III - O CENÁRIO: O BAIRRO JARDIM MIRIAM E A ESCOLA ANTONIO SAMPAIO DÓRIA. Foto 7: Visão do bairro a partir da quadra da escola. A escola municipal Antonio Sampaio Dória está localizada no bairro do Jardim Miriam, um dos bairros que compõem o distrito de Cidade Ademar, zona sul de São Paulo. Os bairros da Cidade Ademar encontram-se ligados pelas Av. Cupecê, Av. Washington Luís, Av. Yervant Kissajikian, Estrada do Alvarenga e Av. Alda, sendo que esta última está localizada no bairro do Jd. Miriam e faz divisa com o município de Diadema. As avenidas Cupecê e Yervant Kissajikian são os dois caminhos utilizados pela população local que se dirige para a região do ABC ou para a região central de São Paulo. 39 Extensa, a Avenida Cupecê é a principal via de transporte utilizada pelos moradores do Jardim Miriam e dos outros bairros da região. Ela tem início na divisa de São Paulo com Diadema e segue próximo até à muito Avenida Washington Luís. Tratase de uma importante via de acesso para as estações do metrô, para a Marginal Pinheiros, para os shoppings centers mais próximos (Interlagos, Market Place e Morumbi), para a Foto 8: vista parcial do bairro Jd. Miriam. Avenida Santo Amaro e para a Rodovia dos Imigrantes. Para os moradores dos bairros que crescem ao seu redor, a Avenida Cupecê é um importante ponto comercial, de negócios e de lazer. Ao longo da avenida, agências bancárias, igrejas, casas do norte, lojas de todos os gêneros, posto do TRE (Tribunal Regional Eleitoral), o Parque Nabuco, pequenas e grandes lanchonetes (como o Habib´s, na altura do Jd. Miriam), academias de ginástica, cursos de computação e casas de umbanda atraem os moradores de todos os “pedaços” da região, sendo palco de comemorações cívicas, desfile das escolas de samba G.R. Flor de Liz e G.R. Cidade Ademar, além de palanque para políticos. A exemplo do que é visto nas regiões centrais da cidade, a avenida Cupecê apresenta hoje um número significativo de moradores de rua e o número de pedintes tem crescido, assim como as barraquinhas de camelôs. A avenida Yervant Kissajikian liga o bairro do Jardim Miriam à Avenida Interlagos e seu comércio popular chama a atenção do observador que não está acostumado com a paisagem local. Cercada por favelas e autoconstruções, essa avenida1, tem como forte característica suas inúmeras lojinhas, oficinas mecânicas e 1 Dados apontados pela subprefeitura de Cidade Ademar mostram que a região tem 198 favelas, o correspondente a cerca de 10% das 2.018 do município de São Paulo. Dos 370 mil habitantes da região, 77,5 mil residem nas favelas – os cálculos atualizados da subprefeitura já elevam o número total de moradores a 400 mil (fonte: Subprefeitura de Cidade Ademar). 40 lojas de autopeças, açougues, chaveiros, bazares, mercados, sacolões e lojas de móveis, CD e cosméticos, que acabam tomando as próprias calçadas com cartazes de promoções, disputando o espaço com pedestres e camelôs que vendem toda espécie de quinquilharias: cigarros, perfumes, roupas, panelas, presilhas, churrasco, etc. Com exceção do Centro de Educação Unificado Alvarenga, a região de Cidade Ademar carece de serviços públicos, como quadras poliesportivas, bibliotecas públicas, clubes ou espaços públicos que ofereçam possibilidade de diversão nos momentos de tempo livre, por isso o lazer nestes bairros deve ser observado a partir da lógica e prática cotidiana dos próprios moradores, e não apenas dos equipamentos disponibilizados pelo poder público àquela população. Durante as festas juninas, é comum observar moradores se organizando, fechando, decorando as ruas e até mesmo montando palcos para apresentações musicais e de danças (pude acompanhar essa movimentação durante a época das festas juninas e nas comemorações da Copa do Mundo de futebol de 2006); muitas vezes, tudo é realizado com a contribuição arrecadada entre os próprios moradores. Nos finais de semana, as ruas são muito movimentadas e é comum observar a população se distrair com o jogo de sinuca e dominó nos botecos; com as partidas de futebol ou vôlei que, improvisadas na rua, dificultam a passagem dos carros; com pipas empinadas do alto das lajes ou, simplesmente, com o som alto dos carros e o vai-e–vem das motos que circulam entre os portões das escolas e das lanchonetes. Além da praça da feira livre localizada no bairro de Cidade Ademar (que desde 2003 abriga um “brinquedão” e uma pista de skate) e das disputadas quadras do Parque Nabuco que atraem a população jovem de toda a região, a ruas são apropriadas diariamente pelas crianças, que se divertem seguindo os ciclos de brincadeiras. Foto 9: Uma das muitas lojinhas de doces e brinquedos localizadas próximas à escola EMEF Antonio Sampaio Dória. 41 As escolas têm grande expressão na vida cotidiana dessas pessoas: em seus portões, a maioria das mães conversa e troca informações durante a entrada e saída de seus filhos, os adolescentes paqueram durante a semana e jogam futebol nas quadras que são disputadas, sobretudo, nos finais de semana pela população. Ilustração2: mapa da região de Cidade Ademar .Fonte: Google Map. 42 Ilustração 3: Vista do bairro do Jardim Miriam (Fonte: Google Earth). 43 3.1- A ESCOLA Foto 10: Fachada e portão de entrada da EMEF Antonio Sampaio Dória. A EMEF Antonio Sampaio Dória está em funcionamento desde novembro de 1967 e, atualmente, em função da grande demanda por vagas, funciona em quatro períodos (o primeiro turno das 6h50 as 10h50, o segundo das 10h55 as 14h55, o terceiro das 15h00 as 19h00 e o quarto das 19h5 as 23h05 horas). Dentro desta grade horária, os alunos do Ensino Fundamental I (ciclos I e II) se concentram nos dois primeiros turnos e os alunos do Ensino Fundamental II nos terceiros e quartos turnos. A maioria dos alunos reside próxima a esta unidade de ensino, mas existe uma parcela significativa composta por moradores de outros bairros da região2 que é atendida pelo T.E.G. (Transporte Escolar Gratuito oferecido pela Secretaria Municipal Educação). A EMEF Antonio Sampaio Dória divide com a EMEI Professor Alexandre Correia o terreno da Praça Tito Pacheco. A EMEF possui três pavimentos com salas de 2 Fonte: Projeto Pedagógico da EMEF Antonio Sampaio Dória (2007). 44 aula, sendo um anexo e outro o prédio principal com dois andares. No térreo do prédio principal, além da cozinha e do pátio interno, onde estão o palco e as mesas em que são servidas as refeições às crianças, há um total de cinco salas (destinadas à secretaria, à direção, à coordenação pedagógica, ao uso dos professores e ao depósito de materiais). Além disso, encontram-se ali quatro banheiros, dois destinados aos professores e dois aos alunos. No anexo, espaço no qual, até o final do ano de 2006, funcionavam duas “salas de latinha” (as salas de aula improvisadas em containers construídos com chapas de metal), estão cinco salas de aula, uma pequena sala destinada às atividades de reforço pedagógico e outra destinada a S.A.P. (Sala de Apoio Pedagógico). No primeiro andar do prédio há cinco salas de aula, uma sala de informática educativa e uma pequena sala de educação física. No segundo andar há mais cinco salas de aula, uma sala de leitura, uma pequena sala de acervo de livros e uma outra destinada ao arquivo morto. Dentre os principais problemas apontados pela equipe pedagógica, está a ausência de professores eventuais em todos os turnos; a necessidade de um número maior de funcionários para limpeza e o atendimento insuficiente da guarda civil metropolitana (já que alunos e professores já foram assaltados no estacionamento da escola e, durante a festa junina de 2007, aberta à comunidade, um visitante chegou a atirar com uma arma de fogo). Soma-se a esses problemas, que foram apontados no Projeto Pedagógico da unidade escolar, a necessidade de uma reforma que incluiria a substituição de todo sistema hidráulico que apresenta vazamentos constantes e infiltrações; construção de rampas e banheiros adaptados para deficientes; a construção de sala de reunião e a cobertura de uma das quadras. Apesar de não constar no Projeto Político da unidade, a ausência de materiais, tempo e espaços reservados às brincadeiras das crianças são apontados nas falas dos professores e da coordenação da escola. Quando questionados sobre os momentos e espaços da escola que são dedicados às brincadeiras das crianças, a professora Mila, de Geografia, nos disse o seguinte: “— Por ser uma escola enorme, não dispõe de espaços para brincadeiras. Por exemplo, só quem habitualmente usa a quadra é o professor de Educação Física. Não 45 temos salas, pátios disponíveis... nem tempo. Escola com quatro períodos é complicado!” Segundo a coordenadora pedagógica Maurien, os alunos do primeiro ciclo, que têm entre seis e sete anos, possuem semanalmente duas aulas de educação física, sendo que desde julho de 2007 essas mesmas crianças também utilizam o parquinho da EMEI Professor Alexandre Correia uma vez por semana. “— A idéia era fazer o parque aqui, perto das quadras, mas é inviável porque parece que a comunidade estragou até mesmo as mesinhas...”, nos diz Maurien. A carência de áreas livres a que se refere o grupo de professores é agravada pela compartimentação dos espaços físicos. O espaço externo, sob a alegação de manter a segurança das crianças, está compartimentado em quatro áreas separadas por muros e portões: a área onde estão localizadas duas quadras esportivas, o estacionamento, o hall de entrada (onde se dá a entrada e a saída dos alunos) e o pátio (a maior área livre, onde as crianças brincam durante o recreio e as aulas vagas). Mas a área ocupada pela escola ainda dispõe de espaços que não são aproveitados e se encontram inacessíveis ao público escolar a maior parte do tempo; é o caso das áreas próximas as duas quadras, locais que até o ano de 2003 apresentavam cerca de quatro mesinhas e bancos de cimento, mas, atualmente, é uma área ociosa, onde se observa o mato crescer. No ano de 2006, o pátio externo foi temporariamente “ampliado”, já que duas “salas de latinha” foram demolidas e os dois grandes quadrados que sobraram no chão passaram a ser utilizados pelos meninos como “campinhos” de futebol, momento este em que a bolinha era improvisada com uma caixinha de suco amassada, uma casca de melancia ou mesmo papel amassado e fita isolante. Aliás, o brinquedo quase sempre depende de uma improvisação rápida, porque não há muito tempo entre o sinal que toca dando início ao recreio e o que avisa que já é hora de voltar para a fila e se dirigir para a sala de aula. É tudo muito rápido: num instante um papelão lançado ao ar vira bumerangue para um grupo de três meninos, algumas meninas pulam a amarelinha e um menino faz um balão com um saco plástico, enquanto a grande maioria corre freneticamente de um canto ao outro do pátio, ainda com o lanche, oferecido pela escola, nas mãos. Em geral, poucos realmente se sentam para lanchar, preferem aproveitar os vinte minutos fora da sala de aula em brincadeiras, nas rodas de conversa e 46 correndo muito, livremente, pelo pouco espaço “bom para correr” que a escola ainda oferece. Com a reforma realizada em 2007, reduziu-se a área disponível às brincadeiras e, assim, os alunos perderam “os dois campinhos de futebol” improvisados no espaço onde hoje estão mais duas salas de aula. Por outro lado, o pátio externo ganhou uma cobertura, o que resolve (pelo menos parcialmente) os problemas antes observados nos dias de chuva, quando as crianças permaneciam restritas ao pátio interno da escola e o barulho chegava a níveis insuportáveis, principalmente quando se ouvia o sinal que anunciava o fim do recreio. 47