Poder Judiciário Tribunal Regional Federal da 5ª Região Gabinete do Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho ACR 4767/PE (2003.83.00.012435-8) APTE : LUCAS DO ESPÍRITO SANTOS FILHO DEF. DATIVO : KARINA BARRETTO SCHNARNDORF APTE : ADEMIR ROSA DE LIMA ADV/PROC : CLAUDIONOR MORAIS DA SILVA APDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ORIGEM : 4ª Vara Federal de Pernambuco (Privativa em Matéria Penal) RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR SOUZA CARVALHO (Relatório) O Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho: Apelações criminais manejadas por Lucas do Espírito Santo Filho e Ademir Rosa de Lima, em contrariedade à sentença da lavra do MM Juiz Federal da 4ª da Seção Judiciária de Pernambuco, proferida nos autos da ação criminal nº 2003.83.00.012435-8, instaurada no fito de esquadrinhar o crime de tentativa de estelionato (art. 171, § 3º). Conforme a denúncia, os apelantes, no dia 28 de abril de 2003, juntamente com os co-réus Valdir Gomes da Silva, Adilson Miguel de Oliveira, Manoel Bezerra da Silva e Luiz Fabiano Gouveia, sacaram, mediante uso de documentos falsificados, o saldo de FGTS depositado em nome do co-réu Manoel Bezerra da Silva, no valor de vinte mil setecentos e noventa reais. Consta, outrossim, que, após o saque, mas ainda no interior da agência, Manoel Bezerra da Silva e Lucas do Espírito Santo Filho foram questionados sobre a documentação falsa utilizada, vindo a confessar que, do lado de fora, havia três pessoas esperando para receberem suas quotas do montante ilícito. Entrementes, foram todos presos em flagrante. O veredicto acolheu a vestibular acusatória, f. 494-506, condenando o acusado Lucas do Espírito Santo à pena de um ano de reclusão, substituída por duas restritivas de direitos, e pena de multa de trinta dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos. Por seu turno, o réu Ademir Rosa de Lima foi condenado à pena de dois anos e quatro meses de reclusão, não substituída por restritivas de direitos, à míngua das condições necessárias, além de pena pecuniária de noventa dias-multa, em valor unitário idêntico ao cominado ao primeiro réu. Lucas do Espírito Santo Filho, nas suas razões de apelo, f. 573-580, aduz não haver agido com dolo, porquanto os valores auferidos pelo co-réu Manoel Bezerra da Silva a título de saque do FGTS eram realmente devidos, em razão de sua aposentadoria, inexistindo, pois qualquer prejuízo ao órgão gestor. Nesse passo, clama pela absolvição. De outra banda, o recorrente Ademir Rosa de Lima insta pela anulação da sentença recorrida, f. 520-523, alegando ter sido vítima de flagrante preparado pelos funcionários da Caixa Econômica Federal. Aduz, ainda, que tudo não passara de armação política. Alfim, pugna também pela redução da pena. Contra-razões apresentadas, f. 585-592 e 593-602. ACR 4767/PE AMPDC/AADCL Pág. 1 Poder Judiciário Tribunal Regional Federal da 5ª Região Gabinete do Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho Subiram os autos a esta instância revisora, donde foram ao custo legis, que opinou pelo desprovimento de ambas as inconformidades, f. 616-625. É o relatório. Encaminhar o feito ao Douto Revisor, para os fins do art. 222 do RITRF-5ª Região. ACR 4767/PE AMPDC/AADCL Pág. 2 Poder Judiciário Tribunal Regional Federal da 5ª Região Gabinete do Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho ACR 4767/PE (2003.83.00.012435-8) APTE : LUCAS DO ESPÍRITO SANTOS FILHO DEF. DATIVO : KARINA BARRETTO SCHNARNDORF APTE : ADEMIR ROSA DE LIMA ADV/PROC : CLAUDIONOR MORAIS DA SILVA APDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ORIGEM : 4ª Vara Federal de Pernambuco (Privativa em Matéria Penal) RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR SOUZA CARVALHO (Voto) O Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho: A sentença recorrida não merece reforma, porquanto restam estreme de dúvidas a autoria e a materialidade do crime de tentativa de estelionato perquirido. Deveras, o harmônico conjunto probatório coligido aos autos evidencia que os ora recorrentes, Lucas do Espírito Santos Filho e Ademir Rosa de Lima, mais os co-réus Valdir Gomes da Silva, Adilson Miguel de Oliveira, Manoel Bezerra da Silva e Luiz Fabiano Gouveia, perseguiram voluntariamente o resultado vedado pela norma penal, elaborando engenhoso estratagema visando ao saque do saldo de FGTS depositado em nome do co-réu Manoel Bezerra da Silva, no valor de vinte mil setecentos e noventa reais. Dirigiram-se, então, no dia 28 de abril de 2003, por volta do meio-dia, à agência da Caixa Econômica Federal no bairro da Encruzilhada, nesta Capital, onde, portando documentos médicos previamente falsificados, adentraram Lucas do Espírito Santo Filho e Manoel Bezerra da Silva, juntamente com sua esposa. O crime somente não chegou a se exaurir porque a vigilância da instituição bancária, ciente de que vinham ocorrendo dezenas de saques fraudulentos com base no mesmo tipo de laudo falso, uma vez que a clínica supostamente responsável pela emissão já havia advertido a CEF acerca das falsidades, abordou Manoel Bezerra da Silva, logo após o saque, mas ainda no interior da agência, indagando-o sobre a documentação contrafeita. Neste ínterim, o réu respondeu que existiam mais três pessoas do lado de fora aguardando para dividirem o produto do crime, justamente Ademir Rosa de Lima, Valdir Gomes da Silva e Adilson Miguel de Oliveira, entrementes, todos receberam voz de prisão em flagrante. Fácil inferir, por conseguinte, que os fatos, tal qual narrados na denúncia e confirmados na instrução processual, elucidam cabalmente a prática do crime de estelionato em sua forma tentada, à medida que os réus foram surpreendidos logo após o saque, mas a transferência de propriedade não chegou a se efetuar em sua inteireza, por circunstâncias alheias às vontades dos agentes, já que os réus foram presos em flagrante, alguns ainda dentro da agência bancária. Mais fácil ainda perceber que a hipótese não retrata o que doutrina e jurisprudência vêm denominando de flagrante preparado ou provocado, que se dá quando um agente provocador induz ou instiga alguém a cometer uma infração penal, somente para assim poder prendê-la (NUCCI, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal Comentado, editora Revista dos Tribunais, 5ª ACR 4767/PE AMPDC/AADCL Pág. 3 Poder Judiciário Tribunal Regional Federal da 5ª Região Gabinete do Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho edição, SP, 2006, p. 302), não reclamando, portanto, a aplicação do enunciado da Súmula 145 do c. STF, cuja epítome orienta que não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. Ninguém há de admitir que a Caixa Econômica Federal tenha, de qualquer maneira, contribuído para a prática do crime, tampouco açulado os réus a praticá-lo. O que ocorreu foi que, munida da informação da reiterada prática de crimes semelhantes, a segurança da CEF tão-somente aguardou o desfecho do ato ilícito, prendendo os agentes em seguida. O caso, portanto, ajusta-se perfeitamente ao chamado flagrante esperado, em que não há agente provocador, mas simplesmente chega à polícia a notícia de que um crime será, em breve, cometido. Deslocando agentes para o local, aguarda-se a sua ocorrência, que pode ou não se dar da forma como a notícia foi transmitida. Logo, é viável a sua consumação, pois a polícia não detém certeza absoluta quanto ao local, nem tampouco controla a ação do agente criminoso (NUCCI, Guilherme de Souza, op. cit., p. 303). A propósito, colho do vasto repertório jurisprudencial sobre a matéria, precedente do c. TRF-2ª Região, a consignar, em termos até didático, que a distinção entre flagrante preparado e flagrante esperado é bastante delineada. O primeiro – flagrante preparado – é aquele em que o agente é induzido à prática do crime por agente provocador, que tanto pode ser a autoridade policial como terceiros. O traço marcante desta situação de flagrante é a iniciativa da conduta delituosa que, por ser na verdade um simulacro do delito, não cabe na realidade ao sujeito ativo, mas sim ao agente provocador. Totalmente diferente é o flagrante esperado, situação na qual a iniciativa do delito é toda do sujeito ativo, que adota a conduta no sentido de praticá-lo, mas é surpreendido ou interrompido pela autoridade ou por terceiros, que logram efetuar a prisão em flagrante, na forma do art. 301 do CPP (ACR 3733/RJ, des. Abel Gomes, decisão unânime da Primeira Turma Especializada, em 06 de abril de 2005, p. 377). Por outro lado, também se mostra perfeitamente delineado o dolo com que se determinaram os agentes. Particularmente, no que diz respeito ao apelante Lucas do Espírito Santo, impende registrar haver confessado em seu interrogatório, f. 160-161, que, não obstante ter agido no intuito de ajudar seu amigo Manoel Bezerra da Silva, com problemas financeiros e de saúde, assumiu o risco de produzir o resultado, donde restar caracterizado, pelo menos, o dolo eventual em sua conduta. Assim, confessou que apesar de desconfiado da ilegalidade do levantamento a situação de Manoel Bezerra da Silva era tão desesperadora que falia apenas (sic.) correr o risco, f. 161. Foi, ademais, um dos que adentraram à agência e, efetivamente, praticaram o crime tentado, ao sacar os valores indevidos. Ademir Rosa de Lima, por seu turno, aguardava sua quota parte no estacionamento. Fora ele quem contactara o co-réu Luiz Fabiano Gouveia, ex-funcionário da CEF que ficara encarregado de receber a documentação falsa e dar andamento ao processo de liberação do FGTS de Manoel Bezerra da Silva. Era tido por influente pelos confrades de atividade criminosa, porquanto é político no Município de Paulista, neste Estado. Embora Ademir Rosa de Lima tenha procurado negar em juízo todas as acusações, inclusive as afirmações feitas perante a autoridade policial, o co-réu Lucas do Espírito santo Filho confirmou seu papel de destaque no grupo, ao asseverar (sic., f. 160) que enfrente a ACR 4767/PE AMPDC/AADCL Pág. 4 Poder Judiciário Tribunal Regional Federal da 5ª Região Gabinete do Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho agência encontrou os também acusados Valdir e Ademir Rosa de Lima, com Adilson Miguel de Oliveira e por Ademir foi determinado que ele depoente e Manoel Bezerra da Silva fossem a agência receber o dinheiro; que ele depoente ainda mostrou receio de uma bronca, mas Ademir Rosa de Lima; que prestou depoimento nesta data, disse ao depoente que “estava tudo limpo” e que a pessoa da CEF já havia preparado tudo, que não haveria problema (...). No mesmo passo, o depoimento de Manoel Bezerra da Silva também o incrimina, ao afirmar (sic., f. 217) que nada sabe sobre a certidão falsa da clínica de que fala a denúncia e teria sido providenciada por Ademir Rosa de Lima; que foi combinado que ele depoente daria a Ademir Rosa de Lima 40% (quarenta por cento) do total que recebesse; que quando na agência da CEF perguntaram se ele tinha uma doença maligna ele que desconhecia o laudo médico providenciado por Ademir Rosa de Lima, disse que não, pois efetivamente não tinha (...). Há notícia, inclusive, de que Ademir Rosa de Lima tentou subornar o gerente de segurança Saulo Pessoa Batista dos Santos. É o que afirma a testemunha Eduardo Campelo de Morais (sic., f. 302), ao atroar que Ademir tentou subornar o Sr. Saulo para que todos fossem liberados oferecendo a quantia de R$ 6.000,00; que quem assistiu a tentativa de suborno da parte de Ademir foi ele depoente e um policial civil que estava na agência na ocasião, não sabendo ele depoente se era policial federal ou estadual; que Ademir chamou Sulo para um canto da sala e lhe propôs que não fizesse aquilo com ele Ademir pois estava candidato e aquela situação iria prejudicá-lo; que foi então que Saulo solicitou ao policial que algemasse Ademir (...). Conseqüentemente, cai por terra a tese de inexistência de dolo, apresentada pelo recorrente Lucas do Espírito Santo Filho, ao argumento de que o levantamento do FGTS seria devido, em razão da aposentadoria de Manoel Bezerra da Silva. A verdade real que ressai dos autos é a da existência de inequívoco concurso de vontades para induzir a Caixa Econômica Federal em erro, através a liberação de recursos mediante a utilização de documentos falsos. Por derradeiro, nada também há de ser alterado no pertinente à dosimetria da pena. O réu Lucas do Espírito Santos Filho teve sua reprimenda cominada no patamar mínimo de um ano de reclusão. A causa de diminuição da tentativa (CP, art. 14, inciso II) foi corretamente compensada com a causa de aumento prevista no art. 171, § 3º, do CP, cabível contra a Caixa Econômica Federal, visto ser instituto de economia popular, à luz da jurisprudência desta Corte Regional (ACR 5126, des. Cesar Carvalho [Convocado], decisão unânime da Primeira Turma, em 31 de janeiro de 2008). Outrossim, o recorrente Ademir Rosa de Lima teve sua pena-base corretamente exacerbada do mínimo legal, em razão do elevado grau de censura com que se portou, já delineado supra. Sua culpabilidade foi extrema, pois foi responsável intelectual e material pelo crime ora sancionado. Sua personalidade é marcadamente voltada para o crime, sendo um dos maus exemplos da política nacional. Conseqüentemente, entendo justa a fixação da pena-base em dois anos e quatro meses de reclusão. Da mesma forma, a causa de diminuição da tentativa foi compensada com a causa de aumento prevista no art. 171, § 3º, do CP. ACR 4767/PE AMPDC/AADCL Pág. 5 Poder Judiciário Tribunal Regional Federal da 5ª Região Gabinete do Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho Por fim, mostra-se igualmente correta a não substituição da sanção privativa de liberdade por restritivas de direitos, sequer a suspensão condicional da pena, à míngua das condições subjetivas para tanto (CP, art. 44, inciso III, c/c. art. 77, inciso II). Forte nessas considerações, nego provimento aos apelos, para manter incólume o veredicto condenatório. Após o trânsito em julgado, registrem-se os nomes dos réus no rol do culpados. Observem-se as anotações e comunicações de praxe. É como voto. ACR 4767/PE AMPDC/AADCL Pág. 6 Poder Judiciário Tribunal Regional Federal da 5ª Região Gabinete do Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho ACR 4767/PE (2003.83.00.012435-8) APTE : LUCAS DO ESPÍRITO SANTOS FILHO DEF. DATIVO : KARINA BARRETTO SCHNARNDORF APTE : ADEMIR ROSA DE LIMA ADV/PROC : CLAUDIONOR MORAIS DA SILVA APDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ORIGEM : 4ª Vara Federal de Pernambuco (Privativa em Matéria Penal) RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR SOUZA CARVALHO (Ementa) Penal e processual penal. Apelações. Tentativa de Estelionato contra a Caixa Econômica Federal (CP, art. 171, § 3º). Prisão dos agentes ainda no cenário da agência bancária. Flagrante esperado. Autoria e materialidade incontestes. Dosimetria irretocável. Manutenção do veredicto condenatório. O robusto conjunto probatório comprova a prática tentada do crime de estelionato esquadrinhado, restando estreme de dúvidas que os réus, livres e conscientemente, perseguiram o resultado vedado pela norma, ao tentarem sacar indevidamente valores do FGTS, utilizando-se de documentos médicos previamente falsificados. Crime que apenas não se exauriu em razão de circunstâncias alheias às vontades dos agentes, porquanto a segurança da CEF, ciente de que estavam ocorrendo vários crimes com o mesmo modus operandi, logrou frustrar a consumação logo após o saque, ainda dentro da agência. Ocorrência de flagrante esperado, não de flagrante preparado, visto ser inadmissível que a Caixa Econômica Federal tenha, de qualquer maneira, contribuído para a prática do crime, tampouco açulado os réus a praticá-lo. O que ocorreu foi que, munida da informação da reiterada prática de crimes semelhantes, a segurança da CEF tão-somente aguardou o desfecho do ato ilícito, prendendo os agentes em seguida. Dosimetria da pena elaborada em estrita consonância com o sistema trifásico albergado no diploma substantivo criminal, compensando-se a causa de diminuição da tentativa com a causa de aumento prevista no art. 171, § 3º do CP, cabível contra a CEF, visto ser instituto de economia popular, à luz da jurisprudência desta Corte Regional (ACR 5126, des. Cesar Carvalho [Convocado], decisão unânime da Primeira Turma, em 31 de janeiro de 2008). Apelações desprovidas. ACR 4767/PE AMPDC/AADCL Pág. 7 Poder Judiciário Tribunal Regional Federal da 5ª Região Gabinete do Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho (Acórdão) Vistos, etc. Decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas constantes dos autos. Recife (PE), 11 de setembro de 2008. (Data do julgamento) Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho Relator ACR 4767/PE AMPDC/AADCL Pág. 8