto de q por d. Se a dimensão do dipolo aumentar de um certo factor e a carga diminuir do mesmo factor, o campo dipolar não se altera. A expressão (17) tem várias limitações, já que foi deduzida para pontos no eixo do dipolo e suficientemente afastados dele para o desenvolvimento em série de Taylor ser válido. Mas pode-se provar que o campo eléctrico de um dipolo é inversamente proporcional ao cubo da distância, em todos os pontos, onde a distância é a distância ao centro do dipolo. Notar que o campo criado por uma carga varia proporcionalmente ao inverso do quadrado da distância e portanto decresce muito mais devagar que o campo dipolar. A grandes distâncias, um dipolo parece um conjunto de duas cargas iguais em módulo e de sinal diferente que quase coincidem. Os campos criados por elas são quase iguais e opostos, mas não se cancelam completamente. 8 Campo de uma distribuição contı́nua de cargas. Já dissémos que as cargas eléctricas não ocorrem em quantidades menores que a carga de um electrão. Mas, em certas distribuições, que envolvem um grande número de cargas, podemos ignorar o carácter descontı́nuo da distribuição e tratá-la como se fosse contı́nua. As distribuições contı́nuas são descritas por funções densidade de carga. Vamos ver como se calculam os campos eléctricos criados por distribuições contı́nuas. c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados 8.1 Electromagnetismo 14 Campo eléctrico de um anel carregado. No caso de uma distribuição de carga ao longo de um condutor unidimensional podemos definir a carga por unidade de comprimento, λ = q/L, onde q é carga total do condutor e L o seu comprimento. Consideremos uma distribuição de carga contı́nua, positiva e uniforme, num anel fino de raio R. Qual é o campo eléctrico num ponto P ao longo do eixo do anel e à distância z do plano do anel? Não podemos aplicar a lei (10) directamente porque não temos só uma carga. Mas podemos dividir o anel em elementos diferenciais tão pequenos que eles se comportem como cargas pontuais e aplicar (10) a cada um deles. Vemos que para cada elemento do anel existe um elemento directamente oposto (a 180 graus) que cria um campo igual em módulo mas com uma projecção sobre o plano contrária. Assim, por simetria, podemos concluir que as componentes do campo no plano do anel se anulam e que a única componente não nula do campo vai ser segundo o eixo do anel. Sendo λ a densidade de carga num elemento do anel, a carga desse elemento é: dq = λ ds (18) Podemos considerar este elemento de carga como uma carga pontual e aplicar ao campo por ele criado a expressão (10): ~ = dE 1 dq ~k + sin θ ~er ) = 1 λ d s (cos θ ~k + sin θ ~er ) (cos θ 4 π 0 r 2 4 π 0 r 2 (19) onde ~k é o versor do eixo do anel (assumindo que o sentido positivo é para cima) e ~er é o versor que indica a direcção radial no plano do anel. Como vimos, as componentes do campo eléctrico perpendiculares ao eixo do anel para elementos directamente opostos, anulam-se mutuamente pelo que a única componente não nula é segundo o eixo do anel. O módulo dessa componente é: Z Z Z πR 1 λ cos θ ~ = ~ = ~ = |E| d E 2 |d E| 2 ds (20) 4 π 0 r 2 anel anel/2 0 (Notemos que em geral o módulo do integral não é igual ao integral do módulo, tal como o módulo de uma soma de vectores não é igual à soma dos módulos de cada um deles. Mas como neste caso todos os vectores têm a mesma direcção e sentido, o módulo da soma (o módulo do integral) é igual à soma dos módulos (o integral do módulo)). Electromagnetismo 15 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados A função integranda é constante ao longo do perı́metro da circunferência pelo que a podemos passar para fora do integral e fica: 1 2 λ cos θ Z πR 1 λ cos θ d s = 2πR (21) 4 π 0 r2 4 π 0 r 2 0 √ Como podemos escrever cos θ = z/r e r = R2 + z 2 , obtemos finalmente: ~ = |E| ~ = |E| λR z 1 qz = 2 2 3/2 2 20 (z + R ) 4 π 0 (z + R2 )3/2 (22) onde q = λ 2πR é a carga total no anel. Se a carga no anel for negativa, em vez de ser positiva, o módulo do campo e a direcção do campo são os mesmos mas o sentido é contrário e o campo aponta para o anel, em vez de apontar para fora do anel. Num ponto do eixo que esteja suficientemente longe do centro do anel z >> R e a expressão do campo fica: ~ = |E| 1 q 4 π 0 z 2 (23) o que quer dizer que a grande distâncias o anel de carga cria um campo idêntico ao de uma carga pontual com a mesma carga. Isso é natural porque a grande distância, um anel é indistinguı́vel de uma carga pontual. No centro do anel, para z = 0, concluı́mos que o campo é nulo. Também podemos concluir isto da simetria do problema, visto que no centro do anel, só as componentes radiais criadas por cada elemento são não nulas, mas elas anulam-se aos pares. 8.2 Campo eléctrico de um disco carregado. Consideremos um disco de raio R carregado positivamente e seja σ = Q/A a carga por unidade de área, ou densidade superficial de carga. A carga total do disco pode escrever-se: Z q= σ dS (24) área Qual o campo eléctrico num ponto, P , situado à distância, z, do eixo do disco? Podemos usar o resultado obtido antes e considerar o disco como c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 16 um conjunto de anéis concêntricos, de raio variável. A carga num elemento diferencial de área é: dq = σ dS (25) Escrevendo o elemento diferencial de área como dS = 2πr dr e substituindo ~ criado por este elemento a carga total no anel por dq, o campo eléctrico dE de carga superfı́cial é: ~ = dE 1 dq z 2r dr ~k = 1 σ 2πr zdr ~k = σz ~k (26) 2 2 3/2 2 2 3/2 2 4 π 0 (z + r ) 4 π 0 (z + r ) 40 (z + r2 )3/2 Nesta expressão a variável ao longo da qual queremos integrar é r, o raio do anel, que vai variar de 0 a R, por forma a gerar o disco. O campo eléctrico gerado por cada um dos anéis é segundo o eixo dos zz e, se a carga no anel for positiva, é segundo o sentido positivo desse eixo. Assim, podemos mais uma vez calcular o módulo do campo eléctrico total a partir do integral do módulo: Z σz Z R 2r ~ ~ |E| = |dE| = dr (27) 2 40 0 (z + r2 )3/2 Para fazer esta integração queremos uma primitiva da função integranda. É fácil ver que: " # 2r −2 P = 2 (28) 2 2 3/2 (z + r ) (z + r2 )1/2 O campo eléctrico ao longo do eixo do disco fica: " 1 ~ = −2 σz |E| 2 40 (z + r2 )1/2 #R σz =− 20 1 1 √ − z 2 + R2 z ! σ z = 1− √ 2 20 z + R2 0 (29) Se fizermos R ⇒ ∞ mantendo z finito, o segundo termo de entre parêntesis tende para zero e o campo eléctrico fica: ~ = σ |E| (30) 20 que corresponde ao campo criado por uma superfı́cie plana infinita com uma distribuição uniforme de carga. Devemos notar que este campo não depende da coordenada z, é igual em todos os pontos do espaço. Não parece muito realista, mas uma superfı́cie plana infinita também não é muito realista. Mas a expressão é também válida para campos gerados por superfı́cies planas finitas, em pontos que estejam suficientemente longe das extremidades. ! c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados 9 9.1 Electromagnetismo 17 Movimento de cargas em campos eléctricos. Força de Lorentz. Na secção anterior vimos como se pode obter o campo eléctrico gerado por vários tipos de distribuição de carga. Resta-nos ver o que acontece a uma partı́cula carregada quando está sujeita a um campo eléctrico. A expressão (9) permite-nos também escrever a força eléctrica que actua ~ sob a forma numa carga, q, que está sob a acção de um campo eléctrico, E, seguinte: ~ F~E = q E (31) que é conhecida como a força de Lorentz, em honra do fı́sico holandês, Henrik Antoon Lorentz (1853-1928). Aqui o campo eléctrico não é o campo gerado pela carga q mas sim o campo sofrido pela carga q. Para distinguir, ~ em (31) o campo externo ou campo chamamos muitas vezes ao campo E aplicado. Esta fórmula é geral e aplica-se a todos campos, quer eles sejam gerados por uma carga pontual e tenham a forma dada pela lei de Coulomb (10), quer sejam criados por outras distribuições de carga. Assim, uma vez determinada a expressão matemática de um campo podemos usar a equação (31) para calcular a força que vai actuar sobre uma partı́cula carregada nesse campo. Uma vez tendo a força, podemos usar a segunda lei de Newton para descrever o movimento dessa partı́cula carregada. Vamos ver um exemplo. 9.2 O tubo de raios catódicos. O osciloscópio é um instrumento electrónico usado para fazer medições eléctricas. A sua componente principal é o tubo de raios catódicos, que também podemos encontrar numa televisão ou num monitor de um computador. O tubo de raios catódicos é um tubo de vácuo em que os electrões são acelerados e deflectidos sob a acção de campos eléctricos. Um feixe de electrões é produzido por um conjunto chamado canhão de electrões situado na parte mais fina do tubo. Este conjunto inclui um aquecedor, um eléctrodo negativamente carregado (cátodo) e um eléctrodo positivamente carregado (ânodo). O aquecedor é aquecido através de uma corrente eléctrica e, por sua vez, aquece o cátodo. Quando a temperatura do cátodo é suficientemente grande, este emite electrões. Estes electrões são colimados pelo ânodo, que tem, para Electromagnetismo 18 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados isso, um orifı́cio no centro. Assim se forma um feixe de electrões que, ao incidir no écran fluorescente, produz um ponto luminoso. O feixe de electrões pode ser deflectido quando passa por dois pares de placas, um vertical, outro horizontal. Estas placas criam um campo eléctrico vertical ou horizontal. Quando um electrão passa por entre as placas e estas estão carregadas, ele vai ser deflectido devido à força de Lorentz. Por causa da fluorescência, no écran podemos ver a trajectória do electrão devida à força aplicada. Ou seja, variando o campo eléctrico entre as placas horizontal e vertical, podemos variar a posição do feixe no écran. Os sinais que se medem no osciloscópio fazem variar os campos eléctricos das placas. Se a variação do campo das placas for suficientemente rápida, podemos desenhar curvas no écran. 10 Fluxo de um campo. Já vimos como se obtêm expressões para o campo eléctrico de várias distribuições de carga usando essencialmente a lei de Coulomb. Agora vamos ver como se podem obter expressões para o campo eléctrico gerado por distribuições de carga com um elevado grau de simetria. Nestes casos podemos usar a chamada Lei de Gauss. Antes de falarmos da lei de Gauss, temos que definir um conceito aplicável a qualquer campo vectorial: o conceito de fluxo. Vejamos, por exemplo, como definimos o fluxo de ar através de um plano. O movimento do ar é representado por um campo de velocidades, ou seja, cada região do ar move-se com uma certa velocidade. Chama-se fluxo do campo de velocidades através da superfı́cie S à quantidade Fv : ~ Fv = ~v · S (32) ~ é o vector área, definido como um vector de intensidade igual à área onde S ~ é colinear com ~v , o fluxo fica: e cuja direcção é normal ao plano. Quando S Fv = vS = V LS = t t (33) o que mostra que o fluxo do campo da velocidade corresponde ao volume que passa através da área S por unidade de tempo. Mas é também o fluxo do campo de velocidades através da área S. Esta outra definição é extensiva a qualquer campo vectorial. O fluxo desse campo vectorial através de uma superfı́cie é assim a quantidade desse campo que intercepta essa superfı́cie. De modo geral, os campos não são uniformes, ou seja, o valor do vector Electromagnetismo 19 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados não é igual para todos os pontos da superfı́cie, e o fluxo é calculado como a soma dos fluxos infinitesimais através de elementos de área infinitesimais. Para o campo eléctrico definimos o fluxo do campo eléctrico através de uma superfı́cie S, Fe , como: Z ~ · dS ~ Fe = E (34) onde o integral é feito ao longo da superfı́cie S. 10.1 Lei de Gauss. O comportamento do campo electromagnético é descrito pelas equações de Maxwell. Estas equações exprimem, numa forma local, as relações entre o campo eléctrico e o campo magnético e as respectivas fontes. São das equações mais gerais que já têm sido propostas, descrevem um número imenso de situações fı́sicas e conduziram à previsão da existência das ondas electromagnéticas, à identificação da luz como uma onda electromagnética e à consequente unificação da óptica com o electromagnetismo. A lei de Gauss é equivalente a uma das equações de Maxwell que relaciona o campo eléctrico com as cargas eléctricas que o geram e diz-nos que o fluxo do campo eléctrico através de uma superfı́cie (conceptual) é proporcional à quantidade de carga contida no volume delimitado por essa superfı́cie: Fe = Z ~ · dS ~= q E 0 (35) onde o integral é feito sobre uma superfı́cie fechada que delimita a carga total, q. Temos pois que a quantidade de campo eléctrico que intercepta essa superfı́cie é igual à carga total contida na superfı́cie. Devemos notar que estas superfı́cies não têm que ser reais, em muitas aplicações são conceptuais e podemos escolhê-las como quisermos. Em exemplos veremos que a forma mais conveniente é escolher superfı́cies que têm a mesma simetria da distribuição de carga. Consideremos as quatro superfı́cies na figura 4. A superfı́cie 1 contém no seu interior apenas carga positiva. Na superfı́cie 1, o campo eléctrico tem um sentido para fora da superfı́cie em todos os elementos de área pelo que, se medı́ssemos o fluxo do campo eléctrico através desta superfı́cie, ele seria c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 20 Figure 4: Fluxo do campo eléctrico através de quatro superfı́cies de Gauss. (Figura 25-5, p. 684, Halliday, Resnick and Walker). positivo (a função integranda é positiva em toda a superfı́cie), o que está de acordo com a lei de Gauss. Ou seja, a carga eléctrica contida no volume delimitado por esta superfı́cie é positiva. A superfı́cie 2 contém no seu interior apenas carga negativa. Na superfı́cie 2, o campo eléctrico tem um sentido para dentro em todos os pontos. O fluxo do campo eléctrico através desta superfı́cie é negativo (a função integranda é negativa em todos os elementos de área). A superfı́cie 3 não contém qualquer carga e vemos que o fluxo total que passa através dela é nulo, porque as mesmas linhas do campo eléctrico que entram, tornam a sair. Finalmente, a superfı́cie 4 inclui ambas as cargas, a positiva e a negativa. A carga total nela contida é nula, pelo que, pela lei de Gauss, o fluxo total do campo eléctrico através da superfı́cie 4 deve ser nulo. Vemos que, por causa da carga positiva, há linhas de campo do campo eléctrico que saem através da superfı́cie 4 e, por causa da carga negativa, há linhas de campo eléctrico que entram. E há outras linhas que entram e Electromagnetismo 21 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados saem, como acontece na superfı́cie 3. Se fossemos avaliar tudo de uma forma quantitativa precisa verı́amos que o número de linhas de campo que saem da superfı́cie 4 é igual ao número de linhas que entra nessa superfı́cie. Como a intensidade do campo eléctrico é proporcional ao número de linhas de campo, o fluxo do campo eléctrico que entra na superfı́cie 4 é igual ao fluxo do campo eléctrico que sai dessa superfı́cie. Podemos usar a lei de Coulomb e a lei de Gauss para calcular campos para diversas distribuições de carga. Fisicamente, na lei de Coulomb, as fontes são as cargas, enquanto na lei de Gauss o campo eléctrico está em pé de igualdade com a carga: o primeiro gera a segunda e vice versa. Na verdade, para cargas estacionárias, ou que se movem lentamente, as duas leis são equivalentes. Se as cargas se movem rapidamente, as linhas de campo são comprimidas num plano perpendicular à direcção do movimento e perdem a simetria esférica. Nesse caso, a lei de Coulomb deixa de ser válida, mas a lei de Gauss continua a ser. Ou seja, a lei de Gauss é mais geral que a lei de Coulomb. Vamos mostrar como se pode deduzir a lei de Coulomb a partir da lei de Gauss. Consideremos uma carga pontual q positiva e uma superfı́cie esférica ~ é perpendicular à imaginária centrada na posição da carga. O vector dS superfı́cie em cada ponto e tem um sentido para fora da esfera. (A normal à superfı́cie num ponto tem a mesma direcção que o gradiente, portanto é dirigida segundo o sentido crescente das superfı́cies equipotenciais). Por outro lado, o campo eléctrico é também perpendicular à superfı́cie, dirigido para fora e em módulo igual em todos os pontos. Isto resulta da simetria esférica: se rodarmos a distribuição de carga em torno de qualquer eixo que passe pelo centro da esfera obtemos uma distribuição de carga em tudo idêntica à original. Se a distribuição é a mesma, então o campo produzido por ela deve ser o mesmo. Mas o campo entretanto rodou também. A única forma do campo ser o mesmo é se os vectores rodados são iguais aos não rodados: campos perpendiculares em cada ponto, dirigidos para fora e iguais em módulo. A lei de Gauss permite-nos então encontrar a expressão do campo eléctrico em função da distância. Temos: Z ~ · dA ~= E Z ~ dA = |E| q 0 (36) ~ ser constante na superfı́cie da esfera, podemos passar Usando o facto de |E| c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 22 ~ para fora do integral. Fica: |E| ~ |E| Z ~ 4πr2 = q ⇒ |E| ~ = 1 q dA = |E| 0 4π0 r2 (37) onde a última expressão é a lei de Coulomb. A escolha da superfı́cie imaginária teve três efeitos: 1. O produto interno do campo eléctrico pelo vector área é simplesmente o produto dos módulos de cada um destes vectores. 2. Pudémos usar a simetria da distribuição e a da superfı́cie para concluir que o módulo do campo eléctrico é igual em todos os pontos da esfera e passar este módulo para fora do integral. 3. A integração sobre a superfı́cie reduziu-se ao cálculo da superfı́cie da esfera, ou seja, pudemos evitar a integração da projecção do campo eléctrico sobre a superfı́cie. A escolha da superfı́cie imaginária é totalmente arbitrária e o resultado não depende dessa escolha. Mas as integrações são muito mais difı́ceis de fazer se as superfı́cies não tiverem a mesma simetria que a distribuição. Noutras distribuições de carga procuramos escolher superfı́cies de forma a que possamos usar aquelas consequências. 10.2 Distribuição de carga num condutor isolado. Num condutor isolado, ou em equilı́brio electrostático, não há corrente. Isto quer dizer que o campo eléctrico dentro do condutor é nulo. Mas se o campo eléctrico dentro do condutor é nulo, então o fluxo do campo eléctrico, através de qualquer superfı́cie contida no condutor, é nulo. Se o fluxo através de qualquer superfı́cie contida no condutor é nulo, pela lei de Gauss, a carga dentro do condutor é também nula. Assim, podemos concluir que a carga de um condutor isolado, ou em equilı́brio electrostático, se encontra à superfı́cie. Poder-se-ia pensar que uma distribuição de carga à superfı́cie do condutor deveria gerar um campo eléctrico dentro do condutor. Se nós considerarmos as diferentes regiões à superfı́cie do condutor cada uma delas gera um campo eléctrico. Mas as diferentes cargas nas diferentes regiões geram campos que c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 23 se anulam uns aos outros, em todos os pontos. Ou seja, o vector soma do campo eléctrico devido a todos os elementos de carga é nulo. Podemos usar a lei de Gauss para determinar o campo eléctrico na região imediatamente fora do condutor. Para isso usamos uma superfı́cie imaginária com a forma de um cilindro, centrado num elemento de carga da superfı́cie, com uma área suficientemente pequena para podermos ignorar a curvatura. Um dos lados do cilindro fica dentro do condutor e o outro sai para o lado de fora do condutor. O campo eléctrico na superfı́cie é perpendicular à superfı́cie. Se não fosse, então existiria uma componente não nula do campo segundo a superfı́cie e esse campo produziria uma corrente no condutor. Quando as cargas estão em equilı́brio, não há corrente e o campo eléctrico segundo a superfı́cie é nulo. Assim o fluxo do campo eléctrico através do cilindro só tem contribuições não nulas através da tampa exterior (visto que o campo eléctrico dentro do condutor é nulo). O fluxo através da tampa ~ ·A ~ = E A e pela lei de Gauss, esse fluxo é proporcional à exterior é E quantidade de carga dentro do cilindro, σA. Temos então: EA= q σA σ = ⇒E= 0 0 0 (38) (Esta expressão pode parecer contraditória com a expressão (30) do campo de uma superfı́cie infinita carregada. A diferença é que uma superfı́cie infinita tem campo não nulo dos dois lados, enquanto que a superfı́cie de um condutor tem um lado (o exterior) em que o campo não é nulo, e o outro, o interior, em que o campo é nulo.) Concluı́mos que o campo eléctrico numa região imediatamente fora do condutor é proporcional à quantidade de carga superficial nessa região do condutor. Se o condutor for esférico, a distribuição de carga é uniforme e esta densidade de carga superficial é igual em todos os pontos. Mas a fórmula acima é válida seja qual for a forma do condutor e mesmo que a densidade de carga superficial não seja constante. 10.3 Campo eléctrico de um fio carregado. Consideremos um fio infinitamente longo carregado, com uma distribuição de carga por unidade de comprimento λ. Qual o campo eléctrico a uma certa Electromagnetismo 24 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados distância r do fio? Escolhemos uma superfı́cie imaginária com a mesma simetria do fio, isto é, uma simetria cilı́ndrica. Qual a direcção do campo ao longo deste cilindro ? Imaginemos que rodávamos o fio em torno do seu eixo ou de maneira a trocarmos as suas extremidades: o sistema continuava exactamente na mesma e o campo eléctrico criado pelo sistema continuava também na mesma. Assim, o campo criado pelo fio só pode ser radial, se tivesse outras componentes, estas seriam alteradas por aquelas operações de simetria. Além de radial, o campo deve também ser igual em módulo ao longo do cilindro, isto é, não pode variar com a direcção, se não, ao rodar o cilindro, o campo gerado pelo fio seria diferente do campo gerado pelo fio antes da rotação. O fluxo do campo eléctrico através do cilindro resume-se ao fluxo através da parede do cilindro (como o campo eléctrico é perpendicular às tampas, o fluxo através das tampas é zero). Temos: Fe = Z ~ · dS ~= E Z E dS = E Z dS = E 2πr h (39) e a carga contida no cilindro é q = λh. Pela lei de Gauss, o campo eléctrico criado pelo fio carregado é: E 2πr h = λh 1 λ ⇒E= 0 2π0 r (40) Esta é a expressão do módulo do campo eléctrico de um fio carregado infinitamente longo a uma distância r. A direcção do campo é radial e o seu sentido é para fora se a carga do fio for positiva e para dentro se a carga do fio for negativa. Esta expressão é também válida para o campo eléctrico de um fio finito, desde que seja suficientemente longe das extremidades do fio. Aplicação. Podemos aplicar a expressão (40) à descarga eléctrica de um raio durante uma trovoada. O raio é precedido de um estágio invisı́vel durante o qual uma coluna de electrões se forma entre as nuvens e o chão. Estes electrões ficam livres devido à ionização das moléculas de ar dentro da coluna. A distribuição de carga dentro da coluna é tipicamente de −1 × 10−3 C/m. Quando a coluna atinge o chão, os electrões dentro dela são rapidamente despejados para o solo. Esta corrente gera muitas colisões entre os electrões e o ar dentro da coluna, da qual resultam as emissões de luz do raio. Assumindo Electromagnetismo 25 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados que as moleculas de ar se ionizam quando o campo eléctrico é superior a 3 × 106 N/C, qual o raio da coluna? Apesar da coluna não ser rectilı́nia, nem infinitamente longa, numa primeira aproximação, podemos considerá-la como uma linha direita carregada e usar (40) para descrever o campo criado por ela. (Uma vez que a carga contida na coluna é negativa, o campo eléctrico criado pela coluna tem um sentido para dentro). A superfı́cie da coluna tem de corresponder a um raio r para o qual a intensidade do campo eléctrico é pelo menos 3 × 106 N/C, porque as moléculas de ar aı́ se ionizam enquanto as que estão a distâncias maiores não o fazem. Resolvendo (40) em relação ao raio r temos: r= λ 1 × 10−3 C/m = =6m 2π0 E (2π)(8.85 × 10−12 C2 /N · m2 )(3 × 106 N/C) Aquele valor diz-nos alguma coisa sobre a distância a que é preciso estar de um raio para se estar a salvo. O raio da parte luminosa é mais pequeno, talvez de 0.5 m. Mas apesar do raio da coluna ser 6 m, não pense que está a salvo se estiver a uma distância ligeiramente maior que essa do ponto de impacto. Os electrões que são despejados no solo criam correntes no solo, e estas correntes também são mortais! 10.4 Campos eléctricos de superfı́cies planas carregadas. Consideremos um plano infinito carregado. Podemos concluir que o campo eléctrico tem uma direcção radial rodando o plano em torno de um eixo perpendicular ao plano e vendo que a distribuição de carga não varia, pelo que o campo eléctrico por ela criado também não pode variar. Tomemos como superfı́cie imaginária um cilindro que atravessa o plano de um lado ao outro. O fluxo do campo eléctrico é apenas através das tampas. Pela lei de Gauss temos: Z Z ~ ~ E · dS = E dS = (EA + EA) = σA (41) onde os dois termos correspondem ao fluxo do campo através das duas tampas. Concluı́mos que o campo eléctrico criado pelo plano carregado é: E= σ 20 (42) que é a expressão que já tı́nhamos obtido a partir do disco carregado (30). Electromagnetismo 26 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados 10.5 Campo eléctrico de uma camada esférica. Seja uma camada esférica carregada uniformemente e uma superfı́cie imaginária de raio inferior ao da camada esférica. Dentro desta superfı́cie não há qualquer carga pelo que segundo a lei de Gauss o campo eléctrico dentro da camada esférica carregada é nulo. Consideremos uma superfı́cie esférica conceptual de raio superior ao da camada esférica. Pela simetria da distribuição de carga podemos concluir que o campo é puramente radial. Pela lei de Gauss temos: Z ~ · dS ~= E Z ~ ~ |E|dS = |E| Z q 2 ~ dS = |E|(4πr )= 0 (43) pelo que o campo eléctrico fora da camada esférica é: ~ = E 1 q ~er 4π0 r2 (44) igual ao de uma carga pontual com o mesmo valor e centrada no mesmo ponto. 11 Potencial eléctrico. O trabalho realizado pela força eléctrica para levar uma carga q de um ponto para outro numa região onde existe um campo eléctrico pela expressão que estudaram na Mecânica: ~ dW = F~ · dr (45) Usando a expressão da força de Lorentz (31) e integrando entre um ponto inicial, i, e um ponto final, f , esse trabalho fica: Wif = q Z f ~ ~ · dr E (46) i Tal como na Mecânica o trabalho realizado pela força da gravidade sobre uma partı́cula é o simétrico da variação da energial potencial (gravı́tica), o trabalho realizado pela força eléctrica sobre uma partı́cula carregada é igual a menos a variação da energia potencial (eléctrica) da partı́cula: Wif = −∆EP = − [ EP (f ) − EP (i) ] (47) Electromagnetismo 27 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Considerando o campo eléctrico criado por uma carga pontual, (10), podemos calcular o trabalho de levar uma carga, q1 , de um ponto, i, à distância ri dessa carga pontual, até um ponto, f , a uma distância rf dessa carga: Wif = K q1 q Z rf ri 1 q1 q q1 q =− K −K 2 r rf ri ! (48) Donde podemos deduzir que a energia potencial da carga q1 , no campo criado pela carga q, à distância r da carga q, é, a menos de uma constante: EP = K q1 q r (49) A energia potencial de uma carga, q1 , num campo, depende do valor da carga, como se pode ver pela expressão (49). É possı́vel definir uma grandeza que não depende do valor da carga, chamada potencial eléctrico, Φ: Φ= EP q1 (50) O potencial eléctrico é pois a energia potencial por unidade de carga. No sistema SI, a unidade do potencial eléctrico é o joule por coulomb. A esta unidade chama-se também volt. 1 volt representa pois a diferença de potencial entre dois pontos quando o trabalho de levar uma carga de 1 C entre esses dois pontos é igual a 1 J: 1 V = 1 J/C. (51) Ao contrário do campo eléctrico, o potencial eléctrico é uma grandeza escalar. Já vamos ver qual a relação entre os dois. A expressão (49) estava definida a menos de uma constante de integração, pelo que o potencial eléctrico (50) está também definido a menos de uma constante aditiva. Normalmente medimos diferenças de potencial em relação à terra, que convencionamos estar a um potencial zero. Nos processos fı́sicos a quantidade que importa considerar é a diferença de potencial entre dois pontos. Por exemplo, nas nossas casas, a diferença de potencial entre dois fios eléctricos é normalmente 220 V, enquanto uma pilha pode fornecer uma diferença de potencial igual a 1.5 V. Electromagnetismo 28 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Uma outra unidade de energia que se usa para descrever processos microscópicos é o electrão-volt. Esta unidade corresponde ao trabalho necessário para transportar um electrão entre dois pontos com uma diferença de potencial de 1 V: 1 eV = e × 1V = (1.602 × 10−19 C) × (1V) = 1.602 × 10−19 J (52) Os processos atómicos e moleculares, por exemplo as reacções quı́micas, envolvem trocas de energia da ordem do eV. Os raios X, que resultam de transições de nı́veis electrónicos mais profundos do que aqueles que participam nas reacções quı́micas, têm energias de 103 eV (keV). As reacções nucleares envolvem energias de 106 eV (MeV) e as interacções entre partı́culas elementares, como as que se produzem nos aceleradores de partı́culas, envolvem energias de 109 eV (GeV). Apesar de ser uma energia considerável para uma só partı́cula, 1 GeV representa uma quantidade pequena em termos macroscópicos, sendo “apenas” 1.6 × 10−10 J. Um meteorito de 0.1 g que caia na Terra a uma velocidade de 50 km/s tem uma energia aproximada de 8 x 1014 GeV! Neste caso, faz mais sentido escrever a sua energia em J (12.5 x 105 J). Da definição de potencial eléctrico (50), e da energia potencial de uma carga num campo criado por uma carga pontual (49), deduzimos que o potencial eléctrico de uma carga pontual, q, a uma distância r da carga é: q (53) Φ=K r Chamamos superfı́cies equipotenciais às superfı́cies constituı́das pelos pontos que têm todos o mesmo potencial. No caso do potencial eléctrico de uma carga pontual, as superfı́cies equipotenciais são esféricas e estão centradas no ponto onde se encontra a carga. Vemos também que as linhas equipotenciais são, em cada ponto, perpendiculares à direcção do campo eléctrico nesse ponto. Isto é verdade para o campo criado por uma carga pontual e também para qualquer outro campo. Há uma razão matemática para este facto. Das definições de trabalho eléctrico (46) e de potencial eléctrico (50), deduzimos: Φf − Φi = − Z f ~ ~ · dr E (54) i Para uma variação infinitesimal do potencial dΦ temos: ~ ~ · dr dΦ = E (55) Electromagnetismo 29 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Considerando um campo eléctrico geral: ~ = Ex ~i + Ey ~j + Ez ~k E (56) ~ = dx~i + dy ~j + dz ~k dr (57) dΦ = −(Ex dx + Ey dy + Ez dz) (58) ~ e um caminho geral dr: Substituindo em (55) fica: Como dΦ(x, y, z) = ∂Φ ∂x dx + Ex = − ∂Φ ∂y ∂Φ ∂x dy + ∂Φ ∂z dz deduzimos que: Ey = − ∂Φ ∂y Ez = − ∂Φ ∂z (59) Estas igualdades podem também escrever-se de forma mais condensada como: ~ = −∇Φ ~ E (60) ~ é o chamado gradiente do potencial eléctrico. O gradiente é uma onde ∇Φ espécie de extensão da derivada de uma função. Quando temos uma função de várias variáveis, em cada ponto existe um número infinito de derivadas, porque, em cada ponto, podemos considerar um número infinito de direcções. O gradiente indica a direcção em que a derivada de uma função é máxima. Ou seja, indica a direcção em que a função tem uma variação máxima. Considerando as superfı́cies equipotenciais, quanto mais próximas estas forem, tanto maior é a variação da função para a mesma variação dos argumentos. Assim, o gradiente é segundo a direcção em que a distância entre as superfı́cies equipotenciais é menor. Essa distância é segundo a perpendicular às superfı́cies equipotenciais em cada ponto. Desta forma qualitativa se vê que o gradiente é perpendicular às superfı́cies equipotenciais em cada ponto. Como o campo eléctrico é, em módulo, igual ao gradiente do potencial, as linhas do campo eléctrico são perpendiculares às linhas equipotenciais do potencial eléctrico. Devemos notar que um gradiente positivo aponta a direcção em que a função aumenta. O campo eléctrico é o simétrico do gradiente, pelo que tem a mesma direcção que o gradiente, mas tem um sentido contrário. Electromagnetismo 30 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Aplicação. No modelo do átomo de hidrogénio de Bohr, o electrão move-se numa órbita circular com um raio 0.53 Å. Qual o campo eléctrico e o potencial eléctrico na posição onde se encontra o electrão? Usando (10) temos: q2 (9 × 109 Nm2 /C2 ) × (1.6 × 10−19 C) = = 5.1 × 1011 V/m r2 (0.53 × 10−10 m)2 (61) o que é um campo muito grande. Para comparar, as faı́scas no ar são causadas por campos da ordem de 3 x 106 V/m. Por outro lado, usando (53) o potencial eléctrico vem dado por: E=K Φ=K q2 (9 × 109 Nm2 /C2 ) × (1.6 × 10−19 C) = = 27 V r 0.53 × 10−10 m (62) Para comparar, a diferença de potencial entre os terminais de uma bateria de automóvel é 12 V. Enquanto o campo tem uma dependência no quadrado do inverso da distância e é muito grande quando as distâncias são pequenas, o potencial eléctrico tem uma dependência no inverso da distância e é muito mais pequeno. 11.1 Potencial de um grupo de cargas pontuais. Uma consequência da relação entre o campo eléctrico e o potencial (60) é que o princı́pio de sobreposição que se aplica ao campo eléctrico se aplica ~ i, também ao potencial eléctrico. Ou seja, se tivermos N campos eléctricos E cada um dos quais resulta de um potencial Φi : ~ 1 = −∇Φ ~ 1, E ~ 2 = −∇Φ ~ 2, E ~ 2 = −∇Φ ~ 2 , ··· , E ~ N = −∇Φ ~ N, E (63) ~ é: o campo eléctrico resultante, E, ~ = E N X ~i = − E i=1 N X ~ i = −∇Φ ~ ∇Φ (64) i=1 porque o gradiente é um operador linear e portanto a soma dos gradientes é igual ao gradiente da soma e onde Φ corresponde à sobreposição linear dos N potenciais: Φ= N X i=1 Φi (65) c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 31 Usando o princı́pio de sobreposição, podemos calcular os campos e potenciais devidos a distribuições de carga. Por exemplo, já vimos antes o potencial eléctrico gerado por uma carga q, (53). Usando (65), o potencial eléctrico, num ponto P, criado por uma distribuição de cargas pontuais, qi , é: N X qi (66) Φ=K i=1 ri onde ri é a distância da carga qi ao ponto P. Nas subsecções seguintes vamos ver outras aplicações do princı́pio de sobreposição. 11.2 Potencial Eléctrico de um dipolo. As moléculas são, de forma geral, electricamente neutras o que quer dizer que as suas cargas eléctricas negativas são em mesmo número que as suas cargas eléctricas positivas. Muitas vezes, as suas distribuições de carga podem ser representadas por pares de cargas, uma positiva, Q, e outra negativa, −Q, separadas por uma distância, d. Já vimos que esta configuração de carga se chama dipolo eléctrico e que o produto da carga Q pela distância d, é o módulo do momento dipolar, |~p| = Q d. A direcção do dipolo é a recta que une os pontos onde estão as duas cargas e o seu sentido é da carga negativa para a carga positiva. Por exemplo, a molécula de água tem um excesso de carga negativa no átomo de oxigénio e um excesso de carga positiva nos átomos de hidrogénio e um momento dipolar p = 6.17 × 10−30 C m, orientado do oxigénio para o ponto central entre os dois átomos de hidrogénio. Noutros casos, os dipolos eléctricos podem ter um tamanho macroscópico. Devido a complexos fenómenos de polarização e despolarização das suas células, podemos, em primeira aproximação, considerar o coração como um dipolo eléctrico cuja intensidade e direcção varia ao longo do perı́odo de batimento. Um electrocardiograma mede a variação da intensidade do campo criado por esse dipolo. Usando o princı́pio de sobreposição podemos calcular o potencial eléctrico e o campo eléctrico de um dipolo. Consideremos duas cargas, +q e −q, à distância d uma da outra e calculemos o potencial eléctrico criado por elas num ponto, A, a uma distância r muito maior que d. Aplicando a cada carga Electromagnetismo 32 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados a expressão (53), o potencial eléctrico total no ponto A é: 1 1 Φ = Φ + + Φ− = K q − r+ r− ! (67) Desenvolvendo (67) fica: r− − r + Φ=Kq r− r+ ! ≈K p~ · ~r r3 (68) onde se usaram as relações matemáticas seguintes: r >> d (69) r− − r+ ≈ d sin θ (70) 2 r− r+ ≈ r (71) p~ = q d ~ey (72) ~r ~ey · = sin θ (73) r A expressão (68) é o potencial eléctrico criado por um dipolo a uma distância grande quando comparada com o tamanho, d, do dipolo. Usando (60) deduzimos a fórmula seguinte para o campo criado por um dipolo: ~ =K1 E r3 ! 3(~p · ~r)~r − p~ r2 (74) Aqui, calculámos o campo eléctrico a partir do respectivo potencial eléctrico. 11.3 Potencial de uma distribuição contı́nua de cargas. Podemos usar a expressão do potencial de uma carga pontual (53) e o princı́pio de sobreposição para calcular o potencial de uma distribuição contı́nua de cargas: Z 1 dq 1 Z dq dΦ = ⇒ Φ = dΦ = (75) 4π0 r 4π0 r onde o integral é feito sobre a região onde se encontra a carga. Já vimos antes o campo eléctrico criado por um disco uniformemente carregado num ponto ao longo do eixo. Neste caso, podemos considerar como um elemento de carga dq, a carga num anel de raio r: dq = σ (2πr)dr (76) c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 33 onde σ é a densidade de carga por unidade de superfı́cie. Substituindo (76) em (75) fica: σ √ 2 1 Z R σ (2πr) σ Z R r dr √ √ Φ= = ( z + R2 − |z|) (77) dr = 20 20 0 4π0 0 z 2 + r2 z 2 + r2 Usando as expressões 59) ou(60) podemos calcular o campo eléctrico a partir da expressão do potencial eléctrico. No caso de um disco carregado, como o potencial ao longo do eixo do disco, que deduzimos acima, só depende de uma coordenada, a coordenada z, só vamos ter uma componente para o campo eléctrico, e é: ∂Φ σ d σ z =− [(z 2 + R2 )1/2 − z] = 1− √ 2 Ez = − ∂z 20 dz 20 z + R2 ! (78) resultado que coincide com o encontrado antes, ao calcular o campo eléctrico de um disco carregado (29), directamente a partir da lei de Coulomb. Desta forma, já usámos três maneiras para calcular campos eléctricos: a primeira foi usando a lei de Coulomb, a segunda foi a lei de Gauss, que é especialmente adequada a distribuições de carga com elevado grau de simetria e a terceira é esta que vimos agora, a partir da expressão do potencial. 11.4 Condensadores. A um par de superfı́cies condutoras separadas por um meio isolador chama-se um condensador. Um condensador pode ser carregado quando se ligam as suas placas a uma bateria que gera uma diferença de potencial entre elas. Uma bateria é um instrumento com dois terminais: um terminal positivo, chamado ânodo, e um terminal negativo, chamado cátodo. Para carregar o condensador nós ligamos o ânodo a uma placa do condensador e o cátodo à outra placa por meio de um fio condutor. Este fio e a placa que lhe está ligada tornam-se extensões do terminal da bateria ao qual estão ligados. Assim, carga negativa acumula-se na placa que está ligada ao terminal negativo e carga positiva acumula-se na placa ligada ao terminal positivo. Esta acumulação de carga continua até que a diferença de potencial entre as placas seja igual à diferença de potencial da bateria. Esta é a condição de equilı́brio eléctrico estático (ou seja, na ausência de corrente eléctrica). No equilı́brio, a quantidade de carga positiva, Q, na placa positiva é igual à quantidade de carga negativa na outra placa. Seja σ a densidade superficial de carga Electromagnetismo 34 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados nas placas. Vimos que o campo eléctrico fora da superfı́cie de um condutor ~ = σ/0 . Este campo é constante excepto junto às extremidades plano é |E| da placa. Vamos ignorar estes efeitos das extremidades. A diferença de potencial entre a placa positiva e a placa negativa é: + − ∆Φ = Φ − Φ = − Z ~ ~ · dr E (79) onde o integral é feito de um ponto da placa negativa para um ponto da placa positiva. O integral (79) é mais fácil de calcular quando a recta que une esses ~ fazem um ângulo ~ e dr dois pontos é perpendicular às placas. Nesse caso (E de 180o ): Z d ~ ~ = σ d (80) ∆Φ = |E| dr = |E|d 0 0 A carga total, Q, nas placas é: Q A S onde A é a área das placas. Substituindo (81) em (80) fica: Q= Z σ dS = σ A ⇒ σ = (81) Q d A 0 (82) Q = C ∆Φ (83) ∆Φ = o que também se pode escrever: Quanto maior a diferença de potencial, ∆Φ, da bateria, tanto maior a carga que se acumula. C, a constante de proporcionalidade, chama-se a capacidade do condensador e é dada por: 0 A A = (84) d 4πK d Quanto maior for a área das placas tanto maior é a quantidade de carga Q que se acumula, ou seja, tanto maior a capacidade do condensador. Por outro lado, quanto menor for a distância entre as placas, tanto maior o campo ~ = ∆Φ/d, e tanto menor a quantidade de cargas eléctrico entre as placas, |E| que se acumula, para a mesma diferença de potencial. C= A unidade de capacidade é o coulomb por volt, que também se designa por farad, em honra de Michael Faraday, um grande fı́sico inglês que fez contribuições fundamentais para o estudo dos fenómenos electromagnéticos. c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados 12 Electromagnetismo 35 Corrente Eléctrica. Chama-se corrente eléctrica ao movimento de cargas de uma posição para outra. As partı́culas que constituem as correntes eléctricas nas células são muitas vezes iões, mas nos meios materiais sólidos as correntes são devidas a movimentos de electrões. Como os núcleos dos átomos têm massas que são entre 2,000 e 100,000 vezes maiores que a massa dos electrões, os núcleos mantêm-se relativamente estacionários e são os movimentos dos electrões que produzem correntes eléctricas. Quando dizemos que uma placa de um condensador é carregada positivamente se ligada ao terminal positivo de uma bateria, isso é devido a um fluxo de electrões da placa do condensador para o terminal da bateria. Para que um material seja condutor é preciso que tenha electrões livres. Na ausência de campo eléctrico estes electrões deslocam-se com igual probabilidade em todas as direcções e a corrente média em qualquer direcção é nula. Quando as extremidades de um condutor são ligadas a uma bateria, estabelece-se um campo eléctrico e gera-se uma corrente através ~ e a carga do condutor. Como a força que age sobre os electrões é F~ = e E do electrão é negativa, gera-se um movimento de electrões com a direcção contrária à do campo eléctrico aplicado. Mas, por convenção, considera-se como o sentido positivo da corrente o do movimento correspondente de cargas positivas, que é igual ao do campo eléctrico. Assim, nos condutores, as correntes são devidas a movimentos de electrões, mas o sentido positivo da corrente é contrário ao sentido do movimento dos electrões. Quando ligamos uma bateria, o sentido positivo da corrente é do terminal positivo da bateria para o terminal negativo da bateria, mesmo que o que esteja a acontecer seja um fluxo de electrões do terminal negativo para o terminal positivo. Quando falamos em corrente ou fluxo de corrente referimo-nos à corrente convencional que tem a mesma direcção que as linhas de campo. Vimos que os átomos de uma substância a temperatura finita se encontram num permanente estado de agitação. Os electrões livres de um condutor encontram-se também em permanente estado de agitação. Se nós considerarmos um plano qualquer num condutor, através desse plano passam constantemente electrões de condução. Apesar disso, na ausência de campos não observamos nenhuma corrente porque, em média, o número de electrões que passam num sentido é igual ao número de electrões que passam em sentido contrário. Mas, se aplicarmos um campo, por exemplo, ligando uma bateria, vai haver uma força que favorece um dos sentidos, pelo que haverá mais Electromagnetismo 36 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados electrões a fluir num sentido do que no sentido contrário e geramos uma corrente. A corrente I que passa num condutor define-se como a quantidade de carga que passa através de uma secção do condutor por unidade de tempo: dq (85) dt Sabendo o valor da corrente que circula num condutor nós podemos calcular a quantidade de carga que passa através da secção de um condutor num intervalo de tempo de 0 a t por integração de (85): I= q= Z dq = Z t I dt (86) 0 onde a corrente I(t) pode, ou não, ser constante no tempo. Quando a corrente é constante no tempo diz-se estacionária. Neste caso, a conservação da carga implica que a quantidade de carga que passa através de qualquer secção que atravessa o condutor completamente é igual seja qual for a orientação dessa secção , ou a sua localização. Para as correntes estacionárias, por cada electrão que entra no condutor tem que haver um electrão que sai. Este princı́pio de conservação também implica que se temos um fio eléctrico que se bifurca, a corrente que flui no fio antes da bifurcação tem de ser igual à soma das correntes que circulam em cada um dos fios a seguir à bifurcação : I0 = I1 + I2 (87) No sistema internacional, a unidade de corrente é o ampere e temos que 1 ampere é a corrente que transporta uma carga de 1 coulomb por segundo. A definição da unidade de corrente, independente da unidade de carga, fazse a partir das forças magnéticas entre fios condutores, como veremos mais adiante. Chama-se força electromotriz, ou f.e.m., a qualquer agente capaz de gerar uma corrente eléctrica. Um agente óbvio é o potencial eléctrico. Mas as correntes eléctricas podem também ser geradas por efeitos mecânicos, térmicos e quı́micos. Por exemplo, as baterias possuem uma f.e.m. gerada por reacções quı́micas e as f.e.m dos geradores eléctricos são devidas à rotação mecânica de circuitos. Em todos estes casos, energia sob forma não eléctrica é transformada em energia eléctrica. Embora inclua a palavra ‘força’, a f.e.m. não é uma força: a sua unidade é o volt. Dizemos que a f.e.m. de uma pilha é 1.5 V ou que a f.e.m. de um gerador são 400 V. c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados 12.1 Electromagnetismo 37 Densidade de corrente. Em termos matemáticos, a corrente eléctrica pode ser descrita pelo campo ~ O vector J~ tem a mesma direcção e vectorial da densidade de corrente, J. sentido que o campo eléctrico e o seu módulo é igual à intensidade de corrente por unidade de área: ~ = I |J| (88) A De modo geral, para qualquer superfı́cie, seja ela plana ou não, podemos ~ através calcular a corrente, I, como o fluxo da densidade de corrente, J, dessa superfı́cie: Z ~ I = J~ · dS (89) ~ é vector diferencial de área, o qual, como já vimos antes, se define onde dS como um vector de módulo igual a um elemento de área e de direcção perpendicular à superfı́cie em cada ponto. A intensidade de corrente, I, é uma grandeza macroscópica. Como se relaciona I com as grandezas microscópicas associadas ao movimento das cargas? Consideremos uma corrente que resulta de um fluxo de carga com uma velocidade constante, ~vd . Sendo n o número de cargas por unidade de volume, a quantidade de carga, ∆q, que passa num volume, AL, de um condutor, num intervalo de tempo ∆t = L/|v~d | é: ∆q = (n A L) e (90) A corrente através da superfı́cie A é: I= ∆q nALe = = n A e |v~d | ∆t L/|v~d | (91) Usando (88) obtemos: ~ = n e |v~d | |J| (92) J~ = n e ~vd (93) ou, sob forma vectorial: Como, por convenção, a carga que se desloca é sempre positiva, o vector densidade de corrente é colinear com o vector velocidade de deriva, ~vd , e este, por sua vez, é colinear com o vector campo eléctrico. c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 38 Aplicação. Os electrões de um condutor estão em agitação permanente e podemos q calcular esta velocidade devida à agitação térmica através da fórmula 3 kmBe T , o que conduz a velocidades da ordem dos 105 m/s. Mas esta agitação térmica não produz qualquer corrente, porque os movimentos são igualmente prováveis em todas as direcções. Vamos ver que a velocidade de deriva é muito mais baixa. Consideremos um fio de cobre com um diâmetro de 1.8 mm e no qual flui uma corrente eléctrica de 1.3 A. O módulo do vector densidade de corrente é I/A, onde A é a área do fio, A = πr2 = π(0.9 × 10−3 )2 = 2.54 × 10−6 m2 , pelo que o módulo da densidade de corrente é: ~ = |J| I 1.3 A = = 5.1 × 105 A/m2 A 2.54 × 10−6 m2 No cobre há praticamente 1 electrão de condução por cada átomo. O número de electrões de condução por unidade de volume é pois o mesmo que o número de átomos por unidade de volume. A densidade do cobre (massa por unidade de volume) a dividir pela massa molar é o número de moles de átomos de cobre por unidade de volume e isso, a multiplicar pelo número de Avogadro, é o número de átomos de cobre por unidade de volume e, portanto, também o número de electrões por unidade de volume, n: n= ρ (9.0 × 103 kg/m3 ) (6.023 × 1023 mol−1 ) NA = = 8.47 × 1028 elec/m3 M 64 × 10−3 kg/mol A velocidade de deriva é então : |~vd | = ~ |J| 5.1 × 105 A/m2 = = 3.8 × 10−5 m/s ne (8.47 × 1028 elec/m3 ) (1.6 × 10−19 C/elec) = 14 cm/h Ou seja, a velocidade de deriva é 10 ordens de grandeza mais pequena que a velocidade de agitação térmica. Se cada um de nós fosse um electrão, no meio de uma corrente eléctrica, não veria corrente nenhuma. Tudo o que veria seriam muitos electrões, deslocando-se a velocidades enormes, em todos os Electromagnetismo 39 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados sentidos. As correntes eléctricas são o que sobra quando se subtrai todo este ruı́do. Então vemos que, subjacentes, há correntes com velocidades muito menores. Mas são essas correntes que fazem funcionar os aparelhos eléctricos. Podemos perguntar como é que, sendo a corrente tão lenta, as luzes de uma sala se acendem tão rapidamente quando se liga o interruptor? É que uma coisa é a velocidade de corrente e outra é a velocidade com que a mudança do campo eléctrico se propaga através do fio. Esta velocidade é quase igual à velocidade de propagação da luz no vácuo (∼300,000 km/s). Por isso, electrões ao longo de todo o fio começam a movimentar-se quase todos ao mesmo tempo. O mesmo acontece quando se abre a torneira de uma mangueira. Se a mangueira estiver cheia de água, a mudança de pressão transmite-se ao longo da água à velocidade do som, pelo que a água começa a sair quase a seguir à abertura da torneira, embora a velocidade com que a água sai da torneira seja muito mais lenta. 12.2 A Lei de Ohm. Para campos eléctricos que não são muito intensos temos que o vector densidade de corrente é proporcional ao campo eléctrico: ~ ~ =E J~ = σ E ρ (94) ~ J| ~ é a resistividade onde σ é a condutividade do condutor e ρ = σ1 = |E|/| do condutor (não confundir com a densidade de um material que também representamos pela mesma letra). Quando o campo eléctrico é constante, a partir de (54) temos que: + − ∆Φ = Φ − Φ = − Z r+ r− ~ · d~r = |E|L ~ E (95) ~ e d~r fazem um ângulo de 180o ) e onde L = |r+ − r− |. Assim, o (porque E módulo do campo eléctrico neste caso é: ~ = |E| ∆Φ L (96) Usando (88) fica: ρ= ~ |E| = ~ |J| ∆Φ L I A = ∆Φ A L I (97) c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 40 ou ∆Φ = R I (98) que é a lei de Ohm na sua forma mais conhecida e onde R, a resistência do condutor, é: L R=ρ (99) A A resistência de um condutor estima-se medindo a corrente que passa entre dois pontos onde se aplicou uma diferença de potencial dada, ∆Φ. A unidade da resistência no sistema internacional é o ohm, onde 1 ohm corresponde a 1 volt por ampere. Nos ciruitos eléctricos há elementos cuja única função é introduzirem uma certa resistência. A esses elementos chama-se também resistências. Para uma dada diferença de potencial, quanto maior for a resistência de um condutor, tanto menor é a corrente. Por isso, o nome está bem escolhido. Enquanto a resistência depende da forma do condutor, a resistividade só depende do material de que o condutor é feito. 12.3 Efeitos da corrente eléctrica no corpo humano. Muitas das funções do corpo humano são mediadas por correntes eléctricas. A contracção muscular, incluindo a respiração e os batimentos cardı́acos, são controlados por correntes eléctricas. O processamento de informação pelo cérebro também é feito por correntes eléctricas. Por isso, correntes eléctricas geradas por causas externas podem causar danos ou mesmo ser fatais. A corrente que entra no corpo depende da d.d.p, ∆Φ, aplicada e da resistência do corpo. Para corrente contı́nua ou de baixa frequência a resistência do corpo é essencialmente a da pele (a corrente não penetra muito no organismo). A resistência da pele é muito maior se a pele estiver seca. Por exemplo, a resistência entre duas extremidades, por exemplo, uma mão e um pé, é 105 Ω se a pele estiver seca nos pontos de contacto, mas pode ser apenas 1 % deste valor se a pele estiver molhada. Assim, as correntes máximas que podem geradas no corpo humano por uma máquina eléctrica doméstica são, no caso da pele estar seca: 220 V (100) I = 5 = 2.2 mA 10 Ω c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 41 e no caso da pele estar molhada: I= 220 V = 147 mA 1500 Ω (101) Enquanto uma corrente de 1 mA quase não se nota, uma de 147 mA pode ser fatal, se não for imediatamente interrompida e seguida de tratamento. 13 O Campo Magnético. Já há mais de 2,000 anos que se sabe que certas pedras (ı́manes) têm a particularidade de se atraı́rem umas às outras e de atraı́rem pequenos pedaços de ferro. Estas pedras encontram-se numa região chamada Magnésia, da Turquia, e são por isso conhecidas por magnetes. Quando suspensas livremente, elas orientam-se sempre segundo a direcção norte-sul da Terra e foram por isso usadas como bússulas na navegação. Os magnetes oferecem-nos um ponto de referência para definirmos direcções quando queremos descrever efeitos magnéticos. A extremidade de um magnete que procure o Norte geográfico chama-se o pólo N do magnete. De modo análogo, a extremidade que procura o Sul geográfico chama-se o pólo S do magnete. Pólos de sinal contrário atraem-se e pólos de sinal igual repelem-se, tal como sucede com as cargas eléctricas. Do ponto de vista das suas propriedades magnéticas, a Terra comporta-se como se fosse um grande magnete cujo pólo sul está virado para o Norte geográfico e vice-versa (ver figura 5). Por isso, o pólo N de uma bússula é atraı́do pelo pólo S do campo magnético terrestre. Os magnetes possuem a propriedade curiosa de, quando divididos ao meio, nunca se separarem os dois pólos e de gerarem sempre dois magnetes, cada um com o seu pólo N e pólo S orientados da mesma maneira que no magnete inicial. Esta impossibilidade de separação dos pólos magnéticos constitui uma diferença fundamental em relação ao campo eléctrico, para o qual se podem isolar cargas positivas e negativas. As interacções magnéticas podem descrever-se também através da acção de um campo, chamado o campo magnético. Tal como as fontes do campo eléctrico são as cargas positivas e negativas, as fontes do campo magnético são os dipolos magnéticos. (Veremos também como as cargas eléctricas em movimento geram campos magnéticos). c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 42 Figure 5: O campo magnético terrestre é como o de um enorme magnete cujo pólo S está localizado perto do norte geográfico. Os campos magnéticos podem representar-se também através das suas linhas de campo. Vimos que as linhas de campo do campo eléctrico começam nas cargas positivas e terminam nas cargas negativas. Para o campo magnético, a ausência de pólos isolados (cargas magnéticasou monopolos magnéticos) tem como consequência que as linhas do seu campo não têm princı́pio, nem fim. Na região exterior ao magnete, convenciona-se que a orientação das linhas do campo magnético é igual ao de um magnete nessa posição, ou seja, as linhas vão do pólo N para o pólo S, (ver figura 6) e, ou vêm do infinito e c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 43 vão para o infinito, ou se fecham sobre elas próprias. Figure 6: Linhas de campo em torno de um dipolo magnético e orientação de um magnete. 13.1 Força de Lorentz Magnética. Vimos que a força que actua numa partı́cula de carga q, que se encontre num ~ é F~E = q E, ~ (31). Experimentalmente, verifica-se que campo magnético E, o campo magnético não exerce qualquer acção sobre uma carga em repouso c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 44 e que a sua presença só se faz sentir sobre as cargas em movimento. Assim a força que actua na partı́cula de carga q que se desloca a uma velocidade ~v ~ é: num campo magnético B ~ F~B = q ~v × B (102) ~ sin θ, sendo ou seja, a força magnética é um vector cuja intensidade é |~v | |B| ~ θ é o ângulo que ~v faz com B, e a sua direcção e sentido são dados pela regra da mão direita (ver abaixo). Sabendo a velocidade, direcção e sentido do movimento da carga e medindo a força que actua sobre a partı́cula é possı́vel definir completamente o vector campo magnético. A direcção e sentido do campo magnético assim definido coincide com a determinada pela posição de um ı́mane no mesmo local. A expressão (102) é chamada também a força de Lorentz magnética. Ela indica-nos que: 1. A força magnética é sempre perpendicular ao vector velocidade. Tal como a aceleração centrı́peta, a força magnética só muda a direcção da velocidade, e não altera a intensidade da velocidade. Assim, a força magnética deflecte as trajectórias das partı́culas carregadas mas não altera a energia cinética das partı́culas. 2. A força magnética não exerce qualquer acção em partı́culas carregadas que se movam paralelamente (ou anti-paralelamente) ao campo magnético. Isto porque em módulo, a força de Lorentz é: ~ sin θ |F~B | = q |~v | |B| (103) ~ Do mesmo modo, vemos que a força onde θ é o ângulo que ~v faz com B. de Lorentz é máxima quando a partı́cula se move perpendicularmente ~ ao campo eléctrico. Nesse caso, em módulo, temos |F~B | = q |~v | |B|. 3. A intensidade da força magnética é proporcional à intensidade da carga e ao módulo da velocidade da partı́cula. 4. A direcção da força magnética depende do sinal da carga: as cargas positivas são deflectidas em sentido contrário ao das cargas positivas. A direcção e sentido da força magnética pode determinar-se pela regra da mão direita: se a carga for positiva, colocando a mão de tal forma que os c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 45 ~ a direcção e sentido dedos se fechem no sentido da rotação de ~v para B, da força são a direcção e sentido apontados pelo polegar estendido. Se a carga for negativa, a direcção da força magnética é ainda a mesma mas o sentido é o oposto ao apontado pelo polegar. Como se pode ver pela expressão (102) a unidade do campo magnético no sistema SI é Newton/ [coulomb (m/s)]. Outra possibilidade é em função do ampere e fica: N/[(C/s) m] = N/ (A m). A esta unidade chama-se também 1 Tesla (T). Outra unidade também muito usada para o campo magnético é o Gauss (G): 1 T = 104 G (104) O campo magnético responsável pela orientação dos magnetes à superfı́cie da Terra tem uma intensidade de 1 G (10−4 T), enquanto o campo magnético à superfı́cie da Lua tem uma intensidade de 10−4 G (10−8 T). O campo magnético em torno de um pequeno magnete é da ordem de 102 G (10−2 T). 13.2 Movimento de uma partı́cula carregada num campo magnético. Consideremos uma partı́cula de carga positiva que se desloca entre as placas de um condensador e que entra com uma velocidade perpendicular ao campo eléctrico. Essa partı́cula vai sofrer uma força (eléctrica) de Lorentz (31) que tem a mesma direcção que o campo eléctrico entre as placas. Consideremos que o eixo dos y está alinhado segundo o campo eléctrico e que a velocidade inicial da partı́cula é segundo o eixo dos x. Então a partı́cula vai sofrer uma aceleração segundo o eixo dos y, ou seja, vai ter um movimento uniformemente acelerado segundo o eixo dos y. Segundo o eixo dos x, o seu movimento vai ser uniforme (ver a figura 7). A partı́cula vai desviar-se para a placa negativa, num movimento uniformemente acelerado, ao mesmo tempo que progride num movimento uniforme ao longo das placas. Consideremos um outro caso, em que uma partı́cula de carga positiva, com uma velocidade inicial segundo o eixo dos x, entra numa região onde há um campo magnético uniforme, alinhado segundo o eixo dos y (ver figura 7 (b)). Neste caso, inicialmente, a força de Lorentz vai ter um sentido positivo do eixo dos z. Esta força vai originar uma componente da velocidade segundo o eixo dos z, ou seja, a direcção da velocidade vai variar. Mas, se a direcção da c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 46 Figure 7: (a) Trajectória de uma partı́cula carregada positivamente num campo eléctrico: a força tem a mesma direcção do campo. (b) Movimento de uma partı́cula carregada positivamente num campo magnético: a trajectória é circular. Se a velocidade inicial da partı́cula for suficientemente pequena, o raio da trajectória será suficientemente pequeno para caber na região onde se encontra o campo magnético. velocidade muda, a direcção da força também vai mudar. Em todos os pontos, temos que a direcção da força é perpendicular à direcção da velocidade: ou seja, temos um movimento circular em torno de um eixo paralelo ao campo magnético. Se a velocidade da partı́cula for suficientemente pequena, e/ou o campo magnético for suficientemente intenso, pode ser possı́vel fazer com que a partı́cula continue numa órbita circular entre as duas placas. Desta forma, Electromagnetismo 47 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados um campo magnético pode servir para armazenar cargas. Matemáticamente, sendo ac a aceleração centrı́peta, temos: FB = q v B = m ac = m v2 mv ⇒R= R qB (105) Se o campo magnético for suficientemente forte, o raio é suficientemente pequeno para a trajectória da partı́cula ficar completamente contida dentro da região onde está o campo magnético. Nesse caso, a partı́cula, uma vez tendo entrado nessa região, já não consegue sair dela. A velocidade angular do movimento, ω = v/R, é: qB ω= (106) m e a frequência do movimento, f , é: f= ω qB = 2π 2π m (107) donde se deduz que o perı́odo, T , é: T = 2π m 1 = f qB (108) Notemos que tanto o perı́odo, como a frequência, como a velocidade angular, não dependem da velocidade da partı́cula. As partı́culas que se deslocam a velocidades elevadas movem-se em circunferências de raios maiores que as partı́culas que se movem a velocidades menores, mas todas as partı́culas que possuam a mesma razão de carga/massa levam o mesmo tempo a completar uma circunferência. Se uma partı́cula tem uma velocidade inicial com uma componente não nula paralela ao campo magnético, ao longo desta direcção o campo magnético não exerce qualquer força e essa componente da velocidade vai manter-se constante. O movimento da partı́cula pode então decompôr-se num movimento circular, que ten lugar num plano perpendicular à direcção do campo magnético, com um movimento uniforme, ao longo da direcção do campo magnético. Ou seja, o movimento da partı́cula vai ser em espiral (vide figura 8 (a)), sendo o eixo da espiral paralelo ao campo magnético. Quando o campo magnético não é uniforme, o raio da circunferência varia ao longo da espiral, sendo menor onde o campo é mais intenso (vide figura 8 (b)). Em pontos c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 48 em que o campo é suficientemente intenso, a partı́cula pode ser reflectida, ou seja, o sentido da sua velocidade pode inverter-se. Se uma partı́cula for reflectida nas duas extremidades de uma trajectória circular diz-se que está apanhada numa garrafa magnética. Partı́culas como electrões e protões, emitidas pelo Sol, são apanhadas desta maneira pelo campo magnético terrestre, formando os chamados Van Allen radiation belts, que produzem arcos bem acima da atmosfera terrestre, entre o polo Sul e polo Norte terrestres. Os protões e os electrões que constituem esses arcos oscilam entre os dois extremos da garrafa magnética num perı́odo de segundos. Quando as emissões solares são particularmente intensas, o excesso de carga produz um campo eléctrico adicional que contraria a reflexão na atmosfera. Os electrões em excesso conseguem então penetrar a atmosfera, colidindo com os seus átomos e moléculas, excitando-os e fazendo-os emitir luz. É esta luz que constitui a aurora, uma cortina de luz que se encontra a uma altitude de uns 100 kilometros. Os átomos de oxigénio emitem luz verde e os átomos de azoto emitem luz cor de rosa, mas muitas vezes a intensidade não é muito grande e apenas se vê luz branca. O espectáculo da aurora estende-se ao longo de um arco chamado a auroral oval. Este arco é muito extenso, mas a sua espessura é apenas 1 km porque as trajectórias dos electrões convergem à medida que eles fazem a sua espiral descendente, uma vez que as linhas do campo magnético nessa direcção são convergentes. Outra aplicação do movimento de cargas eléctricas num campo magnético é nos aparelhos que medem a velocidade do fluxo sanguı́neo: um medidor electromagnético do fluxo. Dentro do sangue há uma grande concentração de cargas eléctricas sob a forma de iões. O plasma sanguı́neo tem uma concentração aproximada de 145 mM/l de iões Na+ e 125 mM/l de iões Cl− . Para simplificar, consideremos que há um certo número de iões carregados que se deslocam com uma velocidade, ~v , alinhada no sentido do eixo dos ~ no sentido do eixo dos x. Aplicando à artéria um campo magnético, B, y, as cargas positivas vão sofrer uma força de Lorentz magnética no sentido positivo do eixo dos z e as negativas vão sofrer uma força oposta. O campo magnético gera uma separação de cargas. (Este efeito foi medido pela primeira vez em 1879, por um estudante chamado Edwin H. Hall, num fio de cobre e é chamado o efeito Hall). Esta separação de cargas, pelo seu lado, gera um campo eléctrico no sentido negativo do eixo dos z. O equilı́brio c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 49 Figure 8: (a) Movimento de uma partı́cula carregada com uma velocidade ~v que não é perpendicular ao campo magnético: a trajectória é em espiral. (b) O mesmo que em (a) mas para um campo magnético de intensidade variável. estabelece-se quando a força total que actua nas cargas é nula: FE = FB ⇒ q E = q v B (109) Considerando a artéria como um condensador, e usando a relação entre o campo eléctrico e a d.d.p de um condensador (??) fica: q ∆Φ ∆Φ =qvB⇒v= d Bd (110) Medindo a diferença de potencial (que se chama a diferença de potencial de Hall) que se estabelece entre os dois lados de uma artéria após a aplicação de um campo magnético, podemos calcular a velocidade do fluxo sanguı́neo. Na prática, estas diferenças de potencial são muito pequenas. Considerando uma artéria com 1 cm de diametro, e uma velocidade de v = 30 cm/s, num campo magnético de 1000 G, a diferença de potencial é: ∆Φ = v B d = (0.30m/s) × (0.1 T) × (0.01 m) = 0.3 × mV (111) c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 50 Um outro problema nesta aplicação é que a acumulação de cargas dentro da artéria vai gerar uma acumulação de cargas de sinal contrário do lado de fora da artéria. Para evitar isso, usam-se campos magnéticos alternados, que mudam de sentido periodicamente. A frequência com que o campo magnético muda tem que ser suficientemente pequena para que possa haver acumulação de cargas na parte interna da artéria, e suficientemente grande para que não haja acumulação na parte externa da artéria. Verificou-se que frequências de algumas centenas de Hz eram satisfatórias. 14 Força magnética sobre uma corrente eléctrica. Já vimos que um campo magnético exerce uma força que sobre uma partı́cula em movimento. Uma corrente é formada pelo movimento concertado de muitas partı́culas, por isso um campo magnético vai exercer uma força sobre uma corrente. Sendo q = i ∆t a quantidade de carga que passa numa secção ~ de um fio num certo intervalo de tempo, a força magnética que um campo B exerce sobre uma corrente I é: ~ = I ∆t ~v × B ~ =IL ~ ×B ~ FB = q ~v × B (112) ~ = ~v ∆t é um vector que define a direcção da corrente. Quando o fio onde L onde a corrente circula não é rectı́lineo, consideramos elementos desse fio que sejam suficientemente pequenos para podermos desprezar a curvatura e para ~ temos uma força magnética diferencial, dF ~ B: cada um desses elementos dL ~ B = I dL ~ ×B ~ dF (113) ~ exerce sobre o fio, obtem-se inA força total que o campo magnético, B, tegrando (113) ao longo do fio. É preciso notar que não há correntes em elementos isolados de um fio. A corrente entra sempre de um lado e sai do outro. As expressões que derivámos aplicam-se nesses casos. 14.1 O motor de corrente contı́nua. Consideremos um circuito rectangular através do qual flui uma corrente I e ~ Consideremos o caso em que está imerso num campo magnético uniforme B. Electromagnetismo 51 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados que o circuito se encontra numa posição em que a normal ao plano do circuito faz um ângulo θ com o campo magnético. Seja qual for o valor de θ, o lado maior, de tamanho a é sempre perpendicular ao campo magnético (esse lado é sempre paralelo ao plano do magnete e esse plano é sempre perpendicular ao campo magnético). Por outro lado, os lados menores, de tamanho b, fazem um ângulo 90 − θ com o campo magnético. O módulo da força magnética exercida nos lados mais pequenos é pois: ~ sin(90 − θ) = Ib|B| ~ cos θ |F~2 | = |F~4 | = I b |B| (114) Como os sentidos da corrente são contrários de um lado e do outro, os sentidos destas forças são opostos. A orientação é a mesma, pelo que as forças exercidas nos lados mais pequenos se anulam. Consideremos agora as forças sobre os lados maiores do circuito. Como os lados maiores são perpendiculares ao campo magnético, as duas forças em módulo têm o valor seguinte: ~ |F~1 | = |F~3 | = I a |B| (115) e como a corrente flui em sentido contrários em cada um deles, as forças vão também ser em sentido contrário. Mas, neste caso, a linha de acção das forças é diferente da direcção das forças, pelo que estas forças vão dar origem a um momento sobre o circuito, que vai fazer o circuito rodar em torno de um eixo que divide os lados menores ao meio. Por definição de momento de uma força, ~τ = ~r × F~ , o momento total devido às duas forças é: b |τ | = |~r1 × F~1 + ~r3 × F~3 | = 2|~r1 × F~1 | = 2 2 ! ~ sin θ = I A |B| ~ sin θ I a |B| (116) onde o torque produzido pelas duas forças é igual porque ~r1 = −~r2 e F~1 = −F~2 e onde A é a área do circuito, A = a b. Este é o momento total da força magnética sobre o circuito. Foi deduzido para um circuito com uma forma especı́fica, mas é válido para qualquer circuito que delimite a mesma área A. E, se em vez de um circuito, tivermos N circuitos, o momento que o campo magnético induz em cada um deles é igual, pelo que o momento total nesse caso é: ~ sin θ |~τ | = (N I A) |B| (117) Electromagnetismo 52 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados O momento é máximo quando θ = 90o , ou seja, quando o plano do circuito é paralelo ao campo magnético. A quantidade N I A caracteriza todas as propriedades do circuito: o número de espiras, a sua área e a corrente que passa nas espiras. A equação (117) diz-nos que um circuito fechado, no qual passa uma corrente, fica sujeito a um momento quando submetido a um campo magnético. Este é o princı́pio do funcionamento dos motores eléctricos, nos quais energia eléctrica, que gera a corrente, é convertida em energia mecânica, a da rotação do circuito e do tudo aquilo que a ele estiver ligado. 15 Lei de Biot-Savart. No inicio do século 19 pensou-se que a electricidade e o magnetismo eram fenómenos independentes. Mas, em 1820, o fı́sico dinamarquês Hans Christian Oersted (1777-1851) descobriu, por acidente, que uma corrente eléctrica pode influenciar a orientação de uma bússula. Isto acontece porque uma corrente eléctrica cria um campo magnético local, que se sobrepõe ao campo magnético terrestre, desviando a bússula da sua posição normal. A lei que descreve o campo magnético criado por uma corrente, I, que flui num elemento de circuito, d~s, situado num ponto P, chama-se lei de Biot-Savart e diz o seguinte: ~ = dB µ0 4π Id~s × ~r r3 (118) onde ~s representa um elemento do circuito, dirigido no mesmo sentido que a corrente e ~r é o vector que descreve a posição do ponto P em relação ao elemento d~s. Notemos que o módulo do campo magnético é inversamente proporcional ao quadrado da distância de um ponto ao fio, de forma semelhante ao que sucede com o campo eléctrico. Àquela lei chama-se lei de Biot-Savart. Esta lei é o correspondente magnético da lei de Coulomb. A lei de Coulomb permite-nos calcular o campo eléctrico de uma carga pontual, ou seja, diz-nos que as fontes do campo eléctrico são as cargas eléctricas. A lei de Biot-Savart permite-nos calcular o campo magnético a partir de uma distribuição de correntes. Diz-nos que uma das fontes do campo magnético são as cargas em movimento. c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 53 Aplicações. Campo magnético de um fio rectı́lineo. Vamos aplicar a lei de Biot-Savart ao campo magnético criado por um fio condutor. Consideremos que o fio se encontra colocado verticalmente, no plano do quadro e que a corrente corre debaixo para cima. Pela regra da mão direita, o campo magnético criado por qualquer elemento do fio, num ponto, P , do plano do quadro, à direita do fio, é perpendicular ao plano do quadro e tem um sentido para dentro do plano do quadro. Por isso, podemos calcular o módulo do campo magnético total somando os módulos de todos os campos magnéticos diferenciais: ~ =| |B| Z ~ = dB| fio µ0 I Z +∞ sin θ|ds| ~ |dB| = 4 π −∞ r2 fio Z (119) onde θ é o ângulo que o elemento do fio, d~s, faz com o vector ~r, que liga esse elemento ao ponto P . Temos que: tan (180 − θ) = R R ⇒s= s tan (180 − θ) (120) onde R é a distância a que o ponto P se encontra do fio e portanto: ds = − R R = − 2 dθ sin (180 − θ) sin θ 2 (121) Por outro lado, temos também: 1 sin2 θ R = sin (180 − θ) = sin θ ⇒ 2 = r r R2 (122) Substituindo (121) e (122) em (119) fica: µ0 I Z θ2 sin θ µ0 I µ0 I ~ |B| = dθ = [− cos θ]θθ21 = (cos θ1 − cos θ2 ) (123) 4 π θ1 R 4πR 4πR Quando o fio é infinito θ1 = 0o e θ2 = 180o e o campo magnético no ponto P fica: ~ = µ0 I |B| (124) 2πR O módulo do campo magnético num ponto P só depende da distância do ponto ao fio. As linhas do campo magnético criado por um fio rectı́lineo Electromagnetismo 54 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados são pois circunferências centradas no fio e o campo magnético é tangente a essas circunferências em cada ponto. Se nós fecharmos os dedos da mão direita na mesma direcção em que o campo magnético roda ao longo dessa circunferência, o polegar estendido aponta no sentido da corrente. Assim, se a corrente for para cima, as circunferências devem ser percorridas no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio e vice versa. Força magnética entre dois fios carregados. Consideremos dois fios condutores, a e b, paralelos, com correntes paralelas, Ia e Ib . Para calcular a força que um fio exerce sobre o outro, consideramos primeiro o campo magnético criado por um dos fios e o efeito desse campo magnético sobre o outro fio. Como vimos antes, o módulo do campo magnético criado pelo fio a nos pontos onde se encontra o fio b é ~ a | = (µ0 Ia )/(2 π d), onde d é a distância entre os dois fios. Fechando os |B dedos em torno do fio a de forma a que o polegar aponte no sentido da corrente no fio a vemos que o campo magnético criado pelo fio a em b é dirigido para baixo, nesse ponto. Podemos aplicar a lei (112) para calcular a força magnética que este campo magnético exerce sobre a corrente que corre no fio b. Como o campo magnético é perpendicular ao fio, o módulo da força é: ~ a| = |F~B | = Ib L |B µ0 L Ia Ib 2πd (125) Pela regra da mão direita, vemos que a força é perpendicular ao fio b (como os fios são paralelos é também perpendicular ao fio a) e dirigida no sentido do fio a. Ou seja, dois fios paralelos, com correntes no mesmo sentido, atraem-se. É fácil mostrar que se as correntes forem antiparalelas, os fios repelem-se. 15.1 Lei de Ampère. A lei de Ampère é o correspondente magnético da lei de Gauss e diz-nos que: I ~ · d~s = µ0 I B (126) ~ · d~s é feito ao longo de um circuito fechado imaginário, onde o integral de B também chamado circuito de Ampère e a corrente I é a corrente total através da superfı́cie delimitada por esse circuito. O sentido do vector d~s é dado pela regra seguinte: fechando os dedos da mão direita no sentido da integração, o polegar aponta o sentido positivo da corrente. Se a corrente for em sentido Electromagnetismo 55 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados contrário a esse, por definição, o seu sentido é negativo. Da mesma forma que usamos a lei de Gauss, que relaciona o fluxo do campo eléctrico através de uma superfı́cie fechada com a carga total dentro da superfı́cie, para calcular o campo eléctrico, podemos usar a lei de Ampère para calcular o campo magnético, quando a distribuição de correntes tem uma simetria particular. Como exemplo, vamos aplicar a lei de Ampère ao campo magnético criado por um fio rectilı́neo. Consideremos um circuito imaginário circular, centrado no fio. Como a distribuição de correntes tem simetria cilı́ndrica, concluı́mos que o campo magnético tem a mesma intensidade em todos os pontos que se encontrem à mesma distância do fio, ou seja, em pontos que se encontrem numa circunferência centrada no fio. Suponhamos que o campo magnético tinha uma direcção radial. Este campo não ~ ·d~s = 0, e o lado direito de (126) seria nulo obedece à lei de Ampère porque B mesmo quando a corrente não é nula. Concluı́mos pois que a componente radial do campo magnético criado por uma corrente é nula. Se o campo tivesse uma direcção não radial, poderia sempre ser decomposto numa direcção radial e uma direcção tangente, mas já sabemos que a direcção radial não é possı́vel. Por isso, concluı́mos que o campo magnético criado por uma corrente é tangente à circunferência em todos os pontos. Há duas possibilidades: ou o campo magnético é no sentido de d~s, ou é no sentido inverso. Vamos supor que é no mesmo sentido. Se esta opção estiver errada, surgir-nos-á um sinal negativo no módulo. Aplicando o lado direito da lei de Ampère (126): I ~ · d~s = B I ~ cos θ|d~s| = |B| ~ |B| I ~ (2πr) ds = |B| (127) Pela lei de Ampère, isto é igual a µo I e o módulo do campo magnético fica: ~ = |B| µo I 2πr (128) como já tı́nhamos concluido pela lei de Biot-Savart. 15.2 Indução Magnética. Já vimos que correntes eléctricas geram campos magnéticos. Agora vamos ver o inverso: como os campos magnéticos podem gerar correntes eléctricas. Consideremos um circuito eléctrico no qual não circula nenhuma corrente e que se move num campo magnético perpendicular ao plano do circuito. As Electromagnetismo 56 c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados cargas que estão em repouso no circuito, estarão em movimento em relação ao campo magnético e, pela lei de Lorentz, (102), vai exercer-se uma força sobre elas, ou seja, vai-se gerar uma corrente. A este fenómeno chama-se indução magnética. Podemos dizer que a indução magnética produz uma f.e.m. e que essa f.e.m. tem o efeito de criar uma corrente. A intensidade da f.e.m. é função do campo magnético através de um conceito de fluxo que já vimos antes a propósito da lei de Gauss. ~ e uma superfı́cie plana, Consideremos um campo magnético uniforme, B, de área A. Chama-se fluxo magnético, FB , à quantidade de campo magnético que passa através da superfı́cie: FB = Z ~ · dS ~ B (129) onde o integral é feito sobre a superfı́cie de área A. Quando o campo é normal ~ · dS ~ = B dS, e se o campo é uniforme, podemos passá-lo à superfı́cie fica B para fora do integral (129) e fica: FB = B Z dS = B A (130) Considerando o campo magnético representado pelas suas linhas de campo, quanto maior for o número de linhas por unidade de volume tanto maior a intensidade do campo e tanto maior o fluxo. No sistema SI, a unidade do fluxo magnético é o weber (Wb), em honra do fı́sico alemão Wilhelm Eduard Weber (1804-1891). O campo magnético pode então exprimir-se em Wb/m2 , uma unidade a que chamámos T: 1 Wb/m2 = 1 T = 104 G (131) A relação matemática entre o valor da f.e.m. gerada por indução e o campo magnético foi determinada experimentalmente por Faraday e é: ∆Φ = − dFB dt (132) que nos diz que a f.e.m. gerada pelo movimento de um circuito num campo ~ é proporcional à taxa de variação do fluxo do campo magnético magnético B através da superfı́cie delimitada pelo circuito. O sinal menos indica que a f.e.m. gerada se opõe à causa que a gerou (lei de Lenz). c L. Cruzeiro, 2004, todos os direitos reservados Electromagnetismo 57 A lei de Faraday diz-nos que variar o fluxo magnético através de um circuito é equivalente a ligar esse circuito a uma bateria. A corrente no circuito dura apenas enquanto durar a variação do fluxo magnético. O fluxo magnético pode variar se campo magnético variar, se o ângulo que o campo magnético faz com o plano do circuito variar, ou se a área do circuito variar. Vemos assim que enquanto cargas que são postas em movimento por um campo eléctrico criam um campo magnético, magnetes em movimento, ou mais geralmente, uma variação do campo magnético gera um campo eléctrico. A indução magnética mostra pois a ligação que existe entre os fenómenos eléctricos e os fenómenos magnéticos. Aplicação. Considere um circuito com uma área de 0.6 m2 e que consiste em 20 espiras. Seja R = 12 Ω a resistência do circuito. Supondo que o campo magnético é reduzido a uma taxa constante de 8000 G para 3000 G em 2 s, qual o valor da corrente que se gera no circuito? Podemos escrever a lei de Faraday como: ∆Φ = −20 ∆FB ∆B = −20 A ∆t ∆t (133) porque neste caso a área é constante e o que está a diminuir é a intensidade do campo magnético. A f.e.m. ∆Φ gerada por esta diminuição é pois: f.e.m. = −20 × (0.6 m2 ) × (0.8 − 0.3) T = −3 V 2s (134) Pela lei de Ohm, a intensidade da corrente que flui no circuito enquanto o campo magnético diminui é: I= ∆Φ 3V = = 0.25 A R 12 Ω (135) Assim que o fluxo magnético deixa de variar no circuito, esta corrente cessa.