SUPERAÇÃO DA POBREZA VERSÃO PRELIMINAR Dezembro de 2014 Superação da Pobreza SUMÁRIO 1- APRESENTAÇÃO ........................................................................................................... 6 2- INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 8 2 3- ARTIGOS ....................................................................................................................... 9 3.1. Juventude e população: desafios, aspirações e realizações (MARCELO NERI – SAE/PR) .................................................................................. 9 3.2. Políticas de Desenvolvimento Social e seu Papel no Combate à Fome e Pobreza: Revisitando o Passado Para Pensar a Agenda do Futuro (PAULO JANNUZI – MDS) ................................................................................... 18 3.3. Bem estar, desigualdade e evolução da pobreza extrema por grupos etários (1990 – 2012) (RAFAEL OSORIO – SAE/PR) ............................................................................... 39 3.4. Evolução do bem-estar social entre as regiões brasileiras e a idéia de um programa para resultados (FLAVIO ATALIBA – IPECE) .................................................................................. 45 3.5. O Plano Brasil sem Miséria: Características e Resultados (TIAGO FALCÃO E PATRÍCIA VIEIRA – MDS) ...................................................... 54 4. DEBATE EM ORDEM CRONOLÓGICA.......................................................................... 80 2 Superação da Pobreza ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES ARTIGO 1 – MARCELO CORTES NÉRI GRÁFICO 1 – Evolução da População Jovem de 15 a 29 anos: Mundo – 1950 a 2100..........10 GRÁFICO 2 – Evolução da Taxa de Mortalidade entre Jovens de 15 a 29 anos.....................11 FIGURA 1 – Porcentagem de Adolescentes de 15 a 17 anos que já são Mães nos Municípios Brasileiros..............................................................................................................................11 GRÁFICO 3 – Taxa de fecundidade: mulheres entre 15 e 19 anos.........................................12 TABELA 1 – Felicidade futura 2006 a 2012: satisfação com a vida em 5 anos – 2011 a 2017.......................................................................................................................................13 TABELA 2 – Prioridade dos jovens vis-à-vis não jovens meu mundo.....................................14 GRÁFICO 4 – Evolução da porcentagem dos jovens que não frequentam a escola, nem trabalham e não frequentam a escola e nem trabalham......................................................16 ARTIGO 2 - PAULO DE MARTINO JANNUZZI FIGURA 1 - Programas de desenvolvimento social e o Sistema de Proteção Social..............27 GRÁFICO 1 - Evolução da extrema pobreza (monetária) por segmentos populacionais. Brasil, 1990 e 2012...............................................................................................................................32 3 3 GRÁFICO 2 - Evolução da pobreza multidimensional. Brasil, 2004 a 2012.......................................................................................................................................33 ARTIGO 3 - RAFAEL GUERREIRO OSÓRIO GRÁFICO 1 – Diferença na renda média em R$ (set/out. 2012) por milésimo da população..............................................................................................................................39 4 GRÁFICO 2 – Taxa de pobreza externa (em % - R$ 70 jun. 2011) por ano.........................................................................................................................................40 GRÁFICO 3 – Distribuição cumulativa da renda por distribuição cumulativa da população..............................................................................................................................41 GRÁFICO 4 – Fração das outras rendas (V1273) por centésimo da renda familiar per capta......................................................................................................................................42 ARTIGO 4 - FLÁVIO ATALIBA GRÁFICO 1 – Desigualdade de renda: índice de Gini.............................................................46 FIGURA 1 – Bem-estar social de Sen (1977)..........................................................................48 FIGURA 2 – Bem-estar social de Kakwani (2008)...................................................................49 TABELA 1 – Bem-estar social de Kakwani (2008)...................................................................50 TABELA 2 – Participação da renda salarial.............................................................................51 4 ARTIGO 5 - TIAGO FALCÃO E PATRÍCIA VIEIRA DA COSTA FIGURA 1 – Os três eixos do plano Brasil sem Miséria..........................................................57 GRÁFICO 1 - Ciclo de aperfeiçoamentos no Programa Bolsa Família (2011-2014)................69 GRÁFICO 2 - Evolução das matrículas no Pronatec Brasil Sem Miséria.................................71 GRÁFICO 3 - MEIs beneficiários do Bolsa Família..................................................................73 5 GRÁFICO 4 - Microcrédito Produtivo Orientado e beneficários do Bolsa Família.................73 5 GRÁFICO 5 - Implementação de cisternas do programa Água Para Todos............................75 Superação da Pobreza 1- APRESENTAÇÃO A criação da CNPD, pelo decreto nº 1.607, de 28 de agosto de 1995, foi influenciada pelas Recomendações do Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, que ocorreu em Cairo em 1994. Passou por uma primeira reorganização 6 pelo decreto nº 4.269, de 13 de junho de 2002 e em 15 de maio de 2013, por meio do Decreto 8.009, a CNPD passou a integrar a estrutura da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. A CNPD vislumbra promover avanços no debate especializado e na promoção de ações de fortalecimento da agenda de população e desenvolvimento e, tendo por base seu plano de trabalho de 2014, propõe-se a concentrar esforços em três objetivos: Apoiar a atuação internacional do Brasil nas Conferências Internacionais e Regionais sobre População e Desenvolvimento; Desenvolver, em parceria com outras instituições, um sistema de monitoramento dos avanços do país com relação as ações e metas acordadas na Conferência do Cairo e suas atualizações internacionais e regionais; e Aprofundar conceitualmente e analiticamente temas estratégicos relacionados à população e desenvolvimento. Com o objetivo de maior aprofundamento dos temas relevantes para a agenda de população e desenvolvimento, a CNPD decidiu pela realização de reuniões plenárias, em que são promovidas discussões aprofundadas de cada um desses temas. Os resultados das reuniões plenárias, sobre os assuntos em questão, são apresentados na forma de série temática, após organização e edição. Sob o tema ‘Superação da Pobreza’, este volume foi produzido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR), com o apoio do Fundo de População das Nações Unidas no Brasil (UNFPA). Como uma versão preliminar, é formada de artigos, 6 exposições e debates resultantes da reunião plenária ocorrida em 24 de maio de 2014, em Brasília. Além de cinco artigos, produzidos para nortear as apresentações feitas na referida reunião, traz, sob a forma de discussão temática, as principais contribuições dadas pelos participantes do evento durante os debates que se sucederam às mesas de discussão. 7 7 Superação da Pobreza 2- INTRODUÇÃO Nenhum processo merece o nome de desenvolvimento se não leva ao fim da pobreza e à melhoria das condições de vida dos segmentos mais vulneráveis. Todo desenvolvimento 8 precisa ser inclusivo. Nesse quesito, o Brasil da última década é exemplo para o mundo. A continuidade do processo de eliminação da pobreza não será, porém, alcançada simplesmente utilizando as mesmas ações e instrumentos que tanto sucesso tiveram nos últimos dez anos. Na medida em que a pobreza é reduzida, suas composição e natureza se alteram, requerendo que as ações públicas busquem continuamente adequar-se, para manter a eficácia. O objetivo das discussões apresentadas de maneira organizada neste caderno é, por um lado, avaliar e corroborar o mérito e a eficácia das políticas públicas empregadas com tanto sucesso no passado recente na promoção do desenvolvimento inclusivo. Por outro lado, identificar e idealizar ou mesmo especular novas ações que precisam ser implantadas e aquelas que estão em curso e precisam ser ajustadas às faces – sempre em transformação – da pobreza brasileira. 8 Superação da Pobreza 3- ARTIGOS 3.1. JUVENTUDE E POPULAÇÃO: DESAFIOS, ASPIRAÇÕES E REALIZAÇÕES Marcelo Cortes Néri1 Introdução A juventude brasileira compreende a ordem de 50 milhões de pessoas. Essa geração não apenas representa a maior das juventudes, mas irá também constituir-se na maior força de trabalho que o país já teve ou terá. Fenômeno conhecido como bônus demográfico. Mas, quais os anseios e necessidades típicos da juventude brasileira ainda não atendidos? Quais os novos desafios e necessidades? Que tipo de desenvolvimento demanda e busca construir a nova juventude? As perguntas certamente são mais complexas e numerosas do que as respostas possíveis de se desenhar neste momento, contudo, alguns ensaios podem ser evidenciados a partir da reflexão calcada nas transformações apresentadas por este grupo populacional. O Brasil está no pico da sua juventude, mas vai desacelerar rapidamente depois de 2022 e então deixará de ser um país tão jovem. A partir da análise deste fenômeno alguns aspectos podem ser ressaltados inicialmente: (1) a onda jovem; (2) felicidade futura; (3) agenda jovem; (4) os avanços educacionais; (5) desemprego e circulação; (6) nem nem e a educação profissional e (7) diálogos com a juventude). 1 Ministro Chefe de Estado da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República 9 9 A onda jovem O bônus demográfico pode levar a uma série de reflexões. Os demógrafos em geral, identificam o fenômeno como um campo de oportunidades, entretanto, outras disciplinas de estudos tratam o tema sob outra perspectiva – pela qual se tende a crer que uma “guerra” está sendo perdida, devido a causas violentas e externas, como os acidentes de trânsito, os homicídios e as prisões que atingem especialmente os jovens homens solteiros. Por outro lado, pensando nas mulheres jovens, tem-se a gravidez precoce e não desejada como outro elemento deste cenário. 10 10 A Onda Jovem Mortalidade taxa de mortalidade entre jovens (0/00) Hiato de gênero Homens 1/6/14 Impressão do Mapa | Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013 Mulheres Hiato de gênero em percentual da mortalidade masculina (%) Evolução da taxa de mortalidade entre jovens de 15 a 29 anos 11 11 Mapa Homicídios, Prisões e Acidentes de Trânsito tem a face de 1991- Percentual demulheresde15a17anosdeidadeque um Jovem, Homem, Solteiro. Rapazes tiveram filhos e não Moças Impressão do Mapa | Atlas do Desenvolvimento1/6/14 Humano no Brasil 2013 1/6/14 Impressão do Mapa | Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013 A porcentagem de jovens que são mães precocemente (antes dos 16 anos) tem declinado apenas de forma moderada ao longo da úl ma década e permanece elevada. Mapa Mapa Porcentagem de Adolescentes de 15 a 17 anos queresjádesão Municípios Brasileiros 1991- Percentual demulhe 15aMães 17 ano de ida deque 201 0s -nos Perc e ntua l demulhe resde15a17anosdeidadeque 06/01/14 tiveramfilhos 06/01/14 06/01/14 tiveramfilhos 1991 2010 LEGENDA Realização: Fonte: HDI-M Atlas LEGENDA LEGENDA atlasbrasil.org.br/2013/imprimir_mapa/ 1/1 Realização: Realização: atlasbrasil.org.br/2013/imprimir_mapa/ 1/1 atlasbrasil.org.br/2013/imprimir_mapa/ 1/1 2000 Taxa de fecundidade mulheres de 15 a 19 anos (por mil) 2002 2010 2011 Brasil 0,088 0,081 0,067 0,065 Norte 0,141 0,131 0,107 0,102 Nordeste 0,100 0,095 0,077 0,073 Sudeste 0,073 0,065 0,054 0,053 Sul 0,076 0,067 0,055 0,054 Centro-Oeste 0,099 0,090 0,069 0,067 0,16 0,14 0,12 0,1 A Importância do Corte de Gênero para Polí cas para Juventude 0,08 0,06 0,04 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2000 0 2001 0,02 Meta 4 – Melhorar a saúde materna. Fonte: Obje vos de Desenvolvimento do Milênio - V Relatório Nacional de Acompanhamento. Felicidade futura Felicidade futura compreende basicamente a satisfação com a vida para um período de cinco anos. O método atribui uma nota de zero a dez para satisfação dos indivíduos com sua própria a vida, para os próximos cinco anos. Neste ranking, o Brasil está no mesmo grupo dos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Existe uma tendência de ciclo da vida na qual a felicidade passada, vai aumentando. Em outras palavras, significa que ao passo que as pessoas vão envelhecendo, as recordações e outros fatores as fazem acreditarem que a vida foi boa. Os mais jovens, por outro lado, tendem a prospectar expectativas muito altas, que podem levar também a possibilidade de frustração igualmente alta. Ao desagregar os dados e olhar aqueles relacionados aos jovens, pode-se verificar, o Brasil não é só campeão mundial de felicidade, como é heptacampeão mundial de felicidade futura. Isso demonstra que as sete vezes que a pesquisa foi a campo, a nota que o jovem brasileiro atribuiu para a sua vida é sempre alta. 12 12 Felicidade Futura - 2006 a 2012 Sa sfação com a Vida em 5 Anos 2011 a 17 2006 Em 2012 1 5 10 15 20 25 30 35 135 136 137 138 139 2007 rank Brazil iceland new zealand austria sweden switzerland netherlands belgium 9,29 8,37 8,39 8,62 8,03 7,47 8,44 1 17 2008 rank 9,02 1 8,75 5 8,45 10 16 9 2009 rank 9,17 7,99 8,65 8,6 8,6 1 15 Últimos Do Ranking cambodia 5,37 123 syria afghanistan 5,99 116 iraq haiti 5,18 124 8,27 8,22 14 5,6 94 16 8,32 8,03 6,21 6,14 5,64 5,41 5 9,17 2011 rank 2012 rank 1 9,33 1 9,11 1 12 8,52 8,36 8,5 8 11 8,47 8,61 8,35 8,06 7,5 27 5,96 5,72 6,02 5,97 5,4 116 26 6 7 7 32 56 2010 rank 8,42 8,35 8,12 12 25 99 108 113 116 5,72 6,56 5,67 5,61 18 10 18 16 103 6 16 110 95 111 112 51 118 113 115 121 8,26 7,8 24 5,65 5,08 5,26 6,05 5,9 142 46 145 144 129 136 rank 9,21 8,69 8,58 8,47 8,36 8,26 8,13 8,05 5,35 5,33 5,3 5,27 5,08 1 5 10 15 20 25 29 33 135 136 137 138 139 O Brasil é 1º do Ranking mundial de Felicidade futura dos jovens = País jovem Fonte : Gallup World Poll 2011 Se os jovens brasileiros têm altas expectativas, acreditam muito neles mesmos e no futuro, o quê eles querem? Quais são suas aspirações? No que suas aspirações diferem dos não-jovens? Agenda jovem Conforme levantamento da SAE a partir dos dados de uma pesquisa realizada pelo Ipea em maio de 2013, com mais de dez mil pessoas numa amostra representativa do país, onde as pessoas puderam escolherem entre dezesseis temas quais são as principais prioridades, com base no modelo da pesquisa Meu Mundo (My World) das Nações Unidas, verificou-se que 85,2% dos brasileiros com idade entre 15 a 29 anos elencaram educação, seguida de serviços de saúde (82,7%) como suas principais prioridades ao pensar em uma agenda de juventude. Para os adultos a prioridade é invertida. Primeiro saúde (86,6%) seguida de educação (80,5%). Na pesquisa mundial feita pela internet pelas Nações Unidas, esta ordem de prioridades se conforma como a dos jovens brasileiros. 13 13 Prioridades dos Jovens vis-à-vis Não Jovens Meu Mundo Posição Prioridade (escolha das 6 principais) Jovens (%) Não jovens (%) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Educação de qualidade Melhoria dos serviços de saúde Acesso a alimentos de qualidade Governo honesto e atuante Proteção contra o crime e a violência Melhores oportunidades de trabalho Melhoria nos transportes e estradas Apoio às pessoas que não podem trabalhar Acesso à água potável e ao saneamento Proteção a florestas, rios e oceanos Acesso à energia em sua casa 85,20 82,70 70,10 63,50 49,00 46,90 40,90 35,10 27,40 20,10 19,90 80,50 86,60 76,10 65,70 52,30 43,90 37,90 38,00 28,60 19,20 19,10 12 Eliminação do preconceito e da discriminação 19,50 15,90 13 14 15 16 Igualdade entre homens e mulheres Liberdades polí cas Acesso ao telefone e à internet Combater as mudanças climá cas 11,70 10,50 10,00 7,30 12,50 8,20 8,30 7,10 Fonte: SAE/PR a par r dos dados Sips/Ipea. As prioridades dos jovens não são tão diferentes das dos não-jovens. A maior diferença é educação de qualidade (4,7% mais naqueles entre 15 e 29 anos vis a vis aqueles com mais de 30 anos); melhores oportunidades de trabalho (3 pontos percentuais a mais); liberdades políticas (2,4 pontos percentuais a mais). Como ponto de atenção ou de distinção entre as gerações conforme o estudo está a prioridade de eliminação do preconceito e da discriminação (3,6 pontos percentuais a mais); melhoria nos transportes e estradas (3 pontos percentuais a mais); acesso a telefone e internet (1,8 pontos percentuais. mais) e proteção a florestas, rios e oceanos (0,9 pontos percentuais mais). Educação Apesar de a educação ser prioridade para ambos os grupos, o Brasil apresenta há anos, dados extremamente ruins em relação aos outros países conforme o Programme for International Student Assessment (Pisa), que é uma iniciativa internacional de avaliação 14 14 comparada, aplicada a estudantes na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países2. Como exemplo, pode-se ressaltar a proficiência em matemática. Em 2003, o Brasil foi o último colocado neste quesito no ranking do Pisa. Entretanto, entre 2003 e 2012 foi o que mais avançou. O Brasil ultrapassou quatro ou cinco países nesse período, apesar de ainda permanecer entre aqueles que apresentam piores resultados. Mesmo não satisfatório, é possível identificar um movimento de melhora na educação brasileira a partir dos dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Este movimento de melhora é facilmente identificado nas séries iniciais. O avanço inclusive está acima da Meta 1, do Objetivo 2 de Desenvolvimento do Milênio (Garantir que, até 2015, todas as crianças, de ambos os sexos, terminem um ciclo completo de ensino básico). Nas séries finais do ensino fundamental existe um avanço mais tímido, que indica que no limiar da juventude existe uma dificuldade maior de alcançar melhores resultados. Desemprego e circulação A pobreza tem diminuído para todos os grupos e os jovens não estão entre aqueles que apresentam piores resultados. As crianças são os mais pobres e os idosos são os menos pobres. A juventude é a fase de transição. Os jovens estão no meio desta distribuição. Entretanto, mesmo não sendo os mais pobres, são os mais desempregados e desemprego é uma certa medida de frustração. A taxa de desemprego de jovens de até 25 anos é três vezes a dos adultos e mais elevada hoje que há duas décadas, mas em queda desde 2005. Esta taxa de certo modo faz sentido porque este grupo está entrando no mercado, está experimentando, o primeiro emprego em muitos casos. O problema está no fato de talvez este primeiro emprego ser o último. Ou seja, os jovens estão em movimento. Agora a questão é: até que ponto? Esse movimento é uma coisa totalmente indesejável ou não. Observando a taxa de rotatividade no emprego que para os jovens com idade entre 18 e 24 anos é de 77%, frente aos 28% para a população com idade entre 30 e 64 anos. O tempo 2 BRASIL. Mnistério da Educação. Inep. Fonte: http://portal.inep.gov.br/pisa-programainternacional-de-avaliacao-de-alunos acessado em: 03/07/2014. 15 15 médio no emprego também é menor para os mais jovens, dois anos. Para o segundo grupo é de seis anos. Isso obviamente tem dois lados. Os jovens pedem com mais frequência para se desligar (34%) frente aos 26% dos adultos. Ou seja, existe uma ação voluntária, o jovem não está necessariamente sendo demitido. Jovens que não trabalham nem estudam Certamente este é um ponto de pauta importante ao discutir juventude hoje. A porcentagem dos jovens de 18 a 21 anos que nem trabalha, nem estuda, nem procura trabalho é elevada e tem crescido. Os movimentos são distintos entre as faixas que compõem a juventude. Para aqueles com idade entre 15 e 17 anos há um decréscimo nítido, assim como para aqueles com idade entre 25 e 29 anos, desde 1990 até hoje. Entretendo, para aqueles com idade entre 18 e 24 anos, apesar da taxa se apresentar estável, existe um leve aumento e para os que têm entre 18 e 21 anos, a taxa aumentou significativamente. A porcentagem dos jovens de 18 a 21 anos que nem trabalha, nem estuda, nem procura trabalho é elevada e tem crescido Evolução da porcentagem de jovens que não frequentam a escola, não trabalham e nem frequentam a escola e nem trabalham 30 15 15 a 17 anos 29 14 28 13 12 25 a 29 anos 26 11 25 10 18 a 24 anos 24 9 23 8 22 7 18 a 21 anos 21 20 1990 1992 1994 1996 6 1998 2000 Fonte: SAE/PR com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). 2002 2004 2006 2008 2010 2012 5 2014 Porcentagem (%) Porcentagem (%) 27 16 16 Se não estão trabalhando, nem estudando, o que esses jovens estão fazendo? Muitas coisas, inclusive fazendo cursos técnicos e profissionalizando. Existe uma onda jovem na educação técnica e profissionalizante. O pico está para aqueles com 15 anos de idade, mas, dos 15 aos 19 anos, essa onda é forte. Sobre o perfil do jovem que estão no ensino técnico e profissionalizante pode-se afirmar que o jovem de classe C, faz mais cursos técnicos do que os de classe A, B, D e E. Diálogos com a juventude Por fim, é importante escutar os jovens e isso pode se dar por meio de pesquisas domiciliares, mais abertas que possam compreender melhor a demanda deste seguimento. Em pesquisa realizada há alguns anos, os jovens de 15 a 17 anos, apontavam como principal motivo por não estar na escola regular, a falta de interesse. Para não estar nos cursos técnicos o principal motivo é falta de interesse ou falta de recursos. A partir disso, pode-se dizer que o principal desafio é a demanda e não necessariamente a oferta. Ou seja, esta reflexão pode orientar as políticas e programas direcionadas para este seguimento. 17 17 3.2. POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E SEU PAPEL NO COMBATE À FOME E POBREZA: REVISITANDO O PASSADO PARA PENSAR A AGENDA DO FUTURO3 Paulo De Martino Jannuzzi 4 Introdução A agenda das políticas públicas corresponde ao conjunto de assuntos e problemas que os gestores públicos e a comunidade política entendem como mais relevantes em dado momento histórico. O reconhecimento de uma questão social como problema de governo ou Estado não é um processo simples e imediato, que responde automaticamente à importância que a imprensa, um grupo social ou instituição conferem à questão, ou ainda às estatísticas disponíveis, por mais reveladoras que sejam da gravidade da questão, quando comparada a outros países ou a outros momentos do passado. Não é a vontade de uma liderança política, um pesquisador acadêmico, um governante eleito ou agência multilateral, com conhecimento empírico consistente da realidade ou visão ousada, que garante imediatamente a incorporação da questão social advogada na agenda formal de governo (JANN; WEGRICH, 2007). Um problema social se transforma em questão pública quando existe a convicção de que ele precisa ser dominado política e administrativamente. Se parece haver solução técnica viável e factível para determinada questão social, essa entra mais facilmente na agenda. Afinal, a estrutura do setor público, pelos mecanismos institucionais existentes e operantes, é um ambiente que 'digere' inovações a seu próprio tempo e estilo (FREY, 2000). O momento político ou histórico também condiciona a formação da agenda. Um governante recém-eleito tem maior margem de manobra para colocar novos temas na 3 Este texto é uma versão modificada e ampliada de JANNUZZI (2014). Professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no projeto “Informação estatística e sistemas de monitoramento e avaliação de políticas e programas sociais no Brasil e América Latina”. Atualmente é secretário de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. 4 18 18 agenda político-institucional no início de seu governo, sobretudo pelo seu diferencial de votos em relação aos adversários. Sua capacidade de influenciar a agenda é tão maior quando maior for a preservação ou o aumento de seu capital político ao longo dos anos seguintes à sua eleição. Além dos governantes eleitos, os parlamentares e outros atores políticos são elementos catalisadores desse processo. Eles são diversos e possuem características distintas: políticos e burocratas; empresários; trabalhadores/sindicatos; servidores públicos; e os meios de comunicação. Grandes empresários, individualmente ou por meio de lobbies (grupos de pressão), encaminham suas demandas e pressionam os atores públicos, nas decisões governamentais, em favor de seus interesses. Também os agentes internacionais, tais como as agências multilaterais das Nações Unidas e suas Conferências e Cúpulas Mundiais, constituem outro ator político de grande importância5. Além desses, os meios de comunicação são outros agentes relevantes no processo, pois dispõem de recursos para influenciar a opinião pública na formação das demandas. Enfim, as organizações políticas – partidos, sindicatos, grupos de interesse, agências multilaterais e imprensa – são fundamentais para que as demandas entrem na agenda política do governo e para que, lá presentes, possam se transformar em ações e programas concretos. De fato, é a interação de diferentes atores ao longo dos últimos 60 anos que tem colocado gradativamente a questão da pobreza, indigência e exclusão social na agenda de políticas públicas no Brasil. Estas temáticas já vinham sendo investigadas nas universidades e centros de pesquisa e figuravam como objeto de levantamento estatístico 30 anos antes. Porém, foi a partir da crise e da estagnação econômica da chamada 'década perdida' – e 5 O combate à fome e à pobreza é talvez um dos compromissos mais reiterados nos documentos e declarações resultantes das diversas Conferências Mundiais promovidas pelas agências das Nações Unidas nos últimos 20 anos. Na Declaração dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, firmada em 2000 por centenas de chefes de Estado, figura como primeiro e certamente mais destacado compromisso – desdobramento da ênfase conferida pela Declaração e Programa de Ação da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social, de Copenhague em 1995 – a necessidade de “políticas e estratégias nacionais orientadas para a redução considerável da pobreza em geral, no mais curto espaço de tempo possível, e para a redução das desigualdades e erradicação da pobreza absoluta num prazo que será fixado por cada país atendendo ao seu próprio contexto”. Tal compromisso seria novamente reiterado, um ano depois, na Declaração de Roma sobre a Segurança Alimentar Mundial e Plano de Ação da Cúpula Mundial da Alimentação. Vale registrar que, antes mesmo das Conferências de Conhague e de Roma, na Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (CIPD), realizada em 1994 no Cairo, a pobreza já recebera reconhecimento explícito como questão a ser enfrentada em qualquer estratégia de promoção de crescimento econômico, população e desenvolvimento sustentável. 19 19 seus efeitos sobre o empobrecimento de diversos segmentos populacionais – que as questões relacionadas mais diretamente à pobreza passaram a compor com maior frequência e em maior profundidade a literatura acadêmica e a agenda política, disputando a centralidade do debate sobre distribuição de renda e iniquidades na constituição do mercado de trabalho urbano – temáticas privilegiadas no contexto do aumento generalizado e desigual da renda e do crescimento acelerado da população urbana no 'milagre econômico'. Embora o conjunto de Políticas e programas sociais estruturado a partir da promulgação da Constituição de 1988 já viesse desde antes indiretamente atuando no sentido de combater a fome e pobreza – tanto por meio da ampliação do escopo e escala dos benefícios da Previdência Social quanto pelas ações nas áreas de saúde, nutrição e merenda escolar -, e, ainda, apesar de que a emergência do 'Comunidade Solidária' já revelasse a aproximação dessa temática social na agenda federal no final dos anos 1990, não parece incorreto afirmar que é a partir de 2003 que há uma priorização efetiva da questão da fome, miséria e pobreza na agenda de políticas públicas no país. Não obstante essa seja, ainda, uma questão em disputa política, para o que o curto distanciamento histórico não contribui para análises mais consensuais e menos 'apaixonadas', é partir de então que a temática do combate à fome e pobreza assumiu maior proeminência nas prioridades do governo federal, pelas evidências concretas em termos de definição de compromissos de governo, institucionalidades e recursos técnicos – os três elementos básicos de viabilização exitosa de uma Política Pública na perspectiva de MATUS (2006). De fato, a análise do volume de recursos aportados para essa agenda, os desenhos programáticos para seu equacionamento, os esforços de articulação intersetorial e de implementação de arranjos federativos para sua operação, assim como a criação emblemática da Estratégia Fome Zero, do programa Bolsa Família, do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome e, mais recentemente, do Plano Brasil Sem Miséria, são evidências reveladoras da centralidade, investimento, escala e operacionalidade efetiva constituída para a agenda de mitigação da pobreza nos últimos doze anos. Fazer o registro histórico, ainda que incipiente, da criação dessas políticas e programas de desenvolvimento social, de seus efeitos sobre a redução da pobreza e sobre outros aspectos da realidade sociodemográfica brasileira, é o objetivo desse texto. Ao revisitar o 20 20 passado, reconstituindo os elementos centrais da estratégia multissetorial e federativa de programas de enfrentamento da pobreza, espera-se trazer subsídios para a reflexão acerca dos novos desafios que se apresentam para superação da pobreza no país nos próximos anos. A fome e a pobreza na agenda das políticas públicas no Brasil: das ações fragmentadas de nutrição e segurança alimentar ao Programa Bolsa Família Até o final do século passado, a pobreza era objeto de intervenção difusa pelo Estado brasileiro. Entendida como sinônimo de fome, as primeiras iniciativas do governo federal destinadas a tratar da questão datam dos anos 1940, quando foram criadas as primeiras ações de provimento direto ou subsidiado do alimento aos trabalhadores urbanos. Nos estados já havia se iniciado, pelo menos 20 anos antes, o fornecimento de merenda aos alunos de escolas públicas, sendo que o governo federal auxiliava com a distribuição de leite em pó. Em que pesem o mérito dessas iniciativas e os esforços de Josué de Castro – com repercussão internacional, como conselheiro da FAO – na promoção da agenda de combate à desnutrição no Brasil, o fato é que, até os anos 1970, a ação federal foi menos incisiva do que o exigia a gravidade do problema, tal como documentado no seu livro Geografia da fome, publicado em 1946. Durante a maior parte do século XX, a atuação governamental esteve centrada em políticas de abastecimento, formação e regulação de estoques e preços de alimentos, coordenadas pelo Ministério da Agricultura, as quais certamente foram importantes na perspectiva de soberania alimentar do país. O crescimento populacional intenso no período, sobretudo em direção aos centros urbanos, começou a expor a realidade da insegurança alimentar de contingentes significativos da população, em especial das crianças. Assim, na década de 1970, iniciaramse diversos programas federais de assistência alimentar, alguns dos principais coordenados pelo Ministério da Saúde, como o Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (TAKAGI, 2006). Dessa iniciativa desdobraram-se vários outros programas, existentes até hoje, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar e o Programa de Alimentação ao Trabalhador. Também é do final da década de 1970 a estruturação de outros programas de menor alcance, mas voltados ao combate à fome junto a públicos mais específicos, como gestantes, nutrizes e recém-nascidos, no caso da suplementação alimentar, e comunidades de baixa renda do Nordeste, atendidas por meio de cestas básicas de alimentos e/ou rede 21 21 de comercialização com preços subsidiados. Vale observar que as cestas básicas permaneceram como estratégia de acesso ao alimento com maior ou menor ênfase durante as duas décadas seguintes. Ao longo dos anos 1980, com a redemocratização do país e a emergência de lideranças políticas mais sensíveis às problemáticas sociais, os programas então existentes ganharam escala e, ainda, foram estruturadas outras iniciativas de assistência alimentar, como o Programa Nacional de Leite para Crianças Carentes, em 1986 (PELIANO, 2010). Pulverizadas em 12 programas diferentes, as iniciativas de provimento de acesso ao alimentos do governo federal alcançaram quase 50 milhões de pessoas na época, mas com baixa efetividade na mitigação do problema da desnutrição e fome. A instabilidade econômica da 'década perdida', com altos níveis de inflação, inclusive de alimentos básicos, desabastecimento de produtos em supermercados, baixo crescimento do emprego e perda salarial, não impediu, paradoxalmente, que o primeiro governo eleito pós-redemocratização, no início dos anos 1990, viesse a desmobilizar recursos e os programas então existentes para abastecimento e garantia de acesso à alimentação. Com o agravamento da situação de insegurança alimentar, a sociedade civil e agentes políticos mobilizaram-se para pressionar por uma ação governamental mais robusta e efetiva de combate à fome. Com novo presidente em 1993, de fato, a problemática da fome começava a entrar na agenda das políticas sociais no Brasil com maior força. Foram emblemáticas, nesse sentido, a criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, em 1993, e a estruturação do Plano de Combate à Fome e Miséria. Lamentavelmente, tal plano, embora baseado em um diagnóstico então inédito e detalhado da fome no país – Mapa da Fome – e desenhado para atuar nas múltiplas determinações do fenômeno, por meio de um conjunto amplo de ações em vários Ministérios, não conseguiu dispor de estrutura de coordenação para implementá-lo no curto período em que esteve vigente. O diagnóstico e parte do desenho desse plano foram usados para formatar o Plano Comunidade Solidária – e depois o Comunidade Ativa – que, inspirado no programa mexicano 'Progresa', organizou e articulou as ações federais de combate à fome e miséria entre 1994 e 2002, sob coordenação próxima da Presidência da República. Ao articular ações emergenciais e pontuais de assistência alimentar com programas sociais nas áreas de educação, moradia, vacinação, saúde da família e desenvolvimento rural, o Comunidade 22 22 Solidária constituiu-se em um avanço conceitual e programático no enfrentamento da pobreza. As restrições orçamentárias, a falta de uma estrutura mais robusta de implementação das ações, fortemente dependente de organizações sociais, os problemas de articulação intersetorial e federativa e a cobertura do Plano, restrita a pouco mais de 1.300 municípios (20% do total de municípios do país), limitaram os alcances da estratégia. Paralelamente aos esforços do governo federal na área, em meados da década de 1990, alguns municípios de grande porte – não cobertos, portanto, pelo Comunidade Solidária, mas com recursos orçamentários para investir em política social – começaram a estruturar programas de transferência de renda, vinculados a outras iniciativas no campo da assistência social e educação. Inspirado no êxito potencial dessas experiências no combate à fome e miséria, o governo federal iniciou, em 2001, sua replicação em escala nacional, com a criação do Bolsa-Escola, administrado pelo Ministério da Educação, voltado à transferência de recursos às famílias com crianças nas escolas. Com a decisão de descontinuar os programas de distribuição direta de alimentos – cestas básicas e leite –o governo federal criou, nesse mesmo período, o Bolsa-Alimentação, coordenado pelo Ministério da Saúde, destinado às famílias com gestantes e crianças desnutridas, assim identificadas durante atendimento básico à saúde. Refletindo a importância com que a fome e a miséria vinham sendo tratadas na mídia, no debate acadêmico, na discussão política e nas campanhas eleitorais na década de 1990, o Congresso Nacional passou a tramitar, em 1999, um projeto de Lei Complementar para criação do Fundo de Combate à Pobreza, destinado a “viabilizar a todos os brasileiros o acesso a níveis dignos de subsistência e seus recursos serão aplicados em ações suplementares de nutrição, habitação, saúde, educação, reforço de renda familiar e outros programas de interesse social, voltados para a melhoria da qualidade de vida” (Lei Complementar n. 111, de 06 de julho de 2001). Embora os recursos do Fundo estivessem destinados a ações voltadas à população de mais baixa renda, não se configurando como uma proposta de assegurar direito universal às ações financiadas pelo mesmo, há um claro reconhecimento de que o combate à pobreza transcenderia à mitigação da fome, mas envolveria também ações em outros domínios da política social. A criação das políticas e programas de desenvolvimento social 23 23 Ainda que o curto distanciamento histórico e o calor da disputa política do presente não recomendem tal assertiva, não parece incorreto afirmar que, a partir de 2003, há uma priorização da questão da fome, miséria e pobreza na agenda de políticas públicas no país. Se é fato que, como apresentado anteriormente, tal problemática foi sendo reconhecida na esfera pública como crescentemente complexa, requerendo estratégias de mitigação e combate mais abrangentes e multissetoriais, é a partir de 2003 que ela passa a ocupar a centralidade não apenas da agenda de governo, mas também da agenda de Estado.6 Tal priorização, atestada inicialmente pelo comprometimento público do então presidente e pelo perfil e militância acadêmica da equipe técnica que passou a formular e coordenar as ações na área, revela-se pelo volume de recursos que a área passou a receber nos anos seguintes. Dessa priorização política acabaram sendo desdobradas duas estratégias de ação, com matriz originária no diagnóstico e desenho de intervenção delineado nas propostas do Instituto Cidadania, em 2001: a estratégia Fome Zero e a estruturação do Programa Bolsa Família. O Fome Zero propunha-se a atacar o problema da insegurança alimentar por meio de um conjunto de ações articuladas (TAKAGI, 2010): introdução do Cartão Alimentação, voltado à complementação da renda familiar para compra de alimentos; ações direcionadas para compra da produção de alimentos de agricultores familiares e distribuição para escolas, entidades assistenciais, banco de alimentos e restaurantes populares, o que ficou conhecido como PAA – Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar; ações de provimento do acesso à água no semiárido nordestino, por meio da construção de cisternas; e ações de fortalecimento e indução de programas municipais de segurança alimentar, com o financiamento de equipamentos para instalação de restaurantes populares, cozinhas comunitárias, bancos de alimentos e promoção de varejões e incentivo à agricultura urbana. Reconhecendo as dificuldades específicas de determinados grupos populacionais ao acesso ao alimento, o Fome Zero também previa a distribuição de alimentos em caráter emergencial para as famílias atingidas por secas e enchentes e novos assentados da reforma agrária, assim como o fornecimento de leite e nutrientes básicos, como ferro e vitaminas, para as crianças inscritas nas redes públicas de serviços de saúde e de assistência social. De forma inovadora na agenda governamental, o Fome Zero também 6 A questão social passa a ser um “public issue” – assunto do Estado. Ver Howlett e Ramesh (2003). 24 24 trazia a necessidade de estruturação de programas de educação alimentar e educação para o consumo, com efeitos preventivos para o combate tanto à desnutrição quanto à obesidade. O Programa Bolsa Família foi instituído em 2003 com o propósito de integrar, em um único programa, as ações de transferência de renda então existentes no governo federal, como o Bolsa-Escola, Bolsa Alimentação e Auxílio-Gás, instituídos no governo anterior e, depois, o Cartão Alimentação, criado na estratégia do Fome Zero. O programa previa a concessão de algumas modalidades de benefícios monetários a famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, em função do nível de renda e do número de crianças e adolescentes na família. O programa incorporou dois anos mais tarde o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, que previa também repasse de recursos às famílias que tivessem, indevidamente, crianças inseridas em atividades produtivas (BICHIR, 2010). Seguindo o desenho das primeiras experiências, o programa previu o cumprimento de contrapartidas – condicionalidades – das famílias, como a frequência escolar das crianças e adolescentes e cuidados básicos de saúde da criança e gestante. Se tais contrapartidas eram consideradas com reserva por parte de alguns analistas e gestores públicos – afinal, educação e saúde eram direitos sociais conquistados, não uma obrigação, ou dever a ser cumprido somente por famílias pobres –, elas induziram o poder público a construir equipamentos e estruturar serviços onde a oferta era mais precária, como na zona rural, no semiárido nordestino e região amazônica. Com uma regularidade que passou a ser de cada dois anos, os beneficiários precisariam atualizar seus dados – inclusive de rendimentos – no Cadastro Único de Programas Sociais, quando a condição de beneficiário seria reavaliada. Complementarmente, introduziram-se ações específicas de acompanhamento socioassistencial de famílias com crianças e adolescentes em situação de descumprimento das condicionalidades, expostas a outras situações de vulnerabilidade, além de iniciativas de oferta de cursos de qualificação profissional e inclusão produtiva nos estados e municípios. Não parece, pois, pouco plausível atribuir papel importante ao Programa na expansão e estruturação de equipes da Estratégia Saúde da Família e de Centros de Referência da Assistência Social pelo país, bem como na construção de escolas nas áreas mais pobres. A proposição do Programa Bolsa Família como solução programática para enfrentamento da pobreza também tem sido entendida, por alguns autores, como desdobramento da 25 25 estruturação do nosso Sistema de Seguridade Social, quase cem anos depois de criado, com as primeiras proteções dirigidas aos funcionários públicos e membros das Forças Armadas, como registram Schwarzer e Santana (2013). A criação do seguro contra acidentes de trabalho foi outro marco importante da estruturação de tal sistema nos anos 1920, logo seguido da criação da previdência contributiva de segmento de trabalhadores urbanos mais organizados com as Caixas de Previdência (KERSTERNESTKY, 2011). Ao longo do século XX, a Seguridade Social se estruturou com a incorporação dos setores formais e urbanos e, mais tardiamente, nos anos 1970, os trabalhadores rurais, cujos patrões recolhessem uma parcela do valor da produção (ROCHA, 2013). A Constituição de 1988 deu passos importantes na direção de construção de um sistema previdenciário e assistencial de caráter universal e protetor contra a pobreza (pela definição de piso básico atrelado ao salário mínimo), mas as principais inovações nesse sentido vieram com a promulgação de Lei Orgânica de Assistência Social em 1993. Ao final dos anos 1990, dada a natureza restritiva então vigente para acesso aos benefícios e auxílios previdenciários, voltados aos trabalhadores com contrato regular de trabalho, era necessário que se criasse uma estratégia específica de garantia de renda para autônomos e trabalhadores informais. Seguindo a evolução histórica nos países mais desenvolvidos, depois de criados o seguro social e a aposentadoria, era inevitável que se instituísse a renda mínima como mais uma etapa civilizatória rumo ao Estado do Bem-Estar Social (KERSTERNESTKY, 2011). As primeiras iniciativas de proteção social não contributiva a segmentos mais vulneráveis, de famílias de trabalhadores informais, não cobertos pelo seguro-desemprego ou qualquer outro benefício previdenciário (auxílio-saúde, etc), se estruturaram em localidades de médio/grande porte, em regiões economicamente dinâmicas, como Campinas, Ribeirão Preto e Brasília. Em 2001, tais experiências são “federalizadas” sob o Programa Bolsa Escola. A partir desse breve e certamente incompleto retrospecto histórico, pode-se propor uma definição preliminar das políticas de desenvolvimento social como um conjunto de políticas integradas às demais políticas sociais – de cunho redistributivo, emancipatório e compensatório – voltadas a populações vulneráveis por diferentes aspectos, tais como fome, insegurança alimentar, insuficiência de renda, trabalho irregular e falta de oportunidades de geração de renda, violência, etc. 26 26 Tais políticas e programas representam inovações programáticas nos campos de transferência de renda, assistência social, segurança alimentar e nutricional e inclusão produtiva, que procuram superar a estratégia fragmentada de ações direcionadas a públicos vulneráveis em saúde e nutrição e de acesso ao alimento pela distribuição de cestas básicas, que operaram nos anos 1980, e complementar o Sistema de Seguridade Social, até então estruturado sob a ótica contributiva. Estas políticas buscam superar os desafios da articulação interssetorial e federativa, operando por meio de arranjos com papéis e responsabilidades pactuadas entre União, estados e municípios, com apoio de entidades socioassistenciais (JACCOUD 2013). 27 27 Figura 1: Programas de desenvolvimento social e o Sistema de Proteção Social Educação Desenvolvimento Agrário Saúde Trabalho Igualdade Racial Políticas Previdência para Mulheres Direitos Humanos O Plano Brasil Sem Miséria tem ampliado ainda mais o escopo dessa estratégia de combate à pobreza com a execução de mais de uma centena de ações setoriais em vários ministérios e com articulação federativa com estados e municípios. Partindo de um diagnóstico de pobreza multidimensional, a pobreza se revela por vários aspectos além da insuficiência de renda. Segundo a Idea de pobreza multifacetada os pobres compõem-se de muitos grupos diferentes: da população de rua ao agricultor familiar desassistido; e estruturado em três eixos de intervenção – Garantia Inclusão Produtiva. de Renda, Acesso a Serviços e O Plano organiza-se como uma estratégia multissetorial, com ações desenhadas para mitigar carências sociais específicas de segmentos populacionais mais vulneráveis e garantir-lhes acesso às políticas sociais estruturantes do nosso Sistema de Proteção Social. Nessa estratégia, não só o PBF vem passando por inovações importantes, como também o conjunto de outros programas do Ministério de Desenvolvimento Social e demais pastas sociais. As políticas de desenvolvimento social e seus efeitos sócio-demográficos Os efeitos dessas políticas sobre a realidade social brasileira é tema ainda a ser mais explorado na pesquisa acadêmica, agora que começam a adquirir maturidade de implementação, dispor de maior regularidade de registros estatísticos e também por serem mais bem documentadas e conhecidas. No caso do Programa Bolsa Família, já há um conjunto mais sistematizado de evidências sobre seus efeitos, como revelado em publicação recente (CAMPELLO e NERI, 2013). Contudo, é importante registrar que o programa não teria impacto com a intensidade e o espraiamento pelo território alcançados, sobretudo nas áreas mais pobres, se não estivesse articulado com outras políticas sociais, operadas pelo MDS e outros ministérios. Afinal, o combate à pobreza no Brasil também beneficiou-se da continuidade da estruturação do Sistema de Proteção Social, no sentido preconizado pela Constituição de 1988. O combate à pobreza foi favorecido pelo aumento do gasto em políticas sociais nas áreas de educação, saúde, trabalho, habitação, previdência social e desenvolvimento social, que passou de 13% do Produto Interno Bruto, nos anos 1980, para quase 25%, somados os recursos do governo federal, dos estados e municípios (CASTRO, 2011). Entre 1995 e 2009, o gasto federal social per capita teria duplicado, em valores reais, passando de cerca de R$ 1.400,00 para R$ 2.800 (CASTRO et al., 2011). Se a Previdência Social não estivesse concedendo benefícios de ao menos um salário mínimo para mais de 26 milhões de famílias, entre aquelas de ex-trabalhadores urbanos contribuintes e ex-trabalhadores rurais não contribuintes (quase 9 milhões); se a Assistência Social não estivesse concedendo o Benefício de Prestação Continuada a quase 4 milhões de idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, a dimensão do público-alvo das políticas de desenvolvimento social seria muito maior. Há ainda o seguro-desemprego, as parcelas anuais do Programa de Integração Social e outros auxílios previdenciários que 28 28 contribuem para mitigação das situações conjunturais de pobreza de trabalhadores com contrato regular de trabalho. Nas simulações do impacto das aposentadorias e pensões sobre a extrema pobreza, Rofman et al (2013) apresentam dados que mostram revelam que, na ausência dessas transferências a extrema pobreza sairia de 3,5% para mais de 37% no país, segundo estudos comparados com outros países em 2006. Nessa linha, Schwarzer e Santana (2013) trazem evidências do papel na queda dos níveis de pobreza no país pela ampliação da cobertura dos benefícios previdenciários, especialmente de grupos mais vulneráveis, e pela vinculação do valor das transferências ao salário mínimo. Vale observar que essa estratégia de política social, conjugada com as políticas de valorização real do salário mínimo, de qualificação profissional massiva pelo Pronatec – presente em 3,8 mil municípios brasileiros - e de ampliação do acesso ao crédito, em ambiente de baixa inflação, mostrou-se essencial para criação de um círculo virtuoso de crescimento, com contínua geração de emprego formal e ampliação da renda. Os efeitos do Programa Bolsa Família sobre a pobreza e extrema pobreza tem sido mais estudados nos últimos anos. Estudo do Ipea publicado em 2011 trouxe evidências acerca dos efeitos do Programa Bolsa Família na redução da pobreza e desigualdade, ao apresentar a série histórica de indicadores de 1995 a 2009, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE. Tal série histórica mostra nítida e constante tendência de queda da pobreza, da desigualdade e da intensidade da pobreza (distância relativa à linha de 70 reais) após 2003 (OSÓRIO; SOARES; SOUZA, 2011). Vale registrar que os efeitos do Programa Bolsa Família e das políticas de desenvolvimento social na redução da pobreza e desigualdade já tinham sido apontados no Relatório de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, publicado em 2010, documento de repercussão significativa no meio técnico-político no país (BRASIL, 2010). A análise apresentada no relatório atribui ao programa forte contribuição para a redução da extrema pobreza no país ao longo dos anos 2000. Medida pela linha de pobreza internacional do Banco Mundial – de 1,25 dólar per capita por dia, valor ajustado pela paridade do poder de compra –, a pobreza extrema teria caído de 14% em 2001 para 4,7 % em 2009, momento em que o Programa se estrutura e se processa sua expansão de cobertura pela população de mais baixa renda no país. Pesquisa de Avaliação de Impacto do Bolsa Família, desenhada para captar efeitos atribuíveis especificamente ao Programa e realizada pelo International Food Policy 29 29 Research Institute, demonstra que o Bolsa Família contribuiu para a diminuição do trabalho infantil em todos os grupos etários, entre 2005 e 2009. Para crianças e jovens de 11 a 15 anos, houve redução de 7,8% para 6,3%, neste período, mas o maior decréscimo ocorreu para o grupo de 16 e 17 anos: de 22,9% para 15,7%. No Nordeste, o Programa teria proporcionado aumento significativo na frequência escolar das crianças beneficiárias, o que pode também ter contribuído para redução do trabalho infantil (BRASIL, 2012). Monografia agraciada em primeiro lugar pelo Prêmio Qualidade do Gasto Público da Secretaria de Orçamento Federal de 2012 revela que famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família possuem gasto com alimentação superior à média de famílias não beneficiárias com rendimentos equivalentes. Usando dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2008/2009, do IBGE, o trabalho mostra que as famílias atendidas pelo Programa gastam mais do que outras com consumo de grãos e cereais, aves e ovos, carnes, panificados, legumes, óleos e bebidas não alcoólicas. O Programa auxilia, portanto, na melhora do status nutricional de crianças e adolescentes, sobretudo no Norte e Nordeste, onde o impacto do programa é 31,4% maior do que para o total do Brasil (BAPTISTELLA, 2012). Em estudo publicado recentemente em uma das mais renomadas revistas científicas internacionais na área da saúde, Lancet, evidenciam-se efeitos significativos do Programa Bolsa Família, entre 2004 e 2009, na redução da taxa de mortalidade de crianças menores de cinco anos (17%) e por causas associadas com a pobreza: desnutrição (65%); diarreia (53%); e infecções respiratórias (20%). Esses resultados são estimados comparando-se municípios de alta cobertura consolidada do PBF (aqueles com mais de 32% de famílias participando do Programa e com 100% de cobertura das famílias público-alvo do Programa por pelo menos quatro anos), com municípios de baixa cobertura (menos de 17% de famílias incluídas no PBF) (RASELLA et al., 2013). Estudo similar, publicado no American Journal of Public Health, analisa os efeitos combinados do acesso ao Programa Saúde da Família (PSF) e da cobertura do Programa Bolsa Família (PBF) sobre a mortalidade infantil pós-natal (a que ocorre entre 28 e 364 dias de vida), utilizando um painel de municípios e cobrindo o período 1998-2010. Os resultados mostram que o efeito do PSF sobre a redução da mortalidade infantil cresce à medida que aumenta a cobertura do PBF no município, sendo a região Nordeste a mais beneficiada pelos efeitos dos dois programas juntos. Da mesma forma, conforme amplia-se a cobertura do PBF, cresce o efeito do PSF sobre o número de visitas de acompanhamento pré-natal, 30 30 mostrando que, para uma mesma cobertura de serviço de assistência básica de saúde da família, a maior cobertura do PBF acarreta maior número de visitas ao pré-natal (GUANAIS, 2013).. Pesquisa de Avaliação de Impacto do Programa Bolsa Família, realizada pelo International Food Policy Research Institute, apontou que o peso ao nascer das crianças de mães beneficiárias do Bolsa Família é superior ao das crianças de mães não beneficiárias (3,26 kg e 3.22 kg, respectivamente). Tal fato decorreria da constatação de que, em 2009, as grávidas beneficiárias do Programa apresentaram 1,6 visita de pré-natal a mais do que as não beneficiárias. Entre 2005 e 2009, o número de gestantes beneficiárias do PBF que não receberam cuidados pré-natais caiu de 19% para 5%, queda significativamente maior do que a observada entre as não beneficiárias (BRASIL, 2012). A pesquisa mostrou, ainda, que a proporção dos filhos de beneficiárias do Programa que eram amamentados de maneira exclusiva, pelo menos durante os seis primeiros meses de vida, era oito pontos percentuais maior do que a dos filhos de não beneficiárias (61% e 53%, respectivamente). Certamente isso teria contribuído, no período estudado, para a redução da prevalência de desnutrição crônica na população em geral e diminuição mais significativa da desnutrição aguda entre os beneficiários. Observou-se, também, um efeito positivo do programa sobre o esquema vacinal, especialmente quando se consideram os índices de vacinação DTP e contra poliomielite, popularmente conhecida como paralisia infantil. Livro publicado recentemente, intitulado Vozes do Bolsa Família – autonomia, dinheiro e cidadania, elaborado por pesquisadores da Universidade de Campinas com base em entrevistas qualitativas com mulheres beneficiárias do Programa, constatou que o PBF produz impactos sociais nas vidas dessas pessoas, incomparáveis aos proporcionados por outros tipos de auxílio, como, por exemplo, vales de troca por produtos ou cestas básicas. Segundo os autores, esses efeitos decorrem do fato de o benefício ser em dinheiro, o que implica liberdade e responsabilidade quanto ao uso, aprendizado de planejamento de gastos e ganhos de dignidade (REGO; PINZANNI, 2013). A avaliação de impacto do Bolsa Família, conduzida pelo International Food Policy Research Institute, chega a resultados semelhantes a respeito do empoderamento da mulher na tomada de decisões no espaço doméstico, como no uso de contraceptivos. Tais estudos corroboram pesquisa anterior que, por meio de análise qualitativa, mostrou que as mulheres titulares do benefício do BF têm ganhos na relação de gênero à medida 31 31 que se tornam mais independentes dos maridos financeiramente, passando a ter maior poder de barganha no que tange à alocação de recursos no domicílio e aumentando o nível de interação social. Para finalizar essa seção, dentre tantos indicadores e gráficos que poderiam ser mostrados, dois selecionados nesse texto, retirados de Jannuzi et al (2014), procuram sumarizar os avanços sociais nas últimas décadas: a redução da extrema pobreza monetária dentre os diversos públicos das políticas e a diminuição da pobreza em uma perspectiva multidimensional. Dados do último Relatório de Objetivos de Desenvolvimento do Milênio mostram que a extrema pobreza, referida como a parcela da população vivendo com menos de 70 reais per capita (em valores de junho de 2011), caiu de 13,4% em 1990 para 3,6% em 2012, tendência essa que se observa em todos os segmentos populacionais analisados (por sexo, raça/cor, faixa etária, escolaridade, região, situação de residência). Entre os analfabetos, a pobreza extrema teria caído de quase 30% para 8% no período; evolução semelhante ao observado entre os residentes na zona rural e no Nordeste. Entre os negros, a pobreza extrema passou de 20% para 5% entre 1990 e 2012; entre crianças, de 0 a 6 anos, de 20% para 6% (Gráfico 1). Gráfico 1: Evolução da extrema pobreza (monetária) por segmentos populacionais. Brasil, 1990 e 2012. 35,0 30,0 25,0 20,0 15,0 10,0 5,0 0,0 2012 Brasil Masc. Fem. Brancos Negros 0 a 6 anos 7 a 14 anos 15 a 19 anos 20 a 29 anos 30 a 44 anos 45 a 64 anos 65 ou mais anos Analfabeto Menos que a… 4ª série Fundamental Médio Superior Rural Urbano Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste 1990 Fonte: Relatório de Objetivos de Desenvolvimento do Milênio/IPEA 32 32 Gráfico 2: Evolução da pobreza multidimensional. Brasil, 2004 a 2012. PNAD 2004 12% PNAD 2009 10,0% PNAD 2011 10% PNAD 2012 8,1% 8% 6,8% 6,3% 6% 4,2% 4% 33 3,1% 2,6%2,4% 33 1,6% 0,7%0,6%0,5% 2% 0% IPM de 20% a 33% (exclusive) IPM de 33% a 50% (exclusive) IPM com 50% ou mais Pobreza Pobreza Severa Fonte: Relatório de Desenvolvimento Humano/PNUD e microdados PNAD/IBGE Dados do último Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD7 mostram que a pobreza considerada como privação de direitos sociais básicos ou de acesso a bens e serviços, como os considerados na computação no Indicador de Pobreza Multidimensional – escolaridade, frequência escolar, mortalidade infantil, eletricidade, água, moradia e ativos- também apresentou queda sistemática e significativa nos anos 2000, passando de 5,8% para 3,1% entre 2004 e 2012. Entre os severamente pobres nessa perspectiva, a queda teria sido de 1,6% para 0,5% (Gráfico 2). Tal tendência deixa claro que a estratégia adotada desde os anos 2000 de superação à pobreza no país não só envolveu ações importantes de transferência de renda como também de provimento de acesso dos diversos grupos vulneráveis já mencionados aos programas e serviços de educação, saúde, habitação e infraestrutura urbana. 7 Vide relatório em www.pnud.org.br À guisa de conclusão: a necessidade de continuar aprimorando as tecnologias de desenho e gestão de programas sociais Este texto procurou apresentar uma síntese do processo histórico de construção da agenda de políticas de combate à fome e pobreza na esfera federal no Brasil, da década de 1940 aos anos 2000, bem como uma análise dos efeitos dessas políticas e programas em aspectos sociodemográficos. Como se pode depreender deste breve relato histórico, a incorporação das políticas de combate à fome e pobreza na agenda do Estado brasileiro, em especial nos anos 2000, resulta, por um lado, do gradativo convencimento pela sociedade e meio político da gravidade da questão no país e do seu equacionamento e, por outro, da disputa política quanto à centralidade das políticas dirigidas para seu equacionamento, em meio ao reconhecimento de sua complexidade enquanto fenômeno social e do desenho de estratégias para sua mitigação. A continuidade dos avanços proporcionados pela estratégia multissetorial de combate à pobreza adotada pelo Brasil certamente requer o aprofundamento dos diagnósticos sobre a natureza multifacetada dos públicos mais vulneráveis, de suas necessidades e suas características e a sofisticação das estratégias de monitoramento e avaliação dos programas e ações voltados aos mesmos. Mais do que construir indicadores multidimensionais, o Ministério de Desenvolvimento Social tem investido produção de um conjunto amplo de indicadores multitemáticos, produzidos a partir do Cadastro Único de Programas Sociais e da sua integração com registros de programas e sistemas de informação de outros ministérios e a partir realização de pesquisas de campo. O Cadastro Único, em sua sétima versão desde que foi criado, permite o registro de informações detalhadas sobre as características da moradia, atributos demográficos, escolaridade e trabalho de mais de 75 milhões de pessoas, com atualização de 75% das famílias a cada ano. Tem módulos de informação específicos para os distintos grupos populacionais vulneráveis já mencionados como os indígenas, quilombolas, população em situação de rua. Diversos parceiros do Plano Brasil Sem Miséria, nos três níveis de governo, tem realizado análises e extrações dessa base cadastral para identificar e localizar públicosalvo de suas ações e programas nas três áreas de atuação do Plano, seja na transferência 34 34 complementar de renda ao Bolsa Família que vários estados e municípios estão implementando, como também no provimento de acesso a serviços sociais e nos projetos de Inclusão Produtiva. O cruzamento dessas informações com os registros de programas e ações do Plano Brasil Sem Miséria e de outros Ministérios, como os da Qualificação Profissional do Pronatec, o do Microempreendedor Individual, o de Fomento ao Agricultor Familiar, as bases de Intermediação de Mão de Obra, CAGED e RAIS do Ministério do Trabalho tem permitido não apenas monitorar o alcance quantitativo das iniciativas do Plano junto à população meta do Plano, como conhecer qual estratégia de Inclusão Produtiva melhor se adequa melhor aos diferentes perfis de vulnerabilidade da população pobre e contextos regionais do país. Ademais desses instrumentos, o Ministério conta com pesquisas de avaliação e estudos avaliativos- mais de 60 desde 2011- de seus programas e ações do Plano, valendo-se das mais variadas metodologias quantitativas e qualitativas. Cursos de formação no uso dessas informações e instrumentos estão sendo oferecidos por todo o Brasil para técnicos e gestores municipais, por meio de universidades pré-qualificadas, em parceria com os governos estaduais8. Essa tecnologia de desenho, gestão e produção de informações sobre os programas de Desenvolvimento Social e Combate à Fome tem sido fundamental ao longo dos últimos anos na adequação dos desenhos dos programas às múltiplas facetas da pobreza no país, assim como na estratégia de identificação e focalização dos mesmos. Tal esforço recebeu, inclusive, reconhecimento nacional como a conquista do Prêmio de Inovação em Gestão Pública conferido ao MDS em 2013 e o reconhecimento internacional do Banco Mundial, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, entre outros9. O Relatório de 8 No Cadernos de Estudos Desenvolvimento Social em Debate n.16 pode-se ter acesso a uma ficha síntese desse conjunto de pesquisas. Os artigos dos números 17 e 18 da publicação Cadernos de Estudos Desenvolvimento Social em Debate ilustram o potencial do uso integrado do Cadastro Único com outras fontes para elaboração de estudos avaliativos dos programas do MDS e Plano Brasil Sem Miséria. No Portal www.mds.gov.br/sagi pode-se acessar sumários executivos e microdados das mesmas, além de Estudos Técnicos SAGI e o material didático autoinstrucional desenvolvido no Ciclo de Formação em Diagnóstico, Monitoramento e Avaliação de Programas Sociais para formação de técnicos e gestores das Políticas do MDS nas três esferas de governo . 9 Vide ENAP. Ações premiadas no 18º Concurso de Inovação na Gestão Pública Federal. Brasília, ENAP, 2014 (www.enap.gov.br). 35 35 Desenvolvimento Humano 2013 traz diversas referências à estratégia brasileira de combate à pobreza, reconhecendo que o sucesso do esforço deve-se à articulação de programas de proteção social (Bolsa Família, benefício de Prestação Continuada, benefícios da Previdência Social), políticas universais de educação e saúde e decisões econômicas de fortalecimento do mercado interno (política de valorização do salário mínimo, redução dos juros etc), em meio à crise internacional iniciada em 2008. Espera-se que o uso mais intensivo dos indicadores multitemáticos e do conjunto de informações disponibilizado pelo Ministério permita que gestores e técnicos nos estados e municípios aprimorem a gestão dos programas em operação e proporem novas ações, desenhadas conforme as vulnerabilidades da população pobre encontradas no território e ajustadas às características e potencialidades ali existentes. Além de multidimensional, a pobreza é multifacetada, requerendo abordagem multissetorial para sua superação, como tem sido a experiência brasileira. 36 36 Referências BAPTISTELLA, J. C. F. Avaliação de programas sociais: uma análise do impacto do Bolsa Família sobre o consumo de alimentos e status nutricional das famílias. V Prêmio SOF, Brasília, 2012. BICHIR, R. O Bolsa Família na berlinda? Os desafios atuais dos programas de transferência de renda. Novos Estudos Cebrap, n. 87, p.114-129, 2010. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social/Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação – MDS/Sagi. Avaliação de Impacto do Programa Bolsa Família – 2ª rodada (AIBF II). Sumário Executivo. Brasília, 2012. BRASIL.Presidência. Relatório de acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Brasília, 2010. CAMPELLO, T.; NERI, M. C. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: Ipea, 2013. CASTRO, J. A. 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Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social – MDS, 2010. 38 38 3.3. BEM ESTAR, DESIGUALDADE E EVOLUÇÃO DA POBREZA EXTREMA POR GRUPOS ETÁRIOS (1990 – 2012) Rafael Guerreiro Osório10 A face da pobreza está mudando nos últimos anos. Este movimento deverá levar o país a repensar suas políticas. A caracterização deste fenômeno pode ser feita a partir da leitura dos dados sobre renda. O gráfico 1 apresenta a diferença entre as rendas médias dos milésimos nas últimas duas décadas. Nota-se que, na década de 1990 (linha roxa do gráfico a seguir), houve aumento da renda ao longo da sua distribuição, mas de pouca monta. No período que vai de 2002 a 2012, contudo, mais de 60% da população apresentou ganhos superiores a 200 reais. 10 Assessor da Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal 39 39 Em termos absolutos, como no gráfico 1, os milésimos mais ricos apresentaram maior elevação de sua renda média. Em termos relativos, porém, esses ganhos têm uma estrutura diferente. Eles decrescem à medida que se ruma aos milésimos superiores, pois a base é a renda que o grupo já tinha e que já era grande. Assim, o crescimento da renda dos milésimos mais ricos é proporcionalmente menor. Ou seja, todos ganharam renda, os mais ricos ganharam mais, mas o crescimento relativo da renda dos mais pobres foi maior. Desta forma, aumentou o bem-estar agregado e, inequivocamente, a desigualdade caiu, segundo qualquer medida de desigualdade bem comportada que se escolha. Passando à taxa de pobreza extrema do Brasil, apresentado no gráfico 2, verifica-se sua redução acentuada de 1993 para 1995, por conta da estabilização macroeconômica; depois, a taxa permanece estável, apresenta alguma redução em 2001 e 2002, mas volta ao nível da segunda metade da década de 1990 em 2003. A partir de então, a taxa de pobreza extrema tem caído aceleradamente. O ritmo se arrefeceu por conta da crise de 2008-9, mas foi retomado no último biênio. Por faixa etária, nota-se que a taxa de pobreza extrema das crianças tem sido sempre superior à média nacional, contudo, houve convergência no período recente. Na primeira 40 40 metade da década de 1990 a taxa de pobreza extrema dos idosos cai rapidamente, principalmente até 1993, em tendência distinta da dos demais grupos etários. Este movimento tem conexão inequívoca com o que aconteceu em termos de política social no período, em particular, a expansão da previdência rural. Depois, os idosos e seus grupos domésticos são muito beneficiados pela valorização real do salário mínimo, que é o valor da renda da aposentadoria ou pensão de grande parte deles. Atualmente, pode-se considerar erradicada a pobreza extrema entre os idosos no Brasil. Ao observar o período mais recente, conclui-se que a pobreza começa a cair mais rapidamente. A elevação da transferência média per capita do Bolsa Família em reais ao longo dos anos foi reduzindo a pobreza. Uma série de outros fatores também contribui para este movimento, como aumento de empregos, formalização no mercado de trabalho. Na PNAD, a variável que capta o Bolsa Família também capta outros rendimentos. A expansão das transferências e sua focalização nos mais pobres é de tal ordem que aumenta substantivamente o valor médio da variável, à medida que seu perfil distributivo muda completamente, como indicado pelo seu coeficiente de concentração, que ao diminuir de valor passa a contribuir para reduzir a desigualdade, ao invés de aumentá-la, como se pode observar no gráfico 3. 41 41 Ao pensar em uma linha do tempo, pode-se dizer que a composição da renda daqueles que vivem em extrema pobreza vem se alterando. No início, existia a influência da renda do trabalho formal e pouca renda de transferência. Ao fim do período, quase toda a renda desse segmento é proveniente de trabalho informal ou de transferências. As transferências, captadas na PNAD pela variável outros rendimentos, respondem agora por uma parcela substantiva da renda dos mais pobres, como se pode ver no gráfico 4 (sem correções ou imputações). 42 42 Ao passo que isso pode ser um avanço, também é um desafio. As transferências passam a ter um papel muito importante no combate e na prevenção da pobreza extrema. E embora se fale muito hoje em inclusão produtiva (qualificação profissional), o grande avanço em relação a isso foi na década passada. Têm-se hoje trabalhadores informais, pessoas que não são facilmente treinadas e empregadas. A maior parte das pessoas que viviam a pobreza de forma crônica hoje a superam, ou a tem bastante aliviada, graças ao Bolsa Família. Assim, a fração da pobreza de circulação, temporária, deve estar aumentando. Será que o desenho do Bolsa Família clássico é ideal para combater essa nova configuração da pobreza? Para enfrentar o problema será preciso repensar a pobreza, rever a conhecida abordagem tradicional. Será preciso superar essa visão tradicional, porque, em alguma medida, a maior parte das pessoas que vivem em pobreza crônica no Brasil já estão atingidas por algum programa social e a tendência é que cada vez mais se tenha dentro dessa pobreza extrema esse resíduo caracterizado aqui como pobreza de circulação. Ou seja, as pessoas que hoje estão na pobreza, não são as pessoas que eram necessariamente pobres no mês passado e sim, as pessoas que no mês passado certamente tinham grande vulnerabilidade à pobreza. Portanto, será preciso mudar o enfoque, compreender e passar a considerar a ideia de pobreza dinâmica e trabalhar com um programa que tenha o conceito de cobertura ampliada onde não serão beneficiárias apenas as pessoas que são pobres hoje, mas também as com grande probabilidade de se tornarem pobres amanhã. De certo modo, o Bolsa Família, já opera desta forma. Desde 2009, existe no programa uma regra de permanência na qual as pessoas ficam por pelo menos dois anos, a não ser que nesse período, a renda delas flutue para cima de um teto de meio salário mínimo. Se consideramos que a renda declarada varia no tempo, mas é um bom preditor da vulnerabilidade, vê-se que o Bolsa Família está operando com uma lógica preventiva, faltando apenas explicitar no discurso oficial que sua transferência também é para os vulneráveis à pobreza. Porém, essa mudança de discurso envolve uma mudança de mentalidade, que é muito complicada porque a opinião pública, e mesmo os agentes da política social estão presos a uma visão estática da pobreza, difícil de ser superada. Mas, por exemplo, se fizermos a pergunta: qual é a única forma de garantir que ninguém no Brasil, em momento algum, por exemplo, no próximo ano, venha cruzar para baixo, a linha de pobreza de R$ 70 reais? O aspecto dinâmico da pobreza emerge claramente. Só existe um jeito de garantir isso. Pagando, para todo brasileiro, R$ 70 reais por mês. Ao fazer isso se resolve o problema. Se cada um dos 201 milhões de brasileiros, em junho de 2013, estivessem dentro de um programa de transferência universal recebendo R$ 70 reais por mês, ninguém desceria para baixo da linha de R$ 70 reais/mês. Mas, isso custaria 189 bilhões de reais, 25% de todo o nosso gasto social em 2013, e esse valor só não é 43 43 maior do que o orçamento da previdência social, mas é superior ao da saúde e de todas as outras áreas. Portanto a renda universal ainda não é viável. Não sendo viável a renda mínima universal, o que se pode fazer para minimizar a probabilidade de termos pessoas abaixo da linha de pobreza extrema, em qualquer momento? A resposta é adotar o conceito de cobertura ampliada, para prevenir a pobreza extrema mediante a seleção de beneficiários não com base na situação corrente de pobreza, mas na vulnerabilidade à pobreza. Como as pessoas com maior vulnerabilidade à pobreza são aquelas que, por definição, tem maior chance de serem os pobres de hoje e de amanhã, um programa que cobrisse toda a população cuja probabilidade de se tornar pobre fosse superior a 0,5, por exemplo, conseguiria minimizar bastante a pobreza residual. É com essa lógica que devemos operar se quisermos alcançar a erradicação da pobreza extrema, o que equivale a mantê-la em níveis residuais aceitáveis – só teremos então, na pobreza extrema, indivíduos cuja vulnerabilidade era baixa, e que tem maior chance de dela sair por seus próprios meios. 44 44 3.4. EVOLUÇÃO DO BEM-ESTAR SOCIAL ENTRE AS REGIÕES BRASILEIRAS E A IDÉIA DE UM PROGRAMA PARA RESULTADOS Flávio Ataliba11 Introdução A discussão a seguir tem com objetivo contribuir com um olhar para os desdobramentos regionais das políticas recentes de combate à pobreza e desigualdade no Brasil, com foco no Nordeste. Ou seja, é importante ter uma visão regionalizada da questão da superação da pobreza no Brasil. Um primeiro tema a ser abordado será a avaliação de bem-estar social entre regiões brasileiras, partindo da convicção que toda política econômica deve ter como desdobramento uma avaliação criteriosa da evolução do bem-estar dos indivíduos beneficiados. Outro aspecto que será brevemente abordado são ações do governo do Estado do Ceará, que recentemente, em acordo com o Banco Mundial, vem implantando um Programa Para Resultados (PforR). Trata-se de um desenho de financiamento do Banco Mundial baseado em indicadores e metas; na medida em que se atingem as metas baseadas nos indicadores, o governo recebe recursos. A intenção é de se assegurar que o que o governo se comprometeu no seu PPA realmente será executado. Finalmente, detalhamentos desse programa serão apresentados para que isso possa servir de inspiração para outros estados, principalmente estados mais pobres. Bem-estar social No período de 1995 a 2002, o sudeste teve um crescimento médio da renda familiar per capita anual de 1,54% enquanto no nordeste esse crescimento foi maior, de 3,13%. Entretanto, esse crescimento foi mais forte a partir de 2003 em todas as regiões do país. O que nós observamos, de certa forma, é uma inflexão do crescimento dessa renda. No nordeste, isso acontece de forma mais intensa. A outra comparação é analisar a evolução da renda do nordeste, em relação ao Brasil e ao sudeste. Então, podemos perceber que o nordeste vem ganhando participação, em termos de evolução da renda familiar per capita, 11 Diretor Geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE) 45 45 tanto quando comparado ao sudeste como com o próprio país. Esse resultado já daria uma mensagem inicial. Se você pensar no bem-estar econômico baseado na renda simplesmente, poderíamos intuir que o nordeste, em termos de bem-estar, estaria tendo um ganho superior à média nacional e a região sudeste. Entretanto, nessa discussão é importante que se inclua outras medidas, além da questão da renda. A renda certamente não representa uma medida suficiente de bem-estar. Outras variáveis precisam ser levadas em conta nessa discussão. Uma importante contribuição seria examinar, por exemplo, o que está acontecendo com o comportamento da desigualdade. Sabemos que quando a desigualdade cai, a renda pode estar sendo distribuída para as camadas mais pobres da população. Então, uma medida de bem-estar interessante seria incluir, nessa discussão, o comportamento de alguma medida de desigualdade. 62,9% 62,8% 62,0% 61,3% 60,6% 60,7% 60,7% 60,6% 61,5% 61,1% 60,7% 59,7% 59,5% 60,0% 60,1% 58,4% 58,4% 59,5% 57,4% 58,9% 57,1% 56,5% 56,9% 57,0% 57,1% 56,3% 56,7% 56,8% 56,1% 1995 a 2012 (a.a.) 2003 a 2012 (a.a.) Sudeste: -0,72% Sudeste: -1,16% Brasil: Brasil: Nordeste: -0,65% 1995 1996 1997 1998 55,1% 54,9% 56,0% 54,6% 54,7% -0,76% 56,5% 56,6% 57,8% 57,5% 54,9% 54,0% 54,6% 53,4% 53,2% 52,5% 51,6% 51,1% 50,2% -1,12% 50,5% Nordeste: -0,92% 1999 2001 2002 Sudeste 2003 2004 Brasil 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 Nordeste No caso em questão, nós estamos utilizando o índice de GINI. Podemos observar que, de 1995 a 2002, há uma queda da desigualdade considerando o período como um todo, mas essa queda é mais acentuada ainda a partir de 2003. Mas quando comparamos essa redução entre as regiões, observamos que ela acontece de forma mais lenta na região nordeste. Então, pode ser que o nordeste tenha mais dificuldade de reduzir desigualdade do que a média nacional ou do que a região sudeste propriamente disso. Uma questão 46 46 importante a se analisar seria: por que a desigualdade cai mais lentamente nesse região? Podemos ter diversas interpretações dessa questão, mas o ponto central é que, havendo uma redução mais lenta da desigualdade, pode ser que o novo conceito de bem-estar, incluindo, nesse caso a desigualdade, não seja tão importante no nordeste, comparado com as outras regiões. Outra evidência importante apresenta-se ao avaliarmos o crescimento da renda entre os decis da população. Considerando essa evidência, verifica-se que, em todos os extratos de renda, percebe-se um aumento de renda na região nordeste superior à média nacional e à região sudeste. Ademais, como a curva tem uma descendência bem mais forte no início da distribuição da população pela renda, isso mostra que essa dinâmica é mais forte no início da distribuição. Baseado nessa evidência, construímos as medidas pobreza monetária: a proporção de pobres, a intensidade da pobreza e sua severidade. Comparando todas as regiões, pode-se verificar que, para qualquer medida de pobreza utilizada, há uma redução significativa nessas regiões e no país. Ademais, se olharmos, por exemplo, a proporção de pobres constata-se que no nordeste, apesar da renda ter crescido mais rápido, a proporção de pobres cai de forma mais lenta quando comparada ao sudeste e Brasil. Então, um ponto central nessa discussão é que a desigualdade é uma variável chave na análise de bem-estar. O nível inicial de desigualdade e a velocidade de sua queda tem uma importância fundamental no impacto de toda a política de crescimento da renda na redução da pobreza. Assim, mostra-se importante levar em conta, em qualquer política de combate a pobreza, a queda acelerada da desigualdade de renda, que acompanha o processo de crescimento econômico. Isso é um tema central quando se leva em consideração o nordeste. Qualquer política que venha na direção de reduzir de forma acelerada a desigualdade, certamente vai potencializar o impacto da expansão da renda na redução da pobreza. Um candidato natural para avaliação de bem-estar que está presente na literatura é o índice de SEN, já que ele incorpora no seu cálculo além da renda média, a desigualdade. No seu cálculo temos também um parâmetro de aversão à desigualdade, ou seja, o quanto a sociedade é adversa à desigualdade. 47 47 Bem-Estar Social, Coeficiente de Aversão à Desigualdade W = m (1 - aG ) Renda Média Índice de Gini 48 48 No nosso cálculo, nós consideramos que esse parâmetro é igual a unidade, o que significa que existe uma aversão completa a concentração de renda. Por esse indicador, percebe-se que o nordeste estaria ganhando bem-estar com mais velocidade do que o Brasil e do que o sudeste, isso ocorrendo principalmente pelo componente renda. Como se viu, dado que a desigualdade cai mais devagar no nordeste, é razoável intuir que quem está puxando o ganho de bem-estar, seria a evolução da renda. Entretanto, é importante se frisar que o índice de GINI não permite avaliar o que está ocorrendo com todas as camadas da distribuição de renda. A desigualdade pode está diminuindo porque as pessoas mais ricas estão perdendo participação na renda total. Então, nós não sabemos o qual o comportamento das faixas de renda ao longo de toda distribuição. Dessa forma, seria oportuno buscar outra maneira de medir o nível de bem-estar entre as regiões. O trabalho de Kakwani e Son (2008) é uma forma alternativa e interessante de pensar nessas questões, utilizando o conceito de crescimento inclusivo. A par r do grau de privação dos indivíduos pobres, que pode ser expresso por, z q = ò P( x) f ( x)dx 0 determina-se a Taxa de Crescimento do Equivalente-Pobreza (em inglês, PEGR - Poverty Equivalente Growth Rate), como: g * = (d / h )g 49 onde: d =h +z representa a soma entre a elas cidade renda-pobreza e a elas cidade desigualdade-pobreza. Nossa intenção então é medir a intensidade de crescimento inclusivo no país e nas regiões e compará-las. Nesse caso, a formulação é um pouco mais complexa, e ela se baseia numa medida de privação dos indivíduos mais pobres. Então, a análise vai considerar, na avaliação de bem-estar, o que está acontecendo com as pessoas mais pobres daquela distribuição. Sabe-se que a pobreza pode se reduzir por dois motivos: expansão da renda e redução da desigualdade. Caso a renda aumente em todas as camadas da população, aquelas pessoas que tiveram um crescimento o suficiente para passar da linha de pobreza, certamente vão sair dessa condição. Noutro caso, mantendo-se a renda constante, mas se a desigualdade diminuir, isso pode significar que as camadas mais ricas da população estão proporcionalmente reduzindo sua participação na renda total, o que pode implicar num aumento da renda dos mais pobres diminuindo assim algum indicador de pobreza. Então, os dois componentes juntos são importantes e podem agir na redução simultânea da pobreza. Podemos ter uma redução de pobreza tanto pelo impacto do aumento da renda quanto pelo impacto da redução da desigualdade. Então o que essa expressão nos diz? O Gama nessa expressão é a renda verdadeira, ou seja, é o que aconteceu naquele período, e é ponderado por um componente, o Neta, que dá o impacto na redução da pobreza da expansão da renda. O outro componente da formula nos dá o impacto na redução da pobreza, na expansão da 49 renda e também da redução da desigualdade. Ou seja, ele expressa a elasticidade dos dois efeitos. Então, na verdade, estamos utilizando um coeficiente que nos diz o seguinte: qual seria o impacto na redução da pobreza se tivéssemos mantido o efeito da desigualdade constante? Ou seja, qual a renda hipotética que se deveria ter para reduzir pobreza, dado que a desigualdade permaneceu a mesma? Isso constrói a ideia de taxa de crescimento equivalente-pobreza. 50 50 Taxas Anuais de Crescimento, 2003 a 2012 Local Gini RENDA PEGR (PEGR – RENDA) FGT (0) FGT (1) FGT (2) FGT (0) FGT (1) FGT (2) Sudeste -1,16% 4,08% 7,64% 9,47% 11,83% 3,57% 5,39% 7,76% Brasil -1,12% 4,51% 7,72% 8,57% 9,63% 3,20% 4,05% 5,12% Nordeste -0,92% 6,25% 8,19% 8,62% 9,17% 1,94% 2,37% 2,92% Na verdade, o que estamos fazendo são exercícios contra-factuais, mantenho a curva de Lorenz estável no período inicial e aumentando a renda, e depois mantenho a renda constante e modificando a curva de Lorenz. Então, utilizando essa metodologia, de crescimento inclusivo, podemos verificar o que aconteceu com a evolução do bem-estar social. Olhando as evidências e utilizando esse indicador, verifica-se que essa medida de bem-estar foi mais intensa no nordeste, com 8,19% contra 7,64% no sudeste. Ou seja, interpretando esse resultado, significa que eu precisaria de muito mais renda no nordeste para atingir os mesmos objetivos comparados à região sudeste. Assim, a despeito de nós termos aumento de renda nas duas regiões, a redução de desigualdade no Nordeste provocou uma redução na pobreza com menor velocidade quando comparada ao sudeste, ou seja, a região sudeste apresenta um crescimento mais inclusivo nesse período. Ademais, esse indicador ajuda a entender o que está acontecendo com toda a distribuição de renda nas regiões analisadas. Esse resultado chama a atenção para uma questão central: por que os ganhos de renda no nordeste, apesar de serem mais intensos, não permitem um crescimento inclusive com mais intensidade que o sudeste? A resposta em parte estaria no comportamento do mercado de trabalho entre as duas regiões. Seria importante analisar entre outras coisas o comportamento do salário, produtividade e escolaridade nessas regiões. Não exploraremos esse tema aqui mas as evidências nos diz que de 2003 a 2012 a renda do trabalho no nordeste perdeu participação na renda total nos 5 primeiros quintis de renda. Claro que nessa região houve muito influencia das transferências e programas sociais na composição da renda. Par cipação (%) do Rendimento de Todos os Trabalhos por Décimos da População Ano de 2003 Ano de 2012 (2003 - 2012) % BR NE SE BR NE SE BR NE SE 1 (10% mais pobres) 75,7% 68,0% 77,1% 56,9% 30,8% 70,8% -24,9% -54,7% -8,1% 2 80,3% 78,5% 82,5% 72,4% 60,6% 77,8% -9,9% -22,7% -5,7% 3 80,2% 77,6% 81,1% 72,3% 68,8% 83,0% -9,8% -11,3% 2,3% 4 77,5% 79,4% 82,1% 77,3% 68,0% 84,5% -0,3% -14,4% 3,0% 5 79,1% 74,8% 72,2% 80,3% 65,1% 66,1% 1,5% -13,0% -8,4% 6 71,1% 69,1% 80,2% 63,0% 73,2% 80,0% -11,4% 5,9% -0,2% 7 78,6% 71,0% 78,5% 79,1% 65,3% 79,3% 0,6% -8,0% 1,0% 8 78,8% 67,3% 76,2% 79,3% 53,3% 78,2% 0,5% -20,8% 2,6% 9 76,9% 67,7% 75,5% 78,3% 74,0% 78,0% 1,7% 9,2% 3,4% 10 (10% mais ricos) 75,8% 74,2% 75,4% 78,5% 77,0% 78,1% 3,5% 3,7% 3,5% Todas as Famílias 76,7% 72,3% 76,5% 77,0% 70,9% 78,0% 0,5% -2,0% 2,0% 51 51 O quadro demonstra que a renda de todos os trabalhos perdeu participação ao comparar 2003 com 2012. Cabe destacar que no nordeste existe uma influência das transferências de renda e de programas sociais. Mas, isso não acontece com tanta força na região sudeste e para o Brasil como um todo. Este é um bom quadro para reflexão, especialmente, porque também mostra uma queda de 20% da renda do trabalho para aqueles que estão na linha 8, entre 2003 e 2012 na região nordeste. Programa para resultados (PforR) Outro tema que vou abordar rapidamente nessa exposição e que tem haver com ações que visam o combate a pobreza é uma experiência recente de empréstimo do governo do Ceará com o Banco Mundial, conhecida como Programa para Resultados. É a primeira experiência no mundo em relação a estados federativos ou entidades subnacionais. Não existe, inclusive, na América Latina em termos de países, nenhum programa com essa característica. No caso do Ceará, o título do programa foi batizado como um Programa de Crescimento Econômico, com Redução de Desigualdade e Sustentabilidade Ambiental. É uma forma de se incentivar ou construir um desenho de mecanismo para o setor público, para que ele cumpra o que se programou no Plano Plurianual (PPA). Nesse programa nós nos fixamos, em quatro grandes áreas: gestão pública; redução da pobreza com assistência a família; crescimento econômico com capacitação profissional e sustentabilidade ambiental. Como funciona esse programa? Em termos bem gerais, o Banco Mundial empresta um recurso e o desembolso é condicionado ao atingimento das metas acordadas, baseado em indicadores. No caso em questão, o valor desse empréstimo é de 350 milhões de dólares que devem ser utilizados nessas áreas. Mais do que o dinheiro em si, é a contribuição metodológica que ele gera para o comportamento do governo e isso é extremamente importante para criar a cultura da gestão para resultado no setor público. O ineditismo desse programa é porque as metas são construídas a partir de ações no PPA, e não indicadores específicos de uma secretaria. Por exemplo, a meta de redução da pobreza é algo que envolve várias secretarias, o que promove a articulação entre elas. Como exemplo de um programa podemos citar a questão dos egressos das escolas profissionalizantes. O estado do Ceará construiu e vem construindo mais de 100 escolas profissionalizantes de tempo integral. Então, uma questão importante é saber o destino dos alunos que vão 52 52 concluindo o curso, se realmente eles estão sendo absorvidos pelo setor privado e em que área ou se estão sendo treinados na direção correta que o mercado precisa. Nesse caso seria necessário construir um cadastro para monitorar o que está acontecendo com esse público. Outro exemplo que podemos citar é no combate a pobreza, que tem basicamente como foco à assistência a família. É construir uma meta para um número específico de famílias cujas crianças estão sendo assistida pelos programas de governo com esse foco. Penso que esse modelo de gestão que está se iniciando no Ceará pode produzir importantes resultados na gestão pública e servir de modelo para outros estados brasileiros no tocante a desenvolver políticas focadas com grande impacto principalmente na redução da pobreza e ai acelerar a queda desses indicadores que vem sendo observados. 53 53 3.5. O PLANO BRASIL SEM MISÉRIA: CARACTERÍSTICAS E RESULTADOS12 Tiago Falcão13 e Patrícia Vieira Da Costa14 Parte I – Elementos da Concepção e da Conformação do Plano Antecedentes A pobreza está presente no Brasil desde que ele começou a se configurar como nação, ainda no período colonial. Séculos de escravidão, seguidos por décadas de industrialização rápida e intensa, com urbanização desordenada e concentração de renda, forjaram no Brasil uma dívida social das mais expressivas de que se tem notícia. Somente a partir de 1930 começam a surgir as primeiras políticas sociais para lidar com esse passivo. Eram, no entanto, construções clientelistas ou focadas no mundo do trabalho formal e urbano, deixando de fora quem mais precisava delas: a imensa maioria de pobres, que à época ainda vivia no campo. Aos poucos, o país avançou no desenho de políticas públicas mais inclusivas, especialmente após a Constituição de 1988. Essas políticas foram, contudo, desenvolvidas de forma fragmentada e pulverizada entre as diversas áreas da atuação governamental, tais como saúde, educação, assistência social e trabalho. No que diz respeito à construção de uma rede de proteção social, a política estava voltada às pessoas incapacitadas para o trabalho por conta de idade avançada ou deficiência. Assim, ela orbitava a pobreza, mas ainda sem tê-la exatamente como foco. Isso mudou com a chegada do Programa Bolsa Família, que atende a população produtiva em idade ativa, transferindo renda às famílias pobres, especialmente àquelas com crianças. 12 Este artigo contou, ainda, com a colaboração de Bruno Teixeira, Emanuelle Oliveira, Isabel Costa, Janine Melo, Luciana Oliveira, Luiz Muller, Marcelo Cabral, Marina Farias, Rafael Mafra e Raphaella Bandeira, bem como com a revisão de Marina Farias, todos da equipe do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. 13 Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. 14 Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome 54 54 A criação do Bolsa Família fez parte de uma reorientação que, na última década, colocou as políticas sociais no centro da estratégia brasileira de desenvolvimento, com importantes reflexos em vários indicadores sociais. Entre 2001 e 2012, a expectativa de vida ao nascer aumentou 4,2 anos, a taxa de mortalidade infantil caiu 50%, a mortalidade materna recuou 23%, a taxa de frequência à escola chegou a 98,3% no ensino fundamental e a taxa de analfabetismo diminuiu 32%15. O combate à pobreza foi assumido como prioridade de governo. Contrariando a tradição e o senso comum, os rendimentos que cresceram em ritmo mais acelerado entre 2001 e 2012 foram os dos domicílios do primeiro quintil – ou seja, os 20% mais pobres16 Progressos como esses permitiram à atual gestão federal colocar ao governo e à sociedade um grande desafio: a superação da extrema pobreza em todo o território nacional até o final de 2014 com o Plano Brasil sem Miséria, cujos resultados já são sentidos em todo o país. O maior deles foi ter retirado 22 milhões de pessoas da extrema pobreza. Foi o fim da miséria, do ponto de vista da renda, no universo do Bolsa Família. E ao mesmo tempo foi só um começo, porque o Plano tem diversas outras frentes de atuação para melhorar a vida dos brasileiros mais pobres. Público-alvo O Plano Brasil Sem Miséria (BSM) foi criado em junho de 2011 com o objetivo de superar a extrema pobreza em todo o país. O público prioritário são os brasileiros que ainda estavam em situação de extrema pobreza, ou seja, com renda mensal inferior a R$ 70, quando do lançamento do Plano. 15 Sistema de Informação sobre Mortalidade/Ministério da Saúde (SIM/MS) para mortalidade materna e infantil; Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNAD/IBGE – Dados Harmonizados: Brasil sem Norte Rural) para as demais informações. Ver estes e outros resultados em “Indicadores de Desenvolvimento Brasileiro”. 16 Idem. 55 55 Box 1: A linha de extrema pobreza A definição da linha de extrema pobreza utilizada no âmbito do Brasil Sem Miséria levou em conta a linha administrativa usada pelo Programa Bolsa Família. E está em harmonia com aquela utilizada pelo Banco Mundial, de US$ 1,25 por pessoa por dia pela Paridade do Poder de Compra (PPP), o que facilita a comparação internacional dos resultados obtidos no Plano. Essa linha é, inclusive, o parâmetro das Nações Unidas para aferição do cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). A partir de junho de 2014, para manter a sintonia em relação ao parâmetro do Banco Mundial, a linha de extrema pobreza adotada pelo Plano e a linha de extrema pobreza do Programa Bolsa Família foram reajustadas para R$ 77 reais mensais per capita. 56 Além do público prioritário, o Plano BSM atende também outras pessoas registradas no Cadastro Único para Programas Sociais, cuja baixa renda as torna vulneráveis à pobreza extrema. Além disso, o Plano dá atenção especial, em todos os seus eixos (ver abaixo informações sobre os três eixos do Brasil sem Miséria), a crianças, jovens, mulheres, negros, população em situação de rua, catadores de material reciclável, indígenas, povos e comunidades tradicionais e outros grupos em situação de vulnerabilidade social. Uma abordagem multidimensional: os três eixos Embora a renda seja uma variável fundamental nessa discussão, a extrema pobreza se manifesta de múltiplas formas. Além da insuficiência de renda, há insegurança alimentar e nutricional, baixa escolaridade, pouca qualificação profissional, fragilidade de inserção no mundo do trabalho, acesso precário à água, à energia elétrica, à saúde e à moradia; entre outras privações. Superar a extrema pobreza requer, portanto, a ação intersetorial do Estado. É por isso que o Brasil sem Miséria, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), envolve ao todo 22 ministérios, além de bancos públicos, outros órgãos e entidades, estados, municípios, setor privado e terceiro setor. Juntos, esses parceiros desenvolvem as cerca de 100 ações que compõem o Plano, distribuídas em três grandes eixos de atuação. 56 57 57 O primeiro desses eixos é o de garantia de renda, relativo às transferências monetárias para alívio imediato da situação de extrema pobreza, complementando a renda das famílias. O segundo é o eixo de inclusão produtiva (urbana e rural), com oferta de oportunidades de qualificação profissional, ocupação e renda ao público-alvo do Plano, com estratégias específicas para o campo e a cidade. O terceiro é o eixo de acesso a serviços, para provimento, ampliação e aprimoramento de serviços públicos, de modo a melhorar as condições de vida do público-alvo do Plano, promovendo sua cidadania e rompendo o ciclo intergeracional de reprodução da pobreza. Assim, o Brasil Sem Miséria aborda o fenômeno multidimensional da pobreza de uma maneira integral, abarcando ações, programas e políticas que ajudam as famílias a superar toda uma gama de insuficiências e fragilidades que as mantinham na miséria, e a sair dessa condição. Box 2: Ministérios participantes Além do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), participam do Plano Brasil Sem Miséria a Casa Civil e a Secretaria Geral da Presidência da República; e os Ministérios da Fazenda; do Planejamento, Orçamento e Gestão; do Desenvolvimento Agrário; da Educação; da Saúde; das Cidades; do Trabalho e Emprego; da Integração Nacional; do Meio Ambiente; de Minas e Energia; da Previdência Social; da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; da Pesca e Aquicultura; e as Secretarias das áreas de Relações Institucionais, Direitos Humanos, Políticas para Mulheres, Igualdade Racial e Assuntos Estratégicos. O Cadastro Único e a busca ativa Para que a escala nacional e o caráter intersetorial e intergovernamental do Plano Brasil Sem Miséria (BSM) não sejam um obstáculo ao sucesso das ações, é necessário o apoio de ferramentas e redes como o Cadastro Único para Programas Sociais, que reúne essas três características, e a rede do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que reúne a primeira e a última delas. Talvez o elemento mais central para a concepção e a implementação do Plano BSM seja o Cadastro Único, ferramenta essencial para soluções integradas de combate à pobreza. O Cadastro Único é a única fonte que traz informações detalhadas sobre as famílias mais pobres em todo o país. Ele permite que o poder público saiba quem são os membros dessas famílias, onde moram, quais as características dos seus domicílios, sua idade, escolaridade e informações sobre trabalho e renda, entre outras. A partir de sua identificação no Cadastro, esses brasileiros têm acesso a vários dos programas que fazem parte do Plano Brasil Sem Miséria e que utilizam as informações cadastrais no momento da seleção de seus beneficiários. Assim, o Cadastro Único permite ao poder público identificar as famílias mais vulneráveis para então transferir-lhes renda, matricular seus integrantes em cursos profissionalizantes, oferecer-lhes serviços de assistência técnica e extensão rural, dar-lhes acesso à água ou a tarifas reduzidas de energia elétrica, entre muitas outras oportunidades. O Cadastro Único é coordenado pelo MDS e operado pela rede SUAS em todos os municípios do Brasil, com o apoio dos estados, e perpassa quase todas as ações que fazem parte do Brasil sem Miséria. No início do Plano, havia cerca de 22 milhões de famílias de baixa renda registradas no Cadastro Único17, o que correspondia a aproximadamente 75 milhões de pessoas, incluindo a maior parte da população extremamente pobre do país. Contudo, em que pese o esforço de inclusão da população de baixa renda no Cadastro, persistia um percentual de exclusão. Muitas das pessoas que ainda não faziam parte do Cadastro viviam em áreas isoladas, ou nos bolsões de pobreza dos grandes centros 17 Quando o Plano completou três anos, havia 23,2 milhões de famílias cadastradas. 58 58 urbanos, ou em outras áreas nas quais é difícil o acesso aos programas e serviços oferecidos pelo poder público. Tais famílias dificilmente teriam as informações ou os meios para buscar esses programas e serviços, e por isso o Estado não pode esperar que elas tomem a iniciativa de buscar os seus direitos e as oportunidades à sua disposição. O poder público é que precisa ir aonde a extrema pobreza está. Essa inversão representa uma importante mudança de paradigma de gestão pública. E é justamente para ir aonde seu público-alvo está que o BSM desenvolve ações conhecidas como busca ativa, cuja meta é encontrar e cadastrar todas as famílias extremamente pobres ainda não localizadas e incluí-las no Programa Bolsa Família. Para apoiar os municípios na estratégia de busca ativa, o Brasil sem Miséria criou as equipes volantes da assistência social e aumentou os repasses de recursos do Governo Federal para as prefeituras desenvolverem ações ligadas à gestão do Cadastro Único e do Bolsa Família (mais informações sobre a busca ativa na Parte II deste documento). Características das ações Tendo em vista que a pobreza é um fenômeno multidimensional, que se manifesta de diferentes maneiras em cada região e localidade de todo o país, o Plano Brasil sem Miséria precisava de ações intersetoriais, articuladas e integradas, desenvolvidas de forma pactuada entre União, estados e municípios. Nesse sentido, o Programa Bolsa Família foi paradigmático para a concepção do Plano BSM. Em primeiro lugar, por articular ações de diversas áreas – especialmente saúde, educação e assistência social, em razão do acompanhamento de condicionalidades previsto para as famílias do Programa. Um exemplo são as transferências do Bolsa Família a gestantes, uma iniciativa do Plano Brasil sem Miséria que requer a atuação da rede de saúde informando a realização dos exames pré-natais para viabilizar o pagamento do benefício (mais informações sobre intersetorialidade do Bolsa Família no item sobre eficiência em gestão). Em segundo lugar, o Bolsa Família é estruturante por funcionar numa perspectiva de gestão compartilhada entre os entes federados. Além disso, foram a expansão e o 59 59 fortalecimento do Programa que proporcionaram o desenvolvimento do Cadastro Único para Programas Sociais, um dos elementos fundamentais do Brasil sem Miséria. Tudo isso conformava uma plataforma importante, mas para fazer frente ao desafio de superar a extrema pobreza era preciso ir além. Não só articulando e integrando dezenas de outros esforços com impactos importantes em termos de redução da pobreza, mas que estavam dispersos entre as diversas áreas da atuação governamental, como também atuando de maneira concertada entre União, estados e municípios. Era necessário, ainda, o empenho redobrado da administração central em simplificar o desenho e a implementação dos programas nos quais a gestão é compartilhada entre os entes federados, de modo a facilitar sua atuação. Assim, para retirar milhões de pessoas da extrema pobreza, num esforço que abrange todo o território nacional, em um prazo relativamente curto, o Plano BSM buscou ações cujas principais características são: Foco no público extremamente pobre; Grande escala, de modo a atingir um contingente significativo de população; Perspectiva nacional (ainda que com destaques regionais), de maneira a alcançar os extremamente pobres em todo o país; e Estrutura que permita execução ágil, de modo a garantir a tempestividade requerida, dado o prazo de duração do Plano (até o final de 2014). Por fim, mas não menos importante, foi preciso levar em conta algumas especificidades da população mais vulnerável. Para além da insuficiência de renda, a baixa escolaridade, as longas jornadas de trabalho e o acesso restrito a informações são alguns dos obstáculos que limitam o acesso desse público às oportunidades que o país oferece. O atendimento a essas pessoas requer cuidados e atenção diferenciados, tendo em vista tais características, de modo a evitar que elas sejam afastadas ao invés de incluídas nos serviços de que mais necessitam, caso eles não estejam adaptados à sua realidade (mais informações sobre a adaptação de iniciativas ao público-alvo na Parte II, onde são comentadas estratégias emblemáticas do BSM). 60 60 Mescla de iniciativas novas e pré-existentes O Plano Brasil Sem Miséria (BSM) inclui diversas políticas já existentes e consolidadas, influenciando-as de acordo com a ótica da extrema pobreza. Ele amplia, renova e articula iniciativas que vinham apresentando resultados expressivos no combate à pobreza, como é o caso do Programa Bolsa Família, do Programa Mais Educação e do Programa de Aquisição de Alimentos. Mas também foram concebidas iniciativas originais, desenhas especialmente para compor o Plano, nas áreas onde ainda havia espaço para inovação. Abaixo, as principais delas. No eixo de garantia de renda: Benefício Variável à Gestante; Benefício Variável Nutriz; Benefício para Superação da Extrema Pobreza. No eixo de inclusão Produtiva: Pronatec Brasil sem Miséria; Acessuas Trabalho; Bolsa Verde; Fomento às Atividades Produtivas Rurais. No eixo de acesso a serviços: Ação Brasil Carinhoso; Equipes volantes da assistência social; Lanchas para equipes volantes da assistência social. Coordenação A Secretaria Extraordinária para Superação da Extrema Pobreza (Sesep) é a estrutura do MDS responsável pelas atividades de gestão, avaliação e monitoramento do Brasil sem Miséria. Por se configurar como uma instância de coordenação, a Sesep desempenha suas tarefas em forte articulação com os diversos parceiros do Plano. Isso ocorre em salas de situação temáticas, com reuniões periódicas das quais participam representantes dos 61 61 diversos órgãos do Governo Federal e outros atores envolvidos no Plano. Como mencionado anteriormente, participam do Brasil sem Miséria, além de órgãos da administração direta do Governo Federal, outros órgãos e entidades, bancos públicos, estados, municípios, setor privado e terceiro setor. A atuação concertada de tantos atores é tarefa complexa. Se, por um lado, a parceria com os ministros, governadores e prefeitos foi construída a partir da constatação, em âmbito nacional, amplamente reafirmada pela Presidente da República, de que o combate à pobreza extrema é fundamental para a construção do país mais justo – e é tarefa de todos –, por outro lado a parceria no nível técnico vem sendo “costurada” dia após dia, nas salas de situação e no contato com os estados, os municípios e os movimentos sociais. Um diálogo horizontal em que a busca por soluções se dá por meio do debate sobre as opções colocadas e não por imposição da instância de coordenação do Plano. Box 3: Salas de situação As salas de situação – cada uma relativa a uma área, e composta por uma equipe intersetorial diferente – são estruturas de monitoramento e acompanhamento que viabilizam a gestão e o tratamento das informações que subsidiam as decisões tomadas no Plano Brasil Sem Miséria. São instâncias de caráter gerencial e informacional que permitem a avaliação detalhada das ações, com o levantamento de restrições, atrasos, possíveis riscos e resultados atingidos. A periodicidade de suas reuniões pode ser mensal ou bimestral, dependendo da ação. O monitoramento gerencial das ações do Brasil Sem Miséria obedece ao seguinte fluxo: os ministérios setoriais coletam e organizam as informações acerca das ações sob sua supervisão no Plano (sejam elas executadas diretamente por suas equipes ou não) e avaliam sua consistência, para então consolidá-las e transmiti-las ao MDS e aos demais ministérios nas salas de situação. Por se tratar de uma instância de coordenação, que não executa ações finalísticas, a Sesep trabalha com uma equipe relativamente pequena. Nos dois primeiros anos do Plano, contava com cerca de 30 funcionários. Recentemente a equipe foi ampliada para 52 servidores. 62 62 Articulação federativa Todos os estados brasileiros aderiram ao Plano Brasil Sem Miséria (BSM), por meio de pactuação voluntária. A Presidente Dilma Rousseff e a Ministra Tereza Campello foram às cinco regiões do país lançar pactos regionais para a superação da extrema pobreza, assinados por todos os governadores e as governadoras. Muitos estados deram um passo além e lançaram planos próprios de combate à miséria18, potencializando ações que envolvem o Governo Federal e lançando ou fortalecendo ações estaduais. Várias unidades da federação, que tinham espaço fiscal para tanto, passaram a pagar complementações aos valores transferidos pelo Programa Bolsa Família19. Com isso, o esforço para superar a extrema pobreza ganhou componentes com desenhos adaptados às formas com que a pobreza se manifesta em cada parte do Brasil, num movimento coordenado sem precedentes em termos de federalismo social. Além de manter contatos bilaterais constantes com os estados, o Brasil sem Miséria promoveu, em 2012 e em 2013, dois grandes encontros com todos os seus interlocutores estaduais, no intuito de compartilhar e discutir as soluções, encontradas em cada unidade da federação, para superar a extrema pobreza. A partir de 2013, com início das novas administrações municipais, o Brasil sem Miséria aproximou-se ainda mais das prefeituras, lançando materiais online e impressos para mostrar aos gestores municipais, de maneira simples e direta, como implantar, operar ou aprimorar os principais programas que fazem parte do Plano, disponibilizando-os ou tornando-os mais acessíveis à sua população. Foi lançado também o sítio “Brasil sem Miséria no seu município” (www.brasilsemmiseria.gov.br/municipios), com relatórios 18 Acre, Amapá, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe, Tocantins. 19 Onze estados implantaram complementação das transferências do Programa Bolsa Família: Acre, Amapá, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo. No caso do Acre, a pactuação era anterior ao Brasil sem Miséria; as demais complementações foram pactuadas ou repactuadas na vigência do Plano. Atualmente, sete estados têm pactuações ativas: Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. As demais deixaram de ter efeito com a criação de um novo benefício do Bolsa Família, que fecha o hiato de extrema pobreza, detalhado na Parte II, no capítulo sobre o ciclo de aperfeiçoamentos no Bolsa Família. 63 63 atualizados bimestralmente, contendo informações customizadas para cada uma das cidades brasileiras sobre o atual estágio das ações do Brasil sem Miséria em seu território. Vários eventos com prefeitos(as) e secretários(as) municipais em todo o país tiveram a participação de equipes do MDS empenhadas em apresentar, com o apoio dos materiais e relatórios mencionados acima, a estratégia do Brasil sem Miséria e seus principais programas. O resultado é que muitos municípios também lançaram seus planos locais de superação da extrema pobreza e de cuidados na primeira infância, inspirados no modelo do Brasil sem Miséria e da Ação Brasil Carinhoso, iniciativa do Plano voltada ao desenvolvimento infantil (mais detalhes sobre a Ação Brasil Carinhoso adiante). 64 64 Transparência e participação social O Plano Brasil Sem Miséria (BSM) faz divulgações periódicas de dados sobre a evolução quantitativa e qualitativa das ações que o compõem, a partir de informações declaradas pelos órgãos executores do Plano. Para facilitar a prestação de contas e o acompanhamento pelos setores público e privado e pela sociedade civil, os documentos estão disponíveis na internet, no endereço http://www.brasilsemmiseria.gov.br. Atualmente, há três instâncias de prestação de contas no modelo de divulgação de resultados do Plano: Dados nacionais, publicados semestralmente na aba “Caderno de Resultados”; Dados por estado, com atualização bimestral na aba “Brasil sem Miséria no seu Estado”; Dados municipalizados, com atualização bimestral na aba “Brasil sem Miséria no seu Município”. Além de ter acesso a essas informações, a sociedade civil é convidada periodicamente a participar de rodadas de diálogo com o Governo Federal sobre os resultados e os rumos do Plano. Esses eventos são organizados em conjunto pelo MDS e pela Secretaria Geral da Presidência da República. Desde 2011, já foram realizadas quatro grandes rodadas de diálogo. Os encontros ocorrem no Palácio do Planalto, com a presença de ministros das pastas que atuam no Brasil sem Miséria e de representantes de centenas de entidades da sociedade civil, das mais variadas áreas de atuação e de todas as partes do país, tendo em vista a intersetorialidade e a abrangência nacional do Plano. Essas atividades de divulgação, controle e participação social do Brasil Sem Miséria não substituem aquelas já existentes e consolidadas nos diversos ministérios responsáveis pelas ações que compõem o Plano. Funcionam para a discussão do Brasil Sem Miséria enquanto um amplo esforço coordenado nacional em torno de um objetivo comum, sem que se prescinda dos mecanismos já estabelecidos no âmbito de cada iniciativa ou instituição participante. Recursos financeiros Em 2014, o valor total das ações apontadas no Orçamento Geral da União (OGU) como Brasil sem Miséria é de R$ 33,4 bilhões. Mas nem todas as ações que fazem parte do Plano Brasil sem Miséria estão assim identificadas no OGU. Isso se deve ao fato de que, por seu caráter universal, elas já alcançam o público em extrema pobreza, tendo ou não um componente desenhado especificamente para esse segmento da população. É o caso das ações de saúde e educação, que possuem sua própria estrutura de repasse aos entes federados responsáveis pela execução das políticas. A construção, reforma ou ampliação de Unidades Básicas de Saúde (UBS) é um exemplo: faz parte do Plano por priorizar a expansão em áreas com grande concentração de extrema pobreza, mas não consta do Orçamento como tal porque não está restrita a elas. Outro exemplo é o Programa Mais Educação, que oferece educação em período integral em escolas de todo o país, priorizando em sua expansão escolas com maioria de alunos do Programa Bolsa Família, sem contudo limitar-se a essas escolas. Por outro lado, há programas que constam do Orçamento como sendo parte do Brasil sem Miséria, ainda que nem todo o seu público seja o de extrema pobreza. É o caso do Bolsa Família, que atende famílias pobres e extremamente pobres. A marcação como Brasil sem Miséria justifica-se pela volatilidade da renda do público-alvo do programa, que frequentemente transita entre as situações de pobreza e extrema pobreza. No que diz respeito ao BSM enquanto instância de coordenação, ou seja, às atividades da Sesep, os recursos empregados são muito limitados, porque a Secretaria é uma estrutura enxuta e não é unidade executora de políticas finalísticas. 65 65 Eficiência em gestão O Plano Brasil Sem Miséria (BSM) aproveita as sinergias entre as ações dos diversos atores envolvidos. Atuando de maneira otimizada, fortalecida, conjunta, todos os participantes do Plano veem aumentar a eficiência, a eficácia e a efetividade do trabalho que realizam. Dentre os vários exemplos de uso eficiente de recursos no Brasil sem Miséria, destacam-se três casos emblemáticos. O uso do cartão magnético do Bolsa Família é um deles. Ao invés de emitir um novo cartão para pagar aos agricultores familiares os recursos do Fomento às Atividades Produtivas Rurais, outro para pagar o Bolsa Verde, um para pagar as complementações que alguns estados e municípios fazem ao Bolsa Família, entre outros tipos de transferência, optou-se, dentro do Plano, por concentrar os pagamentos num cartão só. Trata-se do cartão do Bolsa Família, compartilhado entre União, estados e municípios, e entre programas diferentes. Isso economiza os custos de emissão de novos cartões; reduz as taxas cobradas dos executores dos programas pelos bancos a cada depósito feito e tornou desnecessária a criação de um sistema de pagamentos exclusivo para gerenciar os benefícios de novos programas. Além disso, o fato de lidar com um só cartão magnético facilita sobremaneira a vida das famílias. A utilização do Cadastro Único também confere eficiência ao Plano, por concentrar num só instrumento atividades de registro, diagnóstico e seleção de público para uma série de iniciativas, como o Bolsa Família, os serviços de assistência técnica e extensão rural, os de Fomento, a construção de cisternas, a matrícula no Pronatec Brasil sem Miséria, entre outros. O custo para desenvolver e manter sistemas de informação diferentes para cada um desses programas seria altíssimo em termos financeiros, e talvez ainda maior em termos de perda de oportunidades de articulação e de sinergia entre as ações. Por fim, o uso de fundos já existentes para transferências de volumes expressivos de recursos financeiros, repassados de maneira simples e rápida pelo Governo Federal para potencializar a atuação dos municípios, também configura utilização eficiente de recursos. Não só pela pré-existência dos mecanismos, mas também pela simplicidade dos procedimentos, que dispensam a preparação, assinatura, gestão e acompanhamento de convênios ou outras formas de transferir recursos entre entes federativos. 66 66 É o que acontece, por exemplo, com os recursos do Acessuas Trabalho, destinados a apoiar os municípios em ações de inclusão produtiva, transferidos pelo Governo Federal via Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS). E também com os recursos suplementares relativos a vagas ocupadas por crianças do Bolsa Família nas creches das redes municipais de educação infantil, transferidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) com procedimentos simplificados de adesão e prestação de contas. Situação similar já ocorria antes do BSM com as transferências para escolas em tempo integral no Programa Mais Educação e com os repasses para fortalecer a gestão estadual e municipal do Cadastro Único e do Bolsa Família. 67 Parte II - Estratégias emblemáticas e seus principais resultados Garantia de renda – Ciclo de aperfeiçoamentos no Bolsa Família As oportunidades de inovação em programas de sucesso tendem a ser muito reduzidas. Este era o caso do Programa Bolsa Família. No entanto, mesmo tendo produzido ótimos resultados e obtido reconhecimento tanto nacional quanto internacional, o Bolsa Família precisou ser repensado para fazer frente às metas e aos prazos estabelecidos no Plano Brasil Sem Miséria (BSM). Duas questões essenciais foram colocadas. Em primeiro lugar, era necessário reconhecer a existência de beneficiários do Bolsa Família que, mesmo recebendo as transferências monetárias do Programa, permaneciam em extrema pobreza. Os valores recebidos, somados à renda original das famílias, ainda eram insuficientes para essas famílias ultrapassassem a linha estabelecida pelo Plano. Em segundo lugar, era preciso fazer ajustes em termos da cobertura do Programa e de seus erros de exclusão. A resposta ao primeiro desafio começou a ser dada a partir da medida que estreou o BSM, em 2011: um reajuste dos benefícios do Programa Bolsa Família que favoreceu especialmente as famílias com crianças e adolescentes. Essa decisão baseou-se em diagnóstico que mostrava que essa era a faixa etária de maior incidência de pobreza extrema na época do lançamento do Plano, quando 40% da população miserável tinha menos de 14 anos. Os benefícios destinados a crianças e 67 adolescentes de até 15 anos tiveram reajuste de 45,5% em 2011; no caso dos jovens de 16 e 17 anos, o aumento também foi considerável, de 15,2%. Ainda naquele ano, o Brasil Sem Miséria ampliou de três para cinco o número de benefícios destinados a crianças e adolescentes que cada família pode receber, gerando 1,3 milhão de novos benefícios na faixa de zero a 15 anos. Além disso, teve início o pagamento de benefícios para famílias com gestantes ou com bebês em fase de amamentação. A principal inovação do BSM na atenção às crianças, contudo, veio em 2012, com o lançamento da Ação Brasil Carinhoso (mais informações sobre a Ação Brasil Carinhoso adiante, no capítulo sobre primeira infância). A estratégia foi desenhada para retirar da miséria todas as famílias beneficiárias do Bolsa Família com filhos na primeira infância20, fase crucial do desenvolvimento humano. Para enfrentar esse desafio, o Bolsa Família teve que, de certa forma, se reinventar. Após anos trabalhando com valores fixos, lançou o benefício de superação da extrema pobreza, que varia de acordo com a severidade da pobreza de cada família21, modificando a lógica de cálculo de benefícios do Programa. Isso permitiu amplificar os efeitos do Bolsa Família ao menor custo possível. O novo benefício, um dos pilares da Ação Brasil Carinhoso, era pago às famílias com crianças de até seis anos. Deu tão certo que, posteriormente, foi estendido às famílias com crianças de até 15 anos. Com isso, a diferença entre as crianças e adolescentes as demais faixas etárias, em termos de incidência de extrema pobreza deixou de existir. No início de 2013, o benefício de superação da extrema pobreza passou a ser pago a todas as famílias do Bolsa Família que ainda não haviam superado essa condição. Essa medida concluiu a primeira etapa de um ciclo de aperfeiçoamentos no Bolsa Família, cujo resultado foi ter retirado 22 milhões de pessoas da extrema pobreza desde o início do BSM. E marcou o fim da miséria, do ponto de vista da renda, no universo de beneficiários do Programa Bolsa Família. Para viabilizar essa primeira parte do ciclo de aperfeiçoamentos no Bolsa Família, houve forte aumento no orçamento de benefícios do Programa (que saltou de R$ 15 bilhões em 20 Aqui entendida como o período que vai de zero a 6 anos de idade. 21 O novo benefício fecha o hiato de extrema pobreza. 68 68 2010 para R$ 24 bilhões em 2013). O benefício médio, no mesmo período, passou de R$ 95 para R$ 152, alcançando R$ 216 para as famílias que recebem o benefício de superação da extrema pobreza. Mas os aprimoramentos no Bolsa Família não pararam por aí. Em 2014, os benefícios do programa tiveram um reajuste de 10%, acompanhando o reajuste da linha de extrema pobreza do Brasil sem Miséria e das linhas de pobreza e extrema pobreza do Bolsa Família (como mencionado na Parte I, no capítulo sobre público-alvo). Gráfico 1: Ciclo de aperfeiçoamentos no Programa Bolsa Família (2011-2014) 69 69 Em relação ao desafio de melhoria da cobertura do Programa e de redução dos erros de exclusão, destaca-se o aumento da estimativa de atendimento do Bolsa Família de 12,9 milhões de famílias beneficiárias no início do Plano para 14,1 milhões no começo de 2014. Isso foi possível a partir do esforço de busca ativa, compartilhado pelos governos federal, estaduais e municipais. A busca ativa trouxe mais de um milhão de famílias extremamente pobres para o Cadastro Único e o Bolsa Família desde o lançamento do Brasil sem Miséria. Esse esforço, descrito na Parte I deste documento, modifica a forma de atuação do poder público, que, de forma inovadora, passa a buscar os pobres para incluí-los em uma série de programas que vão melhorar suas vidas. Incluindo o Pronatec Brasil sem Miséria, descrito logo abaixo. A estratégia de inclusão produtiva urbana Os brasileiros pobres em idade adulta são, em sua grande maioria, economicamente ativos. Contudo, sua inserção no mundo do trabalho tende a ser precária, com renda baixa e instável. Em larga medida, isso se deve ao fato de não terem tido acesso à educação e auma boa qualificação profissional. A estratégia de inclusão produtiva do Brasil sem Miséria trouxe novas perspectivas a esse público. O carro-chefe da estratégia em áreas urbanas é o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (conhecido, em sua vertente voltada às pessoas de baixa renda, como Pronatec Brasil sem Miséria), que oferece cursos gratuitos de qualidade reconhecida pelo Ministério da Educação (responsável pelo Programa) e pelo mercado. Os cursos são ministrados por entidades do “Sistema S”22 ou por escolas que fazem parte das redes públicas federal e estaduais de ensino profissional, técnico e tecnológico. Os cursos têm duração mínima de 160 horas e há mais de 400 modalidades, incluindo operador de computador, recepcionista, auxiliar administrativo, eletricista e pedreiro. Tentativas anteriores de conferir escala à qualificação profissional, incorporando também a população mais pobre, não prosperaram em razão das especificidades desse grupo, que requer políticas desenhadas sob medida. Falta de acesso a informações, baixa escolaridade, jornada de trabalho de várias horas ao dia e longas distâncias a percorrer até a escola são alguns dos obstáculos que, somados à baixa renda, dificultam a participação desse público. Buscando contornar tais entraves, o Governo Federal, além de cobrir os custos dos cursos, paga o material didático, transporte e lanche. Entretanto, ainda havia dois grandes desafios. Primeiro, a dificuldade de divulgar os cursos e de sensibilizar o público quanto à importância de sua qualificação. Muitos sequer se viam como destinatários da política. A entrada da rede de assistência social na estratégia mudou essa situação. A experiência no atendimento a famílias vulneráveis, a abrangência nacional 22 Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat) e Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). 70 70 e a capilaridade dessa rede fazem dela o parceiro ideal para levar as informações sobre o Pronatec BSM até o público de baixa renda e para encaminhá-lo aos cursos e aos serviços de intermediação de mão de obra. Outro desafio era o de adaptar os cursos ao público. O material didático foi revisto e o início das novas turmas passou a ser precedido de um período de acolhimento, planejado para recepcionar as pessoas mais pobres. Ao contrário de iniciativas anteriores, agora, a maior parte dos alunos (43%) estuda em período noturno, de modo a conciliar trabalho e estudo – o que também requereu a adaptação das instituições que ministram os cursos. Os pré-requisitos de escolaridade foram reavaliados, pois muitas modalidades exigiam nível de escolaridade incompatível com o público do BSM. Hoje, 62% das matrículas são para cursos que exigem apenas o ensino fundamental incompleto. A quantidade de vagas e os cursos oferecidos em cada cidade que adere ao Pronatec BSM são negociados entre o poder público, as escolas, os trabalhadores e o empresariado. A decisão leva em consideração a vocação econômica local e os déficits de mão de obra da região, aumentando as chances de contratação dos formados. Em pouco mais de dois anos, o Pronatec BSM já teve mais de um milhão de matrículas – quase 70% feitas por mulheres. E o Programa não ficou restrito às capitais e às grandes cidades: atualmente, 3.479 municípios de todos os portes têm oferta de cursos. Gráfico 2: Evolução das matrículas no Pronatec Brasil Sem Miséria 71 71 As ações de intermediação, fundamentais para a inserção no mercado de trabalho, são executadas por uma rede coordenada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com apoio da rede de assistência social. Não menos importante é a parceria com as empresas responsáveis por grandes obras de infraestrutura, para qualificar e contratar o público da região dos empreendimentos, reduzindo a migração de trabalhadores e mitigando problemas sociais decorrentes dessas movimentações. Box 4: Acessuas Trabalho O Programa Nacional de Promoção do Acesso ao Mundo do Trabalho (Acessuas Trabalho) transfere recursos do Governo Federal aos municípios para o desenvolvimento de ações que contribuam para a integração dos usuários da assistência social no mundo do trabalho. O Programa desenvolve um conjunto de ações de articulação com a política de trabalho, emprego e renda e realiza articulação, mobilização e encaminhamento para acesso a oportunidades e políticas afetas ao trabalho e emprego, incluindo os cursos do Pronatec Brasil Sem Miséria, as ações de intermediação de mão de obra (que aproximam potenciais trabalhadores e empregadores) e de economia solidária. A qualificação do Pronatec também melhora a inserção produtiva dos empreendedores. Em novembro de 2013, mais de 360 mil beneficiários do Programa Bolsa Família já haviam se registrado como microempreendedores individuais, de maneira simplificada e a custo reduzido, passando a contar com os benefícios previdenciários e as demais vantagens da formalização. Esses empreendedores também podem participar do programa de assistência técnica e gerencial coordenado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Para estruturar e expandir os negócios, eles têm acesso ao microcrédito produtivo orientado do Programa Crescer, com taxa de juros reduzida de 60% para apenas 5% ao ano, e taxa de abertura de crédito diminuída de 3% para 1%. Já foram feitas 2,8 milhões de operações com beneficiários do Bolsa Família. 72 72 Gráfico 3: MEIs beneficiários do Bolsa Família 73 73 Gráfico 4: Microcrédito Produtivo Orientado e beneficários do Bolsa Família A estratégia de inclusão produtiva rural No campo, o Brasil sem Miséria articulou de forma inédita as informações do Cadastro Único e os programas oferecidos aos agricultores familiares, numa perspectiva sistêmica que leva ao público do Plano acesso ao “pacote completo” de inclusão produtiva rural: assistência técnica especializada, recursos de fomento para investir nas propriedades, água e energia elétrica, além de apoio à comercialização da produção por meio de compras públicas e privadas. Para aprimorar o processo produtivo, as famílias têm acompanhamento individualizado e continuado de técnicos agrícolas, que compartilham formas de aumentar a produção, a qualidade e o valor dos produtos. Até abril de 2014, já haviam sido contratados serviços para atender 286 mil famílias no semiárido. Como essas famílias não dispõem de meios para investir em suas terras, recebem 2,4 mil reais em recursos não reembolsáveis para usar na implantação do projeto produtivo construído em conjunto com os técnicos agrícolas. 73 mil famílias já estão sendo beneficiadas com esses recursos. Além disso, são distribuídos insumos e sementes para aumentar a qualidade da produção. Unindo assistência técnica e recursos para investir, as famílias conseguem produzir mais, melhorando sua alimentação e gerando excedentes com qualidade para serem vendidos. Um dos canais de comercialização é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que compra a produção de agricultores familiares sem precisar de licitação. Box 5: Programa Bolsa Verde Caso as famílias inseridas no Cadastro desenvolvam atividades sustentáveis em áreas socioambientais prioritárias, elas podem receber as transferências monetárias do Programa Bolsa Verde, uma inovação do Plano Brasil sem Miséria. Coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, o Bolsa Verde promove o aumento de renda dessas populações, ao mesmo tempo em que incentiva a conservação dos ecossistemas. Cada uma das quase 60 mil famílias beneficiadas até abril de 2014 recebe, pelo cartão do Programa Bolsa Família, depósitos trimestrais de R$ 300, por um período de até dois anos. Para tanto, as famílias se comprometem a manter a vegetação e fazer uso sustentável dos recursos naturais das áreas onde vivem. 74 74 O Brasil Sem Miséria (BSM) acelerou muito a entrega de resultados de várias iniciativas, graças a melhorias de eficiência na gestão de esforços como o da implementação de cisternas do programa Água Para Todos. Entre 2003 e 2010, a média anual de cisternas entregues era de 47 mil. Com pouco mais de dois anos e meio de Plano, em abril de 2014, já haviam sido entregues 579 mil cisternas, aumentando a média anual em mais de três vezes. O monitoramento intensivo realizado pela “sala de situação de água” foi essencial para alcançar esses resultados. Além do acesso à água, o BSM também promove o acesso à energia elétrica, por meio do programa Luz para Todos. Mais de 240 mil famílias do Cadastro Único e 177 mil do Bolsa Família foram atendidas com ligações de energia elétrica desde o início do Plano. 75 75 Gráfico 5: Implementação de cisternas do programa Água Para Todos Acesso a serviços O Brasil Sem Miséria (BSM) tem como meta levar os serviços públicos – especialmente os de saúde, educação e assistência social – às pessoas e localidades mais pobres do país. Além de garantir o acesso, o objetivo é expandir a oferta e melhorar a qualidade dos serviços prestados à população que mais precisa. Na assistência social, tanto os centros de atendimento quanto os serviços oferecidos estão sendo ampliados em todo o território nacional. Entre as novidades estão a criação de equipes volantes e o início da distribuição de lanchas para atendimento remoto na Amazônia e no Pantanal, ajudando o poder público a chegar aonde a pobreza está. 76 Na saúde, a expansão da rede e dos serviços de atenção básica nos locais com maior incidência de pobreza é um dos principais desafios, no qual o Brasil Sem Miséria vem avançando muito. E o papel dos Agentes Comunitários de Saúde e das Equipes de Saúde da Família está sendo fundamental. Na educação, forma mais definitiva de superação da pobreza, a Ação Brasil Carinhoso (mais informações no Box 6 abaixo) dá o estímulo financeiro aos municípios para que eles aumentem a quantidade de vagas ocupadas por crianças do Bolsa Família em creches. Esses recursos adicionais melhoram a qualidade dos serviços prestados às crianças. Para o ensino fundamental, o Brasil Sem Miséria amplia a oferta de educação em tempo integral nas escolas públicas onde a maioria dos alunos é beneficiária do Programa Bolsa Família, por meio do Programa Mais Educação. Tudo isso, somado à condicionalidade de educação do Bolsa Família – o acompanhamento da frequência escolar de 16 milhões de estudantes do Programa, que apresentam evasão menor e desempenho equiparado a média dos estudantes do ensino público brasileiro – conduz as crianças e os adolescentes mais pobres do Brasil a romper o ciclo de reprodução da pobreza entre gerações. 76 Box 6: Primeira Infância A concentração da miséria entre as crianças era uma das faces mais cruéis da desigualdade no país, por tratar-se de um público especialmente vulnerável e em fase crítica de desenvolvimento físico, intelectual e emocional. Daí a prioridade do Plano Brasil sem Miséria à infância e à adolescência, manifestada em várias medidas, especialmente no lançamento da Ação Brasil Carinhoso. A vertente de renda do Brasil Carinhoso foi detalhada anteriormente, no capítulo sobre o ciclo de aperfeiçoamentos no Bolsa Família. Ela retirou da miséria as famílias do Programa que tinham em sua composição crianças nessa faixa etária. .A medida funcionou tão bem que acabou sendo estendida a todas as famílias do Bolsa que ainda viviam na extrema pobreza. Mas a Ação Brasil Carinhoso também tem importantes iniciativas nas áreas de saúde e educação. 77 77 Para prevenir e tratar alguns dos problemas de saúde que mais prejudicam o desenvolvimento das crianças na primeira infância, o Brasil Carinhoso tem estratégias de suplementação de vitamina A (3,5 milhões de crianças atendidas) e sulfato ferroso (1,2 milhão de frascos distribuídos), além de distribuir medicação gratuita contra asma. Na área da educação, o Carinhoso estimula os municípios a aumentar a quantidade de vagas e melhorar a qualidade do atendimento para as crianças do Bolsa Família nas creches, por meio de suplementação, em 50%, dos recursos transferidos pelo governo às prefeituras a cada vaga ocupada por criança do Bolsa Família. O atendimento das crianças de zero a 3 anos do Bolsa Família em creches aumentou de 11% em 2012 para 17% em 2014. O pacote do Brasil Carinhoso inclui ainda um aumento de 66% no valor repassado para alimentação escolar nas creches (mais 298 milhões repassados desde maio de 2012, beneficiando quase 6 milhões de crianças) e a extensão do Programa Saúde na Escola para creches e pré-escolas. Conclusão Dentre os muitos fatores que contribuem para o sucesso do Plano Brasil Sem Miséria, cabe destaque à forte vontade política no nível dos chefes dos poderes executivos federal, estaduais, distrital e municipais. O compromisso de superar a extrema pobreza, por meio da estratégia de desenvolvimento inclusivo, foi legitimado pela população no resultado das eleições, de modo a tornar prioridade de governo um dos objetivos fundamentais declarados na Constituição de 1988, o de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Por outro lado, a articulação intersetorial e federativa sem precedentes, em nível técnico, conduzida de maneira horizontal e não imposta, também tem sido fundamental para a o êxito do Plano. Outro fator crítico de sucesso foi a pré-existência de políticas e mecanismos que vinham dando resultados significativos na redução da pobreza, e que com o Brasil sem Miséria passaram a atuar de forma mais ampla, fortalecida, articulada e sinérgica. Entre eles, o Cadastro Único para Programas Sociais, o Programa Bolsa Família, a rede SUAS, o Programa Saúde da Família, o Programa Mais Educação, o Programa Água para Todos e o Programa de Aquisição de Alimentos, para citar apenas alguns deles. Esses e outros aspectos do Plano Brasil Sem Miséria, mencionados ao longo deste documento, permitiram que 22 milhões de brasileiros superassem a extrema pobreza. Somados àqueles que já haviam saído da miséria anteriormente com o apoio do Programa Bolsa Família, são nada menos que 36 milhões de pessoas que deixaram essa condição. Mas o Plano Brasil sem Miséria, com sua abordagem multidimensional da pobreza, vai muito além, com ações para ampliar oportunidades de qualificação profissional, ocupação e renda e para melhorar as condições de vida, promovendo a cidadania e rompendo o ciclo intergeracional de reprodução da pobreza. Tudo isso não são acontecimentos triviais. São transformações que estão mudando a vida de dezenas de milhões de pessoas e a “cara” do Brasil. E só foram possíveis graças a uma série de decisões inteligentes e corajosas de gestão pública, que modificaram o funcionamento de várias ações, programas e políticas voltados à redução da pobreza. 78 78 Referências Bibliográficas BRASIL. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. 5ª Edição do Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Brasília, maio de 2014. Disponível em: http://www.sae.gov.br/site/wp-content/uploads/relat%C3%B3rioODM.pdf. _______. Ministério da Educação. Sítio Institucional do Pronatec. Disponível em: <http://pronatec.mec.gov.br>. _______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Brasil sem miséria no seu município. Brasília, dezembro de 2013. Disponível em: www.brasilsemmiseria.gov.br/municipios. _______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Plano Brasil Sem Miséria (BSM). Ações premiadas no 18º Concurso Inovação na Gestão Pública Federal 2013. Brasília, ENAP, p.53-76, 2014. _______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Pronatec Brasil Sem Miséria. Brasília, abril de 2014. Disponível em: <www.brasilsemmiseria.gov.br>. _______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Indicadores de Desenvolvimento Brasileiro 2011 – 2012. Brasília, maio 2014. Disponível em: http://189.28.128.178/sage/sistemas/apresentacoes/arquivos/indicadores_de_desenvolvi mento_2013.pdf FALCÃO, T. COSTA, P. Brasil Sem Miséria: background and Design Features of Poverty Eradication Strategy. Revista Poverty in Focus, editada pelo International Policy Centre for Inclusive Growth-PNUD, Brasília, Distrito Federal, nº 25, p. 28-30, 2014. Disponível em: http://www.ipc-undp.org/pub/IPCPovertyInFocus25.pdf SERVIÇO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS (SEBRAE). Portal do empreendedor. Disponível em: <http://www.portaldoempreendedor.gov.br/mei-microempreendedorindividual>. 79 79 Superação da Pobreza 4. DEBATE EM ORDEM CRONOLÓGICA ► Richarlls Martins (CNS): Declarou que gostou da apresentação e da discussão sobre os conceitos de multidimensionalidade e vulnerabilidade à pobreza. Para ele, os dois conceitos permitem uma discussão mais ampla e integral, porque permitem trabalhar com a perspectiva de interseccionalidade de gênero, raça, geração, orientação sexual, entre outras. Considerando que as temáticas das políticas de reprodução, especialmente aquelas relacionadas aos direitos sexuais e reprodutivos - assuntos fundamentais para o processo de estruturação da agenda de população e desenvolvimento, afirmou que sentiu falta nas apresentações e da correlação das taxas de fecundidade e das ações para a superação da pobreza e, solicitou a mesa que falasse mais sobre o assunto. Também perguntou se a perspectiva de enfrentamento da pobreza tem relação direta com a redução da desigualdade social e, se sim, como isto tem se dado. Perguntou também sobre o papel do mercado de trabalho na redução da pobreza. ► Evandro José Morello (CNPS): Comentou que a redução da pobreza no Brasil se deve muito a melhoria dos quadros técnicos. Concordou com a fala de Paulo de Martino Jannuzzi e acrescentou que a grande sabedoria desse governo tem sido abrir espaço e ouvir, de fato, a sociedade, porque ela tem muito a contribuir, inclusive na proposição de políticas. Também ressaltou que existe uma convergência de diversas áreas e políticas públicas com foco na superação da pobreza e nas desigualdades presentes no Brasil. Como exemplo, citou a política de Previdência Social, o Microempreendedor Individual e diversas outras iniciativas direcionados, por exemplo, às donas de casa e aos trabalhadores rurais, entre outros. Sobre população e 80 80 desenvolvimento, fez algumas reflexões sobre a vida daqueles que vivem no campo. Considerando as dimensões demográficas, as realidades regionais e a distância dessa população. Dialogando com a fala de MARCELO NERI sobre os jovens, mostrou-se preocupado com a realidade atual de migração de jovens, que saem das áreas rurais para as urbanas e que segundo ele, são majoritariamente jovens pobres. Para ele, as políticas não estão dando as respostas esperadas. Ainda dialogando a partir da fala de MARCELO NERI disse ser surpreendente que o acesso ao alimento de qualidade esteja entre as principais preocupações dos jovens. Há que se perguntar quem produz o alimento, pois nos últimos oito anos 2,1 milhões de pessoas saíram do campo, das quais 1,3 milhões eram jovens. É necessário repensar esse movimento, inclusive a partir da perspectiva da sucessão. O campo precisa ser visto como um espaço de oportunidades, de desenvolvimeto com qualidade de vida, de trabalho e de condições dignas de vida. Os passos dados são significativos, mas são incipientes para tal. Ademais, cabe questionar qual a juventude que está na extrema pobreza, já que a juventude, em geral, está na média da extrema pobreza. ► Elisa Guaraná De Castro (SNJ): A juventude conhecida como os “Nem Nem” (jovens que nem estudam e nem trabalham) ou ainda como os “Sem Sem” (sem acesso a algumas políticas) é formada em sua maioria por mulheres, negros, aqueles que estão no norte e no nordeste do país e pelos que vivem no campo. São os jovens que estão na extrema pobreza, que não acessam o mercado de trabalho, estão em trabalhos precários, informais e com maiores índices de danos a saúde, com difícil acesso a alguns programas e políticas públicas. ). Se a população que o MDS persegue é a população jovem, então será importante focar nesse grupo populacional para que os programas, inclusive o Bolsa Família, os alcance. Há também os desafios colocados para juventude do campo e sobre os dados da Pesquisa Nacional sobre Perfil e Opinião dos Jovens Brasileiros 2013, que demonstra que existe um sentimento de forte mobilidade. Os jovens entendem que vivem melhor hoje do que seus pais viviam, que têm mais acesso à educação. Mas, esses jovens de hoje querem mais: querem melhor educação e mais acesso, trabalho em melhores condições e menos violência. 81 81 ► Fernanda Teixeira Reis (SDH): Concordou com as observações apontadas por ELISA GUARANÁ DE CASTRO e EVANDRO JOSÉ MORELLO e acrescentou que, para além dos recortes tradicionais que estão sendo feitos (por regionais e por faixa etária), seria importante considerar a população LGBT, pessoas com deficiência, população de rua, população ribeirinha, os afrodescendentes, que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) não considera. Respondendo as questões apontadas pelo Paulo de Martino Januzzi, durante sua apresentação, ela (Fernanda) destacou que um aspecto explicativo para o fator da evolução da educação e da queda no trabalho infantil é o Bolsa Família, porque o programa tem a frequência escolar e o enfrentamento ao trabalho infantil como fatores essenciais para sua execução. Também concordou com a ação do MDS ao optar pela busca ativa usada pelo Plano Brasil Sem Miséria. ► Margareth Arilha (NEPO/UNICAMP): A apresentação sobre homens jovens solteiros e também sobre a gravidez na adolescência, onde se frisou a relevância das questões de gênero para as políticas de juventude, não trouxe elementos que pudessem efetivamente aprofundar a discussão. Sobre este aspecto específico afirmou que sabemos que os fenômenos, quando analisados na sua complexidade, podem ajudar-nos a compreendê-los melhor, complexizá-los e encontrar melhores respostas, de acordo com o contorno da qualidade do problema. Gostou da inclusão do tema, porque é necessário pensar na configuração dos problemas produtivos e reprodutivos voltados para a população masculina, sobretudo, para a população jovem. Mesmo pouco visível, o assunto quando abordado, em muitos casos, ainda vem sendo discutido de forma deslocada, onde de um lado estão os homens jovens solteiros irresponsáveis e que estão envolvidos no universo das drogas, álcool e etc., versus as mulheres que se reproduzem, como se não houvesse um casamento das problemáticas e conflitos que merecessem de uma análise mais conjunta, pensando sexualidade e reprodução. A expansão dos níveis de escolaridade das mulheres se mostram importantes tanto para analisar o fenômeno do ponto de vista das mulheres quanto da exclusão da 82 82 população masculina. Quem são as mulheres que estão ascendendo? São as jovens e mais pobres? ► Vera Soares (SPM): Concordou com a fala Margareth Arilha sobre a necessidade de trazer dados desagregados por sexo, uma vez que estes contribuem para a análise dos resultados e também para a compreensão acerca de que conjunto de outras políticas serão necessárias para enfrentar o problema. Na década de 1990, um enorme volume de discussão foi estabelecido em relação à redução da pobreza e que de certo modo, levaram a um consenso de quem eram os pobres. A entrada nos anos 2000, não foi uma entrada com políticas robustas, mas com um diagnóstico de quem são os pobres. Naquele momento era sabido quem acessava o microcrédito, nos bancos do povo: eram as mulheres. Prosseguiu perguntando quem são, agora, essas quase três milhões de pessoas. E, pensando no Brasil Sem Miséria, disse sair do debate acreditando que as mulheres deram um salto enorme no acesso ao trabalho e educação e, portanto, separar os dados permitirá entender a extensão do que foi feito, o impacto das políticas públicas e possíveis soluções. ► Paulo Jannuzzi (MDS): Em resposta a parte do debate, decidiu por enfatizar nesta fala final aspectos já mencionados antes, como os dez anos do MDS, os três anos do Plano Brasil sem Miséria, que segundo ele só reforçam a importância de que se vive em um país da coordenação das políticas e da necessidade de aumentar a capacidade de gestão e implementação de políticas públicas. Afirmou que o Bolsa Família tem um impacto certamente importante nos vários públicos que alcança, seja pela transferência de renda direta, ou seja pelo fato de obrigar o poder público a oferecer escolas onde antes não existia entre outros serviços, como exemplo as escolas no semiárido e ampliação de políticas de atenção à saúde. Para finalizar afirmou que nossas políticas articuladas provocam resultados interessantes. Mas, quando se fala de pobreza e vulnerabilidade não se fala exclusivamente de pessoas de 83 83 baixa renda. A solução programática para o quilombola sair da sua condição de vulnerabilidade é muito diferente daquela para a população desempregada no meio urbano. Pobreza é uma categoria que, do ponto de vista analítico, perdeu um pouco sua capacidade de explicação e análise. Alguns grupos só poderão sair da sua condição de vulnerabilidade com ações específicas e incrementais. O desafio não é mudar completamente as políticas, mas as estratégias devem ser multifacetadas. ► Ricardo Paes De Barros (SAE/PR e Presidente da CNPD): Concordou com a fala Paulo Jannuzzi e afirmou que mesmo não participando diretamente das ações do Brasil sem Miséria, mas, por ter tido a oportunidade de conhecer programas similares de vários outros países, é possível demonstrar objetivamente o que foi feito a partir da experiência do Brasil Sem Miséria é algo muito acima dos melhores padrões mundiais e perguntou: como passar essa mensagem para o Brasil? ► Tereza De Lamare (MS): Concordou com Paulo Jannuzzi ao fazer observação sobre a categoria de análise “pobreza” e afirmou que é exatamente neste contexto que a juventude pode ser observada, porque outras questões estão colocadas para este grupo, para além da transferência de renda, como por exemplo, a geração de oportunidades, escolaridade, sexualidade, entre outros assuntos. Comentou que por diversas vezes, o RICARDO PAES DE BARROS falou sobre processo de transição demográfica brasileira e, que o país vive o auge de população jovem e que este estado permanecerá por mais algum tempo e que, portanto, questões importantes, como a geração de oportunidades e emprego são fecundidade, fundamentais para o debate. Especificamente sobre saúde declarou que os serviços precisam compreender esse processo que esta acontecendo no Brasil, porque ao se analisar os dados epidemiológicos da população jovem, pode-se verificar que estão muito relacionados com os determinantes sociais das condições de saúde, como a falta de acesso. Para finalizar, disse que outro aspecto que a preocupa muito é a violência, pois esta é uma 84 84 agenda que ainda não ganhou força, o que é inadmissível tendo em vista que são quase 20 mil jovens mortos a cada ano. Este é, portanto, mais um dos fatores a inserir dentre aqueles multifacetados mencionados por Paulo Jannuzzi. ► Tereza Cristina Silva Cotta (MPOG): Concordando com a ideia do Ricado Paes De Barros, de que o fenômeno de que os extremamente pobres têm características que já foram alteradas, inclusive por conta das ações que já foram executadas para este grupo. Considerando também que as necessidades de se mover da categoria analítica de pobreza, para a categoria de vulnerabilidade, disparou a pergunta: como operar em uma categoria analítica que é probabilística? Especificamente sobre o programa Brasil Sem Miséria chamou a atenção que o programa hoje pode ser mais entendido como uma estratégia complexa, que pode colocar em cena uma armadilha da dimensionalidade. Somado a isso, destacou que ao incluir o conceito de vulnerabilidade, mais uma dimensão está sendo inserida e perguntou: Como fazer isso? ► Ricardo Paes De Barros (SAE/PR e Presidente da CNPD): Em resposta a pergunta da Tereza Cristina Silva Cotta, disse que serão necessários dados longitudinais sobre pessoas e, para isso, o Cadastro Único, por exemplo, vai ter de acelerar sua velocidade de atualização e a PNAD Contínua terá de permitir que se sigam famílias ao longo do tempo a fim verificar a mobilidade delas. ► Ângela Maria Da Silva Gomes (CNPIR): Parabenizou a mesa pelo conteúdo trazido, especialmente, porque para ela o Brasil de algum tempo atrás tinha total abandono com a população que vive em extrema pobreza. Entretanto, destacou que no momento atual será necessário, por parte do Brasil, ariscar 85 85 um pouco mais. Do ponto de vista da pesquisa, concordando com Elisa Guaraná De Castro, o país precisa qualificar mais essa população, porque os pobres no Brasil são negros e, portanto, a pesquisa precisa informar isso. Sobre o conceito de vulnerabilidade versus o de pobreza, destacou que aí a rotatividade do racismo no país não deve deixar de ser considerada, afinal, pode-se até ter um amenização do racismo como marketing, por meio do qual se passa a falsa imagem de um país com igualdade racial. Porém, na prática as estruturas do racismo sempre voltam a atuar. Enquanto política pública, a ação focal é necessária, mas, ainda existe uma tendência de tratar a questão da política focal como se fosse tratar de um conjunto de atores, e não é isso. Sobre este aspecto, e dado que a partir deste raciocínio estão sendo desenhadas e implementadas políticas para a maioria, questionou sobre quais critérios foram ou estão sendo criados para avaliar o crescimento do racismo institucional. Isso, segundo ela demonstra a necessidade de indicadores que quantifiquem o racismo institucional enquanto potencializador da pobreza. Dialogando a partir da fala do Flávio Ataliba, ela fez uma relação entre geográfica territorial e a geografia étnico-racial e afirmou, que se a política não considera os parâmetros impeditivos para se ter acesso à educação e saúde em condições de igualdade, teremos uma subclasse de extremíssima pobreza, porque o racismo vai escalonar isso. Portanto, é preciso construir parâmetros e critérios que digam como e por que a segregação sócio-espacial do nordeste se diferencia entre negros e brancos. Finalizou dizendo que existem parâmetros já conhecidos, posto que em alguns lugares já se trabalhou com o racismo institucional. ► Tiago Falcão (MDS): Ressaltou que o apresentado não é totalidade do Plano Brasil Sem Miséria, nem de todos os seus resultados e que geralmente ao apresentar o plano e seus resultados, abre-se cada um dos dados com recorte para mulheres, jovens, negros para demonstrar como essas políticas chegam de forma diferenciadas para cada um dos públicos/grupos. Comprometeu-se em enviar as apresentações detalhadas, especialmente com o impacto do programa para mulheres, negros jovens e crianças. Sobre a discussão rural versus urbana, destacou que ainda é necessário trabalhar as políticas a partir deste recorte. Reforçou a importância do Cadastro Único, como o melhor instrumento para se obter informações de populações indígenas, ribeirinhas, ciganas, quilombolas, entre outras, 86 86 apesar de não trazer a totalidade de informações sobre os grupos citados. Entretanto, também citou que o problema discutido é complexo e que soluções complexas e bem pensadas serão necessárias para superá-lo. Comentou também o avanço da discussão de políticas públicas conjuntas apesar das limitações, inclusive de cunho orçamentários que em muitos casos se transformam em barreiras para a execução de algumas ações. Sobre este aspecto citou ação a ser desenvolvida com o Ministério da Educação, mas, que em alguns pontos mostrou-se ineficaz porque o recurso não poderia ser utilizado com necessidades básicas de creches, como por exemplo, para a compra de fraldas e cadeiras para o transporte de crianças. Para finalizar afirmou que não se pode naturalizar os resultados alcançados, especialmente, porque o processo de desenvolvimento e crescimento, depende de ações coordenadas e específicas, em escala e customizadas. ► Claudio Dutra Crespo (IBGE): Fez um resgate desde a primeira fala do dia, que apontavam para uma mudança que vem ocorrendo nos últimos dez, vinte anos vem ocorrendo e que demanda revisões. Destacou especificamente as falas de Paulo Jannuzzi e Tereza Cristina Silva Cotta e afirmou que um caminho será o da descentralização dessas formulações e que para isso, cada vez mais será necessário ter a inserção dos municípios, não como executores de uma ação planejada de modo centralizado e, sim na elaboração, porque o município é capaz de ter mais conhecimento sobre as características de suas populações. Como exemplo, citou que no Censo 2010, o quesito raça/cor foi incluído de forma universal, mas foi pouco explorado como informação e possibilidade de cruzamento capazes de chegar a algumas respostas, para observar os territórios e outras variáveis como saneamento ou mesmo mortalidade. Dialogando com a apresentação do Flávio Ataliba, ressaltou que a passagem do programa Bolsa Família e outros incentivos produtivos que estão sendo colocados no nordeste, têm contribuições diferenciais, em relação a outras regiões. Finalizou dizendo que algumas informações precisam ser observadas do ponto de vista relativo e absoluto e neste caso, encontra-se a população rural. Sobre a população jovem alertou que a questão deve ser vista com mais atenção, especialmente porque os dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc), ambos do Sistema Único de Saúde (SUS), demonstraram que em 2011, que no horizonte, a 87 87 fecundidade tem reduzido, mas, devido ao “retardo da maternidade”, especialmente por parte das mulheres da região sudeste do país, ou pela melhora da coleta de dados, a onda jovem pode durar mais tempo do que se esperava. ► Claudio Dutra Crespo (IBGE): Sobre os Sinasc, ao se falar sobre a mudança na coleta da informação, o que levou a essa alteração significativa nos dados, inclusive questionados pela imprensa, Dutra Crespo esclareceu que os dados também têm apresentado mesmo cenário a partir do Sistema de Registro Civil. ► Ricardo Paes De Barros (SAE/PR e Presidente da CNPD): Em resposta ao Claudio Dutra Crespo comentou que o Ceará não é só um exemplo do crédito produtivo orientado, mas, também de um estado com sistema de estatística muito bom, inclusive com coleta primária de dados. Sugeriu que na próxima reunião, onde se falará de “sistemas”, a CNPD deveria trazer alguns desses centros regionais. ► Cássio Turra (ABEP): Exclamou que depois de muitas horas de elogios aos programas do governo, mesmo achando isso válido, especialmente porque os fatos são inegáveis, muitos dos indicadores apresentados estão captando muito além de políticas públicas conjunturais, do período 2001-2012 e que, portanto, deve-se ter um pouco mais de visão crítica e separar melhor os feitos, antes de dizer que tudo é consequência de política pública do período apontado. Para ele, este olhar mais crítico, inclusive com efeitos de composição dos dados estatísticos, pode prospectar o que está por vir. 88 88 ► Ricardo Paes De Barros (SAE/PR e Presidente da CNPD): Em resposta a fala do Cássio Turra, esclareceu que é importante isolar o impacto de cada uma dessas “maravilhas” que estão sendo colocadas em andamento, inclusive para saber a real contribuição de cada uma e para defendê-las no futuro. ► Flávio Ataliba (IPECE): Em considerações finais ressaltou dois aspectos do debate: (1) que a partir de todos os dados apresentados existe uma tendência nos últimos anos, de redução da pobreza e desigualdade no país, entretanto mostrou-se preocupado com a velocidade de queda que tem se demonstrado cada vez menor e para o enfretamento deste fenômeno afirmou que será preciso desenhar tecnologias sociais mais consistentes e capazes de olhar para diversos grupos da população para se ter uma ação mais focada; (2) ressaltou que por mais que o governo federal tenha feito um esforço brilhante, os estados e municípios têm papel essencial neste processo e, por isso, um sistema de monitoramento torna-se cada vez mais fundamental, inclusive para ampliar o diálogo com os municípios e romper com a cultura da má gestão pública do município. Finalizou informando que as políticas sociais têm rebatimentos distintos em cada uma das regiões do país. Há diferença entre as dimensões do que ocorre em uma e em outra região do país, e essa diferença precisa ser incorporada na agenda das políticas sociais do país, bem como nas pesquisas. Estes são pontos que ainda precisam melhorar. ► Rafael Osório (SAE/PR): Concordou com o comentário feito pelo Cássio Turra, sobre uma análise mais críticados resultados e ressaltou que a transferência de renda do Bolsa Família não é a única causa de redução de pobreza extrema, porque percebe-se uma correlação forte, principalmente no período mais recente, porque a composição da renda das pessoas que se encontram na pobreza residual, começa a ser predominantemente da transferência, mas que não significa que seja só isso. Ressaltou também que em termos de pesquisa fala-se de pessoas 89 89 no anonimato e que, portanto, os 3 ou 4% nunca são as mesmas pessoas. “Nós costumamos dizer que saíram x pessoas da extrema pobreza. Mas, este é o saldo líquido, a gente não sabe dizer quantas entraram, devido a limitação de nossos dados”. Em resposta a Tereza de Lamare, acredita que hoje é possível operacionalizar um critério de vulnerabilidade à pobreza para operar programas sociais e citou como exemplo um estudo feito pelo Ricardo Paes de Barros, sobre a definição da classe média que trouxe o corte pela probabilidade dessa população vir a ser pobre no futuro. Sobre o comentário da Vera Soares em relação às faces da pobreza, concordou que deve se olhar para os vários aspectos de reprodução da pobreza, mas, que se deve tomar cuidado quando se fala em transferência de renda, para não se ter expectativas muito infladas em relação a transferência de renda, porque o único resultado líquido que se espera desta ação é aumentar a renda do beneficiário. Para sedimentar sua afirmação informou que o Bolsa Família começou com um desenho para o atendimento de mães extremamente pobres com até três filhos dentro da faixa de idade indicada. Entretanto, percebeu-se que este desenho de benefício era ruim para combater a pobreza, porque parte significativa da população em condição de pobreza e extrema pobreza estava ficando de fora do programa, o que provocou mudanças no mesmo. Essas mudanças significam levar em conta que a pobreza tem muitas faces, que estão todas relacionadas - não são somente mulheres negras que precisam de atenção, ou seja, o perfil mais recorrente não esgota todas as possibilidades. ► Cássio Turra (ABEP): Apresentou moção verbal de apoio ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) focada especialmente na questão do fluxo de recursos para garantir a regularidade das pesquisas. Perguntou aos presentes se todos apoiam a ideia para que se faça isso partindo da sociedade civil e das associações científicas presentes. 90 90 ► Claudio Dutra Crespo (IBGE): Declarou que um apoio desta natureza é sempre bem-vindo e destacou que existem grandes questões hoje colocadas no IBGE e que entre elas estão a necessidade de autorização de concursos públicos e a garantia de orçamento para as pesquisas e frisou que não é só uma questão de ter o dinheiro. É ter o dinheiro no momento certo e que a moção vindo nesta direção de garantir que este recurso esteja na LOA é fundamental. ► Ricardo Paes De Barros (SAE/PR e Presidente da CNPD): Sugeriu que o Cássio Turra veja como encaminhar a demanda e que na próxima reunião da CNPD se reserve um tempo para retomar o assunto e discutir o IBGE, o Datasus entre outros sistemas relevantes a partir de uma perspectiva para os próximos dez anos. 91 91