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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
NÚCLEO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM GEOGRAFIA
ANANDA CATRICE LIMA DA CUNHA
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NAS BRINCADEIRAS DE BOI-BUMBÁ SOB O
OLHAR DA GEOGRAFIA CULTURAL
PORTO VELHO
2013
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ANANDA CATRICE LIMA DA CUNHA
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NAS BRINCADEIRAS DE BOI-BUMBÁ SOB O
OLHAR DA GEOGRAFIA CULTURAL
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa
de Pós- Graduação Mestrado em Geografia, da
Fundação Universidade Federal de Rondônia como
requisito para obtenção do título de mestre em
Geografia.
Orientador: Dr. Josué da Costa Silva
PORTO VELHO
2013
3
DEDICATÓRIA
Aos Colaboradores, Rosa Solani, Leonilson Muniz,
por me mostrarem em suas histórias a real essência
de brincar de Boi.
A minha mãe Conceição Moraes Lima, por todo
amor e atenção que tem dedicado todos esses anos.
A toda a “galera” dos Bumbás Malhadinho e Flor
do Campo.
4
AGRADECIMENTOS
Gostaria de mencionar certas pessoas e instituições que contribuíram para
realização deste trabalho.
Agradeço, em primeiro lugar, a Deus, pelo dom da vida.
Ao orientador Prof. Josué da Costa Silva, pela oportunidade de compartilhar
ideias, pela confiança depositada, pela convivência e, sobretudo, pela paciência
diante das minhas limitações.
A minha mãe, Conceição Moraes, pelo amor e orações que tem dedicado a
mim nos momentos de dificuldades e angustias, mesmo sem entender a real e
verdadeira importância que esse trabalho traria em minha vida.
Ao meu pai, Arnaldo Cunha, que mesmo estando longe nunca deixou de se
fazer presente, me ajudou a descobrir que a distância não consegue separar dois
corações unidos pelo amor.
Aos meus irmãos, Matheus Gabriel Cunha e Ana Ester Cunha, pela imensa
alegria que me proporcionam, simplesmente pelo fato de existirem.
A Zuilma Cunha, pelo carinho e amor que tem me dedicado desde o primeiro
dia que me conheceu.
Ao Eduardo Yasuda, pelo companheirismo, pelas contribuições, pelas
demonstrações de carinho e respeito, por acreditar e vivenciar junto a realização de
um sonho meu.
A Rita Moraes, por ter me apresentado a Geografia, por acreditar nas minhas
conquistas, pelo apoio nas minhas decisões e principalmente por sempre me
incentivar a estudar e cultivar sonhos.
Às amigas, Luciane Lopes, Cláudia Oliveira, Mirtilene Lopes e Kelli Carvalho,
juntas compartilhamos momentos especiais, pelas palavras de conforto nas horas
difíceis.
Aos colaboradores da pesquisa, Alysson Bruno e Patrícia Menezes, pela
paciência em responder meus questionamentos e pela atenção aos meus pedidos.
Meu sincero agradecimento.
5
A Colaboradora Rosilene Borges e André, pelo fornecimento de materiais de
fundamental importância na composição do trabalho.
A Josimone Martins e sua família, por me recepcionar com tanto carinho no
município de Parintins-AM.
A todos os colaboradores que de forma direta ou indireta contribuíram com a
construção desse trabalho.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Geografia,
especialmente, ao Prof. Adnilson Almeida e Prof.ª Maria das Graças Silva
Nascimento Silva pelas contribuições no exame de qualificação.
Ao
Programa
de
Pós-Graduação
Mestrado
em
Geografia,
por
ter
proporcionado o trabalho de campo em Parintins-AM.
A Capes, pelo apoio a realização desta pesquisa.
A Secretaria Municipal de Cultura e Turismo – SEMCET- Guajará-Mirim/RO,
por contribuir com a coleta de dados desde o ano de 2008.
Ao Grupo de Estudos e pesquisas sobre modos de vida e Cultura Amazônicas
– GEPCULTURA.
6
RESUMO
Este estudo é fruto de pesquisas desenvolvidas, no período de 2008 a 2013, com os
moradores do município de Guajará-Mirim, localizado a 340 km da capital do Estado
de Rondônia. A pesquisa objetivou compreender as representações nas brincadeiras
de Boi-Bumbá, por meio da compreensão de seu universo e a construção dos
espaços culturais, sob o olhar da Geografia Cultural Humanista e o método
fenomenológico, e tem por intuito analisar as vivências e experiências do ser
humano e suas representações culturais. Foram realizadas pesquisas de campo,
bem como análise documental e bibliográfica referente a festa do Boi-Bumbá em
Parintins/AM e Guajará-Mirim/RO. Foi utilizada como ferramenta metodológica a
pesquisa participante, pois nos propiciou uma interação com a comunidade
analisada. A expectativa desta pesquisa é contribuir, para compreensão da
sociedade brasileira através das diversas facetas da cultura em dimensões
espaciais. Os aspectos analisados buscam uma compreensão das vivências,
experiências e visão dos grupos sociais que vivenciam essa cultura. Cada grupo
interage no espaço de acordo com a sua visão. Assim nosso trabalho irá analisar as
diversas formas de representação que cada grupo atribui no lugar em que vivem.
Para uma análise mais clara a respeito dos nossos objetivos, realizamos entrevistas
e aplicação de mapas mentais na comunidade. Para esta compreensão fizemos uso
de alguns conceitos, entre eles representação, Cultura, espaço simbólico e lugar.
Esses conceitos nos possibilitaram a compreensão das diversas formas de
representação do mundo e suas relações com a construção do lugar.
Palavras chave: Representação, Cultura, Boi-Bumbá, Geografia Humanista, Lugar.
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RESUMEN
El presente estudio es resultado de investigaciones desarroladas en el periodo
de 2008 a 2013, con los habitantes de Guajará-Mirim-Rondônia, ubicado a 340km de
la capital del Estado. La investigación tuvo por objeto, entender las representaciones
del “Boi-Bumbá” a través de la comprensión de su universo y la construcción de los
espacios culturales, bajo el mirar de la Geografía Cultural Humanista y el método
fenomenológico, y há tenido por intento analisar las vivencias, las experiencias del
ser humano y sus representaciones culturales. Fueron realizadas encuestas de
campo, así como análisis documentales y bibliográficas concernientes a lá fiesta del
“Boi-Bumbá en la Amazônia y em Guajará-Mirim-Rondônia. Senutilizó como
herramienta metodológica la “investigación comportativa”, pues nos há propiciado
una mejor interacción con la comunidad investigada. La espectativa de esta
investigación es aportar para la comprensión de la sociedad brasileña por medio de
las distintas particularidades de la cultura em dimensiones especiales. Los aspectos
investigados buscan um entendimiento de las vivencias, de las experiências y
visiones de los grupos sociales que intervienen em esa cultura. Cada grupo
interactúa en el espacio según su visión. Así, nuestro trabajo examinará las distintas
formas de representaciones que cada grupo atribuye al lugar donde vivem. Para un
análisis más claro con respecto a nuestros objetivos, hemos desarrollado entrevistas
y aplicaciones de mapas mentales em la comunidad. Para esto, hemos hecho uso
de algunos conceptos, entre ellos: representación, cultura, espacio simbólico y lugar.
Esos conceptos nos posibilitaron la comprensión de las distintas formas de
representaciones del mundo y sus relaciones con la construcción del lugar.
Palabras clave: representación, la cultura, Boi-Bumbá, Geografía Humanista, lugar.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro
Quadro 01: Itens avaliados no Festival Folclórico de Parintins.
31
Quadro 02: Investigação sobre os Bumbás de Guajará-Mirim/RO.
70
Quadro 03: Breve histórico dos anos de realização do “Festival Folclórico Duelo na
Fronteira”.
74
Imagens
Imagens 01: Recorte de jornal (documento digitalizado), sobre o primeiro festival
folclórico de Guajará-Mirim
73
Imagens 02: Panfletos informativos de uma empresa privada de Parintins-AM.
98
Imagens 03: Recorte de jornal (documento digitalizado) – Sobre a noite da Toada
em Guajará-Mirim.
110
Foto:
Foto 01: Pintura dos Bumbás Caprichoso e Garantido, realizada em frente de uma
residência em Parintins-AM.
18
Foto 02: Boi de Juçatuba na festa junina em São Luís do Maranhão.
21
Foto 03: Fila da galera do Boi-Bumbá Garantido Parintins-AM.
27
Foto 04: Fila da galera do Boi-Bumbá Caprichoso Parintins-AM.
28
Foto 05: Galera do Boi-Bumbá Caprichoso dentro do Bumbódromo em ParintinsAM.
29
Foto 06: Apresentação do Boi-Bumbá Flor do Campo no Festival Folclórico de
Guajará-Mirim.
37
Foto 07: Galera do Boi-Bumbá Malhadinho, durante o Festival Folclórico de GuajaráMirim.
52
Foto 08: Panorama do município de Guajará-Mirim, durante o Festival Folclórico de
Guajará-Mirim.
64
9
Foto 09: Dona Georgina e Silvio Santos, durante as primeiras apresentações do
FEFOPEM.
Foto 10: Apresentação do Boi-Bumbá Flor do Campo.
67
68
Foto11: Parceria entre o fundador do Boi-Bumbá Malhadinho (esquerda) e o
fundador do Festival Folclórico Aderço Mendes (direita).
69
Foto12: Primeiras apresentações do Festival Folclórico Pérola do Mamoré.
72
Foto 13: Bumbódromo da cidade de Guajará-Mirim/RO
76
Foto 14: Parte da alegoria em construção em frente a residência da fundadora do
Bumbá Flor do Campo.
77
Foto 15: Bumbódromo da cidade próximo a realização do festival folclórico.
Construção da armação de ferro que estrutura as alegorias
77
Foto 16: Bumbódromo da cidade próximo a realização do festival folclórico. Alegoria
em fase de pintura.
78
Foto 17: Bumbódromo da cidade próximo a realização do festival folclórico. Alegoria
pronta.
78
Foto 18: Atual situação das alegorias no Bumbódromo de Guajará-Mirim
79
Foto 19: Confecção das fantasias – 1.
80
Foto 20: Confecção das fantasias – 2.
80
Foto 21: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 1
81
Foto 22: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 2
82
Foto 23: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 3.
82
Foto 24: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 4.
83
Foto 25: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 5
83
Foto 26: Apresentação do Boi-Bumbá Flor do Campo, representação do povo
indígena Paíter Suruí Festival Folclórico de Guajará-Mirim.
85
Foto27: Grupos indígenas participando dos primeiros Festivais Folclóricos de
Guajará-Mirim.
94
Foto 28: Comércio de Guajará-Mirim, decorado com as cores dos Bumbás.
97
10
Foto 29: Cartaz da marca Coca-cola, fixada em poste de energia elétrica.
99
Foto 30: Outdoors da marca Coca-cola de cor azul.
99
Foto 31: Outdoors da cerveja Skol na cor azul.
100
Foto 32: Outdoors da cerveja Skol na cor vermelha.
100
Foto 33: Embalagens da cerveja Skol, representando de um lado a cor azul e no
outro lado a cor vermelha.
100
Foto 34: Apresentação do Bumbá Flor do Campo, chegada da Cunhã Poranga. 114
Foto 35: Entrada da cidade de Guajará-Mirim em 2012, durante a festa do BoiBumbá.
115
Foto 36: Entrada da Cidade de Parintins-AM, em 2012, durante a festa do BoiBumbá.
115
Foto 37: Porto de Guajará-Mirim – 1.
116
Foto 38: Porto de Guajará-Mirim – 2.
116
Foto 39: Loja no município de Parintins-AM.
117
Foto 40: Comércio em calçadas de Parintins/AM.
117
Foto 41: Banco Bradesco, na versão Azul e Vermelho, município de Parintins
118
Foto 42: Creche municipal de Guajará-Mirim, caracterizada com as cores dos
Bumbás.
118
Foto 43: Parte interna do Bumbódromo de Guajará-Mirim, área dos camarotes. 119
Foto 44: Parte interna do Bumbódromo de Parintins, galera Caprichoso.
119
Foto 45: Os Tuxauas sendo transportados até o Bumbódromo, Guajará-Mirim. 120
Foto 46: Os Tuxauas sendo transportado até o Bumbódromo, Parintins.
120
Foto 47: Rodoviária de Guajará-Mirim, representando as cores dos Bumbás, durante
o festival folclórico.
121
Foto 48: Orelhões telefônicos de Parintins.
121
Foto 49:Avenida 15 de Novembro, com as calçadas pintadas em azul e vermelho,
durante o festival em Guajará-Mirim.
122
Foto 50: Ruas decoradas, durante o Festival de Parintins
122
11
Foto 51: Tuxauas em processo de elaboração em Guajará-Mirim.
123
Foto 52: Alegorias sendo transportadas pelas ruas de Parintins.
123
Foto 53: Ensaio da Batucada (Flor do Campo) em Guajará-Mirim.
124
Foto 54: Ensaio do Pajé em Guajará-Mirim
124
Foto 55: Torcida organizada do Caprichoso elaborando os artefatos que anima a
galera azul em Parintins.
125
Foto 56: Venda de artefatos do boi em frente às residências em Parintins.
125
Foto 57: Alegoria em construção no Bumbódromo de Guajará-Mirim - 1.
126
Foto 58: Alegoria em construção no Bumbódromo de Guajará-Mirim - 2.
126
Foto 59: Arquibancada do Boi Flor do Campo, durante o festival em GuajaráMirim.
127
Foto 60: Arquibancada do Boi Malhadinho, durante o festival em GuajaráMirim.
127
Foto 61: Boi Flor do Campo em evolução no Bumbódromo de Guajará-Mirim.
128
Foto 62: Alegorias durante a apresentação dos Bumbás em Guajará-Mirim.
128
Foto 63: Galera do Bumbá Garantido em Parintins.
129
Foto 64: Apresentação do Bumbá Garantido em Parintins
129
Foto 65: Animadora de torcida e galera do Bumbá Malhadinho durante o festival em
Guajará-Mirim.
130
Foto 66: Evolução da Sinhazinha da Fazenda durante o festival em GuajaráMirim.
130
Foto 67: Apresentação do Bumbá Caprichoso em Parintins – 1.
131
Foto 68: Apresentação do Bumbá Caprichoso em Parintins – 2.
131
Foto 69: Apuração das notas no Bumbódramo de Guajará-Mirim – 1.
132
Foto 70: Apuração das notas no Bumbódramo de Guajará-Mirim – 2.
132
12
Mapas
Mapa 01: Mapa temático do Município de Parintins-AM.
24
Mapa 02: Mapa temático do Município de Guajará-Mirim/RO.
39
Mapa 03: Mapa temático das terras indígenas localizadas no município de GuajaráMirim/RO.
93
Mapa 04: Mapa temático de localização da macha urbana do município de GuajaráMirim/RO.
102
Mapas Mentais
Mapa Mental 1: Leonilson Muniz
104
Mapa Mental 2: Alysson Bruno
104
Mapa Mental 3: Patrícia Menezes
105
Lista de Abreviatura
UMAM - União Municipal de Associações de moradores
FEFOPEM – Festival Folclórico Pérola do Mamoré
13
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO
16
CAPITULO I – Vamos “brincar” de Boi Bumbá
18
CAPITULO II–Trajetória da Pesquisa: Procedimentos metodológicos
37
2.1. A escolha do Tema
38
2.2. Pesquisa participante
40
2.3. Vivência e experiência com a Cultura do Boi Bumbá
42
CAPITULO III – Caminhos teóricos e reflexões
52
3.1. Compreendendo a Geografia Cultural e Humanista
53
3.2. O Espaço simbólico da Festa do Boi Bumbá
56
3.3. Vivências e experiências: compreendendo a formação do lugar
59
3.4. Representações sociais na Cultura do Boi Bumbá.
61
CAPITULO IV – Uma Concepção acerca da formação do Boi Bumbá em
Guajará-Mirim
64
4.1 Festival Folclórico Pérola do Mamoré
72
CAPÍTULO V – Interpretação de uma Cultura milenar
85
5.1. Os sentidos no espetáculo: uma natureza simbólica
86
5.2. Cultura e saber do povo: A expansão de novas representações
90
5.3. Compreendendo as representações na formação do Lugar
96
5.4. O que desmotiva essa “Galera”?
107
CAPITULO VI – Imagens e diálogos que nascem com a construção da
pesquisa
114
CONSIDERAÇÕES FINAIS
145
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
152
14
APRESENTAÇÃO
Antes de apresentar o trabalho e discutir o que foi proposto, é importante que
seja feita uma retrospectiva sobre o percurso da pesquisa, a escolha do tema e o
surgimento do desejo de pesquisar a Festa do Boi-Bumbá na Amazônia.
O dom da vida nos proporciona infinidades de prazeres que nos levam a um
universo repleto de conhecimento. O desejo de descobrir coisas novas leva-nos a
instigar, indagar, questionar, descobrir e relativizar um universo interligado e
formado por redes que se articulam para transmitir informações. Esses novos
padrões de relacionamento do homem com o espaço nos levam a querer investigar
as prováveis mudanças que o espaço sofre com toda a modernização alcançada até
os dias de hoje. Surge assim o instinto pesquisador, nesse momento de dúvidas e
busca por respostas em que se inicia uma pesquisa.
Uma ferramenta importante na construção do conhecimento é a experiência
vivida pelo pesquisador. Venho com este trabalho mostrar a minha caminhada
dentro do universo da pesquisa, apresentando aqui a minha vivência para a chegada
ao Mestrado e ao tema desta dissertação.
Despertei o interesse pela Geografia na adolescência, ao observar minha tia,
hoje formada em Geografia, realizar seus trabalhos acadêmicos. Sentia um grande
desejo de conhecer cada vez mais essa ciência. Prestei meu primeiro vestibular no
ano de 2006, sem ter dúvidas do que queria para uma vida inteira: ser Geógrafa.
Com sucesso no resultado da seleção, iniciava-se uma longa trajetória em busca do
conhecimento.
Hoje Geógrafa pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR, tendo
cursado de 2007 a 2011, tracei um caminhar voltado para o estudo das relações
sociais do homem com o meio, descobrindo no ambiente da graduação as
habilidades de se trabalhar com a Geografia Humanista, que aborda diversos temas
que interligam o espaço e as vivências, tornando-se um espaço vivido.
Compreendendo que o espaço é construído a partir dos valores inseridos pelo
humano, é assim que percebo meu interesse pela Geografia Cultural, que estuda
essa interligação do modo de vida na formação do lugar.
15
Iniciei o estudo da Geografia Cultural na graduação, quando ingressei no
Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Modos de Vida e Cultura Amazônica GEPCULTURA, coordenado pelo professor e orientador Josué da Costa Silva, em
que tive a oportunidade de adquirir experiência na Iniciação Científica, realizada
entre 2008-2010 no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Cientifica PIBICCNPQ/UNIR com a pesquisa “A Festa do Boi-Bumbá Na Amazônia: Espaço e
Representações”, que foi de fundamental importância para minha formação
acadêmica, proporcionando um estímulo ao crescimento teórico.
O desenvolvimento da pesquisa teve continuidade com o trabalho de
conclusão do curso da Graduação. A monografia deu sequência ao trabalho de
pesquisa sobre a manifestação cultural da Festa do Boi-Bumbá em Guajará-Mirim e
suas formas de representação no espaço, ampliando ainda mais o acervo da
pesquisa.
A pesquisa de Mestrado, “Representações Sociais nas Brincadeiras de BoiBumbá sob o olhar da Geografia Cultural”, é um segmento do meu trabalho
realizado na Iniciação Científica e na Monografia. A partir desta experiência com a
pesquisa, aumentou cada vez mais o desejo de explorar o tema.
A pesquisa tem como intuito realizar uma investigação dentro do universo
cultural da Amazônia e é de fundamental importância compreender esse fenômeno
mítico das festas folclóricas nessa região, local de difícil acesso, em que se luta pelo
desenvolvimento. Ao contrário das outras regiões do país, a Amazônia não conta
com a infraestrutura necessária para promover o desenvolvimento almejado pela
população.
Dentro
desse
universo,
percebe-se
que
novos
modelos
de
desenvolvimento surgem na região, girando em torno das festas folclóricas, que
movimentam os municípios e de forma direta ou indireta contribuem com a renda
dessas comunidades. Nessa perspectiva, nota-se que a Cultura na Amazônia vem
desempenhando um papel grandioso nessas comunidades e é com essas análises
que inicio a investigação.
A pesquisa foi realizada precisamente no município de Guajará-Mirim, estado
de Rondônia, contando ainda, com trabalho de campo realizado no município de
Parintins, estado do Amazonas, berço da festa do Boi-Bumbá na Amazônia. Com
isso, pretendeu-se investigar as diversas formas de representação da cultura
amazônica presente nestas localidades.
16
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa trabalhou um tema fascinante presente na abordagem
humanista-cultural, considerando também a perspectiva dos estudos da psicologia
para a compreensão das ciências cognitivas, pois a abordagem humanista reflete
uma análise do psicossocial presente na dimensão social, sendo analisada no
estudo das representações tratado nesta pesquisa.
É nessa perspectiva que surge a problemática da presente pesquisa: Qual a
ligação da festa do Boi-Bumbá com a formação do lugar em Guajará-Mirim? Qual o
papel da emoção e do pensamento dos moradores na ligação ao lugar? Como as
territorialidades humanas formadas pela festa do Boi-Bumbá passam a formar o
espaço? É nesse contexto que a pesquisa identificou e analisou a manifestação
cultural da festa do Boi-Bumbá presente na Amazônia.
A justificativa do trabalho centrou-se no anseio de contribuir para as
pesquisas sobre a temática da Geografia Cultural presente na Amazônia,
destacando a importância do significado da experiência pessoal, valorizando o
indivíduo, reconhecendo e respeitando suas particularidades, admitindo que a
cultura é dinâmica e cada grupo social passa por constantes processos de
transformações, assimilação de outras formas de ver o mundo, analisando a
manifestação desta cultura no município de Guajará-Mirim.
A metodologia utilizada foi a pesquisa participante, motivando a fixação
residencial da pesquisadora no município de Guajará–Mirim, a fim de vivenciar esse
universo mítico e encantador da pesquisa na Cultura amazônica.
Desta forma, por meio da vivência com a comunidade, analisa-se a
resistência da cultura e a influência recebida pelos possíveis migrantes que ali se
inserem, interagindo na vida de cada colaborador, ou seja, compreendendo a
maneira como o ser humano abrange e fundamenta o mundo a sua volta.
Com esta abordagem, realizou-se uma pesquisa relevante para a discussão
dos processos socioculturais de uma comunidade, tendo a Geografia como a ciência
articuladora entre a sociedade e o Estado, promovendo novas interpretações sobre
a população amazônica.
17
Essas foram algumas indagações surgidas no início da caminhada neste
Programa de Pós-Graduação, do qual resultou a seguinte organização:
No primeiro capítulo, expõe-se o contexto histórico da festa do Boi-Bumbá.
Em seguida, consta a caracterização da festa no município de Parintins-AM,
apresentando e contextualizando as simbologias do Auto do Boi, as lendas de uma
natureza mítica, os itens que compõem a festa e seus significados no contexto
cultural. Dessa forma, a Cultura do Boi-Bumbá será apresentada, para assim dar
início à contextualização da pesquisa realizada.
No segundo capitulo, trata-se da trajetória da pesquisa, expondo a escolha do
tema e o caminho metodológico percorrido.
No terceiro capítulo, apresenta-se uma fundamentação teórica sobre alguns
conceitos que auxiliaram a pesquisa, dando embasamento para a construção deste
trabalho. Entre os teóricos, destacam-se Paul Claval, Yi-Fu Tuan, Salete Kozel,
Brandão, Merleau Ponty, Armand Frémont e outros. Esses autores constituíram
importante base teórica, com seus conceitos sobre Cultura, Espaço Vivido, Espaço
Simbólico, Representação, Lugar, Fenomenologia e outros.
No quarto Capítulo, trabalhou-se a contextualização histórica da festa do boi
em Guajará-Mirim, desde as primeiras manifestações culturais até a apresentação
folclórica nos dias atuais.
No quinto Capítulo, abordaram-se os resultados da pesquisa. Trata-se da
natureza simbólica da Festa do Boi-Bumbá, as vivências e experiências adquiridas
com a realização do trabalho de campo e dos sentidos que o espetáculo proporciona
aos indivíduos e também o saber do povo e a expansão de novas representações.
O último capítulo tem como título “Imagens e diálogos que nascem com a
construção da pesquisa”, e é voltado para a apresentação das imagens que
caracterizam a pesquisa. Traz também uma entrevista realizada com uma das
colaboradoras da pesquisa.
18
CAPÍTULO I
VAMOS “BRINCAR” DE BOI-BUMBÁ
Foto 01: Pintura dos Bumbás Caprichoso e Garantido, realizada em frente de uma residência em
Parintins-AM.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012.
19
A brincadeira1 de boi existe Brasil afora e vem sendo identificada, nas regiões
Norte e Nordeste, desde meados do século XIX. Tanto o Bumba-Meu-Boi do
Nordeste, quanto o Boi-Bumbá do Norte são variações regionais, isto é, adquiriram
características de sua região através da cultura ao longo do tempo e suas formas de
manifestações sempre foram dinâmicas. A compreensão destes fatos torna-se
evidente com a citação a seguir:
Pelos portugueses veio o folguedo que ganhou auto no Nordeste brasileiro,
provavelmente em Pernambuco ‘há, no entanto, quem diga que no
Maranhão o bumbá surgiu primeiro’. Fruto do apelo da mestiçagem sofrida,
dos engenhos de cana e das fazendas de gado, o bumba-meu-boi teceu
sua trama. [...] Trazido pelos nordestinos que subiam o rio Amazonas,
acometidos da febre da borracha, no final do século passado, o bumbá
chega à Amazônia. Foi chegando e sentindo o impacto da floresta - sua
magia capaz de transformar pessoas, mudar a história e enriquecer
folguedos. Curva-se diante de sua ‘Nova Majestade’, e os três Reis Magos
para os quais ele dançava no Nordeste, cedem lugar a três santos católicos:
Santo Antônio, São Pedro e São João. [...] Prosseguem as alterações. O
negro começa e cede lugar ao caboclo. O canto vai mudando e o verso vai
substituindo o linguajar africano por um português regional (ASSAYAG,
1995, p. 32).
A cultura passou a ser modificada pelas diferentes etnias que formam Brasil.
Tanto no Norte quanto no Nordeste os povos passaram a inserir diferentes
características ao enredo do brincar de boi.
Para compreender melhor essas variações é necessário conhecer algumas
delas. Cascudo (2000) faz referência a duas delas, o Bumba-meu-boi e o BoiBumbá, esclarecendo suas características de acordo com a região onde a
manifestação folclórica ocorre, segundo o autor:
Boi-Bumbá é o Bumba-meu-boi do Pará e Amazonas, folguedo que se
realiza em Belém e nos arredores, nas festas de São João. Consiste de um
boi de pau e pano, conduzido por duas personagens – Pai Francisco e Mãe
Catirina -, que são acompanhadas por dois ou três cavaleiros e uma
orquestra composta de rebecas e cavaquinhos. É uma variante transparente
do Bumba-meu-boi do Nordeste, que se exibe no ciclo das festas do Natal,
enquanto o Boi-Bumbá paraense aparece durante o São João. (p. 70)
Como se pode observar nas citações expostas, a festa do Bumba-meu-boi
surgiu no Nordeste do País. Os primeiros registros da Cultura apareceram em 1840,
num jornal de Recife chamado ‘O Carapuceiro’. Segundo historiadores, a
manifestação surgiu durante a colonização, através das influências europeias,
africanas e indígenas, variando de acordo com as diversidades de cada região.
1
Brincadeira é expressão nativa muito usada em vários folguedos brasileiros. O termo assinala, com
propriedade, sua dimensão lúdica e festiva. (CAVALCANTI, 2006, p, 91)
20
O Bumba-meu-boi é um espetáculo que acontece em arena, com brincantes e
espectadores todos em pé, formando uma roda em torno dos personagens centrais.
Ocorre simultaneamente a mistura dos personagens humanos, animais e
fantásticos.
Para identificar os principais personagens do Bumba-meu-boi, utiliza-se como
referência a tese de doutorado em História Social da pesquisadora Viviane
Pedrazani, que expõe da seguinte forma: O Amo ou Fazendeiro:
É o senhor da fazenda, designado amo ou patrão, que concebe o poder
intrínseco ao status social como latifundiário, proprietário da gadaria e, em
particular, do boi mais garboso. Na festa do bumba-meu-boi, em geral cabe
a esse personagem preparar e reger o grupo, governando-o por meio de um
apito e um maracá. É ainda o puxador principal das toadas que serão
acompanhadas pelos outros brincantes. (PEDRAZANI, 2010, p. 143)
O Pai Chico:
Recebe também o apelido de Nêgo Chico, um dos principais personagens
da festa. Normalmente é tido como o agregador da fazenda responsável
pelo roubo e morte do boi, para acolher a vontade de sua esposa, Catirina,
cujo desejo era comer a língua do animal. (Ibdem, p. 144)
A Mãe Catirina:
Ou simplesmente Catirina, é a esposa de Pai Chico. Ao ficar grávida, é
tomada pelo insaciável desejo de comer a língua do boi mais quisto da
fazenda em que vive com Pai Chico. Ele, para fazer o gosto da sua mulher
grávida, dá cabo ao bicho. Na encenação da festa, Catirina é interpretada
por um homem vestido de mulher. (Idem)
Os Vaqueiros:
O(s) vaqueiro(s) na festa é (são) uma alusão ao caboclo rústico, o
sertanejo, a quem o amo atribui a responsabilidade de localizar o paradeiro
de Pai Chico e do boi desaparecido. Na trama, cabe a ele contar ao amo da
fazenda o fim de seu prezado boi. (Ibdem, p. 145)
Os Índigenas:
Junto com os vaqueiros, têm a tarefa de sair à cata de Pai Chico. Dão um
belo ritmo e efeito visual à festa, ornamentando-a com as vestes e
coreografias alegres. Há não muito tempo atrás, eram personagens
representados exclusivamente por homens. Atualmente as mulheres têm
ampla participação na composição dos grupos, elas são designadas de
Caboclo de Pena. (Ibdem, p. 146)
21
Há ainda o Doutor da Medicina, “personagem que vai examinar o boi, para
saber o estado em que se encontra o animal, a mando do Amo. Ele veste-se todo de
branco” (Ibdem, p. 147).
No contexto do bumba-meu-boi, os homens desempenhavam todos os
papéis, inclusive os femininos, vestindo-se a caráter do personagem. Hoje é
significativa a participação das mulheres no brincar de boi. As apresentações de
Bumba-meu-boi ocorrem em arraiais, como se pode observar na imagem a seguir,
ou em frente às residências de quem os convida.
Foto 02: Boi de Juçatuba na festa junina em São Luís do Maranhão
Fonte: Fotografia disponível no link www.ebc.com.br/cultura/2013/06/bumba-meu-boi-e-destaque-nafesta-junina-de-sao-luis-do-maranhao, acessado em 13/08/2013. Antônio Martins, 2013.
O Boi-Bumbá realizado na região Norte segue a mesma referência do Bumbameu-boi do Nordeste, com algumas mudanças que cada região determina.
No enredo do auto do Boi-Bumbá, o centro das atenções é um Boi de pano,
que balanceia animado por uma pessoa que se coloca embaixo da armação e dança
em torno dos membros da brincadeira de boi, que cantam contemplando sua
apresentação. Toadas de diversos ritmos e conjuntos instrumentais seguem a
dança, que por sua vez pode ser composta por coreografias detalhadas e
sequências de ações dramáticas, sem necessariamente uma ordem específica.
O espetáculo se articula em volta de personagens com vestuários típicos, cuja
função, nomes e importância variam de acordo com a região. Os mais comuns são:
22
o amo do Boi, os vaqueiros, os índigenas, o pajé, os Tuxáuas, o Pai Francisco, a
Mãe Catirina, as sinhazinhas e outros. Cada organização de Boi age de forma livre
em relação à composição do seu conjunto de personagens, adicionando e alterando
personagens e temas da apresentação. As lendas e os rituais diferenciados
acompanham também as formas de brincar de boi.
As histórias que se apresentam no brincar de boi surgem na poesia das
toadas e dos muitos relatos dos próprios brincantes e organizadores, que buscam
razões para o folguedo ser vivenciado ano após ano com tanta motivação. Dentre as
histórias, a que mais tem destaque é o tema da morte e ressurreição do Boi, pois
marcou a compreensão do folguedo no país. A seguir, Bordallo da Silva, afirma que:
O motivo principal do auto é a posse de um boi famoso, pelas suas
qualidades e valentia, que o amo ou fazendeiro deu de presente à sua filha
e confiou aos cuidados do vaqueiro. Mãe Catirina desejou comer aquele
famoso boi, pois estava grávida e com entojos. Pai Francisco, seu marido,
não teve dúvidas em tentar matá-lo para satisfação de sua mulher.
Desaparecido o boi, o vaqueiro chefe é chamado para dar conta do que lhe
fora confiado e este descobre que Pai Francisco havia atirado no boi. Pai
Francisco resiste à prisão e os vaqueiros confessam sua fraqueza em trazêlo preso. Assim, é chamado o tuxaua de uma tribo de índios. Pai Francisco
é preso pelos silvícolas e somente será dispensado do castigo, que bem
merece pelo seu crime, se ressuscitar o boi. Aterrado, ele chama o ‘doto’, e
o ‘padre’ em pura perda, apesar dos esforços de ambos. É lembrado então
o pajé da taba. Este, depois de muitos exorcismos, danças com maracá e
baforadas de cigarro envolto em tauari [Curatariatavary] logra o milagre de
fazer reviver o ‘animal’. O acontecimento é festejado com extrema alegria, e
o bando, sempre cantando, “dá a despedida”. (BORDALLO DA SILVA,
1981, p.51)
Existem várias versões dessa lenda. Nela um vasto sistema de relações
sociais com conflitos e benevolências que giram em torno do boi, além do destaque
às desigualdades sociais e étnico-raciais que ocorrem durante a trama e conduzem
a uma gama de significados simbólicos.
Essa lenda não corresponde a um suposto auto popular ou de verdade
histórica, e sim a uma lenda que passa a recriar os rituais anualmente, de acordo
com a mensagem que cada comunidade quer repassar.
A citação de Bardallo, 1981, leva-nos a pensar que o folguedo do Boi seria
basicamente a encenação do Auto do Boi, como se o enredo dessa trama tivesse
um só roteiro a ser seguido pelas manifestações de Bumbás que ocorrem pelo
Brasil. Essa ideia é enganosa, pois embora muitos dos brincantes pareçam acreditar
23
no verdadeiro auto, ele dificilmente ocorre nas apresentações dos Bumbás. Essa
encenação pode ser vista com mais frequência nos circuitos parafolclóricos2.
No Boi-Bumbá de Parintins, a trama da morte e ressurreição do Boi valioso
cresceu e deu outro sentido ao auto, foi incorporado em seu universo simbólico não
só o contexto imaginário de lendas amazônicas, mas também conceitos da
modernidade, como a preservação ambiental na Amazônia e memória e história dos
povos da floresta, indígenas e ribeirinhos. Anualmente, Garantido e Caprichoso, os
dois principais Bumbás da região apresentam uma festa de extraordinária força e
beleza para o mundo todo ver.
O Festival dos Bumbás da cidade de Parintins/Amazonas ocorre no conjunto
de ilhas das Tupinambaranas, próximo à divisa com o estado do Pará, como se
podemos observar no Mapa 1. Essa região é conhecida como Médio Amazonas.
O mapa a seguir mostra a localização do município de Parintins-AM em
relação à localização na América do Sul - Brasil e também em escala maior
destacando sua localização no estado do Amazonas e por fim o recorte territorial do
município.
2
“São assim chamados os grupos que apresentam folguedos e danças folclóricas, cujos integrantes,
em sua maioria, não são portadores de tradições representadas, se organizam formalmente, e
aprendem as danças e os folguedos através do estudo regular, em alguns casos exclusivamente
bibliográficos e de modo não espontâneo”. (Carta do Folclore Brasileiro aprovada no VIII Congresso
Brasileiro de Folclore em 1995 em Salvador)
Mapa temático do Município de Parintins-AM.
24
Mapa 01: Mapa temático do Município de Parintins-AM.
Fonte: Elaborado a partir do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
25
A formação dos grupos de Bumbás na cidade de Parintis-AM se deu a partir
das primeiras décadas do século XX. Os Bois que compõem essa trama são o BoiBumbá Garantido – o Boi branco, cujas cores predominante são vermelho e branco.
Tem como particularidade um coração na testa, simbolizando que é o Boi do
coração de seus brincantes. Sua criação é datada de 1913, por Lindolfo Monteverde,
– e o Boi Caprichoso – o Boi negro, que possui como cores predominantes o azul e
o branco. Sua característica marcante é uma estrela pintada na testa. Surgiu no
mesmo período em que o Boi-Bumbá Garantido. Há quem diga que foi no mesmo
ano, há quem diga que foi um ano depois, criado pelos irmãos Roque e Antônio Cid
e por Furtado Belém.
Nesse período de disseminação da cultura na região, vários grupos de Bois
surgiram, mas somente Garantido e Caprichoso permaneceram e fazem história até
os dias atuais. Diversos motivos tornaram essa festa característica da região. O
dualismo ganhou vida e tomou conta da cidade.
No início de sua formação, os Bumbás apresentavam uma forma tradicional,
brincando em terreiros e saindo às ruas da cidade para duelar um com o outro.
Esses duelos ficaram conhecidos e marcados na história local por consistirem em
brigas muito agressivas. As famílias ricas pagavam para que o Boi se apresentasse
em suas casas. Outros grupos se apresentavam e recebiam em troca alimento. Suas
apresentações eram marcantes, como demonstram as palavras da autora:
A fama do Garantido ecoa até hoje. Lindolfo Monteverde teria uma voz
muito boa, e seu boi era ‘seguro’, ‘garantido’, saindo sempre inteiro do
combate com outros bois, “sua cabeça nunca quebrava”. Diante disso o boi
rival ‘caprichava’. (CAVALCANTI, 2000, p.1030)
Os Bumbás de Parintins aos poucos passaram a formar a base territorial da
cidade. Os grupos passaram a dividir os bairros em azul e branco e vermelho e
branco, respectivamente de leste a oeste da cidade. Aos poucos a organização
social passou a constituir uma importante oposição em sua morfologia.
A formação atual da festa do Boi-Bumbá em Parintins teve como marco a
criação do “Festival Folclórico de Parintins”, em 1965, que veio a se tornar um divisor
de águas na história dos Bois. Gradativamente essa atividade se tornou a principal
atração cultural e turística da região.
26
Em 1988 ocorreu à construção do “Bumbódromo”, com capacidade para 45
mil pessoas e considerado o marco central do duelo entre os Bumbás. Está situado
na área central da cidade, traçando uma linha imaginária que segue desde o porto
da cidade, passando pela praça municipal, a catedral de Nossa Senhora do Carmo,
seguindo pela avenida que passa em frente ao cemitério local, até a chegada ao
Bumbódromo. Na parte interna, composto pela arena e arquibancadas, segue a
mesma divisão do espaço externo, metade é da galera3 azul, do Caprichoso, a outra
metade, da galera vermelha, do Garantido.
Essa linha imaginária demarca o lado Leste da cidade como a parte alta da
cidade, pertencente ao Bumbá Caprichoso, com barracões, galpões e o “curral” do
Boi4. Já o lado oeste, considerado a parte baixa de Parintins, pertence ao Bumbá
Garantido, conhecido também como a Baixa do São José5, onde se localizam toda a
infraestrutura e logística para a realização da agremiação folclórica.
O Festival Folclórico acontece na última semana de junho, anualmente. Cada
Bumbá conta com aproximadamente 3.500 brincantes, que interagem na arena por
cerca de três horas de espetáculo. A cada noite os Bumbás apresentam lendas,
narrativas e danças diferentes, com trocas de fantasias e novos carros alegóricos
ocupando a arena.
Um item bastante importante nas apresentações é a participação das
“galeras”. A mobilização se inicia cedo pela manhã, por volta das 7 horas, com os
primeiros a chegarem na fila para guardar lugar até a hora de adentrar o
Bumbódromo. Com capacidade menor que o desejável, o Bumbódromo torna-se
ponto de encontro das galeras, que aguardam a entrada, o que se dá por volta das
15 horas. Do lado Leste, instalam-se filas do Caprichoso (Foto 04). Já do lado
oposto, Oeste, forma-se a gigantesca fila do Garantido (Foto 03).
3
Torcedores que prestigiam a festa dos Bumbás.
Quadra de realização dos ensaios
5
São José é um bairro de Parintins-AM.
4
27
Foto 03: Fila da galera do Boi-Bumbá Garantido Parintins-AM.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
O sol e a chuva não impedem que a “galera” permaneça de pé. Após a
entrada no Bumbódromo, as torcidas aguardam até as 20 horas para o início do
festival. É surpreendente o fôlego desses brincantes, que enfrentam um sol de 40
graus, com frequentes pancadas de chuva, que surpreende a todos (Foto 04)
28
Foto 04: Fila da galera do Boi-Bumbá Caprichoso Parintins-AM.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012.
Os assentos destinados às “galeras” (Foto 05) são gratuitos e correspondem
a 80% do Bumbódromo. A galera é item avaliado, e seu desempenho também
ganha nota. Durante a apresentação do seu respectivo Boi, a torcida vibra,
cantando, dançando, atendendo aos efeitos especiais que cada agremiação oferece.
Na hora da apresentação do outro Bumbá, a galera permanece em silêncio,
observando, escutando e apreciando criticamente cada detalhe.
29
Foto 05: Galera do Boi-Bumbá Caprichoso dentro do Bumbódromo em Parintins-AM.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012.
O Festival de Parintins é um espetáculo de rara beleza e complexidade. A
composição da comissão julgadora é guiada até dentro da arena do Bumbódromo,
por representantes de cada um dos Bumbás. Os jurados que fazem parte dessa
avaliação são sorteados de todo o Brasil.
Segundo o regulamento do Festival Folclórico de Parintins6 de 2011 a 2013,
existem no total 21 itens a serem avaliados, cada um com um critério diferente a ser
considerado pelos jurados na votação, como se pode observar a seguir:
6
Regulamento do Concurso de Bumbás de Parintins, disponível em www.boicaprichoso.com,
acessado em 1 de julho de 2013.
30
Item
Definição
Méritos
1.APRESENTADOR
Anfitrião, Mestre de Cerimônia, Domínio
(Individual)
Porta-voz.
de
Elementos Comparativos
arena
público,
fluência
carisma,
impostação
interferência
ou
e
de Indumentária
e
significado,
verbal, voz, desenvoltura, animação.
sem
intervenção
que dificulte a audição ou
compreensão do espetáculo
de
voz,
atenção
dicção,
alegria,
constante
no
desenvolvimento do tema.
02.LEVANTADOR DE
Sua voz é o fio condutor para Interpretação,
TOADAS (Individual)
o desenvolvimento do tema.
afinação, Afinação,
extensão
vocal,
dicção, timbre e técnica de dicção, respiração e timbre
canto.
03.BATUCADA OU
Sustentação rítmica, base para o Harmonia,
MARUJADA (Coletivo)
espetáculo,
percussão
agrupamento
que
fornece
de constância.
um
referencial rítmico indispensável
às toadas.
cadência,
ritmo, Harmonia,
arena,
disposição
ritmo,
cadência.
de
indumentária,
31
04.RITUAL INDÍGENA
Recriação de rito xamanístico, Teatralização,
(Estrutura artística)
fundamentado
através
criatividade, Fidelidade a toada cantada na
de beleza, originalidade e efeitos.
apresentação
do
ritual,
pesquisa, dentro do contexto
desenvolvimento,
beleza
e
folclórico do boi-Bumbá.
encenação, observada a sua
fundamentação
(pesquisa/referencias)
da
folclorização
dentro
do
Boi-
Bumbá.
05.PORTA-ESTANDARTE
Símbolo
(Individual)
movimento.
do
Boi
em Bailado, garra, desenvoltura, Indumentária,
simpatia, elegância e alegria.
estandarte,
leveza, graça, sincronia de
movimentos entre o bailado e
o estandarte.
06.AMO DO BOI
O dono da fazenda, menestrel Dicção, desenvoltura, postura Indumentária, voz, afinação,
(Individual)
que tira versos dentro dos e expressões cênicas.
poder
fundamentos do espetáculo.
qualidade poética.
de
07.SINHAZINHA DA
Filha do dono da fazendo, no Beleza, graça, desenvoltura e Indumentária,
FAZENDA
auto
(Individual)
Parintins.
do
Boi-Bumbá
de alegria.
improvisação
e
movimentos,
saudação ao Boi e ao público,
simpatia e carisma.
32
08. RAINHA DO FOLCLORE Item
(Individual)
que
representa
diversidade
de
a Beleza, simpatia, desenvoltura Beleza,
valores e
expressados
incorporação
as
graça,
movimentos,
suas simpatia e indumentária.
pela representações.
manifestação popular.
09.CUNHÃ
PORANGA Moça
(Individual)
bonita,
guardiã,
guerreira
expressa
a
e Beleza, simpatia, desenvoltura Beleza, movimentos, simpatia
força e
através da beleza.
10.BOI-BUMBÁ EVOLUÇÃO Símbolo
(Individual)
da
incorporação
as
suas e indumentária.
representações.
manifestação Evolução e encenação.
Geometria
idêntica,
leveza,
popular, motivo e razão de ser
coreografia e movimentos de
do
um Boi real.
Festival
Folclórico
de
Parintins.
11.TOADA
(LETRA
MÚSICA) (Abstrato)
E Suporte
festival,
líteromusical
elo
entre
individualidade e o grupo.
do Agrega elementos históricos, Melodia,
a geográficos,
culturais
métrica,
conteúdo,
e interpretação, composição e
sociais, desde os momentos harmonia.
primitivos até os nossos dias.
12. PAJÉ (Individual)
originalidade,
Curandeiro, hieforante, xamã, Expressão corporal e facial, Indumentária,
expressão,
segurança,
sacerdote, ponto de equilíbrio movimentos
harmônicos,
domínio de arena, encenação
e coreografia.
das tribos.
domínio de espaço cênico.
33
13.TRIBOS INDÍGENAS
Grupos Étnicos que compõem Sincronia
de
movimentos, Sincronia,
indumentária,
(Coletivo)
os povos indígenas do Brasil, cores e expressões cênicas e fidelidade às raízes (dentro do
dentro do contexto folclórico danças.
contexto
folclórico
do Boi-Bumbá de Parintins.
Bumbá)
e
plástica
do
efeitos
e
Boi-
visuais:
adereços
pertinentes ao contexto tribal
folclorizados ou não.
14. TUXAUAS
Chefe da tribo o personagem Plástica adequada ao tema do Indumentária,
(Coletivo)
caboclo em sua miscigenação, espetáculo,
representação
alegórica
criatividade
do originalidade.
fidelidade
ao
e tema do espetáculo e riqueza
dos detalhes nas confecções
universo indígena e caboclo
do capacete (cocar alegórico).
da Amazônia.
15.FIGURA TÍPICA
Símbolo da cultura amazônica, Homenagem
REGIONAL (Artístico)
na sua soma de valores a terra, beleza e originalidade.
acabamento, estética, porte e
partir
encenação.
dos
elementos
compuseram
a
às
raízes
que
da Fidelidade
ao
item,
sua
miscigenação.
16. ALEGORIA (Artístico)
Estrutura
funciona
artística
como
que Beleza,
criatividade
suporte originalidade.
e Acabamento,
funcionalidade,
execução,
estética
e
34
cenográfico
para
a
porte.
apresentação.
17.LENDA
AMAZÔNICA Ficção que ilustra a cultura Imaginação,
(Artístico)
dos povos da Amazônia dentro porte
envolvimento, Acabamento,
cenográfico
do contexto folclórico do boi- encenação.
encenação,
e originalidade
e
desenvolvimento.
Bumbá de Parintins.
18.VAQUEIRADA
Agrupamento
coletivo Beleza e coreografia.
(Coletivo)
composto por cavalos, lanças
Indumentária,
coreografia
e
sincronia.
e vaqueiros tradicional do BoiBumbá
Guardiões
de
Parintins.
do
Boi
em
evolução.
19.GALERA (Coletivo)
Elemento
espetáculo,
de
apoio
estímulo
do Alegria, energia contagiante, Animação,
que forma uma das maiores
mundo.
uníssonas
humano,
de sincronia, garra, evolução e participação e sincronia.
apresentação, massa humana empolgação.
coreografias
calor
do
35
20.COREOGRAFIA
Todos
os
movimentos
de Dinâmica,
criatividade
nos Expressividade do movimento,
(Coletivo)
dança apresentados durante o movimentos, ritmo e sincronia.
sincronia e criatividade.
espetáculo.
21.ORGANIZAÇÃO DO
Reunião de itens individuais, Disposição
CONJUNTO FOLCLÓRICO
artísticos
(Coletivo)
embasados no conteúdo do (tribos, itens individuais, etc.), espetáculo,
e
em
que
se Indumentária,
coletivos encontram suas diversidades pertinente
espetáculo, e, por sua vez, harmonia,
liberdade
de estrutura
alegria
ao
e
conteúdo
do
diversidade
de
fantasia
dispostos organizadamente na movimentos na arena e tempo fidelidade ao tema.
arena de apresentação.
compatível.
Quadro 01: Itens avaliados no Festival Folclórico de Parintins.
Fonte: Regulamento do Concurso de Bumbás de Parintins, disponível em www.boicaprichoso.com, acessado em 1 de julho de 2013.
com
36
A partir desses critérios, cada jurado realiza seu julgamento, sendo que cada
item já entra na arena com a nota 10 podendo ou não vir a perder pontos no
transcorrer da apresentação.
O espetáculo se inicia com a entrada do apresentador. Em sequência, o
levantador de toadas dar início a melodia com a entrada da batucada ou marujada.
Daí vem uma performance sem ordem fixa de apresentação, encerrando-se com a
apresentação do ritual. Pela tradição já cumprida, o resultado do festival é sempre
anunciado com a leitura dos pontos dados pelos jurados no dia 1º de julho, feriado
municipal decretado por lei.
O Festival Folclórico de Parintins é de uma beleza exuberante, uma perfeita
combinação da alegria da festa e de conscientização dos valores regionais,
caracterizada nas diversas formas de apresentar na arena a cultura cabocla.
37
CAPÍTULO II
TRAJETÓRIA DA PESQUISA: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Foto 06. Apresentação do Boi-Bumbá Flor do Campo no Festival Folclórico de Guajará-Mirim. Fonte:
Acervo do Jornal/O Mamoré, 2012.
38
2.1 A escolha do Tema
A brincadeira do Boi tem fascinado e desafiado gerações de estudiosos pelo
mundo inteiro. Sua riqueza Cultural nos leva a realizar inúmeros questionamentos
sobre as representações sociais que passam a forma essas comunidades que
aderiram a essa Cultura.
Uma das razões que motivaram a pesquisa com o Boi-Bumbá na Amazônia
foi a necessidade de analisar e, mais que isso, compreender como essas
comunidades de Guajará-Mirim-RO (Mapa 2) e Parintins-AM (Mapa 1), passam a
conceber seus espaços a partir das manifestações culturais. Para se chegar a tal
compreensão, partiu-se do conceito de representação, que dará suporte para
analisar a realidade espacial, com uma observação direta e real dos fatos. Dentro
dessa análise buscou-se abordar os conceitos geográficos: espaço, representação e
lugar.
As questões sobre a formação do espaço a partir das manifestações culturais
surgem desde as primeiras aparições do Boi-Bumbá na região amazônica. Entender
como ocorre essa organização na própria comunidade se faz necessário, uma vez
que a comunidade passa a inserir novos significados a essa trama, disseminando
diversas formas de representação no espaço.
Para compreensão do diálogo dessas comunidades, utilizamos o conceito de
representação, que, segundo Almeida (2003, p.71)
“é através de um conhecimento das representações das pessoas que é
possível captar toda a riqueza de valores que dão sentido aos lugares de
vida dos homens e mulheres; pelas representações também é possível
entender a maneira pela qual as pessoas modelam as paisagens e nelas
firmam suas convicções e suas esperanças".
Desta forma, a análise se dá através das sensações e percepções extraídas
das representações.
A seguir será apresentado o Mapa 2, que se refere à localização da área de
pesquisa. Assim, destacando em escala maior o município em relação ao Brasil, o
recorte do estado de Rondônia com os limites dos municípios e por fim a área
territorial do município Guajará-Mirim/RO.
Mapa temático do Município de Guajará-Mirim/RO.
39
Mapa 02: Mapa temático do Município de Guajará-Mirim/RO.
Fonte: Elaborado a partir do Instituto brasileiro de Geografia e Estatística.
40
2.2. Pesquisa participante
Ao se refletir a respeito do papel da Cultura do Boi-Bumbá presente na
sociedade e as relações que passam a se estabelecer no cotidiano dessas
comunidades, faz-se necessário registrar e divulgar informações sobre essa
manifestação cultural, que se configura no espaço social. Nesse sentido buscou-se
referências bibliográficas que pudessem oferecer embasamento teórico para a
compreensão desta temática. Foram somadas inúmeras leituras referentes à Cultura
do Boi-Bumbá na Amazônia, como livros, revistas, periódico, internet, entre outras
fontes que muito contribuíram para a elaboração do trabalho.
Após explorar o campo teórico em busca de compreender qual a melhor
metodologia a seguir, percebeu-se que a pesquisa deveria utilizar o conhecimento
teórico e empírico, ou seja, explorar a teoria para poder realizar a prática. Assim a
teoria dá base para vivenciar experiências e extrair delas o conhecimento.
Desse modo, fundamentou-se a pesquisa na metodologia da pesquisa
participante, pois proporciona total interação com a comunidade em estudo. De
acordo com Costa (1995, p. 133):
[...] o principal instrumento de pesquisa, é o investigador, num contacto
directo, frequente e prolongado com os actores sociais e os seus contextos;
as diversas técnicas reforçam-se, sendo sujeitas a uma constante vigilância
e adaptação segundo as reacções e as situações. A natureza específica
dos procedimentos do método de campo impõe-lhes que, para adquirirem
pertinência e rigor, tenham que ser, necessariamente, diversificadas e
flexíveis (COSTA,1995, p. 133).
Nesse sentido, o pesquisador participante está diretamente relacionado à
cotidianidade da comunidade em questão. Nela, a pesquisa não deve ser feita
simplesmente sobre os grupos envolvidos, mas com os grupos. Isso permite uma
ligação mais ampla entre os atores sociais envolvidos no fenômeno e o pesquisador,
justamente porque este passa também a fazer parte da dinâmica do fenômeno
(BRANDÃO, 1999).
Essa metodologia será uma forma de aquisição de conhecimento, que levará
a uma maior discussão sobre o tema. Assim, as diversas relações estabelecidas
entre pesquisadores e comunidade em questão revelarão uma infinidade de
elementos a serem explorados. Todo esse questionamento irá aumentar a
41
capacidade de compreender os problemas existentes, como a falta de apoio do
estado na consolidação da Cultura da região, interferindo na credibilidade e
disseminação do Boi-Bumbá na região de Guajará-Mirim.
A técnica utilizada foi a observação participante, de acordo com Borges,
(2009):
Observação participante é a técnica, e alguns autores vão dizer método, em
que o processo de observação deve ser feito de maneira direta, ou seja, o
observador ao observar, participa da vida do grupo a ser pesquisado. É um
processo pelo qual o pesquisador deve se integrar ao grupo, analisando-o
de dentro para fora, por meio de vivências e convivências cotidianas.
(BORGES, 2009, p. 186).
Para compreensão das diversas formas de representação inseridos nessa
manifestação Cultural, utilizaram-se também alguns procedimentos metodológicos
que auxiliou a desvendar esse caminho. Entre eles a coleta de uma entrevista
completa, que será analisada nos próximos capítulos, oito depoimentos de
moradores, sendo quatro realizados em Guajará-Mirim-RO e quatro em ParintinsAM, e também a coleta de três Mapas Mentais, para melhor compreender as
representações que surgem no imaginário dos moradores que vivenciam essa
Cultura.
Nesse sentido, procurou-se escolher colaboradores de forma aleatória e que
de maneira direta ou indireta estivessem relacionados à manifestação folclórica do
brincar de Boi.
Portanto, a pesquisa se deu por meio dos trabalhos realizados em campo,
mediante interação com a comunidade, conversas com os organizadores dos
Bumbás, participação nos festivais folclóricos, de modo a observar e perceber toda
essa relação existente no espaço.
42
2.3. Vivência e experiência com a Cultura do Boi-Bumbá
Esta etapa do trabalho tem como objetivo realizar o registro das impressões e
também dos sentimentos dos sujeitos envolvidos na pesquisa, permitindo uma
melhor compreensão das diversas formas de representação que serão identificadas
a seguir.
Como já foi mencionada anteriormente a pesquisa no município de GuajaráMirim (mapa 2) é realizada desde 2008 e o trabalho de campo acontece desde
então.
A visita a campo voltada para a pesquisa do mestrado se iniciou em fevereiro
de 2012, com a observação geral da área de pesquisa, na tentativa de compreender
quais as transformações ocorridas de 2008 a 2011 e assim atualizar dados já
coletados. Outro ponto a destacar é a tentativa de interação da pesquisadora com a
comunidade envolvida na manifestação cultural do Boi-Bumbá, pois é esse grupo
que traz respostas à pesquisa.
Primeiramente,
foram
realizadas
visitas
nas
respectivas
casas
dos
organizadores dos Bumbás, coletando informações sobre os integrantes dos Bois
que poderiam estar contribuindo com a pesquisa.
Logo entramos em contado com essas pessoas, o primeiro a ser encontrado
foi um integrante da batucada7, chamado Michel Ortiz, que recebeu muito bem em
sua residência e aceitou colaborar com a pesquisa. Tivemos uma agradável
conversa sobre a sua trajetória com o Boi-Bumbá. Em seu depoimento, Michel
informou que seu contato com os Bumbás se deu através da música, pois sempre
tocou em bandas aleatórias e quando surgiu o convite de tocar no Boi-Bumbá, ficou
bastante surpreso. Aceitou o desafio sob a influência do fator financeiro, pois os
músicos recebem para tocar. O colaborador destacou que iniciou a tocar no BoiBumbá Malhadinho (Azul) e em seguida mudou-se para o Flor do Campo
(vermelho), pois a remuneração proposta foi maior.
O colaborador destaca que no início não sabia o que era boi e o interesse foi
financeiro e hoje guarda um enorme carinho pelo Bumbá Flor do Campo, pois
aprendeu a gostar, e já realiza apresentações sem participação financeira.
7
Nome dado a composição da banda musical do Boi-Bumbá vermelho.
43
Quando perguntou-se sobre a sua visão diante a manifestação folclórica, o
colaborador enfatizou que antigamente a festa era reconhecida pela brincadeira
onde o povo interagia e hoje observa que o fator financeiro influencia diretamente na
composição da festa.
Nesse primeiro contato com o universo da pesquisa, diferente do que
tínhamos percebido nas pesquisas anteriores, notamos que a primeira coisa falada
pelo colaborador foi o fator financeiro que movimenta toda a economia da festa do
boi, tanto na formação dos componentes de cada agremiação quanto na economia
local.
Durante o esse primeiro trabalho de campo, ao andar pela cidade nota-se que
não existem características da festa na formação do espaço, a não ser pela
construção do Bumbódromo na entrada da cidade.
Dando continuidade ao trabalho de campo, soube-se que todas as tardes um
grupo de meninas se reunia para ensaiar músicas de boi-bumbá. Ficamos muito
curiosos em saber como funcionava, se era pago, quem ensinava, e principalmente
queríamos entender o que motivava essas pessoas a realizar essa atividade.
No primeiro contato com o ambiente, notou-se que era uma casa, utilizada só
para aulas de dança de boi-bumbá, com um grande espelho fixado na parede, para
auxiliar os dançarinos. Quem nos recepcionou foi uma moça chamada Eriane
Santos Ribeiro, de 28 anos de idade, que se apresentou como Dozinha, muito
simpática. Apresentei-me, falei um pouco sobre o trabalho que realizo como
pesquisadora. Ela muito se interessou e logo aceitou conversar e falar um pouco
sobre sua vida e como o Boi-Bumbá faz parte do seu cotidiano.
Esse contato foi informal, sem presença de gravador. Aos poucos fomos
conversando e conseguindo entender sua trajetória. Primeiramente a intenção era
compreender qual a sua ligação com a festa do Boi-Bumbá.
A colaboradora
informou que é brincante do boi, representando, a Cunhã Poranga, já há dois anos
consecutivos e que no ano de 2012 faria sua última apresentação8.
Durante a conversa, o brilho nos olhos da colaboradora foi inevitável, ao
relatar sua história de vida, sempre ligada à festa do boi-Bumbá. Durante a sua
infância sempre acompanhou a organização da festa, pois sua madrinha é a
8
Eriane não se apresentou em 2012, devido às mudanças de presidente do Boi-Bumbá Malhadinho
44
fundadora do boi-Bumbá Flor do Campo, a colaboradora destaca que sempre teve
grande habilidade com a dança e durante os ensaios treinava as meninas para ser
destaque na festa, sempre com grande satisfação, sem cobrar nada pois tinha
prazer no que fazia. Apesar de laços parentescos com a nação vermelha e branca,
foi no Bumbá azul que Eriane firmou seus laços. Durante anos vem sendo brincante
do boi, respectivamente 1 ano como dançarina, 3 anos como Porta Estandarte, 2
anos como membro da trupe9 e um ano como Cunhã Poranga.
Em meio às suas palavras a colaboradora escondia um grande desejo, um
sonho que crescia durante sua adolescência. Em relato, enfatizou que mesmo já
tendo atuado como Porta Estandarte, almejava desde os quinze anos, ser Cunhã
Poranga do Bumbá azul e branco, o boi do coração.
Esse sonho foi ficando mais próximo com o convite da organização do Boi
Malhadinho, para ser a Cunhã Poranga e representar o bumbá azul na arena. A
colaboradora não escondeu seu entusiasmo ao relatar a emoção que sentiu com
esse convite que era esperado há 15 anos. Era a realização de um sonho. Crescia
um grande sentimento pelo boi Malhadinho, que lhe ofereceu essa oportunidade.
Sem dúvidas era seu boi do coração.
Durante a apresentação do festival, a colaboradora relata que não existiria
palavra que descrevesse a sua emoção, sem explicação mostrar a cultura do BoiBumbá, um sentimento único que transborda no peito: “só em pensar as pessoas
olhando e admirando meu trabalho é muito gratificante, muita satisfação” 10. Sua
maior realização foi trazer o título para o boi-bumbá Malhadinho com a melhor nota
do festival como Cunhã Poranga.
Nossa conversa era embalada ao som de toadas do Boi-Bumbá Garantido,
que apesar de ser o Bumbá vermelho, não deixa de fazer parte do repertório tocado
nos ensaios:
“Nossa festa é de Boi-Bumbá
Nosso ritmo é quente, amazonense
É o batuque misturado, apaixonado
Tem a cara do Brasil
Coisa assim nunca se viu
É o balanço que imita banzeiro
Tem cheiro de beira de rio...” (Toada Boi-Bumbá Garantido, 2011)
9
Grupo de dançarinos que se apresentam através de coreografias, durante a festa do Boi.
Palavras da colaboradora.
10
45
A toada era contagiante, o volume era alto, a metros de distância era possível
ouvir. Nota-se que várias meninas chegavam ao local e logo procuravam seus
lugares em frente ao espelho pra começar a dançar as toadas de Boi. Dozinha
relatou que aquela casa era destinada só pra os ensaios, e ensinar as meninas que
queiram aprender a dançar. Logo as alunas convidam Eriane para compor o grupo
das dançarinas.
Nosso encontro se encerra ao som da toada, um dois pra lá dois pra cá que
contagia a cada batida de tambor. É uma perna ou um braço que se move
involuntariamente, o coração passa a acelerar junto com o ritmo quente da toada.
Continuava a busca por vivenciar essa cultura, buscando novos relatos que
pudessem contribuir com a pesquisa, tive contato com uma brincante de boi-Bumbá
que mencionou uma família que admira muito a festa do boi. Logo parti em busca de
conhecer a história de vida dessa família, que tem ligação com a formação da
cultura na região e até hoje vivencia essa manifestação folclórica na Amazônia.
Chegando ao local informado pela brincante, conheci um casal muito
carismático, o Sr. Paulo e a dona Cacilda. Passamos a conversar sobre o tema de
minha pesquisa, eles foram muito atenciosos, e logo se colocaram à disposição
como colaboradores da pesquisa.
O objetivo a ser alcançado como pesquisadora é compreender como a
brincadeira de Boi passava a influenciar na vida desses colaboradores, isso tornava
a pesquisa muito empolgante, pois a cada conversa com os colaboradores tinha-se
uma impressão diferente, realidades totalmente distintas, mas eles sempre
demonstravam o mesmo encantamento quando se tratava do brincar de boi. É essa
essência que buscamos, identificando qual o devido papel das emoções desses
colaboradores na formação do lugar.
Dessa forma, a conversa com a família do Sr. Paulo foi de grande valia para a
pesquisa, pois foi possível compreender como essa manifestação folclórica se
iniciou e faz parte dessa família até os dias de hoje. O Sr. Paulo nasceu em
Itacoatiara-AM, chegando ao município de Guajará-Mirim em 1965. Conheceu a
cultura do Boi-Bumbá no Amazonas e quando chegou a Rondônia percebeu que
também existia essa tradição. Isso o deixou muito feliz, pois passou a se sentir em
46
casa. O Sr. Paulo conseguiu vivenciar melhor essa cultura com a sua participação
na UMAM, que foi onde tudo começou.
O presidente da UMAM na época era o Sr. Aderço Mendes. Nas palavras do
colaborador, Aderço foi o fundador dos Bois em Guajará-Mirim. O Sr. Paulo estava
em constante contato com a organização dos Bumbás, iniciando assim a história de
vida com a Cultura do Boi-Bumbá.
Segundo seus relatos, na época em que tudo começou não havia dinheiro
envolvido na brincadeira. Tudo era feito de forma inocente, enchendo os olhos de
quem pudesse assistir. Hoje já tem muito dinheiro envolvido, atraindo pessoas que
não gostam da cultura, mas estão envolvidos pelo recurso que irá chegar pra cada
boi.
O colaborador destaca que antigamente a rivalidade era vista só entre os
dois Bumbás na arena e hoje consegue observar a rivalidade não só na arena entre
os Bois, mas também dentro da organização de um só Bumbá, podendo ser vista
com a disputa de poder que existe no Boi-Bumbá malhadinho. Nosso colaborador
ainda destaca que a sua casa é dividida em azul e vermelho, pois o envolvimento
dos filhos se divide nas duas agremiações.
Continuando com o trabalho de campo, utilizamos também a memória e
vivência da Sra. Bernadete Deike, participante do festival folclórico como
organizadora do Bumbá Malhadinho. Ela nos proporcionou uma conversa muito
agradável, em que pude aos poucos compreender o que o Boi-Bumbá representa
em sua vida.
Em meio as suas palavras, a colaboradora relatou que o boi representa força,
coragem, vontade de lutar cada vez mais por algo, que além de dar muita alegria,
também proporciona o bem-estar de pessoas que durante o ano estão ociosos na
sociedade. A Sra. Bernadete afirma que quando chega a época em que há trabalho
no boi se sente mais feliz, pois muitas dessas pessoas ociosas encontram um
trabalho, muitas vezes sem salários, trabalham somente recebendo as refeições.
Mesmo assim, se doam de corpo e alma, dia e noite, e acabam se sentindo
gratificados, com a sensação de dever cumprido, somente em ver a beleza do seu
trabalho na arena do Bumbódromo. A colaboradora destaca que essas pessoas
ajudam a concretizar um sonho, alegrando a si mesmas e aos que vêm assistir ao
47
Festival Folclórico. Por fim, a colaboradora encerra nossa conversa com as
seguintes palavras: “Então o boi faz parte inteiramente da minha vida, que tenho por
objetivo contribuir para a felicidade do outro, nessa época transbordamos energia e
o nosso sangue passa a ser cada vez mais azul”
A visita a campo foi realizada nesse primeiro momento, um primeiro contato
foi firmado com a comunidade que passou a ter conhecimento da pesquisa.
Durante o mês de junho foi realizado um trabalho de campo no Município de
Parintins-AM, com a intenção de realizar uma análise comparativa em relação aos
dois municípios. Como já havia notado, Guajará-Mirim sofre uma forte influência
cultural vinda de Parintins, essa característica é notória desde origem dos Bumbás
no município. Todos os anos as organizações dos Bumbás visitam Parintins em
busca de novas influências, coreógrafos, artesãos, toadas e outras características
que possam também, ser usadas nos festivais.
A saída foi prevista para o dia 25 de junho, com saída de Porto Velho-RO,
rumo a Manaus-AM. Chegando à capital do Amazonas, foi necessário pegar uma
embarcação até o destino final, a ilha Tupinambarana.
A embarcação partiu ao meio dia rumo a Parintins. Após a acomodação dos
tripulantes, pude ter uma noção do que iria encontrar pela frente. O barco era
movido à alegria dos tripulantes. A embarcação estava em festa.
A primeira pessoa com a qual mantivemos contato foi a Dona Nídia, uma
senhora de aproximadamente 60 anos, com espírito de uma criança. A sua alegria
contagiava a tripulação, suas belas unhas pintadas de azul simbolizavam seu amor
pelo boi Caprichoso.
Dona Nídia mora em Manaus e todos os anos faz questão de prestigiar a
festa dos Bumbás. Sua expectativa em relação ao festival era grandiosa. Ela
expressava com muita alegria a sua emoção em brincar de boi. Caprichoso desde a
infância, Dona Nídia relatou que todos os anos, quando se aproxima o festival, seus
filhos ficam muito preocupados e não querem deixá-la ir até Parintins apreciar a
festa, mas sempre persistente ela não desiste e compra com bastante antecedência
sua passagem de barco rumo à ilha Tupinambarana.
Durante nossa conversa, foi questionado se durante os outros meses em que
não ocorre o festival, ela também vivencia essa cultura em Manaus, com a mesma
48
intensidade que vivencia o festival. Sua resposta foi clara e objetiva, o Boi
Caprichoso está no seu coração e não tem um só dia em que não viva essa cultura.
No meio de suas roupas o azul é marcante e quando ganha uma peça de roupa
vermelha não tem quem a faça usar.
Nossa viagem segue, a paisagem é deslumbrante, o encontro das águas11 é
uma perfeição da natureza que se espelha na imensidão de água que corre pela
nossa Amazônia. A paisagem encanta os visitantes, fazendo nascer um sentimento
de pura admiração.
Em meio a conversas com a tripulação, percebe-se que muitos estavam indo
a Parintins em busca de oportunidade de emprego, do tipo temporário, que sempre
surge nessa época do ano. Outros estavam levando bebidas para comercializar
durante o festival e também existiam famílias que aproveitam a festividade para
visitar parentes e aproveitar o calor do festival folclórico da Amazônia.
Essas pessoas que se movimentam para adquirir alguma renda durante o
festival estão acostumadas a visitar as diversas festas que existem na Amazônia.
Aproveitam pra conhecer, brincar e também para trabalhar.
Com os pés em terra firme, nota-se a população em constante trabalho para
receber os visitantes, os carrinhos de triciclos, que funcionam com uma pessoa
pedalando e transportando outras à sua frente, são ma característica da cidade,
além da venda de café da manhã em barracas para atender a demanda de pessoas
que chegavam ao início da manhã. Outra observação a destacar na chegada é a
grande quantidade de embarcações que disputavam lugar em torno do Porto de
Parintins. Esses barcos funcionavam também como dormitórios para as pessoas que
não tinham onde ficar durante a visita ao município.
Toda a cidade estava em festa, casas pintadas com a cor do boi do coração,
bandeiras colorindo a cidade, cartazes, propagandas, tudo girava em torno da
Cultura do Boi-Bumbá. A prefeitura aproveitou a ocasião para realizar uma
manifestação contra a violência sexual contra crianças e adolescentes e também
contra o trabalho infantil.
11
O encontro das águas ocorre na medida em que os cursos dos Rios Negro e Solimões se juntam
para formar o Rio Amazonas.
49
Notamos a total interação entre os dois Bumbás. A rivalidade só é vista na
arena do Bumbódromo. Os dois grupos se mobilizam em prol dessa ação social,
seguindo pelas ruas da cidade e parando na praça localizada próximo ao porto,
justamente para atrair os inúmeros turistas que circulavam pela área. Essa
manifestação se justifica a partir da tentativa de conscientização da população e dos
visitantes contra a violência e exploração de crianças, pois essa prática pode ocorrer
durante a festa, quando o número de pessoas que chegam à região é grandioso.
O trabalho de campo continua com as visitas aos espaços destinados à
administração e às atividades dos Bumbás. O primeiro espaço a ser visitado é o
galpão do Bumbá Caprichoso, destinado à elaboração e confecção das artes
apresentadas na arena do Bumbódromo. Com dimensões grandiosas comporta um
grande número de alegorias e trabalhadores, sendo eles artesões, pintores,
serralheiros, seguranças, secretárias entre outros. Do lado de fora do barracão
existem várias estruturas que já foram utilizadas em outros festivais e agora são
reaproveitadas nas montagens das novas alegorias.
Chegando à entrada do galpão do Caprichoso, conversei com algumas
pessoas que trabalham no local, na tentativa de compreender esse universo, rico em
significados e valores que moldam a população da região. A recepcionista, chamada
Eliane, relata que existem muitas famílias inseridas na elaboração da arte. São pais,
filhos, esposas, sobrinhos, que trabalham em prol de uma cultura. A colaboradora
expõe também que a festa do boi possui uma grande responsabilidade social,
tratando-se de um compromisso econômico com essas famílias, que dependem
desses trabalhos para manter seu sustento.
Durante a visita ao Galpão do Caprichoso tivemos a oportunidade de
conhecer o Diretor de Arte, Rogério, responsável pelas alegorias que são
apresentadas na arena. Ele mostrou como funciona a estrutura dentro de um galpão
de confecções de alegorias. É impressionante como todas as alegorias se encaixam,
tornando um espaço considerado grande a um reduzido caminho entre as alegorias
que serve para os trabalhadores transitarem.
Também foram visitados o Curral Zeca Xibelão e o escritório escolinha de
artes - Miguel de Pascalle.
50
Em meio à interação com a comunidade, pude perceber que a cultura do boiBumbá se propaga por toda a região Norte, formando espelhos de representação
folclórica em grande parte dos municípios. Um novo modelo econômico se forma na
Amazônia, podendo até ser analisado como uma indústria que gera renda para a
população, que se prepara o ano inteiro pra a realização de uma festa.
A festa conta com um forte mecanismo de patrocínio nos Bois-Bumbás, que,
além de arrecadarem recursos do Governo do Estado, também contam com as
apresentações pelo Brasil afora e dos eventos que mensalmente realizam, como
feijoadas e shows, contando ainda com o forte apoio de patrocinadores.
É dia de festival em Parintins. A fila para entrar no Bumbódromo é grandiosa.
A população enfrenta um sol de 40 graus pra assistir ao festival de perto. Várias
torcidas organizadas estão presentes na entrada. A comunidade reclama que ficam
mais pessoas fora do Bumbódromo do que dentro. A disputa pelo espaço na fila é
acirrada.
O Festival começa com os Bumbás apresentando seus temas. O Boi-Bumbá
Caprichoso traz o tema “Viva a Cultura Popular”, e o Boi-Bumbá Garantido
apresenta o Tema “Tradição”.
Em constante contato com a comunidade, conheci dona Bernadete Ferreira,
37 anos, torcedora do Garantido. Moradora de Parintins, afirma sentir um impulso
muito grande, uma grande emoção. Como podemos observar em suas palavras:
“Nasci aqui, já é uma tradição, uma cultura que nasce com agente. O
importante é estar aqui assistindo e sentindo. Faça chuva ou faça sol, eu
estou aqui. É uma brincadeira, uma rivalidade tranquila, a cidade se divide,
azul e branco é uma brincadeira que envolve todos que querem ver seu boi
ganhar”.
Durante os três dias de festival, nota-se um grande número de turistas
circulando pela região. Eles acabam interagindo nas filas, nos ensaios, nas praças,
movimentando toda a cidade.
Por fim, encerra-se o trabalho de campo no município de Parintins, diversos
questionamentos sobre a cultura amazônica passam a ser evidenciados e logo
serão tratados no decorrer do texto.
A segunda visita a campo no município de Guajará-Mirim, foi realizada em
agosto de 2012, mês em que ocorre o Festival Folclórico. Os ensaios dos Bumbás
51
se iniciaram no dia 10 de julho e funcionavam a todo vapor. O enredo de cada
Bumbá já estava definido. O Boi-Bumbá Malhadinho com o tema: “Nos trilhos da
emoção”, em homenagem aos 100 anos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, e o
Boi-Bumbá Flor do Campo com o tema: “Paminé, o renascer da floresta”, em
homenagem à tribo indígena dos Suruís.
À época da visita, as coreografias eram definidas, os itens de destaque eram
apresentados à comunidade, as alegorias já tinham sido desenhadas e já estavam
sendo confeccionadas em parte no Bumbódromo e outra parte em frente das casas
dos organizadores de cada agremiação.
A cidade já se prepara pra receber o festival, a entrada da cidade estava
decorada com bandeiras nas cores dos Bumbás, as calçadas decoradas nas cores
azul e vermelho, as escolas decoravam suas fachadas, o comércio passava a se
preparar para receber o festival. A rede de hotéis da cidade encerrara suas reservas
no mês de junho e os turistas que não conseguiram vagas se hospedavam na
Bolívia.
Os Bumbás se apresentaram nos dias 10, 11 e 12 do mês de agosto. No
período do festival, a cidade é tomada pela cultura do boi–Bumbá. Carros passam
tocando toadas de boi, bandeiras são erguidas para simbolizar o amor pelo boi de
coração, casas são decoradas e até mesmo utilizadas para a confecção de fantasias
do espetáculo.
Pouco a pouco fomos realizando a pesquisa, cada representação foi
registrada, cada emoção foi percebida, todos os elementos que passam a girar em
torno dessa cultura não passaram despercebidos aos nossos olhos e serão tratados
no decorrer dos próximos capítulos.
52
CAPÍTULO III
CAMINHOS TEÓRICOS E REFLEXÕES
Foto 07: Galera do Boi-Bumbá Malhadinho, durante o Festival Folclórico de Guajará-Mirim.
Fonte: Acervo do Jornal/O Mamoré, 2012.
53
3.1. Compreendendo a Geografia Cultural e Humanística
Para a compreensão da abordagem Humanística presente na Geografia,
foram utilizados alguns autores para embasar a pesquisa com subsídios importantes
para a discussão. Entre eles, destaca-se Yi-Fu Tuan, por ser um grande precursor
no uso de conceitos de lugar e mundo vivido, com bases fenomenológicas.
A Geografia Humanística passa a constituir um papel de grande importância
na configuração dos estudos científicos, abrangendo tanto as inúmeras categorias
de análise do homem na superfície terrestres, valorizando a paisagem como
conceito, quanto às teorias geográficas, como pode ser observado em TUAN
(1985,p. 163):
A geografia Humanística é crítica e refletiva. O mundo dos fatos geográficos
inclui não somente o clima, as propriedades agrícolas, os povoamentos e as
nações-estados, mas também os sentimentos, os conceitos e as teorias
geográficas.
Nota-se que a Geografia Humanística tem como uma das suas atividades o
estudo do conhecimento geográfico, e foi questionando o que seria de fato esse
conhecimento, que se passou a refletir sobre a real relevância dessa ciência para a
sociedade. A partir desses conhecimentos, buscou-se compreender alguns
conceitos básicos da Geografia, como a noção de espaço, localização, lugar, assim
como entender também os sentimentos e ideias que cada indivíduo possa criar
sobre o mundo.
A geografia Humanística procura um entendimento do mundo humano
através do estudo das relações das pessoas com a natureza, do seu
comportamento geográfico bem como dos seus sentimentos e ideias a
respeito do espaço e do lugar. (Ibidem, p. 143)
A Geografia Humanística valoriza os sentidos humanos, a experiência do
indivíduo ou do grupo, visando compreender o comportamento e as maneiras de
sentir das pessoas em relação aos seus lugares (CHRISTOFOLETTI, 1985), além
de buscar o subjetivo, que é interpretado a cada manifestação social, investigando
qual o papel da emoção e do pensamento na ligação com o lugar.
Os interesses sobre espaço e cultura na perspectiva das vivências sensíveis
surgem através do estudo da fenomenologia. A tendência passou a ser popularizada
54
a partir dos autores Yi-Fu Tuan, Edward Relph e Anne Buttimer, que inseriram em
suas abordagens cientificas e metodológicas esse novo paradigma conceitual.
De acordo com Paul Claval (2001, p. 63), a cultura é indispensável ao
indivíduo no plano de sua existência material, pois ela permite sua inserção no
tecido social, quando proporciona uma significação à sua existência e à dos seres
humanos que o circundam e formam a sociedade da qual se sentem membro. Neste
sentido,
A cultura é a soma dos comportamentos, dos saberes, das técnicas, dos
conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante suas
vidas e, em outra escala, pelo conjunto dos grupos de que fazem parte. A
cultura é herança transmitida de uma geração a outra. Ela tem suas raízes
num passado longínquo, que mergulha no território onde seus mortos são
enterrados e onde seus deuses se manifestaram. Não é, portanto um
conjunto fechado e imutável de técnicas e de comportamentos. Os contatos
entre povos de diferentes culturas são algumas vezes conflitantes, mas
constituem uma fonte de enriquecimento mútuo. A cultura transforma-se,
também, sob o efeito das iniciativas ou das inovações que florescem no seu
seio. […] Os membros de uma civilização compartilham códigos de
comunicação. Seus hábitos cotidianos são similares. Eles têm em comum
um estoque de técnicas de produção e de procedimentos de regulação
social que asseguram a sobrevivência e a reprodução do grupo. (CLAVAL,
2001, p.63).
Dessa forma, compreende-se que o território reflete a cultura vivenciada pela
sociedade. Os membros do grupo social dividem espaços e se relacionam,
transmitindo seus hábitos cotidianos no território. Essa nova abordagem Cultural
presente na ciência geográfica ganhou cada vez mais voz com as perspectivas
humanísticas, fomentadas nas ações e valores que o ser social impõe ao lugar onde
vive. Assim, o homem passou a ser visto como agente formador de seu próprio
espaço.
Surge assim a Geografia Cultural e Humanista, que destaca o estudo da
fenomenologia como forma de reflexão sobre a ação humana no espaço. Essa nova
forma de pensar sobre as ações do homem que a Geografia Cultural propõe será
compreendida a partir das representações culturais. A Fenomenologia surge como
uma forma de acesso e informação do mundo, segundo Merleau-Ponty (1945),
A fenomenologia é o estudo das essências; e todos os problemas, segundo
ela, voltam a definir as essências: a essência da percepção, a essência da
consciência, por exemplo. Mas a fenomenologia é também uma filosofia que
recoloca a essência na existência, e não pensa que se possa compreender
o homem e o mundo de outra forma, que não seja a partir de sua
‘facticidade’. É uma filosofia transcendental, que põe em suspenso, para
55
compreendê-las, as afirmações da atitude natural, mas é também uma
filosofia para a qual o mundo já está sempre lá, antes da reflexão, como
uma presença inalienável, e cujo esforço de reencontrar o contato ingênuo
com o mundo pode lhe dar, enfim, um status filosófico. (p. I)
A percepção a que Merleau-Ponty faz referência é o campo de interpretação
do mundo, ou seja, da experiência, a percepção é a junção do sujeito com objeto de
uma forma que se tornem um só. Para o autor, “a fenomenologia recoloca a
essência na existência”, ou seja, a essência não é o objeto e não se pode pensar a
essência distante do mundo. Pensa-se a fenomenologia como a representação do
mundo vivido.
A Fenomenologia busca estabelecer as análises partindo da intencionalidade
do sujeito, que é característica da consciência. Assim, foi possível desenvolver um
trabalho fundamentado na percepção do espaço de ação e representação dos
grupos de Bois-Bumbás.
Desse modo, os grupos de Boi-Bumbá podem ser analisados sob o viés da
Geografia Cultural. A sociedade se organiza de forma diferenciada. Até mesmo as
mais conservadoras passam por esse processo de diversificação através dos
processos culturais. Cada grupo se organiza e mantém suas relações sociais
através da cultura que o compõem, assim o espaço passa a ser percebido e vivido
sob essa cultura.
Para compreender melhor, buscou-se nas obras de Geertz o conceito de
cultura onde,
O conceito de cultura que eu defendo […] é essencialmente semiótico. […]
o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo
teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e sua análise; portanto,
não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma
ciência interpretativa, à procura do significado. É justamente uma explicação
que eu procuro, ao construir expressões sociais enigmáticas na sua
superfície (GEERTZ 1989, p. 15).
Para o autor, essas teias representam a cultura que interliga o homem,
proporcionando a comunicação e socialização entre os indivíduos, assim
proporcionando vivências comuns. Dessa forma, a cultura pode ser observada como
se fossem teias de significações, em que os indivíduos estabelecem conexões.
O espaço da pesquisa é repleto de significados e mitos e passa a ser
desvendado a cada vivência. Dentre as manifestações da cultura popular, no Brasil,
a festa do Boi-Bumbá evidencia as características do homem amazônico. É através
56
de suas estruturas artísticas que a festa traz em sua performance teatral o cotidiano
da vida cabocla, no momento que demonstra a vida ribeirinha e também os grupos
indígenas, com a representação dos rituais, retratando a dança e costumes dessas
populações.
3.2. O espaço simbólico da festa do Boi-Bumbá
A reflexão em torno do espaço se inicia através dos estudos sobre cultura,
uma vez que esse conceito permite explorar o concreto e o simbólico das ações
sociais. A cultura permite ir além do palpável, os símbolos, signos e significados
passam a caracterizar o imaginário do individuo. Dessa forma, “se desejarmos
entender o espaço, precisamos considerar seu significado simbólico e a
complexidade de seu impacto sobre o comportamento, já que este está intimamente
ligado ao processo cognitivo”. (HARVEY 1980, p.20)
Pensando dessa forma, buscou-se em Dardel (2011) o conceito de espaço,
considerando que nosso trabalho possui característica fenomenológica. Tratando
das sensações humanas, o autor dispõe:
o espaço geográfico não é um espaço em branco esperando para ser
colorido ou preenchido. A ciência geográfica pressupõe um mundo que
pode ser entendido geograficamente e, também, que o homem possa sentir
e conhecer a si como sendo ligado à Terra. (DARDEL, 2011 [1952], p. 33).
O autor considera o espaço geográfico como algo já existente, ao qual o
homem se integra e no qual realiza suas ações, despertando sensações e emoções
de forma inteiramente ligada à Terra.
Assim, os processos culturais e as relações socioculturais são agentes
formadores desse espaço. Esse processo se inicia na comunicação, em que a
cultura é transferida de uma geração a outra, concebendo a inserção de costumes,
conhecimentos, valores que o indivíduo passa a receber. Desta forma percebemos a
fundamental importância da Cultura na formação do individuo, como pode ser
observado na citação a seguir:
As culturas não representam somente um gênero de vida uma maneira de
viver e sobreviver; são também uma arte de viver, e mesmo, além disso,
57
uma razão de viver. Uma cultura dá sentido e significado ao mundo: propõe
uma visão de mundo, uma ordem de pensamento.
Esta ordem de pensamento baseia-se em crenças, mitos, valores. Daí
resulta uma ética e uma estética, uma moral e uma arte. Todo grupo
humano, para se constituir tem necessidade desta ordem cultural ao mesmo
tempo ética e estética – os dois ligados. Esta ordem repousa ao mesmo
tempo na razão e na sensibilidade. As culturas têm necessidade de crer em
si mesmas; se não, é o caos.
Esta visão do mundo é uma explicação do mundo, uma maneira de vê-lo,
de percebê-lo, de senti-lo. (BONNEMAISON, 2001, p.92)
O autor acredita que para se compreender o que dá sentido à vida é
necessário ter sensibilidade à vida interior, dando importância aos sentidos, às
crenças, aos valores, para assim estabelecer uma ligação com os espaços em que
se vive.
A geografia procura compreender os sentidos que compartilham os homens
para assim identificar as estruturas do espaço de cada grupo. Segundo Dardel
(1952),
À fronteira do mundo material, onde se insere a atividade humana e o
mundo imaginário, abrindo sua simbólica à liberdade do espírito,
encontramos aqui uma geografia interior, primitiva, onde a espacialidade
original e a mobilidade profunda do homem desenham as direções, traçam
caminhos para outro mundo; a ligeireza libera-se do peso para se elevar ao
topo. A geografia não implica somente em um reconhecimento da realidade
terrestre na materialidade, conquista-se a mesma coisa como técnica de
irrealização, sobre a realidade mesma. (DARDEL, 1952, p.7)
Assim, o mundo visível e material reflete características de atividades
humanas, mas principalmente da força do imaginário do homem, que firma suas
opiniões, valores, crenças no espaço, fomentando cada vez mais uma geografia
interior, em que os sentidos e as sensações interferem diretamente na construção
do espaço.
Esses espaços culturalmente transformados surgem a partir de experiências,
pois é onde ocorrem as relações diretas e indiretas entre os indivíduos. Assim, o
conceito de espaço vivido, em toda a sua complexidade, aparece como revelador
das realidades regionais. Será utilizado na presente pesquisa o conceito do geógrafo
francês Armand Frémont (1980), que explica,
O espaço vivido é uma experiência contínua. (...) O espaço vivido é um
espaço movimento e um espaço-tempo vivido. (...) O espaço vivido é
também, desde a mais tenra idade, um espaço social. (...) Mas temos de
constatar que, se o espaço vivido acende às conceptualizações racionais da
inteligência, ao raciocínio num espaço cartesiano e euclidiano, também se
58
revela portador de cargas mais obscuras, em que se misturam as escórias
do afectivo, do mágico, do imaginário. (FRÉMONT, 1980, p. 26-27)
A compreensão do espaço não é alcançada apenas por meio da observação,
trata-se de compreender a relação emocional que o homem estabelece com suas
vivências. Dessa forma, entende-se que o espaço além de ser percebido, sentido e
representado, ele também é vivido. O espaço torna-se heterogêneo, pois cada um
tem a sua individualidade e atribui de forma diferente característica nesses lugares,
pelo que a caracterização do lugar é tão importante para se entender a
subjetividade.
Como se pode observar, o espaço vivido de Frémont (1980) se entrelaça à
ideia de espaço de ação proposta por Cassirer (1975), em que esse se compõe das
vivências, da materialidade e da imaterialidade da cultura. As relações estabelecidas
entre eles passam a ganhar formas e adquirir valores, denominados simbólicos,
construídos na mente humana e que muitas vezes se concretizam nas
representações. Desse modo, os conceitos formulados por esses autores indicam
uma experiência contínua, um espaço-movimento e um espaço-tempo de vivências.
Para Cassirer (1975, p.165 [1956]), o espaço de ação pode ser entendido a
partir dos conteúdos sensíveis produzidos e entendidos como simbólicos,
desenvolvidos pela consciência. O espaço de ação interfere diretamente na
formação cultural de um grupo, de certa forma, porque o ser humano tem uma
grande habilidade de transformar em elementos simbólicos as suas experiências
refletidas diretamente na representação.
Assim, o conceito de mundo vivido ajudará a entender o ser humano e sua
organização no espaço.
[...] o mundo vivido é definido de acordo com as experiências fenomenais e
pelas comunicações, experiências cotidianas que envolvem os indivíduos
que possuem convívio sociabilizado. Por isso, é imprescindível
compreender o corpo e suas características, as especificidades e influência
que são demonstradas no lugar vivido (CASTRO, 2012, p.31).
Analisar o espaço a partir dessa subjetividade e das experiências vividas
permite entendê-lo como simbólico, pois o ser social designa os símbolos que
favorecem a relação do homem com o espaço e com a formação do lugar. Logo são
conferidos significados e valores que explicam sua existência no mundo e definem a
ordem social.
59
Pode-se constatar, por meio dessas considerações, que as referidas
abordagens têm se consolidado nas pesquisas geográficas, atualmente apontando
em direção a interessantes perspectivas na busca dos significados que a sociedade
atribui ao espaço, tornando-se abrangente e diversificada, permitindo proceder a
análises das interfaces existentes na estruturação do espaço geográfico.
3.3. Vivências e experiências: compreendendo a formação do lugar
O conceito de lugar é um elemento chave no estudo da geografia, já discutido
por diversas vezes dentro do pensamento geográfico. Será feita uma abordagem
deste conceito sob uma perspectiva cultural e humanística na geografia. De acordo
com Tuan (1983) “o espaço transforma-se em lugar a medida que adquire definição
e significado”. Dessa forma, o lugar é caracterizado pelos diversos valores atribuídos
pelos seres humanos. Segundo Claval 2011,
(...) os lugares não têm somente uma forma e uma cor, uma racionalidade
funcional e econômica. Eles estão carregados de sentido para aqueles que
os habitam ou que os frequentam. As pesquisas sobre percepção do
espaço e do ambiente desenvolvidas pelos psicólogos são proveitosas. O
romance torna-se algumas vezes um documento: a intuição sutil dos
romancistas nos ajuda a perceber a região pelos olhos de seus
personagens e através de suas emoções. (p.55).
Sendo assim o lugar têm características específicas que são geradas por
quem o vivencia, marcado por diversas significações, que atribui valores a esses
espaços. O indivíduo estabelece relações no lugar e assim adquire sensação de
familiaridade nesse ambiente, pois aí constrói uma ligação entre o homem e o meio
em que vive.
A consolidação do conceito de lugar é firmada na década de 1970, em
decorrência da atenção dada às relações de afetividade que o homem desenvolve
no meio em que vive. Alguns conceitos foram de grande valia para compreensão
desse lugar estabelecido pelos sentidos, sendo eles a fenomenologia, a
hermenêutica, o existencialismo, entre outros.
Um autor de grande destaque desses estudos é Yi-Fu Tuan, cujas
considerações partem do conceito de que o lugar é repleto de afetividades,
60
conforme explanado em sua obra Espaço e Lugar (1983), em que o termo chave é a
“experiência”.
Para este autor “os lugares são centros aos quais atribuímos valor” (Tuan,
1983, p. 4), ou seja, o lugar pode atribuir um profundo significado através do
consecutivo acréscimo de sentimentos que vivenciamos ao longo dos anos. Assim o
“lugar é um centro de significados construído pela experiência” (Tuan, 1975, p. 159).
Em sua obra “Topofilia”, Tuan (1980) trabalha o conceito de lugar através de
sua representatividade, por ser um espaço extremamente carregado de valores
simbólicos que a cultura expressa no grupo social estabelecido. Nessa obra, o autor
valoriza a vivencia do indivíduo, pois cada vivência revela um emaranhado de
sentimentos que passam a fazer parte desses ambientes. Segundo o autor, o
sentido topofílico revela “o elo afetivo existente entre a pessoa e o lugar ou ambiente
físico.” (TUAN, 1980: 34).
Ainda considerando o pensamento e reflexão do autor, destaca-se que a
experiência é o ponto crucial de toda a análise. É a partir da sensação, percepção e
concepção que se materializa a experiência no ambiente físico. Logo,
experiência é um termo que abrange as diferentes maneiras através das
quais uma pessoa conhece e constrói a realidade. Estas maneiras variam
desde os sentidos mais diretos e passivos como o olfato, paladar e tato, até
a percepção visual ativa e a maneira indireta de simbolização (TUAN, 1983,
p.09).
Outros autores também atribuem significados ao conceito de lugar. Frémont
(1980) traz em sua obra “Espaço Vivido” a afirmação de que
os lugares no entanto formam a trama elementar do espaço. Constituem
numa superfície reduzida e em redor de um pequeno número de pessoas as
combinações mais simples, as mais banais, mas talvez também as mais
fundamentais das estruturas do espaço: o campo, o caminho, a rua, a
oficina, a casa, a praça, a encruzilhada... Como bem o diz a palavra, através
dos lugares, localizam-se os homens e as coisas. (FRÉMONT, 1980 p. 121,
122).
Assim, o lugar é formado a partir de uma superfície reduzida, ou seja, um
grupo delimitado de indivíduos passa a estruturar o espaço nas combinações mais
simples e banais do cotidiano
Outro autor que enfatiza o conceito de lugar é Claval (2001), que busca
interpretar e compreender as relações sociais através da Cultura. Logo,
61
a cultura é um dado fundamental na compreensão dos lugares. Ela permite
perceber os laços que os indivíduos tecem entre si, sobre a maneira como
instituem a sociedade, como a organizam e como a identificam ao território
no qual vivem ou com o qual sonham (CLAVAL, 2011 p.11).
Sendo assim, o estudo do lugar proporciona uma análise mais aprofundada
das
relações
que
os
indivíduos
estabelecem,
possibilitando
uma
melhor
compreensão das diversas representações sociais existentes no espaço vivido. É
através das formas de representações que passamos a compreender a organização
do espaço.
Ao analisar as representações no espaço identificamos e compreendemos a
formação do lugar, pois é nele que os grupos sociais se relacionam e atribuem
sentidos. Assim, a organização desse lugar reflete a manifestação de sua cultura,
cada povo estabelece uma forma diferente de se organizar, sendo possível através
das experiências. Dessa maneira, os grupos de Boi-Bumbás de Guajará-Mirim
organizam e representam o seu lugar de forma única, estimulando os sentidos, as
emoções, a experiência, formulando ideias e assim sendo vivenciado por contínuas
gerações, assim as representações se caracterizam.
Observamos e vivenciamos essas representações no trabalho de campo,
principalmente através do contato direto com a comunidade, com relatos, histórias
de vida e narrativas compreende-se o lugar e os valores atribuídos a ele. Os grupos
de Boi-Bumbá demonstram a sua ligação com o lugar, com as formas de
organização que cada grupo possui, pela insistência em firmar essa cultura na
região e também através das conquistas que essa cultura trouxe para a região, entre
elas a construção do Bumbódromo e a elevação do desenvolvimento da cidade. É
notório que a Cultura motiva diretamente a formação do lugar.
3.4. Representações sociais na cultura do Boi-Bumbá
Até o fim dos anos 1960, a ciência geográfica realizava pesquisas
principalmente no aspecto da materialidade, onde a paisagem era o principal ponto
de investigação. Novas investigações se iniciam na década de 1970, com uma nova
abordagem que passava a analisar os indivíduos e a sua experiência vivida no
espaço. Segundo Claval (2011), é na década de 1980, que a tomada em
62
consideração das representações dá mais atenção ao discurso e à maneira como os
homens falam do mundo, e como falam o mundo.
O homem transforma os espaços culturais com suas ações, atribuindo
representações simbólicas nesses ambientes de vivência e experiência. Dessa
forma, constata-se que a paisagem é formada por símbolos que carregam
características dos povos que o vivenciam. Assim, o homem pode ser visto como um
ator social que modela os espaços culturais.
Cada espaço possui características diferentes, novas paisagens se formam a
cada momento, refletindo a cultura de seus habitantes. Pode-se compreender essas
relações no espaço através da paisagem. Kozel (2012) afirma que
cada paisagem é produto e produtora de cultura, e é possuidora de formas
e cores, odores, sons e movimentos, que podem ser experienciados por
cada pessoa que nela se insira, ou abstraído por aquele que a lê pelos
relatos e/ou imagens. Nesse sentido, é por meio da paisagem que os
elementos que integram no espaço “saltam aos olhos” do ser humano,
“gritando aos seus ouvidos”, e envolvem nas suas dimensões sensíveis. (p.
69)
E para compreensão desses elementos formadores do espaço, tratar-se-á de
um conceito chave da presente pesquisa, a Geografia das representações, que nos
fará entender o comportamento humano no espaço. Para melhor compreensão
deste assunto, utilizaram-se alguns conceitos de Kozel. A autora explica que
as representações em geografia constituem-se em criações individuais ou
sociais de esquemas mentais estabelecidos a partir da realidade espacial
inerente a uma situação ideologia, abrangendo um campo que vai além da
leitura aparente do espaço realizada pela observação, descrição e
localização das paisagens e fluxos, classificados e hierarquizados. (KOZEL,
2009, p. 216)
Dessa forma, a representação torna-se uma ferramenta de investigação das
ações humanas, que deixa de ser uma simples descrição, para tornar-se
compreensão dos atores sociais e suas diversas formas de organização no espaço,
O estudo das representações espaciais centra-se sobre as modalidades de
apreensão do mundo e do status do real (...) É através de um conhecimento
das representações das pessoas que é possível captar toda a riqueza de
valores que dão sentido aos lugares de vida dos homens e mulheres; pelas
representações também é possível entender a maneira pela qual as
pessoas modelam as paisagens e nelas firmam suas convicções e suas
esperanças. (ALMEIDA, 2003, p. 71)
Assim, a formação do lugar se dá com a riqueza de valores que o homem
acumula em sua trajetória, e a apreensão desse mundo, em que o homem insere
63
suas formas, é possível através do estudo das sensações e percepções, das
linguagens e códigos voltados à comunicação e ao simbólico; pois o homem
apreende o mundo com os sentidos e sensações e o decodifica por meio das
representações, difunde sua aprendizagem e estabelece um sistema simbólico,
anexando valores, e permitindo a construção de identidades.
Para Gil Filho (2005, p. 53) [...] “a representação é a expressão concreta, que
por manifestação, quer por emanação de uma vontade incontida do aqui e agora”
[...]. Compreendendo assim as representações a partir de formas concretas,
caracterizado pelas manifestações culturais.
“I) A representação social é sempre de algo ou alguém, manifestando,
assim, aspectos tanto do sujeito como do objeto. II) ‘A representação social
tem como objeto uma relação de simbolização (substituindo-o) e de
interpretação (conferindo-lhe significações)’. Especificamente é a expressão
do sujeito além de uma perspectiva cognitivista, porque integra a análise
das determinantes sociais e culturais. III) É sempre considerada uma forma
de conhecimento. IV) É um saber prático erigido da experiência
contextualizada” (GIL FILHO, 2005, p. 55-56).
Dessa forma, analisaram-se as representações como uma forma de
conhecimento que surge na organização da vida social. São criações sociais do real,
em que o sujeito interage diretamente com o objeto. Assim,
as representações coletivas seriam a própria trama da vida social,
possuindo um caráter relacional tanto entre indivíduos como entre grupos
sociais. Desse modo, são os fenômenos sociais que revestem as
representações de seu caráter concreto e inteligível. (GIL FILHO, 2005, p.
55)
As representações espaciais surgem a partir de um vivido humano,
influenciado em seu comportamento, tanto no aspecto racional como imaginário, e
com o passar do tempo se inserem novas características ao seu modo de vida.
Portanto, a cultura do Boi-Bumbá, a cada ano que passa, atribui novas
características ao modo de vida da comunidade, estabelecendo uma comunicação
simbólica entre os indivíduos. Desse modo, as representações aparecem como fruto
da comunicação. No entanto destaca-se que sem a representação não haveria
comunicação no meio social.
64
CAPÍTULO IV
UMA CONCEPÇÃO ACERCA DA FORMAÇÃO DA FESTA DO BOI-BUMBÁ EM
GUAJARÁ-MIRIM
Foto 08: Panorama do município de Guajará-Mirim, durante o Festival Folclórico de Guajará-Mirim.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012.
65
Acompanhando a trajetória cultural do Folguedo do Boi, em suas diversas
manifestações pela Região Norte, chega-se à compreensão da origem e análise
dessa cultura no município de Guajará-Mirim.
Neste capítulo será desenvolvida uma análise sobre a contextualização
histórica da cultura do Boi no município. Até o momento só tivemos acesso e
conhecimento a um trabalho sobre o respectivo assunto, trata-se de uma monografia
do curso de Administração de Empresas com Habilitação em Gestão do Ecoturismo,
realizada através da Universidade Federal de Rondônia, campus/Guajará-Mirim,
com o titulo “A brincadeira do Boi em Guajará-Mirim, Rondônia: Uma contribuição
para o resgate histórico-cultural”. Desta forma este texto nos ajudou a compreender
as primeiras manifestações de Boi-Bumbá na região.
A primeira manifestação de Boi-Bumbá em Guajará-Mirim se deu através do
Boi Estrela. Não existe documento que comprove a existência desse Bumbá, a
comprovação surge a partir de relatos cedidos pelos moradores mais antigos da
região.
Os pesquisadores Georgina Negromonte e Ronaldo Negromonte, autores do
trabalho de conclusão de curso, realizaram no ano de 2006 entrevistas com um
antigo morador do município, Sr. Salomão Badra, que revela fatos importantes,
vivenciados na década de 30 referentes ao Folguedo do Boi e que ratificam a
existência do Boi Estrela:
(...) o Boi-Bumbá era assim num acampado, onde era a prefeitura,
antigamente. Na frente o pessoal ficava dançando o Boi. Mas o Boi era
diferente de hoje. Tinha só o Boi, Catirina, outros personagens. Tinha o
Nego Chico, tinha os índios e as cantorias que eles tinham. Eles cobravam,
pagavam para eles cantarem. Matavam o Boi, tiravam a língua (...). Alguém
começou aqui em 1938, 39, 40, por aí assim. Quase que na época da
guerra, começou isso aqui. O Boi saía, o Boi desaparecia também, fugia,
andavam procurando o Boi, um dia, dois dias aquele pessoa, todo fazia
parte. Então era uma vez por ano. Era junho a época. (Depoimento do Sr.
12
Salomão Badra, 2006)
Outra entrevista também realizada pelos pesquisadores foi bastante relevante
para a comprovação da existência do Boi Estrela. O depoimento foi concedido pelo
Sr. Wilson Fernandes (2006):
12
Entrevista coletada no trabalho de conclusão de curso “A brincadeira do Boi em Guajará-Mirim,
Rondônia: Uma contribuição para o resgate histórico–cultural” - 2006.
66
Quando eu nasci já existia a brincadeira do Boi aqui. Eu nasci em 1919,
todas essas coisas já existiam. Eu não sei como começaram (...). Tinha uns
dois, três, um chamava Boi Estrela. (...) tinha um Boi aqui outro ali, outro
13
acolá. Às vezes até se juntavam e brincavam.
Não existe uma comprovação específica do ano de fundação do boi-Bumbá
Estrela, mas através desses relatos conseguimos observar o início da formação do
Boi-Bumbá no município de Guajará-Mirim, que desde então não parou de crescer.
A segunda manifestação folclórica de Boi-Bumbá no município é registrada a
partir da década de 1960, com o Boi Pai do Campo, fundado pela Srª. Gregória
Sampierre. O nome do Boi foi escolhido pela própria fundadora e tem sido referência
para muitos moradores como a primeira amostra de Boi-Bumbá em Guajará-Mirim.
A Srª Gregória sofreu influência da cultura do Boi-Bumbá ao assistir uma
apresentação em Porto Velho. Desde então passou a confeccionar um boi de pano.
Tempos depois passou a utilizar um Boi chamado Pai do Campo, que adquiriu em
Porto Velho.
O Boi Pai do Campo era composto pelos seguintes itens:

Personagens folclóricos: Catirina, Nego Chico, Cazumbá, Vaqueiros,
Amo do Boi, Rapazes, Dona do Boi, Mãe Maria, Madrinha do Boi e
Índios; Músicos: Primeiro Amo, Segundo Amo e Terceiro Amo;

Instrumentos: Tambor de couro de Boi e pandeiro;

Fantasias: Eram definidas e planejadas pela Srª Gregória, eram
confeccionadas e enfeitadas conforme o material disponível, mas cada
brincante tinha a liberdade de melhorar a sua fantasia;

Número aproximado de brincantes: 57 brincantes, divididos em 4
vaqueiros, 4 Amos do Boi, 4 Rapazes, Nego Chico, Catirina, Cazumbá,
Madrinha do Boi, Dona do Boi e 40 Índios.
As apresentações duravam cerca de uma hora e meia, tempo suficiente para
cantarolar cinco toadas, nesse intervalo de tempo ocorria a morte do Boi. As
apresentações eram pagas e de acordo com o poder aquisitivo o anfitrião da festa
ainda fornecia refeições aos brincantes.
13
Entrevista coletada no trabalho de conclusão de curso “A brincadeira do Boi em Guajará-Mirim,
Rondônia: Uma contribuição para o resgate histórico–cultural” - 2006.
67
Uma forma divertida de cobrar pela apresentação era feita pelo Nego Chico,
que pegava a “tripa do Boi” e levava até o dono da casa, onde ocorria a festa que
por fim enrolava o dinheiro e devolvia ao brincante.
Em 1981, surge o Boi-Bumbá Flor do Campo. Sua fundadora dona Georgina
Ramos da Costa, como se pode observar na imagem a seguir, passou a realizar as
manifestações de Boi-Bumbá em uma das salas de aula da Escola Estadual
Almirante Tamandaré, localizada bem em frente à sua residência. Os materiais
utilizados para confecção do Boi eram diversos: cipó, carcaça, sucata, tecido, cola,
papelão, jornal, barbante, buchas de cordas, agulhas, linhas, entre outros. A
princípio o Boi era malhado de branco e preto e tinha apelido de Formosinho, sendo
o verdadeiro nome Flor do Campo.
]
Foto 09: Dona Georgina e Silvio Santos, durante as primeiras apresentações do FEFOPEM.
Fonte: VENERE, Roberto, 1996.
No período de 1981 a 1996, o Boi da Dona Georgina tinha características do
Bumba-meu-Boi do Nordeste do país, conforme suas palavras:
O Boi dançava no estilo maranhense. Muito enfeitado, brilhos, cartolinas,
papelão, purpurina, lantejoulas, pena e pano de chita. A dança era quase
uma quadrilha, ficava fazendo volta em duas alas e o Boi no meio, o Amo
saudava o público com sua poesia, dançava, matava, curava e ressuscitava
e repartia o Boi, era um castigo para ressuscitar o Boi e voltar a dançar,
ordem do fazendeiro Coronel de Barranco. (Depoimento da Srª Georgina
14
Ramos da Costa)
14
Entrevista coletada no trabalho de conclusão de curso “A brincadeira do Boi em Guajará-Mirim,
Rondônia: Uma contribuição para o resgate histórico–cultural” - 2006.
68
O Boi Flor do Campo continuou com as características do Bumba-Meu-Boi até
o primeiro FEFOPEM15. No segundo festival desenvolveu-se uma mistura da cultura
do Bumba-Meu-Boi com o Boi-Bumbá na apresentação do festival e foi somente a
partir de 1997 que o Boi da dona Georgina aderiu totalmente à cultura do BoiBumbá, principalmente para cumprir com as exigências do terceiro FEFOPEM.
Assim, surgem as grandes alegorias e luxuosas fantasias na caracterização do
Festival, como se pode observar na foto a seguir:
Foto 10: Apresentação do Boi-Bumbá Flor do Campo.
Fonte: VENERE, Roberto, 1997.
Em 1986, surge o Boi-Bumbá Malhadinho, fundado pelo Sr. Leonilson Muniz
de Souza e sua esposa, Maria Edilza de Souza, com o apoio do presidente da
UMAM16, Sr. Aderço Mendes da Silva, que ajudou a confeccionar o Boi de pano e a
Sra. Meire Gondim cedia os tambores para as apresentações. O Boi-Bumbá
Malhadinho enfrentou diversas dificuldades e paralisou suas atividades por dois
anos, retomando as atividades no ano de 1995.
15
Festival Folclórico Pérola do Mamoré foi o primeiro nome dado ao Festival Folclórico de GuajaráMirim. Atualmente é chamado de Duelo na Fronteira.
16
União Municipal de Associações de Moradores-UMAM
69
Foto11: Parceria entre o fundador do Boi-Bumbá Malhadinho (esquerda) e o fundador do Festival
Folclórico Aderço Mendes (direita).
Fonte: VENERE, Roberto, 1995.
As fantasias eram confeccionadas pelo próprio fundador do Bumbá e sua
esposa, os materiais utilizados não eram tão aprimorados como os dos dias de hoje.
Para confeccionar o Boi, eram utilizados basicamente cipó, prego, compensado e
veludo. As fantasias eram feitas com papelão, penas, cola, papel brilhante,
lantejoulas, fitas de seda, e outros. As cores do Bumbá eram preto e branco.
As primeiras apresentações do Boi-Bumbá Malhadinho aconteciam no bairro
10 de Abril, passando, em seguida, a acontecer no espaço cedido pelo Sr. João
Pereira. Os ensaios e apresentações eram preparados para a comunidade.
O Boi-Bumbá Malhadinho passou por mudanças desde sua fundação.
Antigamente o Boi não competia, apenas realizava apresentações nas residências,
mediante cobrança de valores. Eram duas apresentações diferentes, com ou sem o
ritual de ‘morte’ do boi.
A partir dos dados coletados, elaborou-se a tabela a seguir, com o grau
comparativo entre os Bumbás da região:
70
Quadro 02: Investigação sobre os Bumbás de Guajará-Mirim/RO.
Quesitos
investigados
Boi Estrela
Data de fundação 1º Ciclo da
e fundador
Borracha/
fundador não
informado
Origem do nome Não
do Boi
informado
Influências
predominantes
Boi
Pai
Campo
do Boi Flor do Campo Boi Malhadinho Boi
Flor
do Boi
Malhadinho
(Início)
(Início)
Campo
(Dias 2012 (Dias atuais)
atuais)
Década
de
60/fundado
por
Gregória
Sampierra
Foi atribuído por
dona
Gregória,
após ganhar um
Boi de pano com o
esse nome.
Bumba-meu- D.
Gregória
boi
do participava
do
Nordeste
brincar de Boi em
Porto Velho e
trouxe
para
o
município
essa
cultura.
Modificações
Não
ocorridas desde informado
a criação
Não teve
modificação
13 de maio de 1981, 01 de março de
fundado
por 1986,
fundado
Georgina Ramos
por
Leonilso
Muniz de Souza
Dona
Georgina O fundador era
escolheu o nome do integrante de um
Boi após ter contato Bumbá em Porto
com o Bumbá em Velho e atribuiu o
Santarém-PA.
mesmo nome ao
seu Bumbá.
D.
Georgina Sr.
Leonilson
participava
do trouxe influências
Bumbá no Pará e ao do Boi de Porto
mudar
para Velho
Rondônia, trouxe as
influências
com
características ainda
de Bumbá meu Boi.
O Bumbá nasceu O
Bumbá
se
com características apresentava nas
de Bumba-meu-Boi residências, com
e
devido
a traços simples e
competição ocorrida com
no FEFOPEM, suas características de
características
Boi-Bumbá
de
mudaram para Boi- rua.
Bumbá
_____
_____
_______
_______
Atualmente sofrem
influências diretas
dos Bumbás de
Parintins
Atualmente sofrem
influências diretas
dos Bumbás de
Parintins
O
Boi-Bumbá
apresenta
uma
organização
definida,
com
presidente,
secretário,
tesoureiro.
As
apresentações são
luxuosas.
O
Bumbá
Malhadinho
apresentou
problemas
na
administração
e
hoje se recupera.
As apresentações
são grandiosas.
71
Planejamento de Não
fantasias
e informado
alegorias
Os materiais para
confecção
da
fantasia
eram
fornecidos
pela
própria fundadora,
e não existiam
alegorias.
As fantasias eram
confeccionadas pela
própria fundadora,
com as matérias que
tinha
acesso,
papelão,
cola,
purpurina, penas e
outros. As alegorias
eram pequenas.
O
fundador
Leonilso Souza e
sua
esposa
confeccionavam
as fantasias com
muita
simplicidade, no
inicio as alegorias
eram pequenas.
Atualmente
o
planejamento
é
feito
por
uma
equipe
que
movimenta
a
organização
do
Bumbá, as tarefas
são
divididas,
artistas
de
Parintins-AM são
contratados para
aprimorar
a
apresentação.
Número
Brincantes
de Não
informado
Aproximadamente
60 brincantes
Aproximadamente
30 brincantes
Aproximadamente 15 brincantes
Aproximadamente
500 brincantes
Atualmente
o
Bumbá conta com
a organização do
seu
fundador,
Leonilso Souza e
uma equipe que o
auxilia a montar o
espetáculo.
Coreógrafos
e
artesãos
de
Parintins
são
contratados para
aprimorar
a
apresentação.
Aproximadamente
450 brincantes
Patrocínio
Não
informado
Não informado
No
inicio
a
apresentação
não
contava com auxílio
de patrocínios
Boi- Não
informado
Não informado
Própria
agremiação,
o
Governo Estadual
forneceu
apoio
financeiro até 2012
Atualmente
o
Bumbá é todo na
cor branca com
uma flor pintada na
testa
Própria
agremiação
o
Governo Estadual
forneceu
apoio
financeiro até 2012
Atualmente
o
Bumbá é todo na
cor preta com uma
lua pintada na
testa.
Cores do
Bumbá
No
inicio
a
apresentação não
contava
com
auxílio
de
patrocínios
O Boi era malhado As
cores
do
de branco e preto
Bumbá
eram
pretas e brancas.
Fonte: Trabalho de campo realizado no período de 2008 a 2013.
72
4.1. Festival Folclórico Pérola do Mamoré - FEFOPEM
O nome Festival Folclórico Pérola do Mamoré – FEFOPEM foi o primeiro
nome usado para designar o Festival Folclórico de Guajará-Mirim. Originou-se no
intuito de resgatar os valores culturais de Guajará-Mirim, a União Municipal de
Associações de Moradores-UMAM engendrou o projeto denominado I Festival
Folclórico Pérola do Mamoré, no ano de 1995, como pode ser visto na imagem a
seguir, o Festival teve a coordenação de Aderço Mendes da Silva, presidente da
UMAM, orientado pelo professor Mário Roberto Venere, da Universidade Federal de
Rondônia/Campus Guajará-Mirim.
Foto12: Primeiras apresentações do Festival Folclórico Pérola do Mamoré.
Fonte: VENERE, Roberto.
O município teve seu primeiro Festival no dia 9 de agosto de 1995. Na
programação constavam a história e a tradição dos formadores da região, os
migrantes que chegaram via construção da E.F.M.M., os seringueiros, entre outros.
No primeiro ano não houve competição, somente apresentações, como pode ser
visto a seguir, em uma reportagem realizada pelo jornal “O Estadão”, sobre o
primeiro Festival em Guajará-Mirim.
73
Imagem 01: Recorte de jornal (documento digitalizado), sobre o primeiro festival folclórico de Guajará17
Mirim
Fonte: Acervo da pesquisa, material coletado no Jornal o Estadão, matéria publicada no dia
09/08/1995.
17
1º Festival tem início hoje. Começa hoje as 20 horas e vai até domingo, 13, o 1º Festival Folclórico
de Guajará-Mirim, organizado pela UMAM-União Municipal de Associações de Moradores, com
apoio da Unir, programação que pretende mostrar a História e tradição dos formadores desta região,
dede os índios passando pelos vários tipos como os negros vindos através dos rios Guaporé e
Mamoré, os que chegaram via construção da EFMM, os seringueiros e outros personagens que
formam a história da região. A intenção do festival, conforme seus organizadores, é “resgatar a
cultura regional e firmar a consciência de sua História e de seu povo, buscando no povo o orgulho de
mostrar a todos os valores Culturais que revelam a Pérola do Mamoré.
74
Com o passar dos anos o Festival Folclórico Pérola do Mamoré, passou a ser
chamado de “Festival Folclórico Duelo na Fronteira” e vem ocorrendo desde então.
Todos os anos os Bumbás apresentam temas e lendas homenageando a sua região,
o seu povo e a sua Cultura. A seguir serão detalhados os anos em que o festival
vem ocorrendo, o local de apresentação dos Bumbás e a agremiação vencedora de
cada apresentação.
Quadro 03: Breve histórico dos anos de realização do “Festival Folclórico Duelo na Fronteira”
Ano
de Local
Realização
Tema do Bumbá Flor do Tema
do
Campo
Malhadinho
Bumbá Vencedor
1995
Área do Clube da
Policia Militar
Não houve apresentação de
Tema
Não houve apresentação de
Tema
Sem
competição
1996
AABB
Não houve apresentação de
Tema
Não houve apresentação de
Tema
Sem
competição
1997
AABB
Contos e Lendas
Nossa
Senhora
Seringueiro
do
Malhadinho
1998
AABB
Não informado
Estrada de Ferro Madeira
Mamoré
Malhadinho
1999
Área do Clube da
Policia Militar
Raízes de um povo
Vale do Guaporé Conto
Lenda e Magia
Flor
Campo
do
2000
Área do Clube da
Policia Militar
500 anos de Brasil
Malhadinho 2000
começou o Brasil
Flor
Campo
do
2001
Área do Clube da
Policia Militar
Fauna Flora e Festa
Asas e Matas
Flor
Campo
do
2002
Área do Clube da
Policia Militar
Não informado
Contos e Lendas de um
Tupinambá
Sem
competição
2003
Área do Clube da
Policia Militar
Não informado
Alma Cabocla Nativa
Flor
Campo
2004
Área do Clube da
Policia Militar
Não informado
Rondônia a Terra Mística
Empate das
agremiações
2005
Área do Clube da
Policia Militar
Mitos e Lendas das Águas
Malhadinho uma Revoada
de Amor
Malhadinho
2006
Área do Clube da
Policia Militar
25 anos de Contos e Lendas
20 anos
Tradição
Malhadinho
2007
Área do Clube da
Policia Militar
Não informado
Não informado
Malhadinho
2008
Área do Clube da
Policia Militar
Nosso Ouro é Vermelho
Guaporé Mito Cultura e Arte
Malhadinho
2009
Bumbódromo
Rondônia,
Florestas,
Encontros e Magias
Etnia, Raça Brasil
Flor
Campo
do
2010
Bumbódromo
Guajará:
Santuário
Cultura e Arte
Amazônia Sempre Livre
Flor
Campo
do
2011
Bumbódromo
Amazônia: Terra Mãe
25 anos de Amor e Magia
Malhadinho
2012
Bumbódromo
Pamin e o Renascer da
Floresta
Nos Trilhos da Emoção
Flor
Campo
de
Fonte: Pesquisa realizada no período de 2008 a 2013.
de
Assim
Cultura
e
do
do
75
Nos primeiros anos da realização, 1996, 1997 e 1998, o Festival ocorreu na
Associação Atlética do Banco do Brasil. De acordo com o crescimento do número de
brincantes e espectadores o festival passou a acontecer na área reservada do Clube
da Policia Militar, devido à ajuda de colaboradores da Polícia Militar que acreditavam
na cultura, como se pode observar na entrevista com a colaboradora18 Rosa Solani
(2013),
O Boi começou a se apresentar no clube da Polícia Militar-PM, devido ao
grande esforço do Coronel Deserte, na época trabalhava aqui, que nos
apoiou muito, foi uma pessoa que abriu os braços, tanto no comando da
Polícia Militar no festival, como apoio em estar lá fazendo parte dos jurados,
da coordenação também fez parte. Outra pessoa que muito ajudou foi o
Delegado Oliveira que buscou patrocínio junto com agente, conseguiu muita
coisa, tanto ele quanto a esposa dele, ele era Flor do Campo ela era
Malhadinho, mas os dois juntos não tinha discussão, nos ajudaram muito,
principalmente nos anos de 2005, 2006.
Com o crescimento da manifestação Cultural em Guajará-Mirim, tiveram início
as brigas pelo espaço destinado aos Bumbás. Segundo a colaboradora,
estamos brigando pelo Bumbódromo desde 2001, quando a gente começou
a subir um pouquinho, a gente também começou a brigar pelo
Bumbódromo, quiseram dar uma área próximo ao quartel e não podia, por
ser área militar, queriam ceder uma área perto da UNIR e também não deu
certo e na época o antigo prefeito, Pilon, conseguiu doar aquela parte que
estava alagada e sem uso, o deputado Hamilton Casara, conseguiu uma
verba da parte da emenda dele junto com o próprio Valdir Raupp que hoje
esta nos doando mais uma verba pra construção dos barracões no valor de
dois milhões e quatrocentos reais, que é pra gente guardar nosso material e
guardar as alegorias, nos temos que ter os barracões.
Somente uma etapa do Bumbódromo foi finalizada. A outra etapa da
construção não foi realizada por falta de tempo na execução das obras. Por essa
razão, o recurso voltou para os órgãos competentes e não será mais disponibilizado.
Desde 2009 o Festival Folclórico vem ocorrendo no Bumbódromo. Para completar a
estrutura e disponibilizar mais lugares para os espectadores, estruturas de ferro são
montadas
para
fornecer
mais
arquibancadas.
Atualmente
a
estrutura
do
Bumbódromo encontra-se nas condições apresentadas na foto a seguir:
18
A entrevista foi realizada neste ano de 2013. O material completo da entrevista encontra-se
disponível no capítulo IV.
76
Foto 13: Bumbódromo da cidade de Guajará-Mirim/RO
Fonte: Fonte: Acervo do Jornal O Mamoré, 2012.
Os barracões têm extrema importância, pois as alegorias são construídas nas
ruas, em frente as casas dos organizadores, ou no Bumbódromo, com centenas de
homens trabalhando a sol e chuva até a realização dos festivais, como pode ser
visto nas imagens a seguir:
77
Foto 14: Parte da alegoria em construção em frente à residência da fundadora do Bumbá Flor do
Campo.
Fonte: GOMES, Ednart. 2011.
Foto 15: Bumbódromo da cidade próximo a realização do festival folclórico. Construção da armação
de ferro que estrutura as alegorias
Fonte: GOMES, Ednart. 2011.
78
Foto 16: Bumbódromo da cidade próximo a realização do festival folclórico. Alegoria em fase de
pintura.
Fonte: GOMES, Ednart. 2011.
Foto 17: Bumbódromo da cidade próximo a realização do festival folclórico. Alegoria pronta. Fonte:
GOMES, Ednart. 2011.
79
Na atualidade, as agremiações lutam pela construção dos barracões, que já
deveriam estar em processo de realização. Segundo a entrevistada Rosa Solani
(2013),
O projeto dos dois barracões é tão lindo, tem o seguimento com camarins,
com espaço para os ensaios, todo aquele espaço vai ser construção, e está
nesse impasse, quer dizer, o apoio é muito lento, agente fica brigando é
como se agente tivesse dando murro em ponta de faca, e não é culpa dos
Bois, eu vejo as pessoas reclamando que os Bois abandonaram as
alegorias no Bumbódromo, mas não é culpa nossa, a gente trabalha, coloca
o brincante na arena. A gente faz essa festa acontecer, mas a gente faz
com o apoio que tem se já tivesse construído os barracões tudo seria
melhor, quando terminasse a festa tudo estaria lá guardadinho, depois era
só desmontar deixar trancado e no próximo festival abrir e começar a
trabalhar, modificar o que tem que modificar (...)
Como se pode notar, é de extrema necessidade a construção dos barracões,
assim as alegorias não ficariam sofrendo desgaste no tempo sem cobertura e
poderiam ser reaproveitadas. Essa luta pela construção dos barracões está apenas
começando. Pode-se observar nas figuras a seguir a atual situação das alegorias no
espaço do Bumbódromo:
Foto 18: Atual situação das alegorias no Bumbódromo de Guajará-Mirim
Fonte: Fonte: CUNHA, Ananda. 2013.
Hoje os barracões de construção das fantasias acontecem nas residências
dos organizadores do Festival, como pode ser constatado na imagem a seguir:
80
Foto 19: Confecção das fantasias – 1.
Fonte: MENEZES, Patrícia, 2012.
Foto 20: Confecção das fantasias – 2.
Fonte: MENEZES, Patrícia, 2012.
As imagens foram registradas na residência da colaboradora Rosa Solani,
meses antes do festival. Sua casa se transforma em barracão e as fantasias passam
a ser elaboradas e confeccionadas por artesãos voluntários. Em sua fala, pode-se
81
observar como se iniciou esse processo de organização de novos espaços para a
confecção das fantasias:
(...) a gente trabalhava só na casa da dona Georgina, o barracão as
fantasias, tudo era trabalhado ali e também na minha casa, só que cresceu
tanto que nos não tínhamos condições, tivemos que abrir espaços, dividir
tarefas, nos não tínhamos muita gente na organização, era eu, o Paulo e
outros, lembrando que não era pago, nos trabalhávamos de graça, não
tinha como ter pagamento, o único que recebia um cachê era o Paulo, mas
o restante todos trabalhava de graça, eu tinha minha equipe aqui, a irmã do
Paulo, Rose também ajudava, confeccionava as fantasias na casa dela,
mas sem pagamento.
Enquanto as fantasias eram confeccionadas na residência dos colaboradores,
as alegorias estavam sendo elaboradas em sua maioria no Bumbódromo da cidade,
por se tratar de um espaço maior e com mais segurança para guardar o material.
Outro local utilizado para a confecção das fantasias do Boi-Bumbá Flor do
Campo é o espaço chamado “Barracão da Rosi”. Nele, os colaboradores, os
brincantes e os artesãos se uniam para realizar o melhor trabalho possível. Nas
imagens a seguir, é possível visualizar o funcionamento desse espaço:]
Foto 21: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 1
Fonte: BORGES, Rosilene, 2012.
82
Foto 22: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 2
Fonte: BORGES, Rosilene, 2012.
Foto 23: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 3.
Fonte: BORGES, Rosilene, 2012.
83
Foto 24: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 4.
Fonte: BORGES, Rosilene, 2012.
Foto 25: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 5
Fonte: BORGES, Rosilene, 2012.
84
O cotidiano dos artistas populares e a riqueza do espaço vivido são
percebidos em cada trabalho confeccionado, em cada alegoria criada. A festa do
Boi-Bumbá atribui com força cada vez mais crescente os sentidos nos sujeitos
envolvidos, seja através das toadas, das apresentações na arena, no trabalho
realizado com as lendas de origem amazônica. Nesse sentindo, passam a exercer
um papel essencial na composição da comunidade e no desenvolvimento da
identidade cultural dos moradores.
85
CAPÍTULO V
INTERPRETAÇÃO DE UMA CULTURA MILENAR
Foto 26: Apresentação do Boi-Bumbá Flor do Campo, representação do povo indígena Paíter Suruí
Festival Folclórico de Guajará-Mirim.
Fonte: Acervo do Jornal/O Mamoré, 2012.
86
5.1. Os sentidos no espetáculo: uma natureza simbólica
Nesta etapa da pesquisa trataremos de uma contextualização voltada pra
percepção, assim ampliando nosso processo cognitivo, nos levando, à compreensão
dos valores culturais que estão inseridos nesse espaço.
Estabelecemos um diálogo nesse contexto festivo, gradualmente conseguindo
avançar na investigação em busca dos significados que surgem no espaço simbólico
das representações. Assim, os ritos fazem parte da compreensão deste trabalho.
Através deles conhecemos um pouco mais sobre nós mesmos e também sobre
outros indivíduos. Dessa forma, para Cavalcanti (1998),
os ritos seriam formas de acesso à consciência, uma maneira indireta e
materializada por símbolos – pela qual uma sociedade ou um grupo humano
torna consciente de si mesmo no grupo. Através dos sagrados símbolos
rituais, os homens adquiriam e expressariam a consciência de si mesmo
quanto grupo, a consciência de que sua vida se dá dentro de uma totalidade
coletiva que chamamos de sociedade. (p. 3)
Essa compreensão dos ritos nos leva a apreender certos níveis de realidade
diferentes na Cultura do Boi-Bumbá. Todas as expressões durante a realização da
manifestação folclórica são repletas de significados expressos através dos símbolos
que são expostos nas alegorias, nas fantasias, nos rituais, na letra da toada que
inspira, movimenta e desperta um turbilhão de sentimentos nos brincantes, na galera
e também nos visitantes. Logo, esses símbolos são a real concretização da
consciência humana expressa de diversas formas na sociedade.
Assim, ao analisarmos o folguedo do Boi em Guajará-Mirim, percebemos uma
forte ligação afetiva que interliga os grupos ao Bumbá, principalmente através das
atividades realizadas por esses grupos desde o início da manifestação cultural. As
primeiras apresentações de Boi na região surgiram através de pessoas que
vivenciaram essa cultura em outras regiões, no Pará ou em Porto Velho, e sem
nenhuma estrutura passaram a propagar o brincar de boi na região. O resultado
disso
é
a
aceitação
de
inúmeros
adeptos
da
cultura
que
aumentam
proporcionalmente durante os anos.
É essa ligação afetiva que movimenta o festival, que faz artesãos
transformarem suas casas em barracões, retirando todos os móveis para
confeccionar e armazenar as fantasias. Além de movimentar os grupos para realizar
87
eventos em busca da arrecadação de recurso para que o festival possa acontecer.
São essas formas de acesso a consciência da comunidade que denominamos os
ritos, que funcionam como uma forma de interação entre essas esferas
diferenciadas da sociedade. Através das palavras de nossa colaboradora Rosa
Solani, percebemos como surge esse envolvimento, ao afirmar,
Eu me apaixonei pela festa, as pessoas perguntam pra mim, o que eu faço
metida em boi? Falam que eu tenho minha vida, tenho meu emprego,
questionam porque eu encho minha casa de pena, de caixa e me
perguntam o por quê de tudo isso. O que me motiva a participar desde o
inicio, é porque eu queria ver isso dar certo na minha cidade, eu quero que
dê certo, eu quero que tenha o boi em agosto, o carnaval em fevereiro, eu
quero que tenha a festa do Divino, eu quero que todas as coisas boas
voltem. O que me motiva é ver a “coisa” crescer, é dar certo, é ver a minha
cidade crescendo, é ver o envolvimento, as pessoas vindo pra cá querendo
participar.
Todos nos estamos no Flor do Campo porque agente gosta de brincar de
boi, a gente chora, briga, esperneia pra brincar, trabalhar pra fazer a coisa
acontecer, é o que nos motiva é isso, a alegria de brincar de boi, que a
gente não quer deixar morrer, e o medo então? (risos) Eu tenho medo.
Analisamos essa fala da colaboradora através das considerações de Mauss
(1999, p. 89), que afirmar que o ser humano é classificador em sua essência.
Observamos a forma em que a nossa colaboradora estabelece e cria categorias que
estabeleçe uma ordem de interpretação do mundo real em que vive. Uma dessas
categorias é o espaço onde se forma o seu lugar de vivências, relações e
identidade.
As pessoas que interagem com o trabalho artístico e brincam em torno do
Bumbá passam a constituir um comportamento simbólico. A investigação desses
comportamentos estará centrada na percepção dos fatos, em perspectiva o uso dos
sentidos da audição e da visão será destaque para compreender os significados
presente nessa manifestação. Os sentidos levarão a compreender os valores
culturais centrais atribuídos à comunidade em estudo.
A brincadeira de Boi-Bumbá aciona os sentidos, que passam a ser notados
através das diferentes linguagens expressas no folguedo, entre elas a musicalidade,
que envolve um número considerável de pessoas que tocam os instrumentos,
cantam e falam através das emoções. As danças representadas em cada
personagem que passa a atribuir coreografias específicas em cada sequência do
brincar de boi, a interação dos personagens com a musicalidade, em que cada item
88
passa a ter a sua música e coreografia para apresentar o espetáculo, assim
estabelecendo a dramaticidade que compõe a festa. Dessa forma, cada fase do
brincar de boi passa a estruturar a manifestação cultural na arena do Bumbódromo.
A visão e a audição passam a se conectar, a música cantada pelos
espectadores e brincantes envolve a dança, designando um ritmo próprio e
característico do brincar de boi. A evolução desses personagens aciona a visão dos
espectadores e principalmente o olhar dos jurados, que percebem cada movimento
na arena.
Nas diversas formas da manifestação cultural do Boi-Bumbá, percebemos a
presença de um sistema que interliga os personagens. As ações giram em torno do
auto do boi, ou seja, do tema de sua morte e da ressurreição que de fato não
acontece na arena. O boi de pano, que se movimenta através de pessoas que se
colocam dentro dele, é o personagem central da trama, os brincantes apresentam
coreografias para acompanhá-lo na arena. Outro destaque a fazer é a ativa
participação do público, que na maioria das vezes participa de toda a encenação,
através dos objetos levantados, das velas acesas durante o ritual, das toadas
cantadas e danças elaboradas, fazendo tremer a arquibancada e os camarotes de
cada agremiação, no caso do presente trabalho, o Malhadinho e o Flor do Campo. O
que faz-nos refletir sobre o argumento de Cassirer (CASSIRER, (1992 [1925]), p.22).
Deste ponto de vista, o mito, a arte, a linguagem e a ciência aparecem
como símbolos: não no sentido de que designam na forma de imagem, na
alegoria indicadora e explicadora, um real existente, mas sim, no sentido de
que cada uma delas gera e parteja seu próprio mundo significativo. Neste
domínio, apresenta-se este autodesdobramento do espírito, em virtude do
qual só existe uma “realidade”, um ser organizado e definido.
Consequentemente, as formas simbólicas especiais não são imitações, e
sim, órgãos dessa realidade, posto que, só por meio delas, o real pode
converte-se visível para nós.
Para o autor, o homem passa a vivenciar esses símbolos constantemente em
seu cotidiano, como se fosse um caminho a percorrer entre os diversos significados.
As representações que surgem no brincar de boi revelam a linguagem desse grupo,
a arte que cada componente cria, os mitos que são vivenciados em cada ritual
mostrado na arena. São diversos os símbolos que se manifestam nesse universo. O
boi, um artefato que funciona como emblema que gira e balanceia na arena, não é o
que denominamos de símbolo, mas sim o sentido de brincadeira, o significado que
essa manifestação tem para a sociedade.
89
O homem vive em meio a emoções, antes de vivenciar a realidade concreta,
passa pelo imaginário, em que percebe seus sonhos e fantasias, que são
transmitidos através da linguagem, surgindo como símbolos que criam e
estabelecem diversas formas de significados.
A festa do Boi-Bumbá em Guajará-Mirim impõe uma relação direta com o
cotidiano da comunidade, pois exige um trabalhoso preparativo e uma cautelosa
organização, para que a manifestação folclórica possa acontecer. A experiência
vivida pelas pessoas que participam da preparação da festa é repleta de conteúdos
cognitivos e afetivos, pois faz nascer uma forte relação de compartilhamento de
histórias e disputa pela vitória do seu “Boi”.
Durante o ano, os grupos que organizam os Bumbás envolvem a
comunidade, promovem eventos que convidam a brincar de boi, tais como bingos,
feijoadas, shows com cantores de toadas e outros, todos envolvendo a
apresentação dos personagens principais das agremiações. Essas atividades são
motivadas para arrecadar recursos para manter a estrutura e organização para o
festival.
Quando o festival se aproxima, a movimentação dos grupos de Bumbás no
município é mais visível, as casas dos artesãos tornam-se barracões e tem início a
tarefa de elaborar e confeccionar fantasias. As ruas próximas à casa dos
organizadores ficam caracterizadas por alegorias que são montadas, pintadas e
levadas ao Bumbódromo. Outras alegorias maiores são confeccionadas dentro do
espaço preparado ao festival devido à dificuldade em locomover uma grande
estrutura de ferro.
A produção desse festival folclórico é uma tarefa complexa e de alto valor
econômico. Há papéis e atribuições definidos e determinantes na organização e no
contexto artístico. Esses papéis são praticados no decorrer dos anos e requerem
talento, vocação e habilidades particulares de cada membro que se disponibiliza
para realizar os trabalhos. Durante o período de preparação da festa e
movimentação de pessoas nos barracões, amplia-se de forma gradativa o número
de colaboradores que ajudam na preparação das fantasias e alegorias.
90
Desta forma os grupos se organizam, interagem e vivenciam a cultura do Boi–
Bumbá. Nota-se que cada forma de representação no espaço possui um significado
diferente, atribuído através dos sentidos, dos afetos e das emoções.
5.2. Cultura e saber do povo: A expansão de novas representações
Quando tratamos a manifestação do Boi-Bumbá na Amazônia, não podemos
deixar de destacar a influência da cultura cabocla na formação desta identidade. O
homem amazônico, o caboclo, busca desvendar os segredos de seu mundo,
recorrendo dominantemente aos mitos e à estetização (LOUREIRO, 2001, p. 38).
Para compreender melhor esse ser formador de uma região, necessitamos em
primeira instância analisar como a cultura amazônica é formada. Segundo o autor,
Entende-se por uma cultura amazônica aquela que tem sua origem ou está
influenciada, em primeira instancia, pela cultura do caboclo. É evidente que
esta é também produto de acumulação cultural que absorveu e se
amalgamou com a cultura dos nordestinos que, em épocas diversas, mais
especialmente no período da borracha, migraram para a Amazônia.
(LOUREIRO, 2001, p. 39)
Assim percebe-se que a formação da cultura amazônica em suas diversas
manifestações sociais recebeu grande influência de outras, principalmente de
origem portuguesa e africana, que habitavam a região nordestina na época. Dessa
forma, ao chegar à região amazônica, unificaram-se com o modo de vida indígena
que prevalecia no território. Surgia assim o homem que iria compor essa região, o
homem caboclo. Segundo o autor,
(...) ao tratar-se de uma cultura amazônica do caboclo, ela será entendida
como expressão da sociedade que constituiu a Amazônia contemporânea à
história dessa sociedade e contemporânea ocidental. Uma cultura dinâmica,
original e criativa, que revela, interpreta e cria a sua realidade. Uma cultura
que, por meio do imaginário, situa o homem numa grandeza proporcional e
ultrapassadora da natureza que o circunda. (idem, 2001, p. 42)
Assim, percebemos que a cultura amazônica estabelece a formação de uma
identidade própria da região, que atribui valor ao seu modo de vida. Loureiro (2001)
esclarece que,
O sentido de identidade (...) é o de auto-reconhecimento, auto-estima,
consciência do próprio valor, conjugados à consciência da própria inserção
no conjunto da sociedade nacional e, mais amplamente, na sociedade dos
homens.
91
A sociedade amazônica reconhece as relações existentes entre o homem e o
social, sem se esquecer da sua história e do seu meio, cercado pela natureza. Logo,
esse universo repleto de representações adquire um valor subjetivo, que defende as
raízes regionais, por meio de uma relação simbólica entre o homem e a natureza.
Com esses elementos que compõem a cultura cabocla, compreende-se a
concepção simbólica da imaginação que gira entorno da manifestação de BoiBumbá em Guajará-Mirim. Percebe-se que cada região, seja Parintins ou GuajaráMirim, passa a inserir na representação do Boi-Bumbá a própria história e memória
da comunidade. Como se percebe na fala da colaboradora Rosa Solani:
(...) fui montando toda a história, que antigamente não tinha, era só
apresentação dos itens. Em cima disso eu fui pensando que estava faltando
mais coisas, a Cunhãporanga é quem? E vem representando quem?
defendendo o que? Assim nos fomos inserindo as lendas, a lenda do boto, a
lenda da cobra grande, a lenda do beija flor, cada item passou a ter a sua
lenda. As tribos nos demos nomes, antes elas tinham o nome Muirapinima,
era Munduruku, tribos lá do Pará, do Mato Grosso, foi quando eu falei: Dona
Georgina nos estamos contando a história do nosso boi que é de Guajará,
trabalhando em Guajará, nada mais justo a gente trazer as nossas tribos, o
nome das nossas tribos de Guajará. Já tinha as tribos Karitiana, Pakaa,
Canoé, que são daqui, mas outras eram de outros Estados e aos poucos a
gente foi mudando, hoje a gente já trabalha com os nomes das tribos daqui,
as histórias e lendas daqui, porque a gente conhece mais e sabe que
realmente acontece, sabemos como nossas tribos vivem, plantam, dormem.
Não tinha porque ficar contando as histórias de outras regiões, sendo que
nos temos aqui, procuramos sempre trabalhar o contexto regional (...)
É fundamental perceber como ocorrem essas alterações no sentido da festa.
Por mais tradicionais que sejam suas origens, ela passa a estabelecer um novo
contexto, tornando-se também lugar de memória, estabelecendo uma relação de
construção e modernização do brincar de boi.
Foi possível notar, também, que a colaboradora ressalta em seu discurso uma
real valorização da cultura local. O brincar de boi passa a ser uma ferramenta
utilizada para transmitir o valor do contexto regional para a comunidade.
Como se pode observar no quadro 03, citada nos capítulos anteriores, a partir
de 1997, os Bumbás inserem em suas apresentações os temas amazônicos. O
Bumbá Malhadinho apresenta o tema: Vale do Guaporé: Conto Lenda e Magia, e o
Bumbá Flor do Campo traz o tema: Raízes de um Povo. Ambos começaram a
trabalhar na direção das questões que refletem o contexto amazônico.
92
Nos últimos anos além de apresentar os temas regionais, os Bumbás
passaram a aderir à questão ambientalista, trazendo pra arena temas voltados para
a preservação ambiental, como se pode ver ainda no referido quadro, a temática do
Bumbá Malhadinho em 2010 foi “Amazônia Sempre Livre” apresentando as
questões ambientais na Amazônia, considerando também o Bumbá Flor do Campo
que em 2012, apresentou o tema “Paminé, o Renascer da Floresta”, defendendo a
conservação das florestas e a atual questão indígena dos povos Paiter Suruí.
Outro fator que levanta questionamentos é a atual participação dos indígenas
no brincar de Boi. Já se comentou anteriormente que a cultura do Boi-Bumbá está
inteiramente ligada à manifestação cultural desses povos, pois se observou durante
a apresentação dos Bumbás a evolução de tribos indígenas, do Pajé, dos Tuxauas,
que são ditos como personagens indígenas atuantes na brincadeira. Logo, percebese que atualmente não existe a participação direta desses grupos na manifestação
folclórica, a não ser pela homenagem realizada ao povo Paiter Suruí em 2012, em
que os índios interagiram diretamente na arena de disputa dos Bumbás.
Segundo o Zoneamento Socioeconômico-Ecológico do Estado de Rondônia19,
de 2007, o município de Guajará-Mirim é composto por seis terras indígenas que
passam a ocupar grande parte do território, como se pode observar no mapa de
localização a seguir:
19
Documento encontrado no endereço online www.ebah.com.br/content/ABAAABQaAAL/01-zee-rosedam. Acessado em 01/08/2013
93
Mapa 03: Mapa temático das reservas indígenas localizadas no município de Guajará-Mirim/RO.
Fonte: Elaborado a partir do Instituto brasileiro de Geografia e estatística.
Com tamanha dimensão das Terras indígenas pelo município, era de se
esperar que houvesse maior participação dessas etnias junto às agremiações de
Bumbás, já que a festa trata de enredos voltados à sua contextualização histórica,
lendas e rituais.
Em conversa20 com o colaborador Leonilson Muniz, este afirma que a
agremiação do Bumbá Malhadinho realiza pesquisa junto aos indígenas como forma
de ganhar conhecimento em relação às narrativas míticas, ao cotidiano dos
indígenas, e assim colocar na arena do Bumbódromo o contexto histórico da
respectiva etnia investigada.
Em outra conversa com a colaboradora Rosa Solani, descobriu-se que o BoiBumbá Flor do Campo também realiza inúmeras pesquisas com as etnias indígenas
locais, como forma de valorizar a questão regional e aprender um pouco mais sobre
a cultura, a fim de mostrar na arena os rituais, as lendas e os costumes de cada
20
Depoimento cedido pelo colaborador Leonilson Muniz, fundador do Boi-Bumbá Malhadinho, sem a
presença de gravador.
94
tribo. A colaboradora enfatiza que os grupos indígenas participam da manifestação
folclórica quando são convidados, como ocorreu com os Paiter Suruí em 2012.
Ela acredita que seja de grande importância a participação dos indígenas no
festival, mas isso requer trabalho e dedicação da organização dos Bumbás, pois o
custo para realizar o deslocamento dessas etnias é muito alto e envolve não só o
transporte, mas também a hospedagem e alimentação de cada convidado, e sem a
ajuda financeira não participam do festival, pois o deslocamento até as Terras
Indígenas é longo e difícil.
No ano de 2008, foi realizado um documentário chamado Duelo na Fronteira.
Nele, trata-se de toda a contextualização histórica da manifestação folclórica no
município de Guajará-Mirim, através de depoimentos dos organizadores, brincantes,
artesãos e também vídeos antigos. Nesse documentário pode-se encontrar registros
da participação desses grupos indígenas nos primeiros Festivais Folclóricos, como é
possível observar na imagem a seguir:
Foto27: Grupos indígenas participando dos primeiros Festivais Folclóricos de Guajará-Mirim.
Fonte: Registro realizado através do documentário Duelo na Fronteira, 2008.
Como se pode observar, os indígenas participaram diretamente na construção
do Festival Folclórico, realizando seus rituais e danças na arena. No período de
95
início do festival, o acesso a recursos financeiros era inexistente e mesmo assim sua
participação era fundamental.
O que se nota atualmente é que com o passar do tempo ocorreram várias
mudanças dentro do festival. O que era fundamental para a sua realização deixou de
fazer parte do contexto ou foi perdendo espaço dentro da manifestação folclórica,
como é o caso dos indígenas.
O brincar de Boi passou a adquirir novas características e consequentemente
essas novas particularidades passaram a distanciar-se dos indígenas, que deixaram
de acreditar que aquela representação apresentada na arena fizesse parte da sua
cultura. Como exemplo, pode-se citar o ritual indígena representado pelo
personagem do Pajé, em que apresenta na arena uma contextualização diferente do
que pode ser visto nas etnias indígenas.
Essas mudanças ocorridas na manifestação do Boi-Bumbá apresentam hoje
uma relação do que a festa representa de tradicional com o novo, dito
contemporâneo, expondo na arena o valor simbólico em que está inserida.
A mudança vem ocorrendo também entre os personagens que se articulam
dentro da arena. Determinados itens permanecem como contextualização original,
entretanto, alguns vêm ganhando destaque e prejudicando a aparição do Boi na
arena. O item que mais tem ganhado destaque nesses últimos anos é o Pajé, que foi
alvo de uma disputa entre as duas agremiações, tendo o representante do BoiBumbá Flor do Campo sido convidado a participar do festival pelo Boi contrário, o
Malhadinho, de quem havia recebido proposta mais vantajosa..
O Boi-Bumbá Flor do Campo passou a selecionar candidatos da região para
realizar a função de Pajé. As apresentações dos candidatos ocorriam durante os
ensaios para o festival folclórico. A preocupação da organização em selecionar um
candidato habilidoso era grandiosa. Não aprovando nenhum candidato da região, a
agremiação contratou um dançarino de outra localidade, especificamente do
município de Juruti-PA, para apresentar o personagem na arena.
Percebendo tamanha preocupação da agremiação em encontrar alguém que
fosse capaz de realizar a apresentação com tamanha perfeição, é que percebemos
a sua real importância para composição do grupo e evolução na arena. Este entra
no bumbódromo cercado por efeitos especiais e realiza a celebração do ritual, que
96
envolve o ponto máximo da apresentação. No contexto tradicional do brincar de Boi,
o Pajé realiza o ritual da ressurreição do Boi. Atualmente sua encenação é cercada
por um universo simbólico, que deixou de trazer para a arena a morte e ressurreição
do Boi, pra tratar de contextos que abordem o tema do Bumbá.
Os Bumbás de Guajará-Mirim atribuem aos novos temas apresentados um
sistema simbólico de representações, que definem assim uma identidade regional
específica e única dentro do brincar de Boi. Configurando com o que afirma
Cassirrer, (1994, p. 47)
[...] uma característica nova que parece ser a marca distintiva da vida
humana. O círculo funcional do homem não é só quantitativamente maior;
passou também por uma mudança qualitativa. O homem descobriu, por
assim dizer, um novo método para adaptar-se ao seu ambiente. Entre o
sistema receptor e o efetuador, que são encontrados em todas as espécies
de animais, observamos no homem um terceiro elo que podemos descrever
como sistema simbólico.
A comunidade participa e interage com os novos temas. A cada lançamento,
acontecem as festas para comemorar o novo contexto que será trabalhado e marcar
o início do ciclo de preparação da festa. Dessa forma, nota-se como esses sistemas
simbólicos são formados pela comunidade envolvida nas atividades.
5.3. Compreendendo as representações na formação do Lugar
Como observado nos capítulos anteriores, o Boi-Bumbá de Guajará-Mirim
vem ocorrendo desde 1960, alterando desde então as suas particularidades e
inserindo novas formas de representação nesse espaço, resultando na construção
de uma territorialidade particular, repleta de elementos simbólicos.
A partir dessa territorialidade compreende-se esse espaço de representações,
formado pelo imaginário da comunidade, o que segundo Silva (2007) é
o espaço com todas as suas representações é a expressão viva do homem,
torna-se humanizado, aliado ao seu projeto de sobrevivência; é o seu lugar
de liberdade, de segurança, seu lar, seu “lugar”. O mito como elemento
participante na construção desse espaço é o “organizador” das
representações imaginárias e míticas da população, que através de sua
percepção coletiva ou individual, elabora o conjunto de explicações de seu
“mundo”, de seus valores, de sua organização. (p. 232)
97
Deste modo, o espaço é o campo de formação das territorialidades, é onde o
homem estabelece as suas relações, atribui significados e manifesta as suas
representações.
Pode-se perceber a formação dessas territorialidades em Guajará-Mirim, em
diferentes períodos com maior intensidade, nas atividades culturais, durante os
meses que antecedem o festival folclórico. As agremiações chamam a atenção para
o início dos ensaios, os barracões, que funcionam nas respectivas casas dos
organizadores, iniciam seus trabalhos, os artesãos montam as estruturas de ferro
nas ruas próximas à casa dos fundadores, configurando assim o território do festejo.
Com a chegada do mês de agosto, a cidade entra em estado de festa. Os
hotéis realizam suas reservas meses antes do festival. Segundo a colaboradora
Solani:
(...) a partir do mês de junho as pessoas já começam a ligar pra marcar a
sua hospedagem e os hotéis já começa a ganhar porque já pedem a
metade da hospedagem com medo de perder a reserva, nisso o
apartamento já fica fechado, em meados do mês de junho não tem mais
vaga (...).
Vê-se, assim, que não são só os brincantes, os organizadores e os artesãos
que estão envolvidos nessa manifestação, mas também o comércio, que se prepara
para receber os visitantes, como se verifica na imagem a seguir:
Foto 28: Comércio de Guajará-Mirim decorado com as cores dos Bumbás.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012.
98
Observou-se essa mesma característica na formação das territorialidades no
município de Parintins. O comércio regional se adapta e gira em torno da temática
do Boi-Bumbá, como mostram seguintes representações:
Imagem 02: Panfletos informativos de uma empresa privada de Parintins-AM.
Fonte: Material coletado pela pesquisadora no Festival Folclórico de Parintins, 2012.
A criatividade do comércio local é surpreendente. Notou-se que a empresa
tenta agradar os simpatizantes das duas agremiações de Bois-Bumbás com a
99
propaganda em azul e vermelho, além de ressaltar nas frases dos panfletos os
nomes dos Bumbás Garantido e Caprichoso.
Em Parintins, as empresas de grande porte, como a Coca-Cola, a Skol, a
empresa de telefonia Oi, e outros, investem milhões de reais em marketing para
atender as duas galeras. O único lugar no mundo em que a Coca-Cola é
caracterizada em cor azul é em Parintins-AM, pois a empresa aposta na venda da
mercadoria em ampla escala para as duas agremiações. Algumas representações
podem ser observadas nas imagens a seguir:
Foto 29: Cartaz da marca coca-cola fixada em poste de energia elétrica.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
Foto 30: Outdoors da marca Coca-cola de cor azul.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
100
Foto 31: Outdoors da cerveja Skol na cor azul.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
Foto 32: Outdoors da cerveja Skol na cor vermelha.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
Foto 33: Embalagens da cerveja Skol, representando de um lado a cor azul e no outro a cor
vermelha.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
101
Como se vê, o município de Parintins se organiza de acordo com as
características dos Bumbás Caprichoso e Garantido. A cidade se prepara para
receber o visitante, além do comércio, dos hotéis e restaurantes, identificam-se os
próprios moradores também fazendo parte dessa organização, passando a alugar as
suas residências ou parte delas para os turistas como forma de auferir renda para
sua família.
Essa caracterização da região é vista com menos intensidade no município de
Guajará-Mirim. O comércio se organiza para receber o Festival, mas não conta com
tantos investimentos como em Parintins. O mesmo ocorre com o marketing das
empresas locais.
Durante o período em que se aproxima o festival, percebe-se que o entorno
da residência dos respectivos fundadores dos Bumbás se caracteriza com a
predominância das cores das agremiações. A Avenida 15 de novembro (BR 425),
como mostra o mapa 3, divide a cidade ao meio, ficando de um lado o Bairro
Tamandaré, “Lugar” do Bumbá Flor do Campo, localizado próximo à Escola Estadual
Almirante Tamandaré, onde o Bumbá nasceu e realizou suas primeiras
manifestações. As cores predominantes que cercam esse território são o vermelho e
o branco que simbolizam a sua marca no território.
102
Mapa 04: Mapa temático de localização da macha urbana do município de Guajará-Mirim/RO.
Fonte: Elaborado a partir da imagem de Satélite do Google Earth e Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística. Organização: Charles, 2010.
103
Atravessando a Avenida 15 de novembro, seguindo ao extremo sul da cidade,
encontra-se o território dominado pelas cores azul e branca, do Bumbá Malhadinho,
próximo à localização da casa de seu fundador, senhor Leonilson Muniz, onde
visualizamos a presença de armações das alegorias que são confeccionadas no
local.
Contudo, percebe-se o espaço socialmente construído sendo formado e
articulado entre os moradores que ali vivem, o que produz uma extrema relação
entre a comunidade e o “lugar”, pois se torna palco das diversas relações sociais
que compõem o espaço simbólico.
Nota-se, neste aspecto, que o território é formado por vários indivíduos, e a
análise busca compreender o entendimento que esses possuem para a formação do
seu “lugar”. Segundo Kozel (2007),
essa multiplicidade de sentidos que um mesmo “lugar” contém para os seus
moradores e visitantes está ligada, sobre tudo ao que se denomina de
imaginação criadora, função cognitiva que ressalta a fabulação como vetor
a partir do qual todo ser humano conhece o mundo que habita. O espaço
percebido pela imaginação não pode ser o espaço indiferente, é um espaço
vivido. E vivido não é em sua positividade, mas com todas as
espacialidades da imaginação. (p. 121)
Compreende-se que os sentidos são fundamentais para a percepção de um
lugar, sendo os mapas mentais importantes ferramentas para a compreensão das
representações provenientes das imagens que surgem no imaginário. Assim os
indivíduos atribuem significados ao lugar. A autora destaca que,
As representações provenientes das imagens mentais não existem
dissociadas do processo de leitura que se faz do mundo. E nesse aspecto
os mapas mentais são considerados uma representação do mundo real
visto através do olhar particular de um ser humano, passando pelo aporte
cognitivo, pela visão de mundo e intencionalidades. A imagem de algo
reflete uma construção simbólica. (KOZEL, 2007, p. 121)
Desta
forma,
buscou-se
compreender
as
representações
de
três
colaboradores que participam de forma direta e indireta na manifestação folclórica. A
seguir são apresentados os seguintes Mapas Mentais:
104
Mapa Mental 1 – Leonilson Muniz
Mapa Mental 2: Alysson Bruno
105
Mapa Mental 3: Patrícia Menezes
O mapa mental 1 foi elaborado no ano de 201021 pelo fundador do Boi-Bumbá
Malhadinho, o qual destaca em sua representação um elemento que surge no seu
imaginário, uma escola, revelando um forte laço de afetividade com este símbolo.
Conversando com o senhor Leonilson ele nos relata a Cultura do Boi-Bumbá como
sendo uma escola que ensina coisas boas, forma jovens conscientes, tira-os da
marginalidade e introduz uma cultura que ao seu modo de ver é vital para a
juventude do município, porque oferece valores de formação pessoal, cultural e
social.
Analisou-se essa representação como uma formação de espaço mítico, que
de acordo com Tuan (1983. p. 97) é uma extensão conceitual dos espaços familiar e
cotidiano dados pela experiência direta. Dessa forma, a cultura do Boi-Bumbá insere
no cotidiano um valor simbólico. A escola é vista com papel fundamental dentro de
uma sociedade e a cultura do Boi vem a ser caracterizada como uma escola de
formação de uma sociedade cultural, em que valores são adquiridos e organizados
com o decorrer do tempo.
21
Esse mapa mental é fruto do trabalho de monografia, realizado pela autora no ano de 2011.
106
O Mapa Mental 2 foi elaborado por um torcedor do Boi-Bumbá Flor do
Campo. Nele observamos alguns elementos presentes nas paisagens, tais como
restaurante, hotel, Centro Cultural, Escola de Arte e Música e Comércio e serviços.
O autor também destaca elementos naturais que compõe a vegetação local, assim
como a participação do público local e dos turistas. No Mapa Mental esses
elementos são apresentados ao redor do Boi-Bumbá, pois em seu imaginário todas
as atividades passam a acontecer entorno da cultura do Boi-Bumbá.
Segundo Frémont (1980. p. 139), todo lugar tem significado. Combinação de
elementos econômicos, ecológicos, sociológicos e demográficos, num espaço
reduzido, o lugar visualiza-se através duma forma que se integra na paisagem local
e regional. O criador do Mapa Mental representa uma linguagem própria, utilizando o
espaço como meio de expressão dos sentidos.
O Mapa Mental 3 foi elaborado por uma organizadora do Bumbá Flor do
Campo. Apresenta, à direita, a representação de uma câmera registrando, filmando,
fotografando o município de Guajará-Mirim. Os elementos que aparecem no mapa
mostram os dois Bumbás, a estrutura do barracão próximo à arquibancada e os
artesãos trabalhando para realizar o festival folclórico.
Nessa representação, a colaboradora chama atenção para o destaque que a
festa do Boi-Bumbá vem ganhando no município. Hoje a mídia já participa
ativamente do evento, transmitindo a manifestação folclórica para toda a região
Norte através da emissora Amazon Sat.
Segundo Loureiro (2001, p. 64), a cultura está mergulhada num ambiente em
que predomina a transmissão oralizada. Ela reflete de forma predominante a relação
do homem com a natureza e se apresenta imersa numa atmosfera em que o
imaginário privilegia o sentido dessa realidade. Assim, nossa colaboradora reflete
esse universo da cultura que o homem concebe através da transmissão de seus
valores e significados pelo mundo.
Dessa forma, encerramos a análise com a seguinte consideração, de Claval
(2011),
fazer da Geografia uma análise da experiência humana é voltar-se para a
maneira como o indivíduo toma consciência daquilo que é através dos
lugares onde vive, das paisagens que lhe são familiares e daqueles onde se
sentem a vontade, das ruínas que lembram o passado e dos equipamentos
que convidam a olhar o futuro. (p. 237)
107
O autor destaca que a consciência do indivíduo é de grande importância na
formação do lugar, considerando tanto no seu aspecto de memória quanto nos
aspectos dos avanços tecnológicos, que proporcionam maior disseminação da
cultura, espaços afora. Assim, considera-se aqui a fundamental importância de
analisar a vivência dos colaboradores nesse universo da cultura do Boi-Bumbá,
identificando assim as diversas formas de representação no espaço vivido.
5.4. O que desmotiva essa “galera”?
Nos tópicos anteriores foram identificados, através de colaboradores e da
percepção da pesquisadora, as diversas formas de representação que surgem no
espaço em torno da festa do Boi-Bumbá. Como foi analisado, a comunidade
envolvida no festival, os brincantes, os organizadores e os artesãos se entregam de
coração para viver essa cultura e proporcionar para a cidade a alegria de brincar de
Boi.
Mas não se pode deixar de destacar que nos dias atuais essa comunidade
enfrenta inúmeras dificuldades para se estabelecer e fixar essa manifestação
cultural no município. Para compreender melhor de onde vem essa dificuldade de
inserção da Cultura no município é necessário compreender um pouco da trajetória
histórica de Guajará-Mirim.
Até o fim do século XIX, Guajará-Mirim era composta por apenas alguns
seringais, sem grandes áreas de povoamento que pudessem chamar atenção.
Somente a partir da construção da Ferrovia Madeira-Mamoré teve início a formação
de um núcleo de povoamento mais intenso no ponto final da estrada de ferro.
O município foi criado em 1928, pela lei nº 991, e sua instalação do município
ocorreu no dia 10 de abril de 1929. Desde então tentativas de promover o
desenvolvimento da região iniciaram.
Na década de 1970, o Governo Militar estabeleceu metas para ocupar a
região Amazônica, na tentativa incansável de “Integrar para não entregar”, lema
proposto como política de ocupação da Amazônia.
Em mais uma tentativa dos governantes, na busca incessante do
desenvolvimento local de Guajará-Mirim, foi proposto durante o ano de 1988, a Área
de Livre Comércio, como política para desenvolver a cidade e a região. O projeto
108
pretendia fixar um potencial de comércio nessa região, que até então sofria com o
desgaste econômico e também pela perda de competitividade dos produtos
nacionais diante dos vendidos pela Bolívia.
O que se percebe com esse breve resumo são as várias tentativas frustradas
de promover o desenvolvimento regional. Com o fim do 2º Ciclo da Borracha, a tão
sonhada Estrada de Ferro foi fadada ao fracasso e logo parou de funcionar. O
projeto de determinar a região como Área de Livre Comércio também não foi bem
sucedido. O que se observa nos dias atuais é que o preço da mercadoria vendida na
região não supera o do país vizinho, logo os turistas que passam pelo município
seguem direto para a Bolívia, sem realizar nenhuma atividade turística em GuajaráMirim. Como se pode observar nas palavras de nossa colaboradora Rosa Solani
2013:
(...) tem dia que não tem como estacionar no porto com tanto turista, mas
estão todos na Bolívia, quando chegamos na Bolívia é difícil de andar de
comprar com tanta gente, e Guajará? Os turistas não tomam um suco em
Guajará, eles entram no carro e vão embora. Isso é muito triste, ver as
pessoas só passando, passando...
Nossa colaboradora realiza um desabafo, e demonstra a sua indignação em
ver tão de perto o desenvolvimento regional não se concretizar por falta de ânimo da
comunidade.
O município reflete nos dias atuais a falta de estímulo, o desânimo, a
descrença, que ocorre desde as primeiras tentativas impostas para promover o
desenvolvimento na região, e como pode ser observado todas sem grande sucesso.
Alguns grupos de pessoas acreditam que essa depressão existente na
comunidade possa ser sanada com a promoção de estratégias que promovam o
despertar no desenvolvimento, assim como o turismo no município, dessa forma
inserindo novamente o ânimo nessa população. Como exemplo, cita-se o abaixoassinado realizado pela Associação Comercial de Guajará-Mirim, que apoia o
Manifesto Pró-Preservação, Revitalização e Manutenção da Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré, com o trecho desde Guajará-Mirim a Porto Velho. Com a
reativação, espera-se que um maior número de turistas passe a circular pela cidade,
estimulando o comércio da região.
A manifestação folclórica do Boi-Bumbá também conta com essa mesma
estratégia de reanimar a comunidade ao crescimento, a promover o turismo, mas
109
enfrenta grandes dificuldades, pois nem toda a população está envolvida e lutando
pelo desenvolvimento. Durante a realização da pesquisa, nosso contato foi direto
com a comunidade que participa ativamente no festival, isto é aqueles que brincam,
sofrem, choram e se alegram com o seu Bumbá e apenas uma pequena parcela
defende essa cultura. Como pode ser observado na fala da colaboradora Rosa
Solani:
O povo aqui em Guajará é muito quieto pra essas coisas, pacato, tem que
brigar mais, correr mais atrás, só esperar não adianta, é por isso que nos
estamos assim. Dois grupos se reuniram e estão brigando, mas só dois
grupos o azul e o vermelho, só esses dois grupos brigam o restante não tá
brigando pelo Boi, vejo lá em Parintins tem várias torcidas organizadas, ele
pode não esta na arena brincando, mas ele tá brigando, esta participando.
Essa falta de ânimo que ocorre na comunidade pode ser observada desde as
primeiras tentativas de expandir a cultura pela região como mostra a reportagem a
seguir:
110
22
Imagem 03: Recorte de jornal (documento digitalizado) – Sobre a noite da Toada em Guajará-Mirim.
Fonte: Material coletado na Secretaria de Cultura de Guajará-Mirim.- O ESTADÃO 31/06/1997
22
“Flor do Campo” levanta público. A Noite da Toada, evento realizado nessa última sexta-feira, 20,
não surtiu o efeito desejado pela Comissão Organizadora. Apesar disso, nem tudo foi decepção, pois
o público reduzido e a princípio tímido, aos poucos foi se contagiando com o ritmo das toadas
lançadas pelos bumbás Malhadinho e Flor do Campo. O malhadinho foi o primeiro a apresentar-se e
o público quase não reagiu, mas ficou maravilhado com as coreografias apresentadas em cada toada
que por sua vez, ganharam destaque com a interpretação de Léo e Mylene Pimentel, acompanhados
pela Marujada e Banda Styllus.
No momento subsequente, o Flor do Campo encheu de vivas a Noite das Toadas, com sua torcida
organizada que gritava: “Ah! Eu tô Maluco! Ah! Sou Flor do Campo!”. Quando Nino começou a cantar
e os guerreiros a apresentar a coreográfia, a galera foi ao delírio, mas o destaque foi para o Pajé, que
encantou com as suas enormes línguas de fpgo. A presidente da comissão Organizadora, Raimunda
Mirta Justiniano Dantas, revelou-se contente com o desempenho dos bumbás, que evoluíram tanto
na dança quanto nas composições musicais: “Acredito que sendo a primeira vez que
desempenhamos um evento dessa natureza no município, o resultado é bastante positivo. Pena que
o nosso público ainda não aprendeu a dar a valorização devida às nossas manifestações populares”.
Apesar do Clima amistoso entre os dois bumbás, pode-se perceber que existe entre os prestigiadores
uma preferência bem distinta e isso dá mais força aos coordenadores para levar em frente esse fazer
que se tornou uma causa pró-cultura.
111
Na tentativa de incentivar a cultura pela região os organizadores passaram a
realizar eventos que pudessem estimular a comunidade a participar mais das
atividades desenvolvidas pelos Bumbás e também arrecadar recursos para
promover as atividades, entre os eventos ocorreu algumas tentativas de realização
da Noite da Toada. Como pode ser observado no primeiro parágrafo da matéria, a
Noite da Toada não surtiu o efeito desejado pelos organizadores, pois a população
esperada não foi atingida, conforme se pode observar através da fala de nossa
colaboradora Rosa Solani (2013) ao afirmar que,
Quando a festa era pequena, nos íamos pedir patrocínio nas lojas, fazíamos
feijoada, noite da toada, fizemos até a quarta noite da toada, depois
desistimos por falta de estimulo, cansei de chegar nas lojas com meu
projetinho, informando que iria ter a noite da toada e as pessoas mandavam
eu procurar o que fazer, chamavam de doida, falando que isso não iria pra
frente, que só tinha cachaceiro, falavam pra eu me envolver em outra coisa
que isso não iria pra frente, eu sempre afirmando que iria dar certo sim, que
mais na frente eles iriam ver dar certo.
Observou-se que as tentativas de desenvolver a cultura na região foram
inúmeras, não faltaram esforços por parte dos fundadores e organizadores:
O festival foi crescendo aos poucos, íamos pra rádio pedir apoio e em nível
de Guajará foi muito bom, mesmo sendo pequeno o apoio, fomos
trabalhando sempre com o pé no chão, em cima daquilo que nos tínhamos,
aquele pouco que a gente tinha era com o que nos trabalhávamos. (SOLANI
2013)
Durante esses dezoito anos de festival, foram muitos os desafios e pouco a
pouco a cultura foi ganhando espaço. Até o ano de 2012 o festival contou com
recursos do Governo do Estado, de fundamental importância para a sua realização,
como pode ser observado:
As empresas maiores passaram a dar um apoio maior, o governo passou a
dar um valor maior e em três anos nos crescemos tanto que nem a gente
estava acreditando que era possível. Quando nos entramos na arena em
2009 que nos olhamos em volta, ficamos de boca aberta, eu pensei: “não
acredito que nos fizemos tudo isso”, nos não acreditávamos, era tudo tão
lindo pra nos, pois nos nunca tínhamos tido recurso pra tudo aquilo, foi
muito bacana. Em 2010, minha Nossa Senhora, que coisa linda, nós
tivemos condições de trazer tudo aquilo pra arena, nos já tivemos acesso as
lojas em São Paulo, que vendia material de primeira, eu já sabia quais eram
as penas pra usar nas tribos, nos destaques (risos).(SOLANI, 2013)
O Festival Folclórico atingiu seu ponto máximo no ano de 2010, quando os
empresários locais passaram a se envolver na manifestação, pois visualizavam um
retorno cada vez maior para o comércio local durante o período festivo.
112
Neste ano de 2013, o Festival Folclórico passa por grandes dificuldades, pois
o Governo do Estado determinou que não seriam liberados recursos financeiros para
as agremiações realizarem a festa. Essa atitude despertou grande tristeza na
comunidade envolvida,
Agora o que entristece é saber que durante esses quinze anos de trabalho,
o festival no seu 18º festival, e ouvir o governador dizer que não irão mais
apoiar, que nos vamos andar com as próprias pernas, que o Governo do
Estado não vai mais apoiar, o município não apoia, isso nos entristece,
porque o Festival trouxe beneficio pra nossa cidade em todos os sentidos,
não é só na época do Festival, mas a partir do mês de junho as pessoas já
começam a ligar pra marcar a sua hospedagem e os hotéis já começa a
ganhar (...). As lanchonetes também ganham, o taxista, o moto-taxi, um mês
antes do Festival já dá de ver como a cidade fica, quando começa a chegar
perto do Festival você percebe que o movimento é bem maior, uma semana
antes nos ficamos bem agitados, o pessoal se programa mesmo, pra vir no
mês de agosto pra cá, pegam suas férias e vem pra cá. Você já pensou se
isso termina? Que tristeza pra Guajará, porque na minha visão é o único
evento que é geral, que movimenta um trabalho pra todos. Na minha visão,
eu sinto muita falta da participação da comunidade, a comunidade teria que
participar mais, se a comunidade participasse mais esse Festival estaria
bem melhor, a discussão seria bem melhor, porque a comunidade estaria
envolvida. (SOLANI, 2013)
Com essas considerações, observa-se que a cultura passou a ter outro
sentido e passa a se tornar um bem de consumo. A cultura deixa de ser importante
por si mesma, para ser importante por suas funções econômicas. Nesse sentido
nossa colaboradora ainda expõe que em Guajará-Mirim,
(...) o comerciante não tem visão, eles têm que ter visão, não é porque eles
não estão lá na arena brincando de Boi que eles não possam participar do
festival também. Quem tiver trabalhando em qualquer setor, esta fazendo
parte também do festival. (SOLANI,2013)
Percebe-se que a visão de crescimento do município em função do Festival
Folclórico está somente na visão das pessoas que vivenciam essa cultura e
acreditam que o evento possa mudar a história da cidade, com a mesma proporção
que aconteceu em Parintins-AM.
Atualmente, sem o apoio do Governo do Estado, o Festival Folclórico enfrenta
uma difícil realidade, que é se erguer sozinho e andar com as próprias pernas. Essa
tarefa torna-se cada vez mais difícil, pois a comunidade não se integra dessa
responsabilidade. O que se observou durante a pesquisa é que somente as
agremiações dos Bumbás estão envolvidas e lutando pra realizar mais um festival.
Rosa Solani faz um desabafo e demonstra o seu maior medo diante dessa situação:
113
Não sei como será, eu me pergunto como será daqui pra frente, será que
vai virar mais “Guajará já teve festa de Boi-Bumbá”, vai ter só alguns
vídeos, eu fico triste, não é por falta de busca de trabalho não, porque nós
estamos buscando, batalhando, correndo atrás estamos trabalhando,
quando chega a época do festival a gente trabalha coloca o Boi na arena do
jeito que a gente quer. Com essa agora que nos não vamos mais ter apoio
eu não sei mais.
O nosso medo é que eles digam que nós não vamos fazer esse ano, que
vão deixar pra fazer só ano que vem, o meu medo é que nunca mais
aconteça se cair um ano como que vai levantar o outro ano? Como que vai
recomeçar? Eu já comentei com a equipe, que nos temos que fazer de tudo
pra fazer o festival, mesmo que não tenha ajuda, vamos fazer com o que
tem, qualquer coisa começamos da metade, se não der, vamos fazer com
menos da metade, o que não pode é deixar acabar. (SOLANI, 2013)
A população de Guajará-Mirim precisa unir forças nesse momento de
dificuldades e acreditar que essa cultura vai promover muitos benefícios para a
cidade. Somente com a participação de todos essa história pode mudar,
proporcionando um novo recomeço. A data em que ocorre o festival passou de
agosto para outubro somente esse ano, pois as agremiações ainda lutam para
realizar uma belíssima festa, assim como nos outros anos.
114
CAPITULO VI
IMAGENS E DIÁLOGOS QUE NASCEM COM A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA
Foto 34: Apresentação do bumbá Flor do Campo, chegada da cunhã poranga.
Fonte: GOMES, Ednart. 2011.
115
Foto 35: Entrada da cidade de Guajará Mirim em 2012, durante a festa do Boi Bumbá.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
Foto 36: Entrada da Cidade de Parintins-AM, em 2012,durante a festa do Boi Bumbá.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
116
Foto 37: Porto de Guajará Mirim – 1.
Fonte: Acervo do Jornal/O Mamoré, 2011
Foto 38: Porto de Guajará Mirim – 2.
Fonte: Acervo do Jornal/O Mamoré, 2011
117
Foto 39: Loja no município de Parintins-AM.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
Foto 40: Comércio em calçadas de Parintins/AM.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
118
Foto 41: Banco Bradesco, na versão Azul e Vermelho, município de Parintins
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012.
Foto 42: Creche municipal de Guajará Mirim, caracterizada com as cores dos bumbás.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
119
Foto 43: Parte interna do bumbódromo de Guajará Mirim, área dos camarotes.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012.
Foto 44: Parte interna do bumbódromo de Parintins, galera Caprichoso.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
120
Foto 45: Os Tuxauas sendo transportados até o bumbódromo, Guajará Mirim.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
Foto 46: Os Tuxauas sendo transportado até o bumbódromo, Parintins.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
121
Foto 47: Rodoviária de Guajará Mirim, representando as cores dos bumbás, durante o festival folclórico
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
Foto 48: Orelhões telefônicos de Parintins.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
122
Foto 49:Avenida 15 de Novembro, com as calçadas pintadas em azul e vermelho, durante o festival em Guajará Mirim.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
Foto 50: Ruas decoradas, durante o Festival de Parintins
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
.
123
Foto 51: Tuxauas em processo de elaboração em Guajará Mirim.
Fonte: GOMES, Ednart. 2011.
Foto 52: Alegorias sendo transportadas pelas ruas de Parintins.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
124
Foto 53: Ensaio da Batucada (Flor do Campo) em Guajará Mirim.
Fonte: GOMES, Ednart. 2011.
Foto 54: Ensaio do Pajé em Guajará Mirim
Fonte: GOMES, Ednart. 2011.
.
125
Foto 55: Torcida organizada do Caprichoso elaborando os artefatos que anima a galera azul em Parintins.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
Foto 56: Venda de artefatos do Boi em frente as residências em Parintins.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
126
Foto 57: Alegoria em construção no bumbódromo de Guajará Mirim - 1.
Fonte: GOMES, Ednart. 2011.
Foto 58: Alegoria em construção no bumbódromo de Guajará Mirim - 2..
Fonte: GOMES, Ednart. 2011.
127
Foto 59: Arquibancada do Boi Flor do Campo, durante o festival em Guajará Mirim.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2011
Foto 60: Arquibancada do Boi Malhadinho, durante o festival em Guajará Mirim.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
128
Foto 61: Boi Flor do Campo em evolução no bumbódromo de Guajará Mirim.
Fonte: GOMES, Ednart. 2011.
Foto 62: Alegorias durante a apresentação dos bumbás em Guajará Mirim.
Fonte: GOMES, Ednart. 2011
129
Foto 63: Galera do bumbá Garantido em Parintins.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
Foto 64: Apresentação do Bumbá Garantido em Parintins
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
130
Foto 65: Animadora de torcida e galera do bumbá Malhadinho durante o festival em Guajará-Mirim.
Fonte: Acervo do Jornal/O Mamoré, 2012
Foto 66: Evolução da Sinhazinha da Fazenda durante o festival em Guajará-Mirim.
Fonte: Acervo do Jornal/O Mamoré, 2012
131
Foto 67: Apresentação do Bumbá Caprichoso em Parintins – 1.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
Foto 68: Apresentação do Bumbá Caprichoso em Parintins – 2.
Fonte: CUNHA, Ananda. 2012
132
Foto 69: Apuração das notas no bumbódrámo de Guajará Mirim – 1.
Fonte: GOMES, Ednart. 2011.
Foto 70: Apuração das notas no bumbódrámo de Guajará Mirim – 2.
Fonte: GOMES, Ednart. 2011.
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Finalizando com um diálogo sobre o Boi Bumbá
A narradora, Rosa Solani é funcionária Pública, nascida em Guajará-Mirim,
vive a história do Boi desde o ano de 1998, como organizadora.
Fui convidada pela dona Georgina, fundadora do Boi Flor do Campo, para
participar do brincar de Boi, quando cheguei pra morar no bairro Tamandaré, eu nem
sabia que nos tínhamos dois Bois, pra você ver como não tinha nem propaganda.
Era um Boi de rua, eu já tinha brincado de Boi de rua quando tinha 12 anos, no Boi
da dona Gregória, mas foi coisa de criança, sem compromisso, brinquei por um ano,
apresentando o Boi de porta em porta, depois disso passou, não tive mais noticias.
Eu nem sabia que ainda tinha Boi em Guajará, mas tinha o Boi de rua da dona
Georgina e o Boi do Léo, o Boi da dana Gregória já tinha acabado.
Quando mudei pro Bairro Tamandaré, soube que tinha o boizinho, minhas
vizinhas brincavam, seus parentes também brincavam e me convidaram pra
conhecer o Boi, eu perguntava mais que Boi? Elas respondiam que era o Boi da
dona Georgina. Eu perguntei: mas aqui no Tamadaré tem Boi? Minhas vizinhas
perguntaram se eu não sabia do Boi, eu nunca tinha ouvido falar. Me convidaram
pra ir no ensaio, quando cheguei lá me apresentaram pra Dona Georgina, falando
que eu era a Rosa, que tinha ido pra ajudar no Boi. A dona Georgina logo foi falando
que precisava de alguém pra ajudar, perguntou se eu podia ajudar com os
documentos, com a inscrição dos brincantes, com o alvará? Eu disse que podia sim
ajudar, ela falou que eu seria a secretária dela.
Eu não entendia nada, não sabia o que era uma pena, era pena de peru,
pena de pato, pena de galinha, pena de ganso, não entendia nada, não sabia nada
de Boi, não sabia como vestir uma fantasia. Paulo Menda que já era artesão da
dona Georgina, foi com quem eu me aproximei pra fazer os roteiros de
apresentação, não existia lendas, era só apresentação dos itens, ninguém sabia o
que representava aquilo.
Então eu comecei a descrever, a criar uma lenda pra cada item. Eu chegava
na dona Georgina e perguntava da dona Georgina o que representava Rainha do
Folclore? Ela me respondia que era a rainha das matas, mãe que protege as matas,
134
a mãe do Folclore, que conduz tudo isso, guia os bichos, é como se ela fosse uma
Deusa. Então eu pensei em criar alguma coisa em cima disso, um contexto
explicando o que representa a rainha do folclore. E o estandarte, a moça que vem
com o estandarte, o que quer dizer essa bandeira? Ela respondeu que a estandarte
vem representando as cores do Boi, as cores vermelho e branco, é ela que traz a
bandeira do Boi, ela representa essa nação inteira. A cunhã poranga? O que quer
dizer cunhã poranga dona Georgina? O que representa? Ela respondeu que é a
índia mais bela da aldeia, é a índia guerreira que luta pela tribo dela, ela que protege
a aldeia, já fui pensando em criar o contexto da cunhã poranga. Continuei
perguntando, o que significa o Pajé? Ele é o curandeiro, o chefe das tribos, ele que
faz a cura quando tem um índio doente, com a pajelança, é ele que entende de
todos os remédios que vem da natureza. E assim foi, e o amo do Boi? Quem é o
amo do Boi? O que representa, o que significa o amo do boi? E o índio? O que tem
haver o índio? E a dona Georgina foi me explicando que é uma história, que o amo
do boi é um fazendeiro muito rico que tem uma filha linda, que tinha uma fazenda
enorme de Boi, que nessa fazenda tinha um boi amado pela filha, um boi muito
lindo, o fazendeiro tinha um capataz, o nego chico que tinha a sua mulher que
estava grávida, que teve um desejo de comer a língua do Boi, queria porque queria
comer a língua do Boi, Nego Chico foi lá e matou o Boi, a Sinhãzinha ficou triste,
adoeceu. O amo do Boi falou pro nego Chico que ele tinha que dar conta do Boi, de
ressuscitar o Boi dele, foi quando o nego chico chamou o Pajé pra vim curar o Boi.
Eu fui montando toda a história, que antigamente não tinha, era só
apresentação dos itens. Em cima disso eu fui pensando que estava faltando mais
coisas, a Cunhã poranga é quem? E vem representando quem? defendendo o que?
Assim nos fomos inserindo as lendas, a lenda do boto, a lenda da cobra grande, a
lenda do beija flor, cada item passou a ter a sua lenda. As tribos nos demos nomes,
antes elas tinham o nome Muirapinima, era Munduruku, tribos lá do Pará, do Mato
Grosso, foi quando eu falei: Dona Georgina nos estamos contando a história do
nosso Boi que é de Guajará, trabalhando em Guajará, nada mais justo a gente trazer
as nossas tribos, o nome das nossas tribos de Guajará. Já tinha as tribos Karitiana,
Pakaa, Canoé, que são daqui, mas outras eram de outros Estados e aos poucos a
gente foi mudando, hoje a gente já trabalha com os nomes das tribos daqui, as
histórias e lendas daqui, porque a gente conhece mais e sabe que realmente
135
acontece, sabemos como nossas tribos vivem, plantam, dormem. Não tinha porque
ficar contando as histórias de outras regiões, sendo que nos temos aqui, procuramos
sempre trabalhar o contexto regionale nos fomos crescendo aos pouquinhos, fomos
dando vida ao nosso Boi, a partir disso as pessoas começaram a participar mais,
começamos também a ir à rádio pra fazer divulgação.
O Boi começou a se apresentar no clube da Polícia Militar-PM, devido ao
grande esforço do Coronel Deserte, na época trabalhava aqui, que nos apoiou
muito, foi uma pessoa que abriu os braços, tanto no comando da Polícia Militar no
Festival, como apoio em estar lá fazendo parte dos jurados, da coordenação
também fez parte. Outra pessoa que muito ajudou foi o Delegado Oliveira que
buscou patrocínio junto com a gente, conseguiu muita coisa, tanto ele quanto a
esposa dele, ele era Flor do Campo ela era Malhadinho, mas os dois juntos não
tinha discussão, nos ajudaram muito, principalmente nos anos de 2005, 2006.
O festival foi crescendo aos poucos, íamos pra rádio pedir apoio e em nível de
Guajará foi muito bom, mesmo sendo pequeno o apoio, fomos trabalhando sempre
com o pé no chão, em cima daquilo que nos tínhamos, aquele pouco que a gente
tinha era com o que nos trabalhávamos.
Quando chegou 2006 2007, já vieram o pessoal de Porto Velho, com a mídia,
como a televisão e a rádio, que já começaram anos apoiar em questão de
divulgação. Os grupos de Boi Bumbá Porto Velho, vieram em 2008 e 2009 para nos
apoiar na questão de pessoal, pois nos tínhamos pouca gente, além de ir à rádio
convidar a população para dançar, nos anunciávamos: Venham, venham dançar,
chamávamos os adolescentes as escolas, só que era tão pequeno, tinha a estrutura
tão pequena, que as pessoas tinham vergonham de vir dançar, falavam assim: Ah
eu queria dançar, mas eu tenho vergonha! Ai eles não vinham, fazíamos de tudo e
não vinham. Depois que começou a ser mais divulgado e os grupos de Porto Velho
vieram nos ajudar, a população daqui passou a ter outra visão, até porque as roupas
eram pobrezinhas e as pessoas ficavam desanimadas, mas quando começou a
melhorar um pouquinho mais nas roupas, colocar umas coisinhas a mais e enfeitar,
foi que a população passou a se interessar mais, as coreografias também ajudaram
bastante, antes eram só dois pra lá dois pra cá, a gente começou a colocar passos
novos, assim a comunidade passou a frequentar mais e o Boi começou a crescer,
não demorou o Boi já tinha 150, 200, 250, 300, 400 brincantes, já vinha bastante
136
gente de Porto Velho, que me procuravam pra dançar, pra guardar a vaga, nos
sempre encaixávamos as pessoas e o Festival foi crescendo, iniciando a divulgação
dentro do Estado todo, começaram a vir comitivas, as pessoas começaram a se
organizar, essas comitivas vem de Ji-Paraná, Vilhena, Cacoal, Porto Velho... A
gente começou a receber em 2008 uma base de dezoito ônibus, sem contar carro
particular, que venham programado só pra assistir o Festival.
O Boi passou a ser conhecido internacionalmente também, vinha gente até
dos Estados Unidos, no ano de 2011, veio uma repórter de Londres, chamada Maria
Luísa, ela fez uma matéria e publicou na BBC News, quando ela veio, ela me deu o
endereço e eu acessei a reportagem, ela fez um trabalho muito bonito, disse que iria
publicar um livro, pois gostou muito.
Até aí a gente trabalhava só na casa da dona Georgina, o barracão as
fantasias, tudo era trabalhado ali e também na minha casa, só que cresceu tanto
que nós não tínhamos condições, tivemos que abrir espaços, dividir tarefas, nos não
tínhamos muita gente na organização, era eu, o Paulo e outros, lembrando que não
era pago, nos trabalhávamos de graça, não tinha como ter pagamento, o único que
recebia um cache era o Paulo, mas o restante todos trabalhava de graça, eu tinha
minha equipe aqui, a irmã do Paulo, Rose também ajudava, confeccionava as
fantasias na casa dela, mas sem pagamento. Nós viemos começar a receber a partir
de 2008, foi bem pouco, sem compromisso. Os contratos começaram a partir de
2009, depois que as propostas do governo começaram a aumentar, mediante ao
valor que era repassado nos já fazíamos um contrato. O artesão de alegoria
também, ele sempre foi pago porque ele não era daqui, tinha que mandar buscar
fora, ele sempre teve o contrato dele, mas o restante realizava o trabalho com amor
e carinho pro Boi alavancar e assim foi indo. As empresas maiores passaram a dar
um apoio maior, o governo passou a dar um valor maior e em três anos nos
crescemos tanto que nem a gente estava acreditando que era possível. Quando nos
entramos na arena em 2009 que nos olhamos em volta, ficamos de boca aberta, eu
pensei: “não acredito que nos fizemos tudo isso”, nos não acreditávamos, era tudo
tão lindo pra nos, pois nos nunca tínhamos tido recurso pra tudo aquilo, foi muito
bacana. Em 2010, minha Nossa Senhora, que coisa linda, nós tivemos condições de
trazer tudo aquilo pra arena, nos já tivemos acesso as lojas em São Paulo, que
vendia material de primeira, eu já sabia quais eram as penas pra usar nas tribos, nos
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destaques (risos). Então hoje nós já temos toda essa sabedoria, de tudo, de como
funciona, de como podemos trabalhar, do que pode sair mais caro ou mais barato,
hoje nos já temos todo esse acesso. Agora o que entristece é saber que durante
esses quinze anos de trabalho, o festival no seu 18 festival, e ouvir o governador
dizer que não irão mais apoiar, que nos vamos andar com as próprias pernas, que o
Governo do Estado não vai mais apoiar, o município não apoia, isso nos entristece,
porque o Festival trouxe beneficio pra nossa cidade em todos os sentidos, não é só
na época do Festival, mas a partir do mês de junho as pessoas já começam a ligar
pra marcar a sua hospedagem e os hotéis já começa a ganhar porque já pedem a
metade da hospedagem com medo de perder a reserva, nisso o apartamento já fica
fechado, em meados do mês de junho não tem mais vaga, fora as pessoas que tem
parentes aqui no município e não usam os hotéis. As lanchonetes também ganham,
o taxista, o moto-taxi, um mês antes do Festival já dá de ver como a cidade fica,
quando começa a chegar perto do Festival você percebe que o movimento é bem
maior, uma semana antes nos ficamos bem agitados, o pessoal se programa
mesmo, pra vir no mês de agosto pra cá, pegam suas férias e vem pra cá. Você já
pensou se isso termina? Que tristeza pra Guajará, porque na minha visão é o único
evento que é geral, que movimenta um trabalho pra todos. Na minha visão, eu sinto
muita falta da participação da comunidade, a comunidade teria que participar mais,
se a comunidade participasse mais esse Festival estaria bem melhor, a discussão
seria bem melhor, porque a comunidade estaria envolvida. O que não acontece aqui,
nos conseguimos ver em Parintins, a comunidade se compromete com o Festival,
não só com o Festival ela se compromete com Parintins o ano inteiro, o que Guajará
Mirim não faz, não se compromete com o Festival, não se compromete com o seu
Boi, com a sua comunidade, o que nos conseguimos ver é alguma coisa nas
páginas de relacionamento, algumas discussões sobre o Festival, mas não tem
aquele compromisso que eu vi em Parintins, quando saia nas ruas pela manhã em
direção ao Bumbódromo, observei uma pessoa colocando uma caixinha de som com
uma televisão, tocando o DVD do Boi, de frente pra rua pra quem está passando vê
que aquela casa esta ligado no festival, do lado da TV tem uma caixa térmica com
refrigerante que acompanha o pastel, o vizinho já coloca um churrasquinho, o outro
lá na frente tem uma barraquinha com venda de Cocar, pulseiras, o outro tem uma
bicicletinha pra transportar os turistas, ou seja toda a cidade está comprometida, a
comunidade não está só dentro da arena, pra aparecer que é do Boi, azul ou
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vermelho, a comunidade não quer saber disso não, ele quer saber se está fazendo
parte em alguma coisa, se ele está envolvido.
Quando chegamos a Parintins nós não vemos nenhum barco amarelo ou
preto, o que você vê são os barcos azul e vermelho, a bandeira do azul e a bandeira
do vermelho, quando chegamos lá todos já estão com a sua camiseta, embora a
metade da cidade seja azul e a outra metade seja vermelha, nós nem sentimos isso,
nos sentimos o compromisso de todos estarem envolvidos, não importa em que Boi.
Observamos as pessoas saírem de suas casas, ficando só em um quartinho pra
poder alugar o restante do imóvel, quando nós fomos pra lá nesses dois anos
passados, a pessoa que alugou a casa, ficou em um só quartinho e alugou o
restante, além da dona da casa levantar cedo pra fazer um café da manhã pra
gente, por quê? É um compromisso, ela está participando, ela não chegava a ir ao
bumbódromo assistir, acompanhava tudo pela televisão. É o que eu sinto falta em
Guajará, nos não temos o compromisso da prefeitura, do poder municipal, eu acho
muito falho, eu sei que não tem dinheiro, mas poderia apoiar mais, o comércio aqui
não tenho o que falar muito, porque a gente vê que não tem muita condição de
apoiar com a questão de patrocínio, as empresas são pequenas, mas poderia ajudar
de outra forma enfeitando a sua loja, se comprometendo também com as cores, isso
não é só questão de dinheiro, é questão de visão também, quando as pessoas
chegam a Guajará e observam tudo enfeitado, pintado, decorado, elas ficarão
surpresas, admiradas, e é isso que eu não sinto aqui no município hoje e isso me
entristece muito, acho que deveria ter mais envolvimento, mas eu não desisto, se
depender da gente da nação vermelha e branca nos vamos trabalhar arregaçar as
mangas e trabalhar. O Flor do Campo tem uma equipe boa que não deixa a desejar
em nada em relação a Parintins, por exemplo as criações de nossos artistas, desde
o item número um ate o vinte e dois, não deixa a desejar em nada, a gente pode
comparar as fantasias daqui e de lá, não tem muita diferença.
É emocionante, depois do festival pegar as fotos pra olhar, é difícil de
acreditar que todas aquelas peças desmontadas se transformaram naquelas lindas
fantasias e alegorias, se a gente mostra as fotos pra uma pessoa que nunca veio
assistir, que vê a cidade bem pacata, elas não acreditam que aqui em Guajará tem
esse evento. Muita gente que visita a cidade, param pra observar e tirar foto das
alegorias que ficaram no bumbódromo depois do festival, os turistas se sentem
139
atraídos pela grandiosidade das alegorias, eles perguntam se aqui em Guajará tem
isso, elogiam o trabalho, querem saber quem confeccionou, as pessoas que vem de
fora não conhecem o festival e se admiram pela cidade ser tão pequena e possuir
uma atividade tão bonita. Quem chega e olha hoje não acredita que tenha uma
atividade dessa, mas tem. Mas a que custo isso acontece? Acontece pela nossa boa
vontade sacrifício das duas entidades envolvidas, as duas nações que brigam a
muito tempo pelo festival e que não querem ver acabar.
A pouco tempo depois do festival, em setembro eu vi uma reportagem no
jornal “O Mamoré”, que me deixou muito triste, pegaram as fotos das alegorias
colocaram na matéria e começaram a falar que era com isso que o governo gastava,
que as alegorias ficavam jogadas no meio da chuva e do sol, que os Bois tinham
que ter um lugar pra guardar, por ser dinheiro público. Eu fiquei muito triste porque
era a comunidade falando, foi onde eu explique que a culpa não era nossa do Boi,
nos estávamos pedindo apoio desde o começo do Festival.
É cultura, a população reclama que deveria ser gasto com a saúde, com a
educação, mas é bem claro na constituição que o Estado tem que dar condição pra
educação, pra saúde, pro lazer, pra cultura, pra moradia, então cada um tem o seu
quinhão ali dentro, a saúde tem o quinhão dela, a educação tem a verba dela, seus
secretários que briguem pelo quinhão delas, a cultura tem a verba dela pra
desenvolver, o lazer no esporte tem o quinhão dele, todos tem espaço, cada um
briga pelo que acha que deve, eu brigo pela Cultura, a minha colega briga pela
saúde, a outra colega briga pela educação e cada um tem que respeitar a parte do
outro, mas não, jogaram na matéria que não, e eu acho errado, não esta certo fazer
isso.
Se nós não temos ainda nosso espaço, não é por culpa nossa. Nos estamos
brigando pelo bumbódromo desde 2001, quando a gente começou a subir um
pouquinho, a gente também começou a brigar pelo bunbodrámo, quiseram dar uma
área próximo ao quartel e não podia por ser área militar, queriam ceder uma área
perto da UNIR e também não deu certo e na época o antigo prefeito, Pilon,
conseguiu doar aquela parte que estava alagada e sem uso, o deputado Hamilton
Casará, conseguiu uma verba da parte da emenda dele junto com o próprio Valdir
Raupp que hoje esta nos doando mais uma verba pra construção dos barracões no
140
valor de dois milhões e quatrocentos reais, que é pra gente guardar nosso material,
guardar aquelas alegorias tem que ter os barracões.
Então, nos estamos brigando desde 2001, foi feito o projeto, fomos correr
atrás de verba em Porto Velho, o Governador Ivo Cassol veio, juntamente com o
Deputado Hamilton Casará e do Valdir Raupp, a gente conseguiu fazer parte do
bumbódromo, uma parte da verba voltou porque passou o tempo, nós sabemos que
tem um prazo pra cumprir, se não cumprir ela volta, e uma parte voltou, só uma foi
utilizada. Assim eles ficaram de cada ano fazer uma parte do bumbódromo, mas só
prometeram, não saiu do jeito que combinou, aquilo que tá lá no bumbódromo é só a
primeira parte do projeto. Já estamos em 2013 e agora que vai sair essa verba pra
construção dos barracões, já se formou uma briga devido a especulação em torno
dos espaços doados, e o dinheiro está lá correndo o risco de perder, porque já era
pra ter começado, pra que esse ano já seja usado esses barracões. O projeto dos
dois barracões é tão lindo, tem o seguimento com camarins, com espaço para os
ensaios, todo aquele espaço vai ser construção, e está nesse impasse, quer dizer, o
apoio é muito lento, a gente fica brigando é como se a gente tivesse dando murro
em ponta de faca, e não é culpa dos Bois, eu vejo as pessoas reclamando que os
Bois abandonaram as alegorias no bumbódromo, mas não é culpa nossa, a gente
trabalha, coloca o brincante na arena. A gente faz essa festa acontecer, mas a gente
faz com o apoio que tem se já tivesse construído os barracões tudo seria melhor,
quando terminasse a festa tudo estaria lá guardadinho, depois era só desmontar
deixar trancado e no próximo festival abrir e começar a trabalhar, modificar o que
tem que modificar. mas cadê? O tempo está passando. Não sei como será, eu me
pergunto como será daqui pra frente, será que vai virar mais “Guajará já teve festa
de Boi Bumbá”, vai ter só alguns vídeos, eu fico triste, não é por falta de busca de
trabalho não, porque nós estamos buscando, batalhando, correndo atrás estamos
trabalhando, quando chega a época do festival a gente trabalha coloca o Boi na
arena do jeito que a gente quer. Com essa agora que nos não vamos mais ter apoio
eu não sei mais.
Eu me apaixonei pela festa, as pessoas perguntam pra mim, o que eu faço
metida em Boi? Falam que eu tenho minha vida, tenho meu emprego, questionam
porque eu encho minha casa de pena, de caixa e me perguntam o por quê de tudo
isso. O que me motiva a participar desde o inicio, é porque eu queria ver isso dar
141
certo na minha cidade, eu quero que der certo, eu quero que tenha o Boi em agosto,
o carnaval em fevereiro, eu quero que tenha a festa do Divino, eu quero que todas
as coisas boas voltem. O que me motiva é ver a coisa crescer, é dar certo, é ver a
minha cidade crescendo, é ver o envolvimento, as pessoas vindo pra cá querendo
participar. É injetar o animo na comunidade, que o visitante não venha visitar a
cidade só pra cruzar pra Bolívia, tem dia que não tem como estacionar no porto com
tanto turista, mas estão todos na Bolívia, quando chegamos na Bolívia é difícil de
andar de comprar com tanta gente, e Guajará? Os turistas não tomam um suco em
Guajará, eles entram no carro e vão embora. Isso é muito triste, ver as pessoas só
passando, passando... Nos somos uma das primeiras cidades do Estado de
Rondônia, uma das mais antigas, considerada a pérola. Então desde o principio,
quando entrei no Boi, foi pra ver a coisa crescer, crescer, crescer... Quando
chegamos a certo patamar, vem um balde de água fria.
Quando a festa era pequena, nos íamos pedir patrocínio nas lojas, fazíamos
feijoada, noite da toada, fizemos até a quarta noite da toada, depois desistimos por
falta de estímulo, cansei de chegar nas lojas com meu projetinho, informando que
iria ter a noite da toada e as pessoas mandavam eu procurar o que fazer, chamavam
de doida, falando que isso não iria pra frente, que só tinha cachaceiro, falavam pra
eu me envolver em outra coisa que isso não iria pra frente, eu sempre afirmando
que iria dar certo sim, que mais na frente eles iriam ver dar certo.
Todo tempo nos ficamos nessa expectativa, que a gente fosse chegar em um
nível que todos tivessem envolvidos, pra melhoria de Guajará, pra desenvolver a
Cultura de Guajará. Então, é todos os anos que eu venho praticando isso,
acreditando, é o que me trouxe ate hoje ate aqui, acreditando. As vezes nos
levamos um choque aqui, outro ali, as vezes a tua ideia não bate com a do colega,
as vezes temos que recuar, outras avançar, as vezes a tua diretoria não quer a tua
ideia, quer prevalecer a ideia dela e muitas vezes quando chega lá na frente a ideia
não dá certo e nos perdemos por um voto a menos, é uma discussão normal, mas
tudo por uma boa causa, que é ver a coisa dar certo, ver o Boi bumbá fluir.
Dona Georgina chegou aqui em 1981, montou o Boi dela também pra ver
isso, e nós passamos a nos unir com ela pra ver também, eu fui pra lá ficar de ombro
a ombro com ela pra ver a coisa acontecer. Conseguimos trazer por dois anos, 2004
e 2005, o cantor Davi Assayag, onde fizemos uma festa muito bacana, no ano
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passado (2012) nos já conseguimos trazer o Sebastião Júnior, agora nossa diretoria
já esta trabalhando pra trazer ele outra vez esse ano. Tudo pra ver a coisa dar certo,
então o que nos motiva, não só a mim, como também os outros brincantes, os
artesões e a diretoria é isso, trabalhar pra funcionar, para Boi funcionar, pra gente
nunca perder essa festa, o festival de Guajará Mirim tem que existir, ele tem que
continuar funcionando.
O nosso medo é que eles digam que nós não vamos fazer esse ano, que vão
deixar pra fazer só ano que vem, o meu medo é que nunca mais aconteça, se cair
um ano como que vai levantar o outro ano? Como que vai recomeçar? Eu já
comentei com a equipe, que nos temos que fazer de tudo pra fazer o festival,
mesmo que não tenha ajuda, vamos fazer com o que tem, qualquer coisa
começamos da metade, se não der, vamos fazer com menos da metade, o que não
pode é deixar acabar.
Todos nós estamos no Flor do Campo porque a gente gosta de brincar de
Boi, a gente chora, briga, esperneia pra brincar, trabalhar pra fazer a coisa
acontecer, é o que nos motiva é isso, a alegria de brincar de Boi, que a gente não
quer deixar morrer, e o medo então? (risos) Eu tenho medo.
Quando faço uma analise em relação a Parintins é bem diferente, primeiro
quando eu bati o pé no porto, queira ou não queria nos começamos a fazer
comparações (risos) começamos a analisar, foi quando olhei aqueles troncos
maravilhosos, parecia que estava entrando em uma aldeia, mas na frente um portal
enorme, simbolizando o “Seja Bem Vindo”, a gente se sente tão feliz, é uma
receptividade. Passamos a pensar que aqui em Guajará Mirim também dá pra fazer
isso, nos temos um portal, por que em vez de ter um portal escrito só seja bem
vindo, nos também não criamos um portal com características do Boi? Colocando
um cocar bem bonito, um Boi branco e um preto, para os turistas, fazer aquela
entrada acontecer. Eu garanto que quando o turista ver ele vai se sentir bem,
empolgado, porque foi assim que eu me senti.
Quando eu cheguei em frente a uma loja que vendia artefatos do azul e do
vermelho, tinha dois Bois imensos de concreto, da de perceber que tudo é voltado
para o festival, tudo gira em torno do festival, a cidade inteira vive isso, o que aqui
nos também deveríamos fazer a mesma coisa, a prefeitura fala que não tem
143
dinheiro, que o município não tem dinheiro, mas pra isso não precisa muito, vamos
fazendo aos poucos, vai melhorando aos poucos.
Parintins não começou de uma vez, eles não fizeram tudo aquilo de uma vez
só, quando a gente chega no correio tem uma pintura indígena na parede, é um
cocar, um lado é vermelho o outro é azul, quando chegamos nos bancos também é
assim, tudo tem a característica, quando chegamos na Marinha, observamos uns
cartazes enormes de seja bem vindo ao Festival de Parintins, até as mensagens
sobre violência, bebida alcoólica no transito, tinha as características do Boi vermelho
e azul.
Esta certo que o Festival de Parintins tem vários anos, mas não começou
assim, começou aos pouquinhos e a gente também podia começar, principalmente
nas avenidas principais. Aqui em Guajará os enfeites do festival é uns TNT cortado
em triângulo, feito umas bandeiras e enfiado no meio da 15 de novembro, parecendo
a sinalização do Detran, isso não é enfeite de Festival.
A questão da alimentação também, a cultura deles é o peixe assado,
caldeirada, peixe frito, servem o tacacá, ou seja, eles colocam pra vender o que faz
parte da cultura deles, aqui nos também deveríamos trabalhar isso, não chegar lá no
bumbódromo e ter churrasquinho pra vender. Tudo isso faz parte da organização.
Nos temos muito que melhorar, em todos os aspectos pra dar certo também,
mas pra isso teria que unir tudo desde o hotel, o empresário tem que ter preocupar
com a boa qualidade, os restaurantes também deveriam tem mais atenção, ao
atendimento a decoração com características do festival.
Aqui o comerciante não tem visão, eles têm que ter visão, não é porque eles
não estão lá na arena brincando de Boi que eles não possam participar do festival
também. Quem tiver trabalhando em qualquer setor, esta fazendo parte também do
festival.
A nossa conclusão é que aqui poderia até acontecer de forma mais rápida,
porque em relação a quantidade de anos nos estamos bem na frente do que
Parintins. Parintins com 20 anos de Boi Bumbá não era comparado a Guajará Mirim
hoje, era inferior. A nossa vantagem é saber como acontece lá, agora é só trazer pra
cá. Hoje com a ajuda da tecnologia o dono de restaurante pode entrar nas páginas
de relacionamento e verificar como é a decoração dos restaurantes lá em Parintins,
144
não é necessário ir até lá. Isso cresce os olhos ate dos nossos deputados,
governadores, em perceber que a comunidade esta participando, que tem interesse,
isso vai com certeza vai atrair os olhares para a região.
O povo aqui em Guajará é muito quieto pra essas coisas, pacato, tem que
brigar mais, correr mais atrás, só esperar não adianta, é por isso que nos estamos
assim. Dois grupos se reuniram e estão brigando, mas só dois grupos o azul e o
vermelho, só esses dois grupos brigam o restante não tá brigando pelo Boi, vejo lá
em Parintins tem várias torcidas organizadas, ele pode não esta na arena brincando,
mas ele tá brigando, esta participando.
145
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização deste trabalho permitiu adentrar em um universo complexo da
subjetividade. Buscou-se encontrar mecanismos que auxiliassem a compreender a
formação do “lugar” e das territorialidades, diante da manifestação cultural do BoiBumbá, que há alguns anos compõem o município de Guajará-Mirim.
A cidade é pacata, florida de ipês cor-de-rosa, violeta e amarelo, além de
mangueiras por toda a parte. Nas ruas, veem-se muitas bicicletas. Guajará-Mirim
passa a ser palco de uma grandiosa manifestação cultural durante o mês de agosto.
A festa do Boi-Bumbá muda a rotina da cidade, estabelece a formação de novas
territorialidades, envolvendo a comunidade, estabelecendo laços afetivos nesse
espaço, atribuindo assim valor ao seu lugar vivido.
Para vivenciar essa manifestação cultural, conseguiu-se estabelecer um
contato direto com a comunidade. Através da experiência em campo e da vivência
com os colaboradores, foi possível obter uma real visão do envolvimento desses
indivíduos com a festa do Boi-Bumbá.
A pesquisa se desenvolveu no campo da Geografia por estar fundamentada
na perspectiva da Geografia Cultural, uma vez que foram analisados os indivíduos
atuando, construindo, se relacionando e vivenciando no seu espaço. Pôde-se, ainda,
identificar e interpretar as diversas formas de representação cultural existentes no
brincar de Boi.
Com o caminho metodológico escolhido e aplicado não ocorreram
dificuldades durante o desenvolver da pesquisa. Pensando a partir da pesquisa
participante, foi possível conviver com o grupo em análise, registrando diálogos, e
realizando a aplicação de mapas mentais como ferramenta para a compreensão do
lugar vivido.
Baseou-se a pesquisa no conceito de Espaço Vivido, que permitiu observar e
compreender tudo que envolve a comunidade, principalmente as relações que os
grupos de Bumbás determinam no território.
A compreensão desta manifestação cultural está refletida através do contato
com os colaboradores, que contribuíram de forma direta com o trabalho, seja por
146
meio de diálogos, de mapas mentais coletados ou de uma simples conversa.
Passou-se, assim, a compreender o lugar a partir dos próprios colaboradores.
Com a pesquisa, foi possível perceber as diversas formas de representação
que surgem na comunidade, principalmente nas proximidades do festival folclórico.
Durante os meses pós-festival, a comunidade adormece, e o único símbolo que
configura a cidade durante esse período é o Bumbódromo, utilizado como depósito
das alegorias. Já com a proximidade do mês de agosto, a Cultura reanima a
população a brincar de Boi.
A maior complexidade da pesquisa está no fato de ter que desvendar a
subjetividade de uma cultura e assim compreender como ela se configura nesse
espaço, principalmente através dos sentidos, das emoções e da afetividade, que
atribui significados ao brincar de Boi.
No início deste trabalho, foram propostos questionamentos, que ao decorrer
da pesquisa foram alcançados. Primeiramente, indagou-se qual a ligação da festa
do Boi-Bumbá com a formação do Lugar em Guajará-Mirim-RO. Atingiu-se esse
objetivo ao realizar o resgate histórico da festa do Boi-Bumbá no município.
Observou-se nos primeiros registros das manifestações folclóricas do
município a influencia do Boi-Bumbá de Porto Velho e do Bumba-Meu-Boi do
Nordeste, devido à forte migração nordestina durante os ciclos econômicos
desenvolvidos na região Amazônica. Hoje, o Boi-Bumbá em Guajará-Mirim-RO
reflete características marcantes de Parintins-AM.
Essas influências foram determinantes na formação do lugar para os que
vivenciam essa cultura e estabelecem laços afetivos no espaço em que vivem e
também para as pessoas que de forma indireta vivenciam essa manifestação, pois
estão inseridos em um mesmo espaço. Essas considerações tornam-se claras
desde as primeiras apresentações de Boi-Bumbá na região, quando um pequeno
grupo formado pelos Bois Estrela e Pai do Campo se prepara para realizar suas
apresentações em frente a residências dos moradores que não estavam envolvidos
na manifestação cultural, mas queriam sentir o que essa atividade proporcionava
aos sentidos.
Com o passar dos anos foi observada certa resistência em fixar e estabelecer
a cultura na região. A luta determinada pelos organizadores foi de fundamental
147
importância para combater a depressão da comunidade e consolidar a cultura nesse
espaço. Até os dias atuais ainda é percebido o desânimo dos moradores em
defender essa cultura, em brigar por espaços e realização do Festival Folclórico.
Mesmo com todas as dificuldades enfrentadas pelas agremiações dos
Bumbás, percebeu-se o crescimento do Festival. Nas primeiras apresentações os
Bumbás continham entre 15 e 60 brincantes. Atualmente os brincantes envolvidos
na apresentação do Bumbá giram em torno de 450 a 500 pessoas, número
significativo para compreender a consolidação da cultura na região.
Aos olhos dos visitantes que não conhecem a cultura e dos moradores que
observam o desenvolvimento da manifestação cultural do lado de fora ou à margem,
sem se importar ou se envolver nas atividades culturais, a única incidência que
representa o Boi-Bumbá em Guajará-Mirim é a parcial construção do Bumbódromo
localizado na estrada da cidade, com aspecto de abandono e descaso, com
alegorias envelhecidas a sol e chuva.
Mas através das diversas formas de representação de quem vivencia essa
cultura, conseguiu-se captar a riqueza de valores que dão sentido a esse lugar. O
espírito cultural do festival está presente em diversos ambientes: nos espaços
destinados a reuniões, nos ateliês de fantasias que funciona nas respectivas casas
dos organizadores, nos espaços destinados à construção de alegorias, nas ruas
próximas as residências dos organizadores, dentro do Bumbódromo e também em
galpões cedidos por empresas privadas. São espaços que envolvem os sentidos dos
que participam, promovendo uma ligação afetiva em cada integrante que se dispõe a
passar dias e noites pra ver o seu Boi vencer na arena.
Como já foi dito no decorrer do trabalho, não é o Boi, artefato de pano, que
movimenta a cultura, mas sim a emoção e o significado que essa manifestação
cultural desenvolve na vida de cada integrante.
O trabalho realizado com os colaboradores foi de fundamental importância
para a realização desta pesquisa. Conseguiu-se, através deles, responder o
segundo questionamento da pesquisa.
Como já foi observado, os colaboradores estabelecem laços emocionais com
a festa do Boi-Bumbá. Sonhos são construídos em torno do brincar de Boi, como o
caso da colaboradora Eriane Santos, que desde sua infância almejava representar o
148
seu Boi na arena como destaque de Cunhã Poranga, para fazer o seu melhor e
brigar pela da vitória. Em outro caso, relatado pelo colaborador Paulo, este afirma ter
sua casa dividida em azul e vermelho, nas cores dos Bumbás ao relatar a
participação dos filhos, cada um pertencente a uma agremiação diferente.
Essa forma de representação dos sentimentos em relação à manifestação
folclórica também pode ser vista na fala da colaboradora Bernadete Deike, ao
afirmar que se sente mais feliz quando chega o período de trabalho referente à festa
do Boi, pois consegue observar sonhos sendo concretizados pelo grupo envolvido,
alegrando-se e transmitindo alegria aos que prestigiam o festival.
Outra ferramenta utilizada para a compreensão da emoção e do pensamento
dos colaboradores desta pesquisa foi a elaboração de Mapas Mentais, que são a
forma de leitura que se faz de mundo, caracterizando-se como uma forma de
representação do mundo concreto observado através do olhar dos colaboradores.
Através dos três mapas mentais percebe-se a composição do espaço diante da
manifestação de Boi-Bumbá. No mapa mental 1, a cultura do Boi-Bumbá marca o
espaço representando uma escola que insere os jovens na cultura, retirando-os da
marginalidade. No mapa mental 2, o colaborador expõe a participação de todos os
elementos que compõem o Festival Folclórico, entre eles a galera, o comércio, a
natureza e os brincantes, destacando como todos os elementos se articulam em
volta do Boi-Bumbá. No mapa mental 3, a colaboradora expõe a representação de
uma lente de câmera voltada para Guajará-Mirim, destacando como a mídia tem se
tornado importante na realização da manifestação folclórica do Boi-Bumbá. Todas
essas representações são fruto do imaginário de cada colaborador, permitindo
compreender melhor como cada colaborador vê a manifestação de Boi-Bumbá no
lugar.
Ao mesmo tempo em que se analisaram os diversos sentimentos inseridos na
manifestação cultural, percebeu-se também o descaso vivido pela manifestação
cultural. Um deles se constata na tão demorada construção do Bumbódromo. Como
parte da primeira etapa, duas arquibancadas foram construídas, e a segunda etapa
continua na promessa de ser concretizada. Neste ano de 2013, o atual governo
estabeleceu que não iria arcar com as despesas realizadas pelas agremiações para
a realização do Festival. Essa notícia abalou as diretorias, que contavam com os
recursos pra realizar a compra dos materiais usados no festival. Esse sentimento de
149
descaso com a cultura produz na população um desânimo que vem sendo
vivenciado desde as primeiras tentativas de promover o desenvolvimento no
município.
Pôde-se analisar na entrevista cedida pela colaboradora Rosa Solani toda a
trajetória de luta, vitórias e descasos que a manifestação cultural vem sofrendo
desde as primeiras atividades desenvolvidas na região.
No caso do Festival Folclórico de Parintins, a realidade é diferente, os
Bumbás não contam com a ajuda financeira do Governo do Estado. A festa já é
autossustentável, pois realiza contato com vários grupos que patrocinam a festa e
divulgam sua respectiva marca pelo Brasil afora através do Festival.
Durante o Festival de Parintins-AM, foi possível com muita facilidade a
formação de laços afetivos com a formação da manifestação cultural. Notou-se
através das imagens fornecidas no capítulo IV, que praticamente todas as casas
possuem representação do brincar de Boi. São pinturas, comércios instalados nas
portas das residências, varais repletos de roupas nas cores azul e vermelho,
mostrando que cada morador vivencia e prestigia o festival dentro do seu cotidiano.
Com o trabalho de campo realizado no município de Parintins, foram
coletados que ajudaram a compreender esse universo. Foram feitas interações com
famílias que trabalham juntas em prol da cultura, gerando seu sustento e
defendendo a bandeira do seu Boi com garra.
Guajará-Mirim ainda necessita do apoio financeiro do Estado. Nesse primeiro
ano de realização do festival sem recursos do Governo, as agremiações encontram
diversas dificuldades em suprir as necessidades de elaboração da festa,
principalmente porque ainda são dependentes dos coreógrafos e artesãos de outros
estados. Essa prestação de serviço possui alto custo e será difícil arcar com isso
sem a possibilidade de receber recursos do Governo do Estado.
Essa necessidade que as agremiações possuem de buscar suporte em
profissionais de outras regiões como Parintins-AM e Juruti-PA reflete a falta de
preparação do Estado em atender essa demanda. A população acaba não tendo a
preparação necessária para atender as expectativas do público e consequentemente
as agremiações buscam suprir tal necessidade selecionando pessoas de outras
localidades, que possam ajudar a realizar um belíssimo festival.
150
Em Parintins-AM a festa do Boi-Bumbá estabelece uma relação com a
Universidade Federal do Amazonas, na intenção de estabelecer vínculos entre os
artistas que ajudam a idealizar a festa e os acadêmicos do curso de Artes da
Universidade,
promovendo
assim
uma
relevante
troca
de
informações
e
aprendizados que fortalecem o desenvolvimento da cultura do Boi-Bumbá na região.
No presente momento a Universidade Federal de Rondônia também conta
com o curso de Artes Visuais, Teatro e Música. Analisando a Grade Curricular
desses cursos oferecidos, percebe-se que existe a possibilidade de ser feita a
mesma troca de informações que ocorre em Parintins-AM, com possíveis estágios
aos acadêmicos e cursos que possam aprimorar cada vez mais os trabalhos dos
artistas envolvidos na realização do festival no município de Guajará-Mirim-RO.
Nota-se assim como a falta de diálogo entre as duas entidades dificulta o processo
de crescimento e amadurecimento da cultura na região.
Os reflexos dessas atividades só poderiam ser vistos com o passar do tempo.
A tentativa seria uma opção para proporcionar um estímulo a mais nessa
comunidade.
Percebeu-se que a formação da territorialidade surge em diferentes períodos,
podendo ser vista com maior intensidade durante os meses que antecedem o
festival, pois a respectiva comunidade passa a se preparar para receber os
visitantes que prestigiam o festival. O que mais chama atenção são as mudanças
ocorridas no Bumbódromo durante esse período, passando a ganhar novas
características, com a limpeza do terreno, a pintura das arquibancadas, a montagem
das alegorias que passa a ser realizada dentro desse espaço, os camarotes e as
arquibancadas extras completam a formação do espaço.
Outra característica que passa a estabelecer a formação de territorialidades
no município, mesmo de forma tímida, é a movimentação do comércio, que se
prepara para receber o festival, decorando suas fachadas, como forma de atrair o
visitante e vender suas mercadorias, como se pode observar na foto 27, que expõe
a frente da loja Rodão Motos, com decoração em azul e vermelho.
Em Parintins, verificou-se essa mesma característica, mas com mais
intensidade do que em Guajará-Mirim. A figura 2 demonstra como a estratégia
voltada para atingir o cliente é bem elaborada. Foram observados três panfletos
151
informativos de uma empresa que usou a criatividade para elaborar frases como
“Nosso atendimento é Caprichoso” e nosso “Serviço é Garantido”, envolvendo assim
os nomes dos Bumbás para chamar a atenção da comunidade e também do
visitante. O mesmo acontece com empresas de grande porte como a Coca-Cola e
Skol , que investem grande quantidade de recurso para marcar o espaço com as
placas espalhadas pela cidade.
Diante dessas breves considerações, pode-se afirmar que a investigação
sobre as diversas formas de representação no espaço vivido foi de fundamental
importância para a composição deste trabalho. Percebeu-se assim como as
comunidades de Guajará-Mirim-RO e Parintins-AM passam a compor suas
territorialidades nesse espaço vivido pela cultura do Boi-Bumbá.
O município de Guajará-Mirim vivencia um processo de mudança em relação
à sua manifestação cultural da Festa do Boi-Bumbá. Os grupos estão passando por
um novo redimensionamento. São novas diretorias assumindo e também novas
estratégias de sustentabilidade que estão sendo criadas para manter os Bois na
arena. Assim surgem novas indagações: De que forma o Boi-Bumbá de GuajaráMirim pode enfrentar os problemas de sustentabilidade? Até que ponto essa
manifestação cultural depende do poder público? Quais propostas, projetos
poderiam ser desenvolvidos para fomentar a participação mais ativa da população
na manifestação cultural do Boi-Bumbá? A partir desse trabalho, há muito que se
investigar. Além desses pontos, há outras questões a serem suscitadas, as quais
necessitam de amadurecimento e aprofundamento teórico. Espera-se que este
trabalho seja apenas o início de muitos outros, voltados à manifestação cultural da
festa do Boi-Bumbá na Amazônia.
152
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ananda catrice - Mestrado em Geografia