VIABILIDADE DA IMPLANTAÇÃO DE CISTERNAS PARA CAPTAÇÃO DE ÁGUA PLUVIAL NO MEIO RURAL NA REGIÃO SUDOESTE DO PARANÁ Katia Teresinha Paloschi Associação de Estudos Orientação e Assistência Rural – Assesoar email: [email protected] Talita Caroline Dambros Associação de Estudos Orientação e Assistência Rural – Assesoar email: [email protected] Dr. Miguel Ângelo Perondi Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR email: [email protected] RESUMO Este artigo tem como objetivos traçar um estudo sobre técnicas de armazenamento das águas da chuva em cisternas, como forma alternativa de uso e preservação dos recursos hídricos e fundamentar o papel da ASSESOAR na geração, sistematização e difusão de referências sobre Construções Alternativas no território Sudoeste do Paraná. Este estudo se deu através de pesquisa qualitativa chamada de estudo de caso, com a realização de acompanhamento na implantação de duas cisternas, desde o projeto até a construção e posterior avaliação, através de entrevista com os envolvidos, nos municípios de Dois Vizinhos e Salgado Filho. O resultado do estudo foi satisfatório, pois as cisternas construídas cumpriram seus objetivos, tanto do ponto de vista ambiental quanto do educativo. INTRODUÇÃO É inquestionável a importância da água para o desenvolvimento e manutenção de toda a forma de vida no planeta. Mais do que isso, a água também é importante para o desenvolvimento social e econômico das sociedades humanas. Seu uso é indispensável nas mais diversas atividades, tais como: agricultura, transporte, eletricidade, recreação, abastecimento público, hidroeletricidade, turismo, disposição de resíduos, etc. Apesar de sua importância incontestável desde a origem do universo, a preocupação em manter a quantidade e qualidade da água para as gerações futuras é um assunto recente, que começou a surgir apenas quando os problemas de escassez da água tornaram-se evidentes em alguns locais do planeta. Essa demora em identificar a necessidade de preservação, deveu-se principalmente a falsa ideia de que em um planeta, cuja superfície é composta em 70% de água, a disponibilidade desse recurso seria infinita. Atualmente sabe-se, no entanto, que de toda a água existente no planeta, a maior parte é salgada, compondo os oceanos e mares e, do que resta como água doce, a grande maioria compõe as águas subterrâneas e as calotas polares ou geleiras, restando apenas uma pequena parcela facilmente disponível para consumo, nos rios e lagos. Essa distribuição da água no planeta está representada na Figura 1 a seguir. Figura 1: Os volumes de água na Terra Fonte: Rebouças et al., 1999 Com o crescimento demográfico e o consequente aumento das atividades agrícolas e industriais, torna-se cada vez mais eminente a necessidade de continuar atendendo a demanda pelo uso da água e manter a qualidade da mesma para o consumo. Medidas baseadas no uso racional, na reutilização e na economia de água são cada vez mais incentivadas e a população, aos poucos tende a caminhar para uma mudança geral no estilo de vida. A construção de cisternas para armazenamento de água é uma técnica de fácil implantação e operação e de baixo custo. Atualmente, ela é amplamente utilizada nas regiões semiáridas para captação de água da chuva nos períodos chuvosos, para ser utilizada em períodos de estiagem característicos da região. No Nordeste do Brasil a dificuldade de acesso à água se evidencia nas estiagens quando as famílias recorrem aos açudes e barreiros para apanhar água diariamente. Quando a estiagem se prolonga e os barreiros e açudes secam, a estiagem se transforma numa “seca”. A situação de “calamidade pública” é declarada e as autoridades organizam a distribuição de água por carro-pipa para os “flagelados da seca”. Então, formam-se filas de mulheres com seus baldes na beira da estrada, esperando pela distribuição de água. Essa política assistencialista e secular alimenta o clientelismo, preservando, o poder dos “coronéis”. E no Agreste, apesar de ser uma região com melhores chuvas que o Sertão no período de seca a água também se torna escassa devido a maior pressão demográfica e o menor tamanho dos estabelecimentos rurais. Entretanto, com a população cansada de uma situação que se prolongava de seca em seca, à qual o governo respondia com medidas de caráter emergencial de “combate à seca”, os agricultores organizados passaram a contestá-las com um novo paradigma de “conviver com o semi-árido” numa rede social conhecida como: Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA, que fomenta o Programa Um milhão de Cisternas - P1MC na região. A construção das cisternas implica diagnósticos participativos nas comunidades, visando selecionar as famílias que serão beneficiadas prioritariamente, a organização de treinamentos de pedreiros de cisternas, a organização dos grupos para cavar o buraco onde cada cisterna será instalada, a compra do material, e na organização dos fundos rotativos solidários para financiar o material necessário e eventualmente a mão de obra dos pedreiros. Um dos principais focos do programa é construir “cisternas de placas”, uma edificação de formato cilíndrico, geralmente semi-enterradas e construída com placas de cimento pré-moldadas, curvadas, que servem tanto para fazer o tanque que armazena água, quanto a cobertura da cisterna. A intenção é captar a água da chuva que cai no telhado das casas no período do “inverno”, por meio de uma calha que a recolhe e armazena para ser usada pela família nos meses de “verão” (PERONDI et. al., 2010). A técnica protagonizada pelas organizações sociais no Nordeste, no entanto, também pode ser utilizada para captar água da chuva, ou mesmo, armazenar a própria água das fontes nos períodos em que o nível do lençol freático esteja alto e aflora superficialmente, para ser utilizada nos períodos mais secos, quando a vazão das fontes diminuem chegando a secar. Dessa forma, a utilização de cisternas tem um grande potencial de gerar resultados dentro de um sistema de gestão de recursos hídricos, mesmo em regiões que não sofrem de estiagens prolongadas, com a finalidade de solucionar problemas de escassez esporádica, que ocorrem principalmente no meio rural e de aproveitar recursos hídricos facilmente disponíveis, até então desperdiçados. Nesse contexto, a Associação de Estudos Orientação e Assistência Rural – ASSESOAR1, tem desempenhado um papel importante, com abrangência territorial, no sentido de buscar melhorias para a qualidade de vida no meio rural, através da articulação com fóruns de entidades da agricultura familiar, na busca de recursos e parcerias para implantação de técnicas que levem ao desenvolvimento sustentável das Unidades de Produção e Vida Familiar (UPVFs) e das comunidades rurais. Entre estas técnicas estão as construções alternativas, das quais uma das mais importantes é a cisterna para armazenamento de água da chuva. A ASSESOAR tem suas atividades organizadas em trienais. No trienal 2008 – 2010 estavam previstas a construção de três cisternas de 30.000 litros cada uma, no território sudoeste do Paraná, das quais duas já foram construídas em escolas municipais, em parceria com as entidades e prefeituras e são objetos de estudo deste trabalho, além de serem peças chave na geração de referências acerca do assunto na região. OBJETIVOS Este trabalho tem como objetivos principais avaliar a implantação de cisternas como uma alternativa a ser considerada na gestão dos recursos hídricos rurais procurando fundamentar o papel da ASSESOAR na geração, sistematização e difusão de referências sobre o assunto no território Sudoeste do Paraná e avaliar a viabilidade sócio-ambiental dos sistemas de captação de água da chuva no meio rural dos municípios da região. Especificamente, este estudo procura realizar uma revisão bibliográfica sobre a construção de cisternas e avaliar sua implementação 1 Trata-se de uma associação de agricultores sem fins lucrativos e que procura apoiar projetos protagonizados pelos agricultores familiares do Sudoeste do Paraná. Maiores informações podem ser obtidas no site: http://www.assesoar.org.br em dois casos nos municípios de Dois Vizinhos e Salgado Filho. Para a avaliação, procurou-se registrar o funcionamento, as condições estruturais, o suprimento e a demanda de água, as melhorias identificadas a partir da instalação das cisternas, o nível de satisfação dos envolvidos e a identificação de possíveis problemas relacionados aos reservatórios. METODOLOGIA O estudo foi desenvolvido com base em duas cisternas em ferrocimento, utilizadas para captar a água da chuva construídas em duas escolas no município de Dois Vizinhos (Escola Municipal Nossa Senhora da Salette e Colégio Estadual São Francisco do Bandeira) e no município de Salgado Filho, na Escola Municipal Tiradentes. O estudo baseia-se num estudo de caso, típico da pesquisa qualitativa e, para tanto, resulta do acompanhamento da implantação das cisternas desde o projeto de implementação, passando pela construção e, uma avaliação posterior via visitas realizadas nas escolas para verificar, via entrevistas, as realizações alcançadas (TRIVIÑOS, 2008).(TRIVIÑOS, 2008). PROJETO DE IMPLEMENTAÇÃO DAS CISTERNAS Como realçado anteriormente, a ASSESOAR havia previsto em seu plano trienal 2008 – 2010, a construção de três cisternas no território Sudoeste do Paraná. A escolha dos locais para implantação das duas primeiras, que são objetos desse estudo, deu-se a partir do trabalho já desenvolvido pela entidade junto aos projetos. No município de Dois Vizinhos, a ASSESOAR vem desenvolvendo desde 2002, o Projeto Vida na Roça (PVR) que se encontra organizado a partir da Associação das Famílias Agricultoras do Vida na Roça (AFAVIR) e atende quatro (04) comunidades rurais do município, sendo uma delas a São Francisco do Bandeira, onde funciona (no mesmo espaço físico) a Escola Municipal Nossa Senhora da Salette e o Colégio Estadual São Francisco do Bandeira. A iniciativa para construção de uma cisterna nesse local partiu das ações do PVR, que identificou a necessidade de solucionar o problema da baixa disponibilidade de água no local nos períodos de estiagem. No município de Salgado Filho, a ideia de construção da cisterna surgiu a partir do fórum das entidades da agricultura familiar, a partir do qual foi identificado o problema da baixa disponibilidade hídrica em alguns períodos do ano na Escola Municipal Tiradentes, bem como, na própria comunidade rural que se situa. Além de resolver o problema imediato da falta de água nesses locais, os projetos visaram ainda, contribuir para materializar o tema da água como um papel formador da educação ambiental nestas escolas, bem como, induzir o mesmo debate para dentro das comunidades que acessam estas escolas. Além disso, houve a intenção de transformar estas primeiras construções em referências locais e regionais, difundindo a ideia para que outras pessoas se interessem e queiram colocá-la em prática em suas Unidades de Produção e Vida Familiar – UPVFs, residências ou empresas. As cisternas construídas possuem a capacidade de armazenar um volume de 30.000 litros de água. As informações técnicas, referentes ao projeto estrutural, foram fornecidas pelo CETAP - Agricultura Ecológica, entidade com sede no Rio Grande do Sul, que também prestou assessoria técnica de três dias para a implantação de cada uma. As construções foram feitas em forma de mutirões, dos quais participaram estudantes do ensino médio do colégio, educandos do Curso Pós-Médio em Agroecologia da ASSESOAR, membros da equipe da ASSESOAR, além de outras pessoas das comunidades próximas e entidades interessadas. A ASSESOAR disponibilizou auxílio financeiro para custear a assessoria do CETAP e parte dos gastos eventuais com transporte, alimentação e hospedagem de pessoas, além de disponibilizar três membros da sua equipe. A técnica utilizada para construção da cisterna foi a do ferrocimento. É uma técnica interessante para armazenar água da chuva, pois apresenta baixo custo e boa durabilidade, além de relativa facilidade em seu processo de construção, manutenção e operação, o que possibilita que qualquer pessoa possa aprender e reaplicar em sua comunidade. Observase que esta técnica é diferente da Cisterna de Placas realizadas pela Articulação do Semi-Árido como dito anteriormente. A cisterna consiste num reservatório, de formato cilíndrico, construído sobre a superfície do solo ou semi-enterrado, que apresenta uma camada interna de armação formada por uma malha de arame galvanizado com espaçamento entre dez e quinze centímetros e uma tela de galinheiro. Cobrindo a armação, são colocadas quatro camadas sucessivas de argamassa e cimento com pouco mais de um centímetro cada. Para calcular o tamanho da cisterna a partir da quantidade de água necessária usa-se a fórmula do volume de um cilindro, descrita abaixo: Volume = R2 x π x H Onde: R = raio da base do cilindro em metros (m) π = letra grega pi cujo valor aproximado é 3,14 H = altura do cilindro em metros (m) Considerando que a altura máxima recomendada para o reservatório é de 2 metros, segue abaixo o cálculo realizado para calcular o raio para uma cisterna de 30.000 litros. 30.000 litros = R2 x 3,14 x 2m Transformando litros em m3, tem-se: 30m3 = R2 x 3,14 x 2m 30m3/6,28m = R2 4,77m2 = R2 R= 4,77 m2 R= 2,18m Aproximando para valores mais inteiros, as cisternas foram construídas com raios de aproximadamente 2,25 metros, resultando em um diâmetro de 4,5 metros. Para calcular a quantidade de materiais necessários para a construção das cisternas foram feitos os seguintes cálculos: Malha de ferro: A quantidade de malha necessária para o entorno da cisterna medese a partir da seguinte fórmula: Área entorno = 2 x π x R x H Substituindo o valor do raio e da altura, tem-se: Área entorno = 2 x 3,14 x 2,25m x 2m Área entorno = 28,26m2 Para calcular a área da base da cisterna, utiliza-se a fórmula da área do círculo, a seguir: Área do círculo = π x R2 A área da base da cisterna é, portanto: Área da base = 3,14 x (2,25m)2 Área da base = 15,9m2 Para calcular a quantidade de malha necessária para a base da cisterna, acrescenta-se 30 centímetros de raio para que haja sobra de malha no entorno da base para amarrar com a malha das paredes. Sendo assim, tem-se: Malha da base = π x (R + 0,30m)2 Malha da base = 3,14 x (2,25m + 0,30m)2 Malha da base = 20,4m2 Para a tampa, a malha tem que ter um raio 20 centímetros maior do que o da cisterna, para que seja possível molda-la em forma arredondada. Sendo assim, a área da tampa é a seguinte: Área da tampa = 3,14 x (2,25 + 0,20)2 Área da tampa = 18,85m2 Areia e Cimento: Para calcular a quantidade de areia e cimento necessárias para a construção, considera-se a proporção dois para um, duas latas de areia para uma lata de cimento. Cada saco de cimento é suficiente para fazer aproximadamente 2,5 metros quadrados de cisterna. Sendo assim, dividindo-se a quantidade de metros quadrados total da cisterna por 2,5, tem-se a quantidade de sacos necessários. Para as cisternas do estudo, calculou-se: Sacos de cimento = Área total/2,5m2 Considerando: Área total = Área da base + área da tampa + área lateral Área total = 15,9m2 + 18,85m2 + 28,26m2 Área total = 63m2 Sendo assim: Sacos de cimento = 63m2/2,5m2 Sacos de cimento = 25,2 Foram necessários pouco mais de 25 sacos de cimento para construir a cisterna. Considerando que para cada saco de cimento são necessárias em torno de cinco latas (18/20 litros) de areia, calcula-se a quantidade de areia necessária: Latas de areia = 5 x sacos de cimento Latas de areia = 5 x 25,2 Latas de areira = 126 A quantidade de areia utilizada para cada cisterna foi de aproximadamente 126 latas. Além disso, ainda foram necessários outros materiais, tais como: tela de ferro e tela de plástico na mesma quantidade que a malha de ferro, arame queimado, varas de bambu, tubos e conexões, bomba submersa, entre outros constantes no orçamento apresentado na Tabela 1. Tabela 1 – Orçamento para construção de uma cisterna com capacidade para 30.000 litros com assessoria do CETAP. m 1 Materiais para construção de uma cisterna de ferro cimento: Valor Valor Descrição Unidade Quantidade Unitário Total Cimento sacos 26 19,47 506,22 2 Brita Média 3 Areia média (peneirada) Ite 4 5 6 7 8 9 Malha de ferro 4,2'' (soldada15x15cm) Tela de metal ½ polegada 1,0m (Altura) Tela de plástico ½ polegada 1,0m (Altura) Arame recozido 0,18 Varas de bambu 2,5 m de comprimento Tampa para cisterna de zinco m3 latas ou 1 39,00 39,00 126 ou 3 71,00 213,00 m2 63 7,34 462,42 m2 50 5,50 275,00 m2 50 1,90 95,00 kg 8 7,41 59,28 un 40 0,00 0,00 un 1 60,00 60,00 m3 Sub-total de materiais de construção: 1.709,92 Material para tubulações, conexões e bomba submersa da cisterna: 10 11 12 13 Bomba submersa 127v Cola para PVC 175 gramas Registro PVC 40 mm Tubo PVC 40mm soldável (6m) un 1 136,00 136,00 un 1 5,83 5,83 un 1 18,15 18,15 un 1 31,45 31,45 14 Joelho PVC 90/40 mm un 1 2,06 2,06 15 Tubo PVC 200 mm (6m) un 1 165,17 165,17 16 Tubo PVC 150 mm m 1 14,12 14,12 17 Joelho PVC 200 mm un 2 66,68 133,36 18 Tampa para tubo 200mm un 1 61,67 61,67 19 T 200X150mm un 1 10,20 10,20 20 Redução 200x150mm un 1 24,02 24,02 Sub-total da bomba, tubulações e conexões: 602,03 Gastos com Assessoria, Alimentação, hospedagem e gastos eventuais: 21 22 Assessoria Cetap Alimentação, locomoção, dias 3 dias 3 hospedagem 23 Gastos eventuais Sub-total com Assessoria Cetap, Alimentação, locomoção, 250,00 750,00 100,00 300,00 hospedagem e gastos eventuais: VALOR TOTAL PARA CONTRUÇÃO DE CISTERNA DE 30.000 L FERRO CIMENTO 200,00 1.250,00 3.561,95 CONSTRUÇÃO Preparação do terreno Cada cisterna levou três dias para ficar pronta. Em ambas, o primeiro passo foi definir o local a construir, sendo que a e Dois Vizinhos foi construída superficialmente ao lado das salas de aula, aproveitando o telhado da escola, enquanto que a de Salgado Filho foi feita semienterrada, ao lado do ginásio da escola, aproveitando a grande área de telhado do mesmo. Os terrenos escolhidos foram preparados deixando-os o mais plano possível e sem pedras. Feito isto, foi desenhado no próprio solo um círculo do tamanho do fundo da cisterna. Para isto, bastou marcar um ponto no chão fixando um pedaço de ferro ou madeira mais ou menos no centro da base aplainada e, com uma corda ou barbante de 2,25 metros de comprimento (tamanho do raio da cisterna), delimitou-se a circunferência que demarcou o fundo da cisterna. A Figura 1 apresenta a preparação do terreno. Figura 1: Preparação do terreno para construção da cisterna no Colégio São Francisco do Bandeira em Dois Vizinhos. Base da Cisterna Antes de começar a fazer a base, foi instalado o cano para esgotar a água de dentro da cisterna. Para isso, abriu-se uma “valeta” a partir do ponto central da base até o lado escolhido para ser a saída da água. Nessa valeta foi encaixado o cano de PVC de 40mm e o joelho de PVC com entrada para dentro da cisterna. Com o cano já enterrado, colocou-se uma camada de brita sobre a base, cobrindo com massa na proporção 2 para 1, ou seja, duas latas de areia para cada lata de cimento. Feito isso, foi colocada uma malha de ferro soldado de espaçamento 15 x 15 e bitola 4,2mm sobre o cimento, cortando todas as sobras que passaram para além do círculo marcado no chão. Todas as pontas de ferro cortadas foram viradas para cima bem em cima do risco da circunferência. As Figuras 2 e 3 ilustram essa etapa. Figura 2 e 3: Construção da base da cisterna do Colégio São Francisco do Bandeira em Dois Vizinhos. Construção das Paredes Para montar a parede, primeiramente colocaram-se as duas malhas de ferro de 1 metro de altura e 14 metros de comprimento no chão amarrando uma na outra com arame recozido. Feito isto, colocou-se a tela de metal amarrando-a na malha, em vários pontos. Com o auxílio de várias pessoas levantou-se a malha de ferro, fechando-a em forma de círculo e colocando-a sobre a base, para dentro das pontas de ferro. Em seguida, amarraram-se de forma reforçada, de cima a baixo, as duas extremidades da malha, fechando-a e deixando um transpasse de uma sobre a outra de pelo menos 20 cm. Depois se amarrou a parede com o fundo em vários pontos. Nesta fase a cisterna começou a tomar seu formato como ilustra a Figura 4. Figura 4: Estrutura metálica da parede da cisterna da Escola Tiradentes em Salgado Filho. Com a armação das paredes preparadas iniciou-se a fase de revestimento com massa. Foram colocadas duas demãos pelo lado de fora e uma pelo lado de dentro, intercalando uma e outra e esperando um tempo entre cada demão para secar um pouco. As Figuras 5 e 6 ilustram a fase de revestimento das paredes. Figuras 5 e 6: Revestimento com massa das paredes da cisterna da Escola Tiradentes em Salgado Filho. Construção da Tampa Para fazer a armação da tampa foi recortado um círculo na malha de ferro com raio 20 centímetros maior que o raio da cisterna, deixando uma abertura de aproximadamente 50 x 50 centímetros no meio, que serve para inspeção da cisterna depois de pronta. Feito isso, amarrou-se a tela de plástico a essa malha, recortando a abertura no mesmo local. Depois de as paredes estarem bem secas, a armação da tampa foi erguida com a força de várias pessoas e colocada sobre a cisterna e, enquanto alguns, do lado de dentro da cisterna, escoravam a tampa com bambus para que ela ficasse mais alta no meio, formando uma abóbada, outros do lado de fora foram amarrando as extremidades da tampa com as extremidades das paredes. A Figura 8 apresenta a colocação da armação da tampa. Figura 8: Colocação da estrutura metálica da tampa da cisterna no Colégio São Francisco do Bandeira. Com a armação da tampa colocada, o próximo passo foi revesti-la com duas camadas (uma interna e uma externa) de massa. Depois de secas as paredes e tampa, bastou fazer o acabamento com um último reboco de massa fina por dentro e por fora e finalizar com o polimento, feito com uma esponja umedecida, como mostra a Figura 9. Figura 9: Polimento da cisterna da Escola Tiradentes, em Salgado Filho. O polimento é muito importante, pois ajuda evitar que fiquem falhas no reboco, evitando assim vazamentos. Depois de terminados o reboco e o polimento, esperou-se mais uns dias para tirar as varas de bambu que estavam escorando a tampa. Depois de pronta, a cisterna foi molhada todos os dias, durante uma semana, processo conhecido como cura, para evitar rachaduras. Para fechar a entrada deixada no topo da cisterna para inspeção e possível colocação de bomba hidráulica, foi feita sob encomenda uma tampa de zinco. A Figura 10 ilustra a cisterna pronta. Figura 10: Cisterna finalizada na Escola Tiradentes em Salgado Filho. Tubulação de Captação e Descarte da Água A captação da água da chuva das cisternas se deu através de telhados. Para calcular a quantidade de água possível de ser coletada em cada caso, considerou-se que para cada milímetro de chuva, é coletado um litro de água em cada metro quadrado de telhado. Sendo assim, tomando como exemplo a cisterna da Escola Tiradentes, para cada milímetro de chuva, serão coletados na cisterna 360 litros de água, visto que o telhado utilizado para coleta tem uma área de 360m2. Em nem um dos casos foi instalado sistema de tratamento e purificação da água, visto que ela não é utilizada para beber, foram criados, porém, sistemas simples para descarte da primeira água, que lava o telhado, carregando impurezas mais grosseiras. Para isso foi instalado, na saída de cada calha, um T de 200 mm com redução para 150 mm, apontada para baixo. Na ponta de 200 mm colocou-se um cano de PVC que leva a água para dentro da cisterna. Abaixo, na redução de 150 mm instalou-se um cano de, aproximadamente, 2 metros de comprimento com uma bola flutuante maior do que a redução de 150 mm, de modo que não consiga passar pela mesma. Na extremidade do cano foi encaixado um tampão. Quando chove, a primeira água da chuva desce pela redução do T até encher o cano de 150 mm e a bola trancar a redução. Depois disso, a água começa ir para dentro da cisterna. Após cada chuva o tampão é aberto para retirar a água suja que ficou no cano. As cisternas possuem ainda, um ladrão para descarte da água que extravasa o nível máximo e bombas submersas para retirar a água para ser utilizada. AVALIAÇÃO Para avaliar o funcionamento, a eficiência e a viabilidade sócio- ambiental das cisternas estudadas, foram realizadas entrevistas nos dois municípios, com as secretárias de educação de ambos e com os diretores das duas escolas onde as cisternas foram construídas. Todos avaliaram a experiência como positiva, tanto do ponto de vista educativo quanto da utilidade da cisterna em suprir a demanda de água das escolas durante todo o ano. As duas cisternas estão em pleno funcionamento e não apresentaram problemas estruturais, ao não ser por alguns pequenos trincos na de Dois Vizinhos, que foram reparados por um técnico, logo após a construção. As cisternas têm enchido facilmente com a chuva e ainda não chegaram a secar. Os diretores relataram que antes da implantação da cisterna houve épocas de estiagem em que faltou água, sendo que em alguns períodos críticos chegou a não ter água nem para beber, em ambas as escolas. A diretora do São Francisco do Bandeira lembrou de períodos em que os banheiros cheiravam mal e não havia como limpar. Já o diretor do Tiradentes relatou que, há três ou quatro anos atrás, houve épocas em que foi preciso mandar caminhões pipa trazer água da cidade para a escola. Os dois locais ainda não enfrentaram períodos de estiagem prolongados após a implantação das cisternas, sendo impossível se afirmar que a cisterna será suficiente para suprir a demanda por água das escolas nos períodos mais críticos. Entretanto, pelo fato de as cisternas nunca terem secado desde que instaladas, até mesmo depois de lavar a escola inteira, “de água jogada” como relatou uma funcionária do São Francisco do Bandeira, pode-se prever que mesmo que a estiagem seja prolongada, se houver um uso racional, a água da cisterna será o suficiente. Na Escola Tiradentes, a água da cisterna é utilizada para limpeza da escola e dos ônibus escolares e para as descargas e torneiras dos banheiros. Já no Colégio São Francisco do Bandeira, a água, por enquanto, é utilizada apenas para limpeza e irrigação do jardim, mas existe a intenção de direcioná-la também para os banheiros e para uma horta que está em construção nos fundos do Colégio. A cisterna auxiliou ainda, nas atividades educativas das Escolas e Colégio. Os alunos acompanharam na prática o processo de construção e, na teoria, os temas “água” e “preservação” foram trabalhados de forma multidisciplinar. Além disso, a Escola Tiradentes recebeu intercâmbio de outras escolas do município para conhecer a experiência. A implantação das cisternas beneficiou um grande número de pessoas. No Colégio São Francisco do Bandeira e Escola Nossa Senhora da Salette passam, diariamente, cerca de 300 a 400 pessoas, que são beneficiadas direta ou indiretamente pela água armazenada. Na Escola Tiradentes, alunos, professores e funcionários somam 115 pessoas, além disso, mais 30 famílias são beneficiadas indiretamente pela cisterna, pois o mesmo poço artesiano abastece a escola e a comunidade. Com a implantação da cisterna a escola passou a utilizar água do poço apenas nos bebedouros e na cozinha, sobrando mais água no poço para as famílias. Um dos objetivos do projeto, de gerar referências, em partes foi alcançado. Em Dois Vizinhos, a partir da experiência no Colégio São Francisco do Bandeira, já foram construídas mais três cisternas em escolas rurais, com incentivo da prefeitura, em parceria com empresas privadas do município. Em Salgado Filho, existe um projeto da secretaria de educação, que visa, entre outras coisas, construir cisternas em todas as escolas do município, inclusive nas do meio urbano. Um funcionário da escola também aderiu a ideia e implantou uma cisterna em sua UPVF, embora tenha utilizado caixa de fibra para armazenar a água. As duas cisternas já foram divulgadas na imprensa local, porém de forma limitada. A intenção agora é de realizar, com a participação dos alunos, a organização do espaço no entorno das cisternas e torná-las mais atrativas, com pinturas de conscientização ambiental, a fim de divulgá-las em meios de comunicação de maior abrangência, aumentando sua capacidade de causar impacto e gerar referências em maiores proporções. CONSIDERAÇÕES FINAIS A captação e utilização de água da chuva se mostrou uma alternativa interessante para usos não potáveis em áreas rurais aonde muitas vezes em decorrência de estiagens, chega a faltar água em alguns períodos do ano. A técnica de construção em ferro cimento é uma prática de baixo custo e fácil implantação e operação tornando-a mais acessível do que alternativas, tais como os poços artesianos. As vantagens das cisternas em relação aos poços artesianos são de cunho ambiental, econômico e social. Os poços artesianos, muito utilizados no meio rural, exigem tecnologias mais avançadas e mão de obra especializada além de necessitarem de licença ambiental para sua implantação, enquanto que as cisternas garantem mais autonomia ao agricultor ou usuário, podendo ser implantada por ele mesmo, com menor custo, sem necessidade de autorização perante o órgão ambiental e sem agressão direta ao meio ambiente. Esta inovação corrobora com as ações de preservação das minas naturais estabelecidas pelo projeto “Água e Qualidade de Vida” analisada em Perondi (2010) e que conseguiu preservar mais de duas mil fontes na região Sudoeste do Paraná e colaborou para consolidar a alternativa de convivência sustentável com os recursos do meio ambiente, frente à impossível solução dos poços artesianos para todos. A alternativa das cisternas, embora mais utilizada para suprir a escassez de água no meio rural, podem também ser uma alternativa para o meio urbano, no intuito de economizar água potável e evitar o desperdício de água tratada para fins que não exigem tamanha qualidade, tais como nos serviços de limpeza, jardins e nas descargas dos banheiros. Com base no exposto, acredita-se no potencial da utilização de cisternas não apenas para solucionar problemas isolados de escassez de água, mas também para ser introduzida em sistemas de gestão integrada de recursos hídricos, tanto no meio urbano como rural, transformando a iniciativa em política pública, com o objetivo de evitar a escassez, preservar os recursos hídricos, reduzir os custos com tratamento e distribuição de água potável, além de colaborar para a prevenção de enchentes, principalmente no meio urbano. REFERÊNCIAS BRAGA, B. et al. Introdução à engenharia ambiental. 2. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005. 318 p. CETAP, Centro de Tecnologias Alternativas Populares. Aprendendo a Construir: cisternas em ferro-cimento. Passo Fundo: Meia Dois Comunicação, 2008. 21p. DAMBROS, T. C. Análise do desempenho de uma cisterna de aproveitamento de água de chuva no município de Francisco Beltrão (PR). 2007. 71 f. Monografia (Graduação) – Curso de Engenharia Ambiental, Universidade Estadual do Centro-Oeste, Irati, Paraná, 2007. PERONDI, M.A.; DUQUE, G.; PIRAUX, M.; KIYOTA, N.; DINIZ, P.C.O.; NUNES, S.P. Gestão social de águas: análise comparativa entre a experiência do Pólo Sindical da Borborema (PB) e Associação do Centro de Educação Sindical (PR). In: Seminário Inovação, Poder e Desenvolvimento em Áreas Rurais do Brasil, 2010, Campina Grande. Resumos executivos... Porto Alegre: UFRGS/PGDR, 2010. Disponível em: http://www6.ufrgs.br/pgdr/ipode/resumos/resumo_04.pdf. Acesso em: 14 maio 2010. 08h01min:30 TRIVIÑOS, A.N.S. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2008.