1 FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA NÚCLEO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM GEOGRAFIA ANANDA CATRICE LIMA DA CUNHA REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NAS BRINCADEIRAS DE BOI-BUMBÁ SOB O OLHAR DA GEOGRAFIA CULTURAL PORTO VELHO 2013 2 ANANDA CATRICE LIMA DA CUNHA REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NAS BRINCADEIRAS DE BOI-BUMBÁ SOB O OLHAR DA GEOGRAFIA CULTURAL Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação Mestrado em Geografia, da Fundação Universidade Federal de Rondônia como requisito para obtenção do título de mestre em Geografia. Orientador: Dr. Josué da Costa Silva PORTO VELHO 2013 3 DEDICATÓRIA Aos Colaboradores, Rosa Solani, Leonilson Muniz, por me mostrarem em suas histórias a real essência de brincar de Boi. A minha mãe Conceição Moraes Lima, por todo amor e atenção que tem dedicado todos esses anos. A toda a “galera” dos Bumbás Malhadinho e Flor do Campo. 4 AGRADECIMENTOS Gostaria de mencionar certas pessoas e instituições que contribuíram para realização deste trabalho. Agradeço, em primeiro lugar, a Deus, pelo dom da vida. Ao orientador Prof. Josué da Costa Silva, pela oportunidade de compartilhar ideias, pela confiança depositada, pela convivência e, sobretudo, pela paciência diante das minhas limitações. A minha mãe, Conceição Moraes, pelo amor e orações que tem dedicado a mim nos momentos de dificuldades e angustias, mesmo sem entender a real e verdadeira importância que esse trabalho traria em minha vida. Ao meu pai, Arnaldo Cunha, que mesmo estando longe nunca deixou de se fazer presente, me ajudou a descobrir que a distância não consegue separar dois corações unidos pelo amor. Aos meus irmãos, Matheus Gabriel Cunha e Ana Ester Cunha, pela imensa alegria que me proporcionam, simplesmente pelo fato de existirem. A Zuilma Cunha, pelo carinho e amor que tem me dedicado desde o primeiro dia que me conheceu. Ao Eduardo Yasuda, pelo companheirismo, pelas contribuições, pelas demonstrações de carinho e respeito, por acreditar e vivenciar junto a realização de um sonho meu. A Rita Moraes, por ter me apresentado a Geografia, por acreditar nas minhas conquistas, pelo apoio nas minhas decisões e principalmente por sempre me incentivar a estudar e cultivar sonhos. Às amigas, Luciane Lopes, Cláudia Oliveira, Mirtilene Lopes e Kelli Carvalho, juntas compartilhamos momentos especiais, pelas palavras de conforto nas horas difíceis. Aos colaboradores da pesquisa, Alysson Bruno e Patrícia Menezes, pela paciência em responder meus questionamentos e pela atenção aos meus pedidos. Meu sincero agradecimento. 5 A Colaboradora Rosilene Borges e André, pelo fornecimento de materiais de fundamental importância na composição do trabalho. A Josimone Martins e sua família, por me recepcionar com tanto carinho no município de Parintins-AM. A todos os colaboradores que de forma direta ou indireta contribuíram com a construção desse trabalho. Aos professores do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Geografia, especialmente, ao Prof. Adnilson Almeida e Prof.ª Maria das Graças Silva Nascimento Silva pelas contribuições no exame de qualificação. Ao Programa de Pós-Graduação Mestrado em Geografia, por ter proporcionado o trabalho de campo em Parintins-AM. A Capes, pelo apoio a realização desta pesquisa. A Secretaria Municipal de Cultura e Turismo – SEMCET- Guajará-Mirim/RO, por contribuir com a coleta de dados desde o ano de 2008. Ao Grupo de Estudos e pesquisas sobre modos de vida e Cultura Amazônicas – GEPCULTURA. 6 RESUMO Este estudo é fruto de pesquisas desenvolvidas, no período de 2008 a 2013, com os moradores do município de Guajará-Mirim, localizado a 340 km da capital do Estado de Rondônia. A pesquisa objetivou compreender as representações nas brincadeiras de Boi-Bumbá, por meio da compreensão de seu universo e a construção dos espaços culturais, sob o olhar da Geografia Cultural Humanista e o método fenomenológico, e tem por intuito analisar as vivências e experiências do ser humano e suas representações culturais. Foram realizadas pesquisas de campo, bem como análise documental e bibliográfica referente a festa do Boi-Bumbá em Parintins/AM e Guajará-Mirim/RO. Foi utilizada como ferramenta metodológica a pesquisa participante, pois nos propiciou uma interação com a comunidade analisada. A expectativa desta pesquisa é contribuir, para compreensão da sociedade brasileira através das diversas facetas da cultura em dimensões espaciais. Os aspectos analisados buscam uma compreensão das vivências, experiências e visão dos grupos sociais que vivenciam essa cultura. Cada grupo interage no espaço de acordo com a sua visão. Assim nosso trabalho irá analisar as diversas formas de representação que cada grupo atribui no lugar em que vivem. Para uma análise mais clara a respeito dos nossos objetivos, realizamos entrevistas e aplicação de mapas mentais na comunidade. Para esta compreensão fizemos uso de alguns conceitos, entre eles representação, Cultura, espaço simbólico e lugar. Esses conceitos nos possibilitaram a compreensão das diversas formas de representação do mundo e suas relações com a construção do lugar. Palavras chave: Representação, Cultura, Boi-Bumbá, Geografia Humanista, Lugar. 7 RESUMEN El presente estudio es resultado de investigaciones desarroladas en el periodo de 2008 a 2013, con los habitantes de Guajará-Mirim-Rondônia, ubicado a 340km de la capital del Estado. La investigación tuvo por objeto, entender las representaciones del “Boi-Bumbá” a través de la comprensión de su universo y la construcción de los espacios culturales, bajo el mirar de la Geografía Cultural Humanista y el método fenomenológico, y há tenido por intento analisar las vivencias, las experiencias del ser humano y sus representaciones culturales. Fueron realizadas encuestas de campo, así como análisis documentales y bibliográficas concernientes a lá fiesta del “Boi-Bumbá en la Amazônia y em Guajará-Mirim-Rondônia. Senutilizó como herramienta metodológica la “investigación comportativa”, pues nos há propiciado una mejor interacción con la comunidad investigada. La espectativa de esta investigación es aportar para la comprensión de la sociedad brasileña por medio de las distintas particularidades de la cultura em dimensiones especiales. Los aspectos investigados buscan um entendimiento de las vivencias, de las experiências y visiones de los grupos sociales que intervienen em esa cultura. Cada grupo interactúa en el espacio según su visión. Así, nuestro trabajo examinará las distintas formas de representaciones que cada grupo atribuye al lugar donde vivem. Para un análisis más claro con respecto a nuestros objetivos, hemos desarrollado entrevistas y aplicaciones de mapas mentales em la comunidad. Para esto, hemos hecho uso de algunos conceptos, entre ellos: representación, cultura, espacio simbólico y lugar. Esos conceptos nos posibilitaron la comprensión de las distintas formas de representaciones del mundo y sus relaciones con la construcción del lugar. Palabras clave: representación, la cultura, Boi-Bumbá, Geografía Humanista, lugar. 8 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro Quadro 01: Itens avaliados no Festival Folclórico de Parintins. 31 Quadro 02: Investigação sobre os Bumbás de Guajará-Mirim/RO. 70 Quadro 03: Breve histórico dos anos de realização do “Festival Folclórico Duelo na Fronteira”. 74 Imagens Imagens 01: Recorte de jornal (documento digitalizado), sobre o primeiro festival folclórico de Guajará-Mirim 73 Imagens 02: Panfletos informativos de uma empresa privada de Parintins-AM. 98 Imagens 03: Recorte de jornal (documento digitalizado) – Sobre a noite da Toada em Guajará-Mirim. 110 Foto: Foto 01: Pintura dos Bumbás Caprichoso e Garantido, realizada em frente de uma residência em Parintins-AM. 18 Foto 02: Boi de Juçatuba na festa junina em São Luís do Maranhão. 21 Foto 03: Fila da galera do Boi-Bumbá Garantido Parintins-AM. 27 Foto 04: Fila da galera do Boi-Bumbá Caprichoso Parintins-AM. 28 Foto 05: Galera do Boi-Bumbá Caprichoso dentro do Bumbódromo em ParintinsAM. 29 Foto 06: Apresentação do Boi-Bumbá Flor do Campo no Festival Folclórico de Guajará-Mirim. 37 Foto 07: Galera do Boi-Bumbá Malhadinho, durante o Festival Folclórico de GuajaráMirim. 52 Foto 08: Panorama do município de Guajará-Mirim, durante o Festival Folclórico de Guajará-Mirim. 64 9 Foto 09: Dona Georgina e Silvio Santos, durante as primeiras apresentações do FEFOPEM. Foto 10: Apresentação do Boi-Bumbá Flor do Campo. 67 68 Foto11: Parceria entre o fundador do Boi-Bumbá Malhadinho (esquerda) e o fundador do Festival Folclórico Aderço Mendes (direita). 69 Foto12: Primeiras apresentações do Festival Folclórico Pérola do Mamoré. 72 Foto 13: Bumbódromo da cidade de Guajará-Mirim/RO 76 Foto 14: Parte da alegoria em construção em frente a residência da fundadora do Bumbá Flor do Campo. 77 Foto 15: Bumbódromo da cidade próximo a realização do festival folclórico. Construção da armação de ferro que estrutura as alegorias 77 Foto 16: Bumbódromo da cidade próximo a realização do festival folclórico. Alegoria em fase de pintura. 78 Foto 17: Bumbódromo da cidade próximo a realização do festival folclórico. Alegoria pronta. 78 Foto 18: Atual situação das alegorias no Bumbódromo de Guajará-Mirim 79 Foto 19: Confecção das fantasias – 1. 80 Foto 20: Confecção das fantasias – 2. 80 Foto 21: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 1 81 Foto 22: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 2 82 Foto 23: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 3. 82 Foto 24: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 4. 83 Foto 25: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 5 83 Foto 26: Apresentação do Boi-Bumbá Flor do Campo, representação do povo indígena Paíter Suruí Festival Folclórico de Guajará-Mirim. 85 Foto27: Grupos indígenas participando dos primeiros Festivais Folclóricos de Guajará-Mirim. 94 Foto 28: Comércio de Guajará-Mirim, decorado com as cores dos Bumbás. 97 10 Foto 29: Cartaz da marca Coca-cola, fixada em poste de energia elétrica. 99 Foto 30: Outdoors da marca Coca-cola de cor azul. 99 Foto 31: Outdoors da cerveja Skol na cor azul. 100 Foto 32: Outdoors da cerveja Skol na cor vermelha. 100 Foto 33: Embalagens da cerveja Skol, representando de um lado a cor azul e no outro lado a cor vermelha. 100 Foto 34: Apresentação do Bumbá Flor do Campo, chegada da Cunhã Poranga. 114 Foto 35: Entrada da cidade de Guajará-Mirim em 2012, durante a festa do BoiBumbá. 115 Foto 36: Entrada da Cidade de Parintins-AM, em 2012, durante a festa do BoiBumbá. 115 Foto 37: Porto de Guajará-Mirim – 1. 116 Foto 38: Porto de Guajará-Mirim – 2. 116 Foto 39: Loja no município de Parintins-AM. 117 Foto 40: Comércio em calçadas de Parintins/AM. 117 Foto 41: Banco Bradesco, na versão Azul e Vermelho, município de Parintins 118 Foto 42: Creche municipal de Guajará-Mirim, caracterizada com as cores dos Bumbás. 118 Foto 43: Parte interna do Bumbódromo de Guajará-Mirim, área dos camarotes. 119 Foto 44: Parte interna do Bumbódromo de Parintins, galera Caprichoso. 119 Foto 45: Os Tuxauas sendo transportados até o Bumbódromo, Guajará-Mirim. 120 Foto 46: Os Tuxauas sendo transportado até o Bumbódromo, Parintins. 120 Foto 47: Rodoviária de Guajará-Mirim, representando as cores dos Bumbás, durante o festival folclórico. 121 Foto 48: Orelhões telefônicos de Parintins. 121 Foto 49:Avenida 15 de Novembro, com as calçadas pintadas em azul e vermelho, durante o festival em Guajará-Mirim. 122 Foto 50: Ruas decoradas, durante o Festival de Parintins 122 11 Foto 51: Tuxauas em processo de elaboração em Guajará-Mirim. 123 Foto 52: Alegorias sendo transportadas pelas ruas de Parintins. 123 Foto 53: Ensaio da Batucada (Flor do Campo) em Guajará-Mirim. 124 Foto 54: Ensaio do Pajé em Guajará-Mirim 124 Foto 55: Torcida organizada do Caprichoso elaborando os artefatos que anima a galera azul em Parintins. 125 Foto 56: Venda de artefatos do boi em frente às residências em Parintins. 125 Foto 57: Alegoria em construção no Bumbódromo de Guajará-Mirim - 1. 126 Foto 58: Alegoria em construção no Bumbódromo de Guajará-Mirim - 2. 126 Foto 59: Arquibancada do Boi Flor do Campo, durante o festival em GuajaráMirim. 127 Foto 60: Arquibancada do Boi Malhadinho, durante o festival em GuajaráMirim. 127 Foto 61: Boi Flor do Campo em evolução no Bumbódromo de Guajará-Mirim. 128 Foto 62: Alegorias durante a apresentação dos Bumbás em Guajará-Mirim. 128 Foto 63: Galera do Bumbá Garantido em Parintins. 129 Foto 64: Apresentação do Bumbá Garantido em Parintins 129 Foto 65: Animadora de torcida e galera do Bumbá Malhadinho durante o festival em Guajará-Mirim. 130 Foto 66: Evolução da Sinhazinha da Fazenda durante o festival em GuajaráMirim. 130 Foto 67: Apresentação do Bumbá Caprichoso em Parintins – 1. 131 Foto 68: Apresentação do Bumbá Caprichoso em Parintins – 2. 131 Foto 69: Apuração das notas no Bumbódramo de Guajará-Mirim – 1. 132 Foto 70: Apuração das notas no Bumbódramo de Guajará-Mirim – 2. 132 12 Mapas Mapa 01: Mapa temático do Município de Parintins-AM. 24 Mapa 02: Mapa temático do Município de Guajará-Mirim/RO. 39 Mapa 03: Mapa temático das terras indígenas localizadas no município de GuajaráMirim/RO. 93 Mapa 04: Mapa temático de localização da macha urbana do município de GuajaráMirim/RO. 102 Mapas Mentais Mapa Mental 1: Leonilson Muniz 104 Mapa Mental 2: Alysson Bruno 104 Mapa Mental 3: Patrícia Menezes 105 Lista de Abreviatura UMAM - União Municipal de Associações de moradores FEFOPEM – Festival Folclórico Pérola do Mamoré 13 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO 16 CAPITULO I – Vamos “brincar” de Boi Bumbá 18 CAPITULO II–Trajetória da Pesquisa: Procedimentos metodológicos 37 2.1. A escolha do Tema 38 2.2. Pesquisa participante 40 2.3. Vivência e experiência com a Cultura do Boi Bumbá 42 CAPITULO III – Caminhos teóricos e reflexões 52 3.1. Compreendendo a Geografia Cultural e Humanista 53 3.2. O Espaço simbólico da Festa do Boi Bumbá 56 3.3. Vivências e experiências: compreendendo a formação do lugar 59 3.4. Representações sociais na Cultura do Boi Bumbá. 61 CAPITULO IV – Uma Concepção acerca da formação do Boi Bumbá em Guajará-Mirim 64 4.1 Festival Folclórico Pérola do Mamoré 72 CAPÍTULO V – Interpretação de uma Cultura milenar 85 5.1. Os sentidos no espetáculo: uma natureza simbólica 86 5.2. Cultura e saber do povo: A expansão de novas representações 90 5.3. Compreendendo as representações na formação do Lugar 96 5.4. O que desmotiva essa “Galera”? 107 CAPITULO VI – Imagens e diálogos que nascem com a construção da pesquisa 114 CONSIDERAÇÕES FINAIS 145 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 152 14 APRESENTAÇÃO Antes de apresentar o trabalho e discutir o que foi proposto, é importante que seja feita uma retrospectiva sobre o percurso da pesquisa, a escolha do tema e o surgimento do desejo de pesquisar a Festa do Boi-Bumbá na Amazônia. O dom da vida nos proporciona infinidades de prazeres que nos levam a um universo repleto de conhecimento. O desejo de descobrir coisas novas leva-nos a instigar, indagar, questionar, descobrir e relativizar um universo interligado e formado por redes que se articulam para transmitir informações. Esses novos padrões de relacionamento do homem com o espaço nos levam a querer investigar as prováveis mudanças que o espaço sofre com toda a modernização alcançada até os dias de hoje. Surge assim o instinto pesquisador, nesse momento de dúvidas e busca por respostas em que se inicia uma pesquisa. Uma ferramenta importante na construção do conhecimento é a experiência vivida pelo pesquisador. Venho com este trabalho mostrar a minha caminhada dentro do universo da pesquisa, apresentando aqui a minha vivência para a chegada ao Mestrado e ao tema desta dissertação. Despertei o interesse pela Geografia na adolescência, ao observar minha tia, hoje formada em Geografia, realizar seus trabalhos acadêmicos. Sentia um grande desejo de conhecer cada vez mais essa ciência. Prestei meu primeiro vestibular no ano de 2006, sem ter dúvidas do que queria para uma vida inteira: ser Geógrafa. Com sucesso no resultado da seleção, iniciava-se uma longa trajetória em busca do conhecimento. Hoje Geógrafa pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR, tendo cursado de 2007 a 2011, tracei um caminhar voltado para o estudo das relações sociais do homem com o meio, descobrindo no ambiente da graduação as habilidades de se trabalhar com a Geografia Humanista, que aborda diversos temas que interligam o espaço e as vivências, tornando-se um espaço vivido. Compreendendo que o espaço é construído a partir dos valores inseridos pelo humano, é assim que percebo meu interesse pela Geografia Cultural, que estuda essa interligação do modo de vida na formação do lugar. 15 Iniciei o estudo da Geografia Cultural na graduação, quando ingressei no Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Modos de Vida e Cultura Amazônica GEPCULTURA, coordenado pelo professor e orientador Josué da Costa Silva, em que tive a oportunidade de adquirir experiência na Iniciação Científica, realizada entre 2008-2010 no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Cientifica PIBICCNPQ/UNIR com a pesquisa “A Festa do Boi-Bumbá Na Amazônia: Espaço e Representações”, que foi de fundamental importância para minha formação acadêmica, proporcionando um estímulo ao crescimento teórico. O desenvolvimento da pesquisa teve continuidade com o trabalho de conclusão do curso da Graduação. A monografia deu sequência ao trabalho de pesquisa sobre a manifestação cultural da Festa do Boi-Bumbá em Guajará-Mirim e suas formas de representação no espaço, ampliando ainda mais o acervo da pesquisa. A pesquisa de Mestrado, “Representações Sociais nas Brincadeiras de BoiBumbá sob o olhar da Geografia Cultural”, é um segmento do meu trabalho realizado na Iniciação Científica e na Monografia. A partir desta experiência com a pesquisa, aumentou cada vez mais o desejo de explorar o tema. A pesquisa tem como intuito realizar uma investigação dentro do universo cultural da Amazônia e é de fundamental importância compreender esse fenômeno mítico das festas folclóricas nessa região, local de difícil acesso, em que se luta pelo desenvolvimento. Ao contrário das outras regiões do país, a Amazônia não conta com a infraestrutura necessária para promover o desenvolvimento almejado pela população. Dentro desse universo, percebe-se que novos modelos de desenvolvimento surgem na região, girando em torno das festas folclóricas, que movimentam os municípios e de forma direta ou indireta contribuem com a renda dessas comunidades. Nessa perspectiva, nota-se que a Cultura na Amazônia vem desempenhando um papel grandioso nessas comunidades e é com essas análises que inicio a investigação. A pesquisa foi realizada precisamente no município de Guajará-Mirim, estado de Rondônia, contando ainda, com trabalho de campo realizado no município de Parintins, estado do Amazonas, berço da festa do Boi-Bumbá na Amazônia. Com isso, pretendeu-se investigar as diversas formas de representação da cultura amazônica presente nestas localidades. 16 INTRODUÇÃO Esta pesquisa trabalhou um tema fascinante presente na abordagem humanista-cultural, considerando também a perspectiva dos estudos da psicologia para a compreensão das ciências cognitivas, pois a abordagem humanista reflete uma análise do psicossocial presente na dimensão social, sendo analisada no estudo das representações tratado nesta pesquisa. É nessa perspectiva que surge a problemática da presente pesquisa: Qual a ligação da festa do Boi-Bumbá com a formação do lugar em Guajará-Mirim? Qual o papel da emoção e do pensamento dos moradores na ligação ao lugar? Como as territorialidades humanas formadas pela festa do Boi-Bumbá passam a formar o espaço? É nesse contexto que a pesquisa identificou e analisou a manifestação cultural da festa do Boi-Bumbá presente na Amazônia. A justificativa do trabalho centrou-se no anseio de contribuir para as pesquisas sobre a temática da Geografia Cultural presente na Amazônia, destacando a importância do significado da experiência pessoal, valorizando o indivíduo, reconhecendo e respeitando suas particularidades, admitindo que a cultura é dinâmica e cada grupo social passa por constantes processos de transformações, assimilação de outras formas de ver o mundo, analisando a manifestação desta cultura no município de Guajará-Mirim. A metodologia utilizada foi a pesquisa participante, motivando a fixação residencial da pesquisadora no município de Guajará–Mirim, a fim de vivenciar esse universo mítico e encantador da pesquisa na Cultura amazônica. Desta forma, por meio da vivência com a comunidade, analisa-se a resistência da cultura e a influência recebida pelos possíveis migrantes que ali se inserem, interagindo na vida de cada colaborador, ou seja, compreendendo a maneira como o ser humano abrange e fundamenta o mundo a sua volta. Com esta abordagem, realizou-se uma pesquisa relevante para a discussão dos processos socioculturais de uma comunidade, tendo a Geografia como a ciência articuladora entre a sociedade e o Estado, promovendo novas interpretações sobre a população amazônica. 17 Essas foram algumas indagações surgidas no início da caminhada neste Programa de Pós-Graduação, do qual resultou a seguinte organização: No primeiro capítulo, expõe-se o contexto histórico da festa do Boi-Bumbá. Em seguida, consta a caracterização da festa no município de Parintins-AM, apresentando e contextualizando as simbologias do Auto do Boi, as lendas de uma natureza mítica, os itens que compõem a festa e seus significados no contexto cultural. Dessa forma, a Cultura do Boi-Bumbá será apresentada, para assim dar início à contextualização da pesquisa realizada. No segundo capitulo, trata-se da trajetória da pesquisa, expondo a escolha do tema e o caminho metodológico percorrido. No terceiro capítulo, apresenta-se uma fundamentação teórica sobre alguns conceitos que auxiliaram a pesquisa, dando embasamento para a construção deste trabalho. Entre os teóricos, destacam-se Paul Claval, Yi-Fu Tuan, Salete Kozel, Brandão, Merleau Ponty, Armand Frémont e outros. Esses autores constituíram importante base teórica, com seus conceitos sobre Cultura, Espaço Vivido, Espaço Simbólico, Representação, Lugar, Fenomenologia e outros. No quarto Capítulo, trabalhou-se a contextualização histórica da festa do boi em Guajará-Mirim, desde as primeiras manifestações culturais até a apresentação folclórica nos dias atuais. No quinto Capítulo, abordaram-se os resultados da pesquisa. Trata-se da natureza simbólica da Festa do Boi-Bumbá, as vivências e experiências adquiridas com a realização do trabalho de campo e dos sentidos que o espetáculo proporciona aos indivíduos e também o saber do povo e a expansão de novas representações. O último capítulo tem como título “Imagens e diálogos que nascem com a construção da pesquisa”, e é voltado para a apresentação das imagens que caracterizam a pesquisa. Traz também uma entrevista realizada com uma das colaboradoras da pesquisa. 18 CAPÍTULO I VAMOS “BRINCAR” DE BOI-BUMBÁ Foto 01: Pintura dos Bumbás Caprichoso e Garantido, realizada em frente de uma residência em Parintins-AM. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012. 19 A brincadeira1 de boi existe Brasil afora e vem sendo identificada, nas regiões Norte e Nordeste, desde meados do século XIX. Tanto o Bumba-Meu-Boi do Nordeste, quanto o Boi-Bumbá do Norte são variações regionais, isto é, adquiriram características de sua região através da cultura ao longo do tempo e suas formas de manifestações sempre foram dinâmicas. A compreensão destes fatos torna-se evidente com a citação a seguir: Pelos portugueses veio o folguedo que ganhou auto no Nordeste brasileiro, provavelmente em Pernambuco ‘há, no entanto, quem diga que no Maranhão o bumbá surgiu primeiro’. Fruto do apelo da mestiçagem sofrida, dos engenhos de cana e das fazendas de gado, o bumba-meu-boi teceu sua trama. [...] Trazido pelos nordestinos que subiam o rio Amazonas, acometidos da febre da borracha, no final do século passado, o bumbá chega à Amazônia. Foi chegando e sentindo o impacto da floresta - sua magia capaz de transformar pessoas, mudar a história e enriquecer folguedos. Curva-se diante de sua ‘Nova Majestade’, e os três Reis Magos para os quais ele dançava no Nordeste, cedem lugar a três santos católicos: Santo Antônio, São Pedro e São João. [...] Prosseguem as alterações. O negro começa e cede lugar ao caboclo. O canto vai mudando e o verso vai substituindo o linguajar africano por um português regional (ASSAYAG, 1995, p. 32). A cultura passou a ser modificada pelas diferentes etnias que formam Brasil. Tanto no Norte quanto no Nordeste os povos passaram a inserir diferentes características ao enredo do brincar de boi. Para compreender melhor essas variações é necessário conhecer algumas delas. Cascudo (2000) faz referência a duas delas, o Bumba-meu-boi e o BoiBumbá, esclarecendo suas características de acordo com a região onde a manifestação folclórica ocorre, segundo o autor: Boi-Bumbá é o Bumba-meu-boi do Pará e Amazonas, folguedo que se realiza em Belém e nos arredores, nas festas de São João. Consiste de um boi de pau e pano, conduzido por duas personagens – Pai Francisco e Mãe Catirina -, que são acompanhadas por dois ou três cavaleiros e uma orquestra composta de rebecas e cavaquinhos. É uma variante transparente do Bumba-meu-boi do Nordeste, que se exibe no ciclo das festas do Natal, enquanto o Boi-Bumbá paraense aparece durante o São João. (p. 70) Como se pode observar nas citações expostas, a festa do Bumba-meu-boi surgiu no Nordeste do País. Os primeiros registros da Cultura apareceram em 1840, num jornal de Recife chamado ‘O Carapuceiro’. Segundo historiadores, a manifestação surgiu durante a colonização, através das influências europeias, africanas e indígenas, variando de acordo com as diversidades de cada região. 1 Brincadeira é expressão nativa muito usada em vários folguedos brasileiros. O termo assinala, com propriedade, sua dimensão lúdica e festiva. (CAVALCANTI, 2006, p, 91) 20 O Bumba-meu-boi é um espetáculo que acontece em arena, com brincantes e espectadores todos em pé, formando uma roda em torno dos personagens centrais. Ocorre simultaneamente a mistura dos personagens humanos, animais e fantásticos. Para identificar os principais personagens do Bumba-meu-boi, utiliza-se como referência a tese de doutorado em História Social da pesquisadora Viviane Pedrazani, que expõe da seguinte forma: O Amo ou Fazendeiro: É o senhor da fazenda, designado amo ou patrão, que concebe o poder intrínseco ao status social como latifundiário, proprietário da gadaria e, em particular, do boi mais garboso. Na festa do bumba-meu-boi, em geral cabe a esse personagem preparar e reger o grupo, governando-o por meio de um apito e um maracá. É ainda o puxador principal das toadas que serão acompanhadas pelos outros brincantes. (PEDRAZANI, 2010, p. 143) O Pai Chico: Recebe também o apelido de Nêgo Chico, um dos principais personagens da festa. Normalmente é tido como o agregador da fazenda responsável pelo roubo e morte do boi, para acolher a vontade de sua esposa, Catirina, cujo desejo era comer a língua do animal. (Ibdem, p. 144) A Mãe Catirina: Ou simplesmente Catirina, é a esposa de Pai Chico. Ao ficar grávida, é tomada pelo insaciável desejo de comer a língua do boi mais quisto da fazenda em que vive com Pai Chico. Ele, para fazer o gosto da sua mulher grávida, dá cabo ao bicho. Na encenação da festa, Catirina é interpretada por um homem vestido de mulher. (Idem) Os Vaqueiros: O(s) vaqueiro(s) na festa é (são) uma alusão ao caboclo rústico, o sertanejo, a quem o amo atribui a responsabilidade de localizar o paradeiro de Pai Chico e do boi desaparecido. Na trama, cabe a ele contar ao amo da fazenda o fim de seu prezado boi. (Ibdem, p. 145) Os Índigenas: Junto com os vaqueiros, têm a tarefa de sair à cata de Pai Chico. Dão um belo ritmo e efeito visual à festa, ornamentando-a com as vestes e coreografias alegres. Há não muito tempo atrás, eram personagens representados exclusivamente por homens. Atualmente as mulheres têm ampla participação na composição dos grupos, elas são designadas de Caboclo de Pena. (Ibdem, p. 146) 21 Há ainda o Doutor da Medicina, “personagem que vai examinar o boi, para saber o estado em que se encontra o animal, a mando do Amo. Ele veste-se todo de branco” (Ibdem, p. 147). No contexto do bumba-meu-boi, os homens desempenhavam todos os papéis, inclusive os femininos, vestindo-se a caráter do personagem. Hoje é significativa a participação das mulheres no brincar de boi. As apresentações de Bumba-meu-boi ocorrem em arraiais, como se pode observar na imagem a seguir, ou em frente às residências de quem os convida. Foto 02: Boi de Juçatuba na festa junina em São Luís do Maranhão Fonte: Fotografia disponível no link www.ebc.com.br/cultura/2013/06/bumba-meu-boi-e-destaque-nafesta-junina-de-sao-luis-do-maranhao, acessado em 13/08/2013. Antônio Martins, 2013. O Boi-Bumbá realizado na região Norte segue a mesma referência do Bumbameu-boi do Nordeste, com algumas mudanças que cada região determina. No enredo do auto do Boi-Bumbá, o centro das atenções é um Boi de pano, que balanceia animado por uma pessoa que se coloca embaixo da armação e dança em torno dos membros da brincadeira de boi, que cantam contemplando sua apresentação. Toadas de diversos ritmos e conjuntos instrumentais seguem a dança, que por sua vez pode ser composta por coreografias detalhadas e sequências de ações dramáticas, sem necessariamente uma ordem específica. O espetáculo se articula em volta de personagens com vestuários típicos, cuja função, nomes e importância variam de acordo com a região. Os mais comuns são: 22 o amo do Boi, os vaqueiros, os índigenas, o pajé, os Tuxáuas, o Pai Francisco, a Mãe Catirina, as sinhazinhas e outros. Cada organização de Boi age de forma livre em relação à composição do seu conjunto de personagens, adicionando e alterando personagens e temas da apresentação. As lendas e os rituais diferenciados acompanham também as formas de brincar de boi. As histórias que se apresentam no brincar de boi surgem na poesia das toadas e dos muitos relatos dos próprios brincantes e organizadores, que buscam razões para o folguedo ser vivenciado ano após ano com tanta motivação. Dentre as histórias, a que mais tem destaque é o tema da morte e ressurreição do Boi, pois marcou a compreensão do folguedo no país. A seguir, Bordallo da Silva, afirma que: O motivo principal do auto é a posse de um boi famoso, pelas suas qualidades e valentia, que o amo ou fazendeiro deu de presente à sua filha e confiou aos cuidados do vaqueiro. Mãe Catirina desejou comer aquele famoso boi, pois estava grávida e com entojos. Pai Francisco, seu marido, não teve dúvidas em tentar matá-lo para satisfação de sua mulher. Desaparecido o boi, o vaqueiro chefe é chamado para dar conta do que lhe fora confiado e este descobre que Pai Francisco havia atirado no boi. Pai Francisco resiste à prisão e os vaqueiros confessam sua fraqueza em trazêlo preso. Assim, é chamado o tuxaua de uma tribo de índios. Pai Francisco é preso pelos silvícolas e somente será dispensado do castigo, que bem merece pelo seu crime, se ressuscitar o boi. Aterrado, ele chama o ‘doto’, e o ‘padre’ em pura perda, apesar dos esforços de ambos. É lembrado então o pajé da taba. Este, depois de muitos exorcismos, danças com maracá e baforadas de cigarro envolto em tauari [Curatariatavary] logra o milagre de fazer reviver o ‘animal’. O acontecimento é festejado com extrema alegria, e o bando, sempre cantando, “dá a despedida”. (BORDALLO DA SILVA, 1981, p.51) Existem várias versões dessa lenda. Nela um vasto sistema de relações sociais com conflitos e benevolências que giram em torno do boi, além do destaque às desigualdades sociais e étnico-raciais que ocorrem durante a trama e conduzem a uma gama de significados simbólicos. Essa lenda não corresponde a um suposto auto popular ou de verdade histórica, e sim a uma lenda que passa a recriar os rituais anualmente, de acordo com a mensagem que cada comunidade quer repassar. A citação de Bardallo, 1981, leva-nos a pensar que o folguedo do Boi seria basicamente a encenação do Auto do Boi, como se o enredo dessa trama tivesse um só roteiro a ser seguido pelas manifestações de Bumbás que ocorrem pelo Brasil. Essa ideia é enganosa, pois embora muitos dos brincantes pareçam acreditar 23 no verdadeiro auto, ele dificilmente ocorre nas apresentações dos Bumbás. Essa encenação pode ser vista com mais frequência nos circuitos parafolclóricos2. No Boi-Bumbá de Parintins, a trama da morte e ressurreição do Boi valioso cresceu e deu outro sentido ao auto, foi incorporado em seu universo simbólico não só o contexto imaginário de lendas amazônicas, mas também conceitos da modernidade, como a preservação ambiental na Amazônia e memória e história dos povos da floresta, indígenas e ribeirinhos. Anualmente, Garantido e Caprichoso, os dois principais Bumbás da região apresentam uma festa de extraordinária força e beleza para o mundo todo ver. O Festival dos Bumbás da cidade de Parintins/Amazonas ocorre no conjunto de ilhas das Tupinambaranas, próximo à divisa com o estado do Pará, como se podemos observar no Mapa 1. Essa região é conhecida como Médio Amazonas. O mapa a seguir mostra a localização do município de Parintins-AM em relação à localização na América do Sul - Brasil e também em escala maior destacando sua localização no estado do Amazonas e por fim o recorte territorial do município. 2 “São assim chamados os grupos que apresentam folguedos e danças folclóricas, cujos integrantes, em sua maioria, não são portadores de tradições representadas, se organizam formalmente, e aprendem as danças e os folguedos através do estudo regular, em alguns casos exclusivamente bibliográficos e de modo não espontâneo”. (Carta do Folclore Brasileiro aprovada no VIII Congresso Brasileiro de Folclore em 1995 em Salvador) Mapa temático do Município de Parintins-AM. 24 Mapa 01: Mapa temático do Município de Parintins-AM. Fonte: Elaborado a partir do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 25 A formação dos grupos de Bumbás na cidade de Parintis-AM se deu a partir das primeiras décadas do século XX. Os Bois que compõem essa trama são o BoiBumbá Garantido – o Boi branco, cujas cores predominante são vermelho e branco. Tem como particularidade um coração na testa, simbolizando que é o Boi do coração de seus brincantes. Sua criação é datada de 1913, por Lindolfo Monteverde, – e o Boi Caprichoso – o Boi negro, que possui como cores predominantes o azul e o branco. Sua característica marcante é uma estrela pintada na testa. Surgiu no mesmo período em que o Boi-Bumbá Garantido. Há quem diga que foi no mesmo ano, há quem diga que foi um ano depois, criado pelos irmãos Roque e Antônio Cid e por Furtado Belém. Nesse período de disseminação da cultura na região, vários grupos de Bois surgiram, mas somente Garantido e Caprichoso permaneceram e fazem história até os dias atuais. Diversos motivos tornaram essa festa característica da região. O dualismo ganhou vida e tomou conta da cidade. No início de sua formação, os Bumbás apresentavam uma forma tradicional, brincando em terreiros e saindo às ruas da cidade para duelar um com o outro. Esses duelos ficaram conhecidos e marcados na história local por consistirem em brigas muito agressivas. As famílias ricas pagavam para que o Boi se apresentasse em suas casas. Outros grupos se apresentavam e recebiam em troca alimento. Suas apresentações eram marcantes, como demonstram as palavras da autora: A fama do Garantido ecoa até hoje. Lindolfo Monteverde teria uma voz muito boa, e seu boi era ‘seguro’, ‘garantido’, saindo sempre inteiro do combate com outros bois, “sua cabeça nunca quebrava”. Diante disso o boi rival ‘caprichava’. (CAVALCANTI, 2000, p.1030) Os Bumbás de Parintins aos poucos passaram a formar a base territorial da cidade. Os grupos passaram a dividir os bairros em azul e branco e vermelho e branco, respectivamente de leste a oeste da cidade. Aos poucos a organização social passou a constituir uma importante oposição em sua morfologia. A formação atual da festa do Boi-Bumbá em Parintins teve como marco a criação do “Festival Folclórico de Parintins”, em 1965, que veio a se tornar um divisor de águas na história dos Bois. Gradativamente essa atividade se tornou a principal atração cultural e turística da região. 26 Em 1988 ocorreu à construção do “Bumbódromo”, com capacidade para 45 mil pessoas e considerado o marco central do duelo entre os Bumbás. Está situado na área central da cidade, traçando uma linha imaginária que segue desde o porto da cidade, passando pela praça municipal, a catedral de Nossa Senhora do Carmo, seguindo pela avenida que passa em frente ao cemitério local, até a chegada ao Bumbódromo. Na parte interna, composto pela arena e arquibancadas, segue a mesma divisão do espaço externo, metade é da galera3 azul, do Caprichoso, a outra metade, da galera vermelha, do Garantido. Essa linha imaginária demarca o lado Leste da cidade como a parte alta da cidade, pertencente ao Bumbá Caprichoso, com barracões, galpões e o “curral” do Boi4. Já o lado oeste, considerado a parte baixa de Parintins, pertence ao Bumbá Garantido, conhecido também como a Baixa do São José5, onde se localizam toda a infraestrutura e logística para a realização da agremiação folclórica. O Festival Folclórico acontece na última semana de junho, anualmente. Cada Bumbá conta com aproximadamente 3.500 brincantes, que interagem na arena por cerca de três horas de espetáculo. A cada noite os Bumbás apresentam lendas, narrativas e danças diferentes, com trocas de fantasias e novos carros alegóricos ocupando a arena. Um item bastante importante nas apresentações é a participação das “galeras”. A mobilização se inicia cedo pela manhã, por volta das 7 horas, com os primeiros a chegarem na fila para guardar lugar até a hora de adentrar o Bumbódromo. Com capacidade menor que o desejável, o Bumbódromo torna-se ponto de encontro das galeras, que aguardam a entrada, o que se dá por volta das 15 horas. Do lado Leste, instalam-se filas do Caprichoso (Foto 04). Já do lado oposto, Oeste, forma-se a gigantesca fila do Garantido (Foto 03). 3 Torcedores que prestigiam a festa dos Bumbás. Quadra de realização dos ensaios 5 São José é um bairro de Parintins-AM. 4 27 Foto 03: Fila da galera do Boi-Bumbá Garantido Parintins-AM. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 O sol e a chuva não impedem que a “galera” permaneça de pé. Após a entrada no Bumbódromo, as torcidas aguardam até as 20 horas para o início do festival. É surpreendente o fôlego desses brincantes, que enfrentam um sol de 40 graus, com frequentes pancadas de chuva, que surpreende a todos (Foto 04) 28 Foto 04: Fila da galera do Boi-Bumbá Caprichoso Parintins-AM. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012. Os assentos destinados às “galeras” (Foto 05) são gratuitos e correspondem a 80% do Bumbódromo. A galera é item avaliado, e seu desempenho também ganha nota. Durante a apresentação do seu respectivo Boi, a torcida vibra, cantando, dançando, atendendo aos efeitos especiais que cada agremiação oferece. Na hora da apresentação do outro Bumbá, a galera permanece em silêncio, observando, escutando e apreciando criticamente cada detalhe. 29 Foto 05: Galera do Boi-Bumbá Caprichoso dentro do Bumbódromo em Parintins-AM. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012. O Festival de Parintins é um espetáculo de rara beleza e complexidade. A composição da comissão julgadora é guiada até dentro da arena do Bumbódromo, por representantes de cada um dos Bumbás. Os jurados que fazem parte dessa avaliação são sorteados de todo o Brasil. Segundo o regulamento do Festival Folclórico de Parintins6 de 2011 a 2013, existem no total 21 itens a serem avaliados, cada um com um critério diferente a ser considerado pelos jurados na votação, como se pode observar a seguir: 6 Regulamento do Concurso de Bumbás de Parintins, disponível em www.boicaprichoso.com, acessado em 1 de julho de 2013. 30 Item Definição Méritos 1.APRESENTADOR Anfitrião, Mestre de Cerimônia, Domínio (Individual) Porta-voz. de Elementos Comparativos arena público, fluência carisma, impostação interferência ou e de Indumentária e significado, verbal, voz, desenvoltura, animação. sem intervenção que dificulte a audição ou compreensão do espetáculo de voz, atenção dicção, alegria, constante no desenvolvimento do tema. 02.LEVANTADOR DE Sua voz é o fio condutor para Interpretação, TOADAS (Individual) o desenvolvimento do tema. afinação, Afinação, extensão vocal, dicção, timbre e técnica de dicção, respiração e timbre canto. 03.BATUCADA OU Sustentação rítmica, base para o Harmonia, MARUJADA (Coletivo) espetáculo, percussão agrupamento que fornece de constância. um referencial rítmico indispensável às toadas. cadência, ritmo, Harmonia, arena, disposição ritmo, cadência. de indumentária, 31 04.RITUAL INDÍGENA Recriação de rito xamanístico, Teatralização, (Estrutura artística) fundamentado através criatividade, Fidelidade a toada cantada na de beleza, originalidade e efeitos. apresentação do ritual, pesquisa, dentro do contexto desenvolvimento, beleza e folclórico do boi-Bumbá. encenação, observada a sua fundamentação (pesquisa/referencias) da folclorização dentro do Boi- Bumbá. 05.PORTA-ESTANDARTE Símbolo (Individual) movimento. do Boi em Bailado, garra, desenvoltura, Indumentária, simpatia, elegância e alegria. estandarte, leveza, graça, sincronia de movimentos entre o bailado e o estandarte. 06.AMO DO BOI O dono da fazenda, menestrel Dicção, desenvoltura, postura Indumentária, voz, afinação, (Individual) que tira versos dentro dos e expressões cênicas. poder fundamentos do espetáculo. qualidade poética. de 07.SINHAZINHA DA Filha do dono da fazendo, no Beleza, graça, desenvoltura e Indumentária, FAZENDA auto (Individual) Parintins. do Boi-Bumbá de alegria. improvisação e movimentos, saudação ao Boi e ao público, simpatia e carisma. 32 08. RAINHA DO FOLCLORE Item (Individual) que representa diversidade de a Beleza, simpatia, desenvoltura Beleza, valores e expressados incorporação as graça, movimentos, suas simpatia e indumentária. pela representações. manifestação popular. 09.CUNHÃ PORANGA Moça (Individual) bonita, guardiã, guerreira expressa a e Beleza, simpatia, desenvoltura Beleza, movimentos, simpatia força e através da beleza. 10.BOI-BUMBÁ EVOLUÇÃO Símbolo (Individual) da incorporação as suas e indumentária. representações. manifestação Evolução e encenação. Geometria idêntica, leveza, popular, motivo e razão de ser coreografia e movimentos de do um Boi real. Festival Folclórico de Parintins. 11.TOADA (LETRA MÚSICA) (Abstrato) E Suporte festival, líteromusical elo entre individualidade e o grupo. do Agrega elementos históricos, Melodia, a geográficos, culturais métrica, conteúdo, e interpretação, composição e sociais, desde os momentos harmonia. primitivos até os nossos dias. 12. PAJÉ (Individual) originalidade, Curandeiro, hieforante, xamã, Expressão corporal e facial, Indumentária, expressão, segurança, sacerdote, ponto de equilíbrio movimentos harmônicos, domínio de arena, encenação e coreografia. das tribos. domínio de espaço cênico. 33 13.TRIBOS INDÍGENAS Grupos Étnicos que compõem Sincronia de movimentos, Sincronia, indumentária, (Coletivo) os povos indígenas do Brasil, cores e expressões cênicas e fidelidade às raízes (dentro do dentro do contexto folclórico danças. contexto folclórico do Boi-Bumbá de Parintins. Bumbá) e plástica do efeitos e Boi- visuais: adereços pertinentes ao contexto tribal folclorizados ou não. 14. TUXAUAS Chefe da tribo o personagem Plástica adequada ao tema do Indumentária, (Coletivo) caboclo em sua miscigenação, espetáculo, representação alegórica criatividade do originalidade. fidelidade ao e tema do espetáculo e riqueza dos detalhes nas confecções universo indígena e caboclo do capacete (cocar alegórico). da Amazônia. 15.FIGURA TÍPICA Símbolo da cultura amazônica, Homenagem REGIONAL (Artístico) na sua soma de valores a terra, beleza e originalidade. acabamento, estética, porte e partir encenação. dos elementos compuseram a às raízes que da Fidelidade ao item, sua miscigenação. 16. ALEGORIA (Artístico) Estrutura funciona artística como que Beleza, criatividade suporte originalidade. e Acabamento, funcionalidade, execução, estética e 34 cenográfico para a porte. apresentação. 17.LENDA AMAZÔNICA Ficção que ilustra a cultura Imaginação, (Artístico) dos povos da Amazônia dentro porte envolvimento, Acabamento, cenográfico do contexto folclórico do boi- encenação. encenação, e originalidade e desenvolvimento. Bumbá de Parintins. 18.VAQUEIRADA Agrupamento coletivo Beleza e coreografia. (Coletivo) composto por cavalos, lanças Indumentária, coreografia e sincronia. e vaqueiros tradicional do BoiBumbá Guardiões de Parintins. do Boi em evolução. 19.GALERA (Coletivo) Elemento espetáculo, de apoio estímulo do Alegria, energia contagiante, Animação, que forma uma das maiores mundo. uníssonas humano, de sincronia, garra, evolução e participação e sincronia. apresentação, massa humana empolgação. coreografias calor do 35 20.COREOGRAFIA Todos os movimentos de Dinâmica, criatividade nos Expressividade do movimento, (Coletivo) dança apresentados durante o movimentos, ritmo e sincronia. sincronia e criatividade. espetáculo. 21.ORGANIZAÇÃO DO Reunião de itens individuais, Disposição CONJUNTO FOLCLÓRICO artísticos (Coletivo) embasados no conteúdo do (tribos, itens individuais, etc.), espetáculo, e em que se Indumentária, coletivos encontram suas diversidades pertinente espetáculo, e, por sua vez, harmonia, liberdade de estrutura alegria ao e conteúdo do diversidade de fantasia dispostos organizadamente na movimentos na arena e tempo fidelidade ao tema. arena de apresentação. compatível. Quadro 01: Itens avaliados no Festival Folclórico de Parintins. Fonte: Regulamento do Concurso de Bumbás de Parintins, disponível em www.boicaprichoso.com, acessado em 1 de julho de 2013. com 36 A partir desses critérios, cada jurado realiza seu julgamento, sendo que cada item já entra na arena com a nota 10 podendo ou não vir a perder pontos no transcorrer da apresentação. O espetáculo se inicia com a entrada do apresentador. Em sequência, o levantador de toadas dar início a melodia com a entrada da batucada ou marujada. Daí vem uma performance sem ordem fixa de apresentação, encerrando-se com a apresentação do ritual. Pela tradição já cumprida, o resultado do festival é sempre anunciado com a leitura dos pontos dados pelos jurados no dia 1º de julho, feriado municipal decretado por lei. O Festival Folclórico de Parintins é de uma beleza exuberante, uma perfeita combinação da alegria da festa e de conscientização dos valores regionais, caracterizada nas diversas formas de apresentar na arena a cultura cabocla. 37 CAPÍTULO II TRAJETÓRIA DA PESQUISA: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Foto 06. Apresentação do Boi-Bumbá Flor do Campo no Festival Folclórico de Guajará-Mirim. Fonte: Acervo do Jornal/O Mamoré, 2012. 38 2.1 A escolha do Tema A brincadeira do Boi tem fascinado e desafiado gerações de estudiosos pelo mundo inteiro. Sua riqueza Cultural nos leva a realizar inúmeros questionamentos sobre as representações sociais que passam a forma essas comunidades que aderiram a essa Cultura. Uma das razões que motivaram a pesquisa com o Boi-Bumbá na Amazônia foi a necessidade de analisar e, mais que isso, compreender como essas comunidades de Guajará-Mirim-RO (Mapa 2) e Parintins-AM (Mapa 1), passam a conceber seus espaços a partir das manifestações culturais. Para se chegar a tal compreensão, partiu-se do conceito de representação, que dará suporte para analisar a realidade espacial, com uma observação direta e real dos fatos. Dentro dessa análise buscou-se abordar os conceitos geográficos: espaço, representação e lugar. As questões sobre a formação do espaço a partir das manifestações culturais surgem desde as primeiras aparições do Boi-Bumbá na região amazônica. Entender como ocorre essa organização na própria comunidade se faz necessário, uma vez que a comunidade passa a inserir novos significados a essa trama, disseminando diversas formas de representação no espaço. Para compreensão do diálogo dessas comunidades, utilizamos o conceito de representação, que, segundo Almeida (2003, p.71) “é através de um conhecimento das representações das pessoas que é possível captar toda a riqueza de valores que dão sentido aos lugares de vida dos homens e mulheres; pelas representações também é possível entender a maneira pela qual as pessoas modelam as paisagens e nelas firmam suas convicções e suas esperanças". Desta forma, a análise se dá através das sensações e percepções extraídas das representações. A seguir será apresentado o Mapa 2, que se refere à localização da área de pesquisa. Assim, destacando em escala maior o município em relação ao Brasil, o recorte do estado de Rondônia com os limites dos municípios e por fim a área territorial do município Guajará-Mirim/RO. Mapa temático do Município de Guajará-Mirim/RO. 39 Mapa 02: Mapa temático do Município de Guajará-Mirim/RO. Fonte: Elaborado a partir do Instituto brasileiro de Geografia e Estatística. 40 2.2. Pesquisa participante Ao se refletir a respeito do papel da Cultura do Boi-Bumbá presente na sociedade e as relações que passam a se estabelecer no cotidiano dessas comunidades, faz-se necessário registrar e divulgar informações sobre essa manifestação cultural, que se configura no espaço social. Nesse sentido buscou-se referências bibliográficas que pudessem oferecer embasamento teórico para a compreensão desta temática. Foram somadas inúmeras leituras referentes à Cultura do Boi-Bumbá na Amazônia, como livros, revistas, periódico, internet, entre outras fontes que muito contribuíram para a elaboração do trabalho. Após explorar o campo teórico em busca de compreender qual a melhor metodologia a seguir, percebeu-se que a pesquisa deveria utilizar o conhecimento teórico e empírico, ou seja, explorar a teoria para poder realizar a prática. Assim a teoria dá base para vivenciar experiências e extrair delas o conhecimento. Desse modo, fundamentou-se a pesquisa na metodologia da pesquisa participante, pois proporciona total interação com a comunidade em estudo. De acordo com Costa (1995, p. 133): [...] o principal instrumento de pesquisa, é o investigador, num contacto directo, frequente e prolongado com os actores sociais e os seus contextos; as diversas técnicas reforçam-se, sendo sujeitas a uma constante vigilância e adaptação segundo as reacções e as situações. A natureza específica dos procedimentos do método de campo impõe-lhes que, para adquirirem pertinência e rigor, tenham que ser, necessariamente, diversificadas e flexíveis (COSTA,1995, p. 133). Nesse sentido, o pesquisador participante está diretamente relacionado à cotidianidade da comunidade em questão. Nela, a pesquisa não deve ser feita simplesmente sobre os grupos envolvidos, mas com os grupos. Isso permite uma ligação mais ampla entre os atores sociais envolvidos no fenômeno e o pesquisador, justamente porque este passa também a fazer parte da dinâmica do fenômeno (BRANDÃO, 1999). Essa metodologia será uma forma de aquisição de conhecimento, que levará a uma maior discussão sobre o tema. Assim, as diversas relações estabelecidas entre pesquisadores e comunidade em questão revelarão uma infinidade de elementos a serem explorados. Todo esse questionamento irá aumentar a 41 capacidade de compreender os problemas existentes, como a falta de apoio do estado na consolidação da Cultura da região, interferindo na credibilidade e disseminação do Boi-Bumbá na região de Guajará-Mirim. A técnica utilizada foi a observação participante, de acordo com Borges, (2009): Observação participante é a técnica, e alguns autores vão dizer método, em que o processo de observação deve ser feito de maneira direta, ou seja, o observador ao observar, participa da vida do grupo a ser pesquisado. É um processo pelo qual o pesquisador deve se integrar ao grupo, analisando-o de dentro para fora, por meio de vivências e convivências cotidianas. (BORGES, 2009, p. 186). Para compreensão das diversas formas de representação inseridos nessa manifestação Cultural, utilizaram-se também alguns procedimentos metodológicos que auxiliou a desvendar esse caminho. Entre eles a coleta de uma entrevista completa, que será analisada nos próximos capítulos, oito depoimentos de moradores, sendo quatro realizados em Guajará-Mirim-RO e quatro em ParintinsAM, e também a coleta de três Mapas Mentais, para melhor compreender as representações que surgem no imaginário dos moradores que vivenciam essa Cultura. Nesse sentido, procurou-se escolher colaboradores de forma aleatória e que de maneira direta ou indireta estivessem relacionados à manifestação folclórica do brincar de Boi. Portanto, a pesquisa se deu por meio dos trabalhos realizados em campo, mediante interação com a comunidade, conversas com os organizadores dos Bumbás, participação nos festivais folclóricos, de modo a observar e perceber toda essa relação existente no espaço. 42 2.3. Vivência e experiência com a Cultura do Boi-Bumbá Esta etapa do trabalho tem como objetivo realizar o registro das impressões e também dos sentimentos dos sujeitos envolvidos na pesquisa, permitindo uma melhor compreensão das diversas formas de representação que serão identificadas a seguir. Como já foi mencionada anteriormente a pesquisa no município de GuajaráMirim (mapa 2) é realizada desde 2008 e o trabalho de campo acontece desde então. A visita a campo voltada para a pesquisa do mestrado se iniciou em fevereiro de 2012, com a observação geral da área de pesquisa, na tentativa de compreender quais as transformações ocorridas de 2008 a 2011 e assim atualizar dados já coletados. Outro ponto a destacar é a tentativa de interação da pesquisadora com a comunidade envolvida na manifestação cultural do Boi-Bumbá, pois é esse grupo que traz respostas à pesquisa. Primeiramente, foram realizadas visitas nas respectivas casas dos organizadores dos Bumbás, coletando informações sobre os integrantes dos Bois que poderiam estar contribuindo com a pesquisa. Logo entramos em contado com essas pessoas, o primeiro a ser encontrado foi um integrante da batucada7, chamado Michel Ortiz, que recebeu muito bem em sua residência e aceitou colaborar com a pesquisa. Tivemos uma agradável conversa sobre a sua trajetória com o Boi-Bumbá. Em seu depoimento, Michel informou que seu contato com os Bumbás se deu através da música, pois sempre tocou em bandas aleatórias e quando surgiu o convite de tocar no Boi-Bumbá, ficou bastante surpreso. Aceitou o desafio sob a influência do fator financeiro, pois os músicos recebem para tocar. O colaborador destacou que iniciou a tocar no BoiBumbá Malhadinho (Azul) e em seguida mudou-se para o Flor do Campo (vermelho), pois a remuneração proposta foi maior. O colaborador destaca que no início não sabia o que era boi e o interesse foi financeiro e hoje guarda um enorme carinho pelo Bumbá Flor do Campo, pois aprendeu a gostar, e já realiza apresentações sem participação financeira. 7 Nome dado a composição da banda musical do Boi-Bumbá vermelho. 43 Quando perguntou-se sobre a sua visão diante a manifestação folclórica, o colaborador enfatizou que antigamente a festa era reconhecida pela brincadeira onde o povo interagia e hoje observa que o fator financeiro influencia diretamente na composição da festa. Nesse primeiro contato com o universo da pesquisa, diferente do que tínhamos percebido nas pesquisas anteriores, notamos que a primeira coisa falada pelo colaborador foi o fator financeiro que movimenta toda a economia da festa do boi, tanto na formação dos componentes de cada agremiação quanto na economia local. Durante o esse primeiro trabalho de campo, ao andar pela cidade nota-se que não existem características da festa na formação do espaço, a não ser pela construção do Bumbódromo na entrada da cidade. Dando continuidade ao trabalho de campo, soube-se que todas as tardes um grupo de meninas se reunia para ensaiar músicas de boi-bumbá. Ficamos muito curiosos em saber como funcionava, se era pago, quem ensinava, e principalmente queríamos entender o que motivava essas pessoas a realizar essa atividade. No primeiro contato com o ambiente, notou-se que era uma casa, utilizada só para aulas de dança de boi-bumbá, com um grande espelho fixado na parede, para auxiliar os dançarinos. Quem nos recepcionou foi uma moça chamada Eriane Santos Ribeiro, de 28 anos de idade, que se apresentou como Dozinha, muito simpática. Apresentei-me, falei um pouco sobre o trabalho que realizo como pesquisadora. Ela muito se interessou e logo aceitou conversar e falar um pouco sobre sua vida e como o Boi-Bumbá faz parte do seu cotidiano. Esse contato foi informal, sem presença de gravador. Aos poucos fomos conversando e conseguindo entender sua trajetória. Primeiramente a intenção era compreender qual a sua ligação com a festa do Boi-Bumbá. A colaboradora informou que é brincante do boi, representando, a Cunhã Poranga, já há dois anos consecutivos e que no ano de 2012 faria sua última apresentação8. Durante a conversa, o brilho nos olhos da colaboradora foi inevitável, ao relatar sua história de vida, sempre ligada à festa do boi-Bumbá. Durante a sua infância sempre acompanhou a organização da festa, pois sua madrinha é a 8 Eriane não se apresentou em 2012, devido às mudanças de presidente do Boi-Bumbá Malhadinho 44 fundadora do boi-Bumbá Flor do Campo, a colaboradora destaca que sempre teve grande habilidade com a dança e durante os ensaios treinava as meninas para ser destaque na festa, sempre com grande satisfação, sem cobrar nada pois tinha prazer no que fazia. Apesar de laços parentescos com a nação vermelha e branca, foi no Bumbá azul que Eriane firmou seus laços. Durante anos vem sendo brincante do boi, respectivamente 1 ano como dançarina, 3 anos como Porta Estandarte, 2 anos como membro da trupe9 e um ano como Cunhã Poranga. Em meio às suas palavras a colaboradora escondia um grande desejo, um sonho que crescia durante sua adolescência. Em relato, enfatizou que mesmo já tendo atuado como Porta Estandarte, almejava desde os quinze anos, ser Cunhã Poranga do Bumbá azul e branco, o boi do coração. Esse sonho foi ficando mais próximo com o convite da organização do Boi Malhadinho, para ser a Cunhã Poranga e representar o bumbá azul na arena. A colaboradora não escondeu seu entusiasmo ao relatar a emoção que sentiu com esse convite que era esperado há 15 anos. Era a realização de um sonho. Crescia um grande sentimento pelo boi Malhadinho, que lhe ofereceu essa oportunidade. Sem dúvidas era seu boi do coração. Durante a apresentação do festival, a colaboradora relata que não existiria palavra que descrevesse a sua emoção, sem explicação mostrar a cultura do BoiBumbá, um sentimento único que transborda no peito: “só em pensar as pessoas olhando e admirando meu trabalho é muito gratificante, muita satisfação” 10. Sua maior realização foi trazer o título para o boi-bumbá Malhadinho com a melhor nota do festival como Cunhã Poranga. Nossa conversa era embalada ao som de toadas do Boi-Bumbá Garantido, que apesar de ser o Bumbá vermelho, não deixa de fazer parte do repertório tocado nos ensaios: “Nossa festa é de Boi-Bumbá Nosso ritmo é quente, amazonense É o batuque misturado, apaixonado Tem a cara do Brasil Coisa assim nunca se viu É o balanço que imita banzeiro Tem cheiro de beira de rio...” (Toada Boi-Bumbá Garantido, 2011) 9 Grupo de dançarinos que se apresentam através de coreografias, durante a festa do Boi. Palavras da colaboradora. 10 45 A toada era contagiante, o volume era alto, a metros de distância era possível ouvir. Nota-se que várias meninas chegavam ao local e logo procuravam seus lugares em frente ao espelho pra começar a dançar as toadas de Boi. Dozinha relatou que aquela casa era destinada só pra os ensaios, e ensinar as meninas que queiram aprender a dançar. Logo as alunas convidam Eriane para compor o grupo das dançarinas. Nosso encontro se encerra ao som da toada, um dois pra lá dois pra cá que contagia a cada batida de tambor. É uma perna ou um braço que se move involuntariamente, o coração passa a acelerar junto com o ritmo quente da toada. Continuava a busca por vivenciar essa cultura, buscando novos relatos que pudessem contribuir com a pesquisa, tive contato com uma brincante de boi-Bumbá que mencionou uma família que admira muito a festa do boi. Logo parti em busca de conhecer a história de vida dessa família, que tem ligação com a formação da cultura na região e até hoje vivencia essa manifestação folclórica na Amazônia. Chegando ao local informado pela brincante, conheci um casal muito carismático, o Sr. Paulo e a dona Cacilda. Passamos a conversar sobre o tema de minha pesquisa, eles foram muito atenciosos, e logo se colocaram à disposição como colaboradores da pesquisa. O objetivo a ser alcançado como pesquisadora é compreender como a brincadeira de Boi passava a influenciar na vida desses colaboradores, isso tornava a pesquisa muito empolgante, pois a cada conversa com os colaboradores tinha-se uma impressão diferente, realidades totalmente distintas, mas eles sempre demonstravam o mesmo encantamento quando se tratava do brincar de boi. É essa essência que buscamos, identificando qual o devido papel das emoções desses colaboradores na formação do lugar. Dessa forma, a conversa com a família do Sr. Paulo foi de grande valia para a pesquisa, pois foi possível compreender como essa manifestação folclórica se iniciou e faz parte dessa família até os dias de hoje. O Sr. Paulo nasceu em Itacoatiara-AM, chegando ao município de Guajará-Mirim em 1965. Conheceu a cultura do Boi-Bumbá no Amazonas e quando chegou a Rondônia percebeu que também existia essa tradição. Isso o deixou muito feliz, pois passou a se sentir em 46 casa. O Sr. Paulo conseguiu vivenciar melhor essa cultura com a sua participação na UMAM, que foi onde tudo começou. O presidente da UMAM na época era o Sr. Aderço Mendes. Nas palavras do colaborador, Aderço foi o fundador dos Bois em Guajará-Mirim. O Sr. Paulo estava em constante contato com a organização dos Bumbás, iniciando assim a história de vida com a Cultura do Boi-Bumbá. Segundo seus relatos, na época em que tudo começou não havia dinheiro envolvido na brincadeira. Tudo era feito de forma inocente, enchendo os olhos de quem pudesse assistir. Hoje já tem muito dinheiro envolvido, atraindo pessoas que não gostam da cultura, mas estão envolvidos pelo recurso que irá chegar pra cada boi. O colaborador destaca que antigamente a rivalidade era vista só entre os dois Bumbás na arena e hoje consegue observar a rivalidade não só na arena entre os Bois, mas também dentro da organização de um só Bumbá, podendo ser vista com a disputa de poder que existe no Boi-Bumbá malhadinho. Nosso colaborador ainda destaca que a sua casa é dividida em azul e vermelho, pois o envolvimento dos filhos se divide nas duas agremiações. Continuando com o trabalho de campo, utilizamos também a memória e vivência da Sra. Bernadete Deike, participante do festival folclórico como organizadora do Bumbá Malhadinho. Ela nos proporcionou uma conversa muito agradável, em que pude aos poucos compreender o que o Boi-Bumbá representa em sua vida. Em meio as suas palavras, a colaboradora relatou que o boi representa força, coragem, vontade de lutar cada vez mais por algo, que além de dar muita alegria, também proporciona o bem-estar de pessoas que durante o ano estão ociosos na sociedade. A Sra. Bernadete afirma que quando chega a época em que há trabalho no boi se sente mais feliz, pois muitas dessas pessoas ociosas encontram um trabalho, muitas vezes sem salários, trabalham somente recebendo as refeições. Mesmo assim, se doam de corpo e alma, dia e noite, e acabam se sentindo gratificados, com a sensação de dever cumprido, somente em ver a beleza do seu trabalho na arena do Bumbódromo. A colaboradora destaca que essas pessoas ajudam a concretizar um sonho, alegrando a si mesmas e aos que vêm assistir ao 47 Festival Folclórico. Por fim, a colaboradora encerra nossa conversa com as seguintes palavras: “Então o boi faz parte inteiramente da minha vida, que tenho por objetivo contribuir para a felicidade do outro, nessa época transbordamos energia e o nosso sangue passa a ser cada vez mais azul” A visita a campo foi realizada nesse primeiro momento, um primeiro contato foi firmado com a comunidade que passou a ter conhecimento da pesquisa. Durante o mês de junho foi realizado um trabalho de campo no Município de Parintins-AM, com a intenção de realizar uma análise comparativa em relação aos dois municípios. Como já havia notado, Guajará-Mirim sofre uma forte influência cultural vinda de Parintins, essa característica é notória desde origem dos Bumbás no município. Todos os anos as organizações dos Bumbás visitam Parintins em busca de novas influências, coreógrafos, artesãos, toadas e outras características que possam também, ser usadas nos festivais. A saída foi prevista para o dia 25 de junho, com saída de Porto Velho-RO, rumo a Manaus-AM. Chegando à capital do Amazonas, foi necessário pegar uma embarcação até o destino final, a ilha Tupinambarana. A embarcação partiu ao meio dia rumo a Parintins. Após a acomodação dos tripulantes, pude ter uma noção do que iria encontrar pela frente. O barco era movido à alegria dos tripulantes. A embarcação estava em festa. A primeira pessoa com a qual mantivemos contato foi a Dona Nídia, uma senhora de aproximadamente 60 anos, com espírito de uma criança. A sua alegria contagiava a tripulação, suas belas unhas pintadas de azul simbolizavam seu amor pelo boi Caprichoso. Dona Nídia mora em Manaus e todos os anos faz questão de prestigiar a festa dos Bumbás. Sua expectativa em relação ao festival era grandiosa. Ela expressava com muita alegria a sua emoção em brincar de boi. Caprichoso desde a infância, Dona Nídia relatou que todos os anos, quando se aproxima o festival, seus filhos ficam muito preocupados e não querem deixá-la ir até Parintins apreciar a festa, mas sempre persistente ela não desiste e compra com bastante antecedência sua passagem de barco rumo à ilha Tupinambarana. Durante nossa conversa, foi questionado se durante os outros meses em que não ocorre o festival, ela também vivencia essa cultura em Manaus, com a mesma 48 intensidade que vivencia o festival. Sua resposta foi clara e objetiva, o Boi Caprichoso está no seu coração e não tem um só dia em que não viva essa cultura. No meio de suas roupas o azul é marcante e quando ganha uma peça de roupa vermelha não tem quem a faça usar. Nossa viagem segue, a paisagem é deslumbrante, o encontro das águas11 é uma perfeição da natureza que se espelha na imensidão de água que corre pela nossa Amazônia. A paisagem encanta os visitantes, fazendo nascer um sentimento de pura admiração. Em meio a conversas com a tripulação, percebe-se que muitos estavam indo a Parintins em busca de oportunidade de emprego, do tipo temporário, que sempre surge nessa época do ano. Outros estavam levando bebidas para comercializar durante o festival e também existiam famílias que aproveitam a festividade para visitar parentes e aproveitar o calor do festival folclórico da Amazônia. Essas pessoas que se movimentam para adquirir alguma renda durante o festival estão acostumadas a visitar as diversas festas que existem na Amazônia. Aproveitam pra conhecer, brincar e também para trabalhar. Com os pés em terra firme, nota-se a população em constante trabalho para receber os visitantes, os carrinhos de triciclos, que funcionam com uma pessoa pedalando e transportando outras à sua frente, são ma característica da cidade, além da venda de café da manhã em barracas para atender a demanda de pessoas que chegavam ao início da manhã. Outra observação a destacar na chegada é a grande quantidade de embarcações que disputavam lugar em torno do Porto de Parintins. Esses barcos funcionavam também como dormitórios para as pessoas que não tinham onde ficar durante a visita ao município. Toda a cidade estava em festa, casas pintadas com a cor do boi do coração, bandeiras colorindo a cidade, cartazes, propagandas, tudo girava em torno da Cultura do Boi-Bumbá. A prefeitura aproveitou a ocasião para realizar uma manifestação contra a violência sexual contra crianças e adolescentes e também contra o trabalho infantil. 11 O encontro das águas ocorre na medida em que os cursos dos Rios Negro e Solimões se juntam para formar o Rio Amazonas. 49 Notamos a total interação entre os dois Bumbás. A rivalidade só é vista na arena do Bumbódromo. Os dois grupos se mobilizam em prol dessa ação social, seguindo pelas ruas da cidade e parando na praça localizada próximo ao porto, justamente para atrair os inúmeros turistas que circulavam pela área. Essa manifestação se justifica a partir da tentativa de conscientização da população e dos visitantes contra a violência e exploração de crianças, pois essa prática pode ocorrer durante a festa, quando o número de pessoas que chegam à região é grandioso. O trabalho de campo continua com as visitas aos espaços destinados à administração e às atividades dos Bumbás. O primeiro espaço a ser visitado é o galpão do Bumbá Caprichoso, destinado à elaboração e confecção das artes apresentadas na arena do Bumbódromo. Com dimensões grandiosas comporta um grande número de alegorias e trabalhadores, sendo eles artesões, pintores, serralheiros, seguranças, secretárias entre outros. Do lado de fora do barracão existem várias estruturas que já foram utilizadas em outros festivais e agora são reaproveitadas nas montagens das novas alegorias. Chegando à entrada do galpão do Caprichoso, conversei com algumas pessoas que trabalham no local, na tentativa de compreender esse universo, rico em significados e valores que moldam a população da região. A recepcionista, chamada Eliane, relata que existem muitas famílias inseridas na elaboração da arte. São pais, filhos, esposas, sobrinhos, que trabalham em prol de uma cultura. A colaboradora expõe também que a festa do boi possui uma grande responsabilidade social, tratando-se de um compromisso econômico com essas famílias, que dependem desses trabalhos para manter seu sustento. Durante a visita ao Galpão do Caprichoso tivemos a oportunidade de conhecer o Diretor de Arte, Rogério, responsável pelas alegorias que são apresentadas na arena. Ele mostrou como funciona a estrutura dentro de um galpão de confecções de alegorias. É impressionante como todas as alegorias se encaixam, tornando um espaço considerado grande a um reduzido caminho entre as alegorias que serve para os trabalhadores transitarem. Também foram visitados o Curral Zeca Xibelão e o escritório escolinha de artes - Miguel de Pascalle. 50 Em meio à interação com a comunidade, pude perceber que a cultura do boiBumbá se propaga por toda a região Norte, formando espelhos de representação folclórica em grande parte dos municípios. Um novo modelo econômico se forma na Amazônia, podendo até ser analisado como uma indústria que gera renda para a população, que se prepara o ano inteiro pra a realização de uma festa. A festa conta com um forte mecanismo de patrocínio nos Bois-Bumbás, que, além de arrecadarem recursos do Governo do Estado, também contam com as apresentações pelo Brasil afora e dos eventos que mensalmente realizam, como feijoadas e shows, contando ainda com o forte apoio de patrocinadores. É dia de festival em Parintins. A fila para entrar no Bumbódromo é grandiosa. A população enfrenta um sol de 40 graus pra assistir ao festival de perto. Várias torcidas organizadas estão presentes na entrada. A comunidade reclama que ficam mais pessoas fora do Bumbódromo do que dentro. A disputa pelo espaço na fila é acirrada. O Festival começa com os Bumbás apresentando seus temas. O Boi-Bumbá Caprichoso traz o tema “Viva a Cultura Popular”, e o Boi-Bumbá Garantido apresenta o Tema “Tradição”. Em constante contato com a comunidade, conheci dona Bernadete Ferreira, 37 anos, torcedora do Garantido. Moradora de Parintins, afirma sentir um impulso muito grande, uma grande emoção. Como podemos observar em suas palavras: “Nasci aqui, já é uma tradição, uma cultura que nasce com agente. O importante é estar aqui assistindo e sentindo. Faça chuva ou faça sol, eu estou aqui. É uma brincadeira, uma rivalidade tranquila, a cidade se divide, azul e branco é uma brincadeira que envolve todos que querem ver seu boi ganhar”. Durante os três dias de festival, nota-se um grande número de turistas circulando pela região. Eles acabam interagindo nas filas, nos ensaios, nas praças, movimentando toda a cidade. Por fim, encerra-se o trabalho de campo no município de Parintins, diversos questionamentos sobre a cultura amazônica passam a ser evidenciados e logo serão tratados no decorrer do texto. A segunda visita a campo no município de Guajará-Mirim, foi realizada em agosto de 2012, mês em que ocorre o Festival Folclórico. Os ensaios dos Bumbás 51 se iniciaram no dia 10 de julho e funcionavam a todo vapor. O enredo de cada Bumbá já estava definido. O Boi-Bumbá Malhadinho com o tema: “Nos trilhos da emoção”, em homenagem aos 100 anos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, e o Boi-Bumbá Flor do Campo com o tema: “Paminé, o renascer da floresta”, em homenagem à tribo indígena dos Suruís. À época da visita, as coreografias eram definidas, os itens de destaque eram apresentados à comunidade, as alegorias já tinham sido desenhadas e já estavam sendo confeccionadas em parte no Bumbódromo e outra parte em frente das casas dos organizadores de cada agremiação. A cidade já se prepara pra receber o festival, a entrada da cidade estava decorada com bandeiras nas cores dos Bumbás, as calçadas decoradas nas cores azul e vermelho, as escolas decoravam suas fachadas, o comércio passava a se preparar para receber o festival. A rede de hotéis da cidade encerrara suas reservas no mês de junho e os turistas que não conseguiram vagas se hospedavam na Bolívia. Os Bumbás se apresentaram nos dias 10, 11 e 12 do mês de agosto. No período do festival, a cidade é tomada pela cultura do boi–Bumbá. Carros passam tocando toadas de boi, bandeiras são erguidas para simbolizar o amor pelo boi de coração, casas são decoradas e até mesmo utilizadas para a confecção de fantasias do espetáculo. Pouco a pouco fomos realizando a pesquisa, cada representação foi registrada, cada emoção foi percebida, todos os elementos que passam a girar em torno dessa cultura não passaram despercebidos aos nossos olhos e serão tratados no decorrer dos próximos capítulos. 52 CAPÍTULO III CAMINHOS TEÓRICOS E REFLEXÕES Foto 07: Galera do Boi-Bumbá Malhadinho, durante o Festival Folclórico de Guajará-Mirim. Fonte: Acervo do Jornal/O Mamoré, 2012. 53 3.1. Compreendendo a Geografia Cultural e Humanística Para a compreensão da abordagem Humanística presente na Geografia, foram utilizados alguns autores para embasar a pesquisa com subsídios importantes para a discussão. Entre eles, destaca-se Yi-Fu Tuan, por ser um grande precursor no uso de conceitos de lugar e mundo vivido, com bases fenomenológicas. A Geografia Humanística passa a constituir um papel de grande importância na configuração dos estudos científicos, abrangendo tanto as inúmeras categorias de análise do homem na superfície terrestres, valorizando a paisagem como conceito, quanto às teorias geográficas, como pode ser observado em TUAN (1985,p. 163): A geografia Humanística é crítica e refletiva. O mundo dos fatos geográficos inclui não somente o clima, as propriedades agrícolas, os povoamentos e as nações-estados, mas também os sentimentos, os conceitos e as teorias geográficas. Nota-se que a Geografia Humanística tem como uma das suas atividades o estudo do conhecimento geográfico, e foi questionando o que seria de fato esse conhecimento, que se passou a refletir sobre a real relevância dessa ciência para a sociedade. A partir desses conhecimentos, buscou-se compreender alguns conceitos básicos da Geografia, como a noção de espaço, localização, lugar, assim como entender também os sentimentos e ideias que cada indivíduo possa criar sobre o mundo. A geografia Humanística procura um entendimento do mundo humano através do estudo das relações das pessoas com a natureza, do seu comportamento geográfico bem como dos seus sentimentos e ideias a respeito do espaço e do lugar. (Ibidem, p. 143) A Geografia Humanística valoriza os sentidos humanos, a experiência do indivíduo ou do grupo, visando compreender o comportamento e as maneiras de sentir das pessoas em relação aos seus lugares (CHRISTOFOLETTI, 1985), além de buscar o subjetivo, que é interpretado a cada manifestação social, investigando qual o papel da emoção e do pensamento na ligação com o lugar. Os interesses sobre espaço e cultura na perspectiva das vivências sensíveis surgem através do estudo da fenomenologia. A tendência passou a ser popularizada 54 a partir dos autores Yi-Fu Tuan, Edward Relph e Anne Buttimer, que inseriram em suas abordagens cientificas e metodológicas esse novo paradigma conceitual. De acordo com Paul Claval (2001, p. 63), a cultura é indispensável ao indivíduo no plano de sua existência material, pois ela permite sua inserção no tecido social, quando proporciona uma significação à sua existência e à dos seres humanos que o circundam e formam a sociedade da qual se sentem membro. Neste sentido, A cultura é a soma dos comportamentos, dos saberes, das técnicas, dos conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante suas vidas e, em outra escala, pelo conjunto dos grupos de que fazem parte. A cultura é herança transmitida de uma geração a outra. Ela tem suas raízes num passado longínquo, que mergulha no território onde seus mortos são enterrados e onde seus deuses se manifestaram. Não é, portanto um conjunto fechado e imutável de técnicas e de comportamentos. Os contatos entre povos de diferentes culturas são algumas vezes conflitantes, mas constituem uma fonte de enriquecimento mútuo. A cultura transforma-se, também, sob o efeito das iniciativas ou das inovações que florescem no seu seio. […] Os membros de uma civilização compartilham códigos de comunicação. Seus hábitos cotidianos são similares. Eles têm em comum um estoque de técnicas de produção e de procedimentos de regulação social que asseguram a sobrevivência e a reprodução do grupo. (CLAVAL, 2001, p.63). Dessa forma, compreende-se que o território reflete a cultura vivenciada pela sociedade. Os membros do grupo social dividem espaços e se relacionam, transmitindo seus hábitos cotidianos no território. Essa nova abordagem Cultural presente na ciência geográfica ganhou cada vez mais voz com as perspectivas humanísticas, fomentadas nas ações e valores que o ser social impõe ao lugar onde vive. Assim, o homem passou a ser visto como agente formador de seu próprio espaço. Surge assim a Geografia Cultural e Humanista, que destaca o estudo da fenomenologia como forma de reflexão sobre a ação humana no espaço. Essa nova forma de pensar sobre as ações do homem que a Geografia Cultural propõe será compreendida a partir das representações culturais. A Fenomenologia surge como uma forma de acesso e informação do mundo, segundo Merleau-Ponty (1945), A fenomenologia é o estudo das essências; e todos os problemas, segundo ela, voltam a definir as essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo. Mas a fenomenologia é também uma filosofia que recoloca a essência na existência, e não pensa que se possa compreender o homem e o mundo de outra forma, que não seja a partir de sua ‘facticidade’. É uma filosofia transcendental, que põe em suspenso, para 55 compreendê-las, as afirmações da atitude natural, mas é também uma filosofia para a qual o mundo já está sempre lá, antes da reflexão, como uma presença inalienável, e cujo esforço de reencontrar o contato ingênuo com o mundo pode lhe dar, enfim, um status filosófico. (p. I) A percepção a que Merleau-Ponty faz referência é o campo de interpretação do mundo, ou seja, da experiência, a percepção é a junção do sujeito com objeto de uma forma que se tornem um só. Para o autor, “a fenomenologia recoloca a essência na existência”, ou seja, a essência não é o objeto e não se pode pensar a essência distante do mundo. Pensa-se a fenomenologia como a representação do mundo vivido. A Fenomenologia busca estabelecer as análises partindo da intencionalidade do sujeito, que é característica da consciência. Assim, foi possível desenvolver um trabalho fundamentado na percepção do espaço de ação e representação dos grupos de Bois-Bumbás. Desse modo, os grupos de Boi-Bumbá podem ser analisados sob o viés da Geografia Cultural. A sociedade se organiza de forma diferenciada. Até mesmo as mais conservadoras passam por esse processo de diversificação através dos processos culturais. Cada grupo se organiza e mantém suas relações sociais através da cultura que o compõem, assim o espaço passa a ser percebido e vivido sob essa cultura. Para compreender melhor, buscou-se nas obras de Geertz o conceito de cultura onde, O conceito de cultura que eu defendo […] é essencialmente semiótico. […] o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado. É justamente uma explicação que eu procuro, ao construir expressões sociais enigmáticas na sua superfície (GEERTZ 1989, p. 15). Para o autor, essas teias representam a cultura que interliga o homem, proporcionando a comunicação e socialização entre os indivíduos, assim proporcionando vivências comuns. Dessa forma, a cultura pode ser observada como se fossem teias de significações, em que os indivíduos estabelecem conexões. O espaço da pesquisa é repleto de significados e mitos e passa a ser desvendado a cada vivência. Dentre as manifestações da cultura popular, no Brasil, a festa do Boi-Bumbá evidencia as características do homem amazônico. É através 56 de suas estruturas artísticas que a festa traz em sua performance teatral o cotidiano da vida cabocla, no momento que demonstra a vida ribeirinha e também os grupos indígenas, com a representação dos rituais, retratando a dança e costumes dessas populações. 3.2. O espaço simbólico da festa do Boi-Bumbá A reflexão em torno do espaço se inicia através dos estudos sobre cultura, uma vez que esse conceito permite explorar o concreto e o simbólico das ações sociais. A cultura permite ir além do palpável, os símbolos, signos e significados passam a caracterizar o imaginário do individuo. Dessa forma, “se desejarmos entender o espaço, precisamos considerar seu significado simbólico e a complexidade de seu impacto sobre o comportamento, já que este está intimamente ligado ao processo cognitivo”. (HARVEY 1980, p.20) Pensando dessa forma, buscou-se em Dardel (2011) o conceito de espaço, considerando que nosso trabalho possui característica fenomenológica. Tratando das sensações humanas, o autor dispõe: o espaço geográfico não é um espaço em branco esperando para ser colorido ou preenchido. A ciência geográfica pressupõe um mundo que pode ser entendido geograficamente e, também, que o homem possa sentir e conhecer a si como sendo ligado à Terra. (DARDEL, 2011 [1952], p. 33). O autor considera o espaço geográfico como algo já existente, ao qual o homem se integra e no qual realiza suas ações, despertando sensações e emoções de forma inteiramente ligada à Terra. Assim, os processos culturais e as relações socioculturais são agentes formadores desse espaço. Esse processo se inicia na comunicação, em que a cultura é transferida de uma geração a outra, concebendo a inserção de costumes, conhecimentos, valores que o indivíduo passa a receber. Desta forma percebemos a fundamental importância da Cultura na formação do individuo, como pode ser observado na citação a seguir: As culturas não representam somente um gênero de vida uma maneira de viver e sobreviver; são também uma arte de viver, e mesmo, além disso, 57 uma razão de viver. Uma cultura dá sentido e significado ao mundo: propõe uma visão de mundo, uma ordem de pensamento. Esta ordem de pensamento baseia-se em crenças, mitos, valores. Daí resulta uma ética e uma estética, uma moral e uma arte. Todo grupo humano, para se constituir tem necessidade desta ordem cultural ao mesmo tempo ética e estética – os dois ligados. Esta ordem repousa ao mesmo tempo na razão e na sensibilidade. As culturas têm necessidade de crer em si mesmas; se não, é o caos. Esta visão do mundo é uma explicação do mundo, uma maneira de vê-lo, de percebê-lo, de senti-lo. (BONNEMAISON, 2001, p.92) O autor acredita que para se compreender o que dá sentido à vida é necessário ter sensibilidade à vida interior, dando importância aos sentidos, às crenças, aos valores, para assim estabelecer uma ligação com os espaços em que se vive. A geografia procura compreender os sentidos que compartilham os homens para assim identificar as estruturas do espaço de cada grupo. Segundo Dardel (1952), À fronteira do mundo material, onde se insere a atividade humana e o mundo imaginário, abrindo sua simbólica à liberdade do espírito, encontramos aqui uma geografia interior, primitiva, onde a espacialidade original e a mobilidade profunda do homem desenham as direções, traçam caminhos para outro mundo; a ligeireza libera-se do peso para se elevar ao topo. A geografia não implica somente em um reconhecimento da realidade terrestre na materialidade, conquista-se a mesma coisa como técnica de irrealização, sobre a realidade mesma. (DARDEL, 1952, p.7) Assim, o mundo visível e material reflete características de atividades humanas, mas principalmente da força do imaginário do homem, que firma suas opiniões, valores, crenças no espaço, fomentando cada vez mais uma geografia interior, em que os sentidos e as sensações interferem diretamente na construção do espaço. Esses espaços culturalmente transformados surgem a partir de experiências, pois é onde ocorrem as relações diretas e indiretas entre os indivíduos. Assim, o conceito de espaço vivido, em toda a sua complexidade, aparece como revelador das realidades regionais. Será utilizado na presente pesquisa o conceito do geógrafo francês Armand Frémont (1980), que explica, O espaço vivido é uma experiência contínua. (...) O espaço vivido é um espaço movimento e um espaço-tempo vivido. (...) O espaço vivido é também, desde a mais tenra idade, um espaço social. (...) Mas temos de constatar que, se o espaço vivido acende às conceptualizações racionais da inteligência, ao raciocínio num espaço cartesiano e euclidiano, também se 58 revela portador de cargas mais obscuras, em que se misturam as escórias do afectivo, do mágico, do imaginário. (FRÉMONT, 1980, p. 26-27) A compreensão do espaço não é alcançada apenas por meio da observação, trata-se de compreender a relação emocional que o homem estabelece com suas vivências. Dessa forma, entende-se que o espaço além de ser percebido, sentido e representado, ele também é vivido. O espaço torna-se heterogêneo, pois cada um tem a sua individualidade e atribui de forma diferente característica nesses lugares, pelo que a caracterização do lugar é tão importante para se entender a subjetividade. Como se pode observar, o espaço vivido de Frémont (1980) se entrelaça à ideia de espaço de ação proposta por Cassirer (1975), em que esse se compõe das vivências, da materialidade e da imaterialidade da cultura. As relações estabelecidas entre eles passam a ganhar formas e adquirir valores, denominados simbólicos, construídos na mente humana e que muitas vezes se concretizam nas representações. Desse modo, os conceitos formulados por esses autores indicam uma experiência contínua, um espaço-movimento e um espaço-tempo de vivências. Para Cassirer (1975, p.165 [1956]), o espaço de ação pode ser entendido a partir dos conteúdos sensíveis produzidos e entendidos como simbólicos, desenvolvidos pela consciência. O espaço de ação interfere diretamente na formação cultural de um grupo, de certa forma, porque o ser humano tem uma grande habilidade de transformar em elementos simbólicos as suas experiências refletidas diretamente na representação. Assim, o conceito de mundo vivido ajudará a entender o ser humano e sua organização no espaço. [...] o mundo vivido é definido de acordo com as experiências fenomenais e pelas comunicações, experiências cotidianas que envolvem os indivíduos que possuem convívio sociabilizado. Por isso, é imprescindível compreender o corpo e suas características, as especificidades e influência que são demonstradas no lugar vivido (CASTRO, 2012, p.31). Analisar o espaço a partir dessa subjetividade e das experiências vividas permite entendê-lo como simbólico, pois o ser social designa os símbolos que favorecem a relação do homem com o espaço e com a formação do lugar. Logo são conferidos significados e valores que explicam sua existência no mundo e definem a ordem social. 59 Pode-se constatar, por meio dessas considerações, que as referidas abordagens têm se consolidado nas pesquisas geográficas, atualmente apontando em direção a interessantes perspectivas na busca dos significados que a sociedade atribui ao espaço, tornando-se abrangente e diversificada, permitindo proceder a análises das interfaces existentes na estruturação do espaço geográfico. 3.3. Vivências e experiências: compreendendo a formação do lugar O conceito de lugar é um elemento chave no estudo da geografia, já discutido por diversas vezes dentro do pensamento geográfico. Será feita uma abordagem deste conceito sob uma perspectiva cultural e humanística na geografia. De acordo com Tuan (1983) “o espaço transforma-se em lugar a medida que adquire definição e significado”. Dessa forma, o lugar é caracterizado pelos diversos valores atribuídos pelos seres humanos. Segundo Claval 2011, (...) os lugares não têm somente uma forma e uma cor, uma racionalidade funcional e econômica. Eles estão carregados de sentido para aqueles que os habitam ou que os frequentam. As pesquisas sobre percepção do espaço e do ambiente desenvolvidas pelos psicólogos são proveitosas. O romance torna-se algumas vezes um documento: a intuição sutil dos romancistas nos ajuda a perceber a região pelos olhos de seus personagens e através de suas emoções. (p.55). Sendo assim o lugar têm características específicas que são geradas por quem o vivencia, marcado por diversas significações, que atribui valores a esses espaços. O indivíduo estabelece relações no lugar e assim adquire sensação de familiaridade nesse ambiente, pois aí constrói uma ligação entre o homem e o meio em que vive. A consolidação do conceito de lugar é firmada na década de 1970, em decorrência da atenção dada às relações de afetividade que o homem desenvolve no meio em que vive. Alguns conceitos foram de grande valia para compreensão desse lugar estabelecido pelos sentidos, sendo eles a fenomenologia, a hermenêutica, o existencialismo, entre outros. Um autor de grande destaque desses estudos é Yi-Fu Tuan, cujas considerações partem do conceito de que o lugar é repleto de afetividades, 60 conforme explanado em sua obra Espaço e Lugar (1983), em que o termo chave é a “experiência”. Para este autor “os lugares são centros aos quais atribuímos valor” (Tuan, 1983, p. 4), ou seja, o lugar pode atribuir um profundo significado através do consecutivo acréscimo de sentimentos que vivenciamos ao longo dos anos. Assim o “lugar é um centro de significados construído pela experiência” (Tuan, 1975, p. 159). Em sua obra “Topofilia”, Tuan (1980) trabalha o conceito de lugar através de sua representatividade, por ser um espaço extremamente carregado de valores simbólicos que a cultura expressa no grupo social estabelecido. Nessa obra, o autor valoriza a vivencia do indivíduo, pois cada vivência revela um emaranhado de sentimentos que passam a fazer parte desses ambientes. Segundo o autor, o sentido topofílico revela “o elo afetivo existente entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico.” (TUAN, 1980: 34). Ainda considerando o pensamento e reflexão do autor, destaca-se que a experiência é o ponto crucial de toda a análise. É a partir da sensação, percepção e concepção que se materializa a experiência no ambiente físico. Logo, experiência é um termo que abrange as diferentes maneiras através das quais uma pessoa conhece e constrói a realidade. Estas maneiras variam desde os sentidos mais diretos e passivos como o olfato, paladar e tato, até a percepção visual ativa e a maneira indireta de simbolização (TUAN, 1983, p.09). Outros autores também atribuem significados ao conceito de lugar. Frémont (1980) traz em sua obra “Espaço Vivido” a afirmação de que os lugares no entanto formam a trama elementar do espaço. Constituem numa superfície reduzida e em redor de um pequeno número de pessoas as combinações mais simples, as mais banais, mas talvez também as mais fundamentais das estruturas do espaço: o campo, o caminho, a rua, a oficina, a casa, a praça, a encruzilhada... Como bem o diz a palavra, através dos lugares, localizam-se os homens e as coisas. (FRÉMONT, 1980 p. 121, 122). Assim, o lugar é formado a partir de uma superfície reduzida, ou seja, um grupo delimitado de indivíduos passa a estruturar o espaço nas combinações mais simples e banais do cotidiano Outro autor que enfatiza o conceito de lugar é Claval (2001), que busca interpretar e compreender as relações sociais através da Cultura. Logo, 61 a cultura é um dado fundamental na compreensão dos lugares. Ela permite perceber os laços que os indivíduos tecem entre si, sobre a maneira como instituem a sociedade, como a organizam e como a identificam ao território no qual vivem ou com o qual sonham (CLAVAL, 2011 p.11). Sendo assim, o estudo do lugar proporciona uma análise mais aprofundada das relações que os indivíduos estabelecem, possibilitando uma melhor compreensão das diversas representações sociais existentes no espaço vivido. É através das formas de representações que passamos a compreender a organização do espaço. Ao analisar as representações no espaço identificamos e compreendemos a formação do lugar, pois é nele que os grupos sociais se relacionam e atribuem sentidos. Assim, a organização desse lugar reflete a manifestação de sua cultura, cada povo estabelece uma forma diferente de se organizar, sendo possível através das experiências. Dessa maneira, os grupos de Boi-Bumbás de Guajará-Mirim organizam e representam o seu lugar de forma única, estimulando os sentidos, as emoções, a experiência, formulando ideias e assim sendo vivenciado por contínuas gerações, assim as representações se caracterizam. Observamos e vivenciamos essas representações no trabalho de campo, principalmente através do contato direto com a comunidade, com relatos, histórias de vida e narrativas compreende-se o lugar e os valores atribuídos a ele. Os grupos de Boi-Bumbá demonstram a sua ligação com o lugar, com as formas de organização que cada grupo possui, pela insistência em firmar essa cultura na região e também através das conquistas que essa cultura trouxe para a região, entre elas a construção do Bumbódromo e a elevação do desenvolvimento da cidade. É notório que a Cultura motiva diretamente a formação do lugar. 3.4. Representações sociais na cultura do Boi-Bumbá Até o fim dos anos 1960, a ciência geográfica realizava pesquisas principalmente no aspecto da materialidade, onde a paisagem era o principal ponto de investigação. Novas investigações se iniciam na década de 1970, com uma nova abordagem que passava a analisar os indivíduos e a sua experiência vivida no espaço. Segundo Claval (2011), é na década de 1980, que a tomada em 62 consideração das representações dá mais atenção ao discurso e à maneira como os homens falam do mundo, e como falam o mundo. O homem transforma os espaços culturais com suas ações, atribuindo representações simbólicas nesses ambientes de vivência e experiência. Dessa forma, constata-se que a paisagem é formada por símbolos que carregam características dos povos que o vivenciam. Assim, o homem pode ser visto como um ator social que modela os espaços culturais. Cada espaço possui características diferentes, novas paisagens se formam a cada momento, refletindo a cultura de seus habitantes. Pode-se compreender essas relações no espaço através da paisagem. Kozel (2012) afirma que cada paisagem é produto e produtora de cultura, e é possuidora de formas e cores, odores, sons e movimentos, que podem ser experienciados por cada pessoa que nela se insira, ou abstraído por aquele que a lê pelos relatos e/ou imagens. Nesse sentido, é por meio da paisagem que os elementos que integram no espaço “saltam aos olhos” do ser humano, “gritando aos seus ouvidos”, e envolvem nas suas dimensões sensíveis. (p. 69) E para compreensão desses elementos formadores do espaço, tratar-se-á de um conceito chave da presente pesquisa, a Geografia das representações, que nos fará entender o comportamento humano no espaço. Para melhor compreensão deste assunto, utilizaram-se alguns conceitos de Kozel. A autora explica que as representações em geografia constituem-se em criações individuais ou sociais de esquemas mentais estabelecidos a partir da realidade espacial inerente a uma situação ideologia, abrangendo um campo que vai além da leitura aparente do espaço realizada pela observação, descrição e localização das paisagens e fluxos, classificados e hierarquizados. (KOZEL, 2009, p. 216) Dessa forma, a representação torna-se uma ferramenta de investigação das ações humanas, que deixa de ser uma simples descrição, para tornar-se compreensão dos atores sociais e suas diversas formas de organização no espaço, O estudo das representações espaciais centra-se sobre as modalidades de apreensão do mundo e do status do real (...) É através de um conhecimento das representações das pessoas que é possível captar toda a riqueza de valores que dão sentido aos lugares de vida dos homens e mulheres; pelas representações também é possível entender a maneira pela qual as pessoas modelam as paisagens e nelas firmam suas convicções e suas esperanças. (ALMEIDA, 2003, p. 71) Assim, a formação do lugar se dá com a riqueza de valores que o homem acumula em sua trajetória, e a apreensão desse mundo, em que o homem insere 63 suas formas, é possível através do estudo das sensações e percepções, das linguagens e códigos voltados à comunicação e ao simbólico; pois o homem apreende o mundo com os sentidos e sensações e o decodifica por meio das representações, difunde sua aprendizagem e estabelece um sistema simbólico, anexando valores, e permitindo a construção de identidades. Para Gil Filho (2005, p. 53) [...] “a representação é a expressão concreta, que por manifestação, quer por emanação de uma vontade incontida do aqui e agora” [...]. Compreendendo assim as representações a partir de formas concretas, caracterizado pelas manifestações culturais. “I) A representação social é sempre de algo ou alguém, manifestando, assim, aspectos tanto do sujeito como do objeto. II) ‘A representação social tem como objeto uma relação de simbolização (substituindo-o) e de interpretação (conferindo-lhe significações)’. Especificamente é a expressão do sujeito além de uma perspectiva cognitivista, porque integra a análise das determinantes sociais e culturais. III) É sempre considerada uma forma de conhecimento. IV) É um saber prático erigido da experiência contextualizada” (GIL FILHO, 2005, p. 55-56). Dessa forma, analisaram-se as representações como uma forma de conhecimento que surge na organização da vida social. São criações sociais do real, em que o sujeito interage diretamente com o objeto. Assim, as representações coletivas seriam a própria trama da vida social, possuindo um caráter relacional tanto entre indivíduos como entre grupos sociais. Desse modo, são os fenômenos sociais que revestem as representações de seu caráter concreto e inteligível. (GIL FILHO, 2005, p. 55) As representações espaciais surgem a partir de um vivido humano, influenciado em seu comportamento, tanto no aspecto racional como imaginário, e com o passar do tempo se inserem novas características ao seu modo de vida. Portanto, a cultura do Boi-Bumbá, a cada ano que passa, atribui novas características ao modo de vida da comunidade, estabelecendo uma comunicação simbólica entre os indivíduos. Desse modo, as representações aparecem como fruto da comunicação. No entanto destaca-se que sem a representação não haveria comunicação no meio social. 64 CAPÍTULO IV UMA CONCEPÇÃO ACERCA DA FORMAÇÃO DA FESTA DO BOI-BUMBÁ EM GUAJARÁ-MIRIM Foto 08: Panorama do município de Guajará-Mirim, durante o Festival Folclórico de Guajará-Mirim. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012. 65 Acompanhando a trajetória cultural do Folguedo do Boi, em suas diversas manifestações pela Região Norte, chega-se à compreensão da origem e análise dessa cultura no município de Guajará-Mirim. Neste capítulo será desenvolvida uma análise sobre a contextualização histórica da cultura do Boi no município. Até o momento só tivemos acesso e conhecimento a um trabalho sobre o respectivo assunto, trata-se de uma monografia do curso de Administração de Empresas com Habilitação em Gestão do Ecoturismo, realizada através da Universidade Federal de Rondônia, campus/Guajará-Mirim, com o titulo “A brincadeira do Boi em Guajará-Mirim, Rondônia: Uma contribuição para o resgate histórico-cultural”. Desta forma este texto nos ajudou a compreender as primeiras manifestações de Boi-Bumbá na região. A primeira manifestação de Boi-Bumbá em Guajará-Mirim se deu através do Boi Estrela. Não existe documento que comprove a existência desse Bumbá, a comprovação surge a partir de relatos cedidos pelos moradores mais antigos da região. Os pesquisadores Georgina Negromonte e Ronaldo Negromonte, autores do trabalho de conclusão de curso, realizaram no ano de 2006 entrevistas com um antigo morador do município, Sr. Salomão Badra, que revela fatos importantes, vivenciados na década de 30 referentes ao Folguedo do Boi e que ratificam a existência do Boi Estrela: (...) o Boi-Bumbá era assim num acampado, onde era a prefeitura, antigamente. Na frente o pessoal ficava dançando o Boi. Mas o Boi era diferente de hoje. Tinha só o Boi, Catirina, outros personagens. Tinha o Nego Chico, tinha os índios e as cantorias que eles tinham. Eles cobravam, pagavam para eles cantarem. Matavam o Boi, tiravam a língua (...). Alguém começou aqui em 1938, 39, 40, por aí assim. Quase que na época da guerra, começou isso aqui. O Boi saía, o Boi desaparecia também, fugia, andavam procurando o Boi, um dia, dois dias aquele pessoa, todo fazia parte. Então era uma vez por ano. Era junho a época. (Depoimento do Sr. 12 Salomão Badra, 2006) Outra entrevista também realizada pelos pesquisadores foi bastante relevante para a comprovação da existência do Boi Estrela. O depoimento foi concedido pelo Sr. Wilson Fernandes (2006): 12 Entrevista coletada no trabalho de conclusão de curso “A brincadeira do Boi em Guajará-Mirim, Rondônia: Uma contribuição para o resgate histórico–cultural” - 2006. 66 Quando eu nasci já existia a brincadeira do Boi aqui. Eu nasci em 1919, todas essas coisas já existiam. Eu não sei como começaram (...). Tinha uns dois, três, um chamava Boi Estrela. (...) tinha um Boi aqui outro ali, outro 13 acolá. Às vezes até se juntavam e brincavam. Não existe uma comprovação específica do ano de fundação do boi-Bumbá Estrela, mas através desses relatos conseguimos observar o início da formação do Boi-Bumbá no município de Guajará-Mirim, que desde então não parou de crescer. A segunda manifestação folclórica de Boi-Bumbá no município é registrada a partir da década de 1960, com o Boi Pai do Campo, fundado pela Srª. Gregória Sampierre. O nome do Boi foi escolhido pela própria fundadora e tem sido referência para muitos moradores como a primeira amostra de Boi-Bumbá em Guajará-Mirim. A Srª Gregória sofreu influência da cultura do Boi-Bumbá ao assistir uma apresentação em Porto Velho. Desde então passou a confeccionar um boi de pano. Tempos depois passou a utilizar um Boi chamado Pai do Campo, que adquiriu em Porto Velho. O Boi Pai do Campo era composto pelos seguintes itens: Personagens folclóricos: Catirina, Nego Chico, Cazumbá, Vaqueiros, Amo do Boi, Rapazes, Dona do Boi, Mãe Maria, Madrinha do Boi e Índios; Músicos: Primeiro Amo, Segundo Amo e Terceiro Amo; Instrumentos: Tambor de couro de Boi e pandeiro; Fantasias: Eram definidas e planejadas pela Srª Gregória, eram confeccionadas e enfeitadas conforme o material disponível, mas cada brincante tinha a liberdade de melhorar a sua fantasia; Número aproximado de brincantes: 57 brincantes, divididos em 4 vaqueiros, 4 Amos do Boi, 4 Rapazes, Nego Chico, Catirina, Cazumbá, Madrinha do Boi, Dona do Boi e 40 Índios. As apresentações duravam cerca de uma hora e meia, tempo suficiente para cantarolar cinco toadas, nesse intervalo de tempo ocorria a morte do Boi. As apresentações eram pagas e de acordo com o poder aquisitivo o anfitrião da festa ainda fornecia refeições aos brincantes. 13 Entrevista coletada no trabalho de conclusão de curso “A brincadeira do Boi em Guajará-Mirim, Rondônia: Uma contribuição para o resgate histórico–cultural” - 2006. 67 Uma forma divertida de cobrar pela apresentação era feita pelo Nego Chico, que pegava a “tripa do Boi” e levava até o dono da casa, onde ocorria a festa que por fim enrolava o dinheiro e devolvia ao brincante. Em 1981, surge o Boi-Bumbá Flor do Campo. Sua fundadora dona Georgina Ramos da Costa, como se pode observar na imagem a seguir, passou a realizar as manifestações de Boi-Bumbá em uma das salas de aula da Escola Estadual Almirante Tamandaré, localizada bem em frente à sua residência. Os materiais utilizados para confecção do Boi eram diversos: cipó, carcaça, sucata, tecido, cola, papelão, jornal, barbante, buchas de cordas, agulhas, linhas, entre outros. A princípio o Boi era malhado de branco e preto e tinha apelido de Formosinho, sendo o verdadeiro nome Flor do Campo. ] Foto 09: Dona Georgina e Silvio Santos, durante as primeiras apresentações do FEFOPEM. Fonte: VENERE, Roberto, 1996. No período de 1981 a 1996, o Boi da Dona Georgina tinha características do Bumba-meu-Boi do Nordeste do país, conforme suas palavras: O Boi dançava no estilo maranhense. Muito enfeitado, brilhos, cartolinas, papelão, purpurina, lantejoulas, pena e pano de chita. A dança era quase uma quadrilha, ficava fazendo volta em duas alas e o Boi no meio, o Amo saudava o público com sua poesia, dançava, matava, curava e ressuscitava e repartia o Boi, era um castigo para ressuscitar o Boi e voltar a dançar, ordem do fazendeiro Coronel de Barranco. (Depoimento da Srª Georgina 14 Ramos da Costa) 14 Entrevista coletada no trabalho de conclusão de curso “A brincadeira do Boi em Guajará-Mirim, Rondônia: Uma contribuição para o resgate histórico–cultural” - 2006. 68 O Boi Flor do Campo continuou com as características do Bumba-Meu-Boi até o primeiro FEFOPEM15. No segundo festival desenvolveu-se uma mistura da cultura do Bumba-Meu-Boi com o Boi-Bumbá na apresentação do festival e foi somente a partir de 1997 que o Boi da dona Georgina aderiu totalmente à cultura do BoiBumbá, principalmente para cumprir com as exigências do terceiro FEFOPEM. Assim, surgem as grandes alegorias e luxuosas fantasias na caracterização do Festival, como se pode observar na foto a seguir: Foto 10: Apresentação do Boi-Bumbá Flor do Campo. Fonte: VENERE, Roberto, 1997. Em 1986, surge o Boi-Bumbá Malhadinho, fundado pelo Sr. Leonilson Muniz de Souza e sua esposa, Maria Edilza de Souza, com o apoio do presidente da UMAM16, Sr. Aderço Mendes da Silva, que ajudou a confeccionar o Boi de pano e a Sra. Meire Gondim cedia os tambores para as apresentações. O Boi-Bumbá Malhadinho enfrentou diversas dificuldades e paralisou suas atividades por dois anos, retomando as atividades no ano de 1995. 15 Festival Folclórico Pérola do Mamoré foi o primeiro nome dado ao Festival Folclórico de GuajaráMirim. Atualmente é chamado de Duelo na Fronteira. 16 União Municipal de Associações de Moradores-UMAM 69 Foto11: Parceria entre o fundador do Boi-Bumbá Malhadinho (esquerda) e o fundador do Festival Folclórico Aderço Mendes (direita). Fonte: VENERE, Roberto, 1995. As fantasias eram confeccionadas pelo próprio fundador do Bumbá e sua esposa, os materiais utilizados não eram tão aprimorados como os dos dias de hoje. Para confeccionar o Boi, eram utilizados basicamente cipó, prego, compensado e veludo. As fantasias eram feitas com papelão, penas, cola, papel brilhante, lantejoulas, fitas de seda, e outros. As cores do Bumbá eram preto e branco. As primeiras apresentações do Boi-Bumbá Malhadinho aconteciam no bairro 10 de Abril, passando, em seguida, a acontecer no espaço cedido pelo Sr. João Pereira. Os ensaios e apresentações eram preparados para a comunidade. O Boi-Bumbá Malhadinho passou por mudanças desde sua fundação. Antigamente o Boi não competia, apenas realizava apresentações nas residências, mediante cobrança de valores. Eram duas apresentações diferentes, com ou sem o ritual de ‘morte’ do boi. A partir dos dados coletados, elaborou-se a tabela a seguir, com o grau comparativo entre os Bumbás da região: 70 Quadro 02: Investigação sobre os Bumbás de Guajará-Mirim/RO. Quesitos investigados Boi Estrela Data de fundação 1º Ciclo da e fundador Borracha/ fundador não informado Origem do nome Não do Boi informado Influências predominantes Boi Pai Campo do Boi Flor do Campo Boi Malhadinho Boi Flor do Boi Malhadinho (Início) (Início) Campo (Dias 2012 (Dias atuais) atuais) Década de 60/fundado por Gregória Sampierra Foi atribuído por dona Gregória, após ganhar um Boi de pano com o esse nome. Bumba-meu- D. Gregória boi do participava do Nordeste brincar de Boi em Porto Velho e trouxe para o município essa cultura. Modificações Não ocorridas desde informado a criação Não teve modificação 13 de maio de 1981, 01 de março de fundado por 1986, fundado Georgina Ramos por Leonilso Muniz de Souza Dona Georgina O fundador era escolheu o nome do integrante de um Boi após ter contato Bumbá em Porto com o Bumbá em Velho e atribuiu o Santarém-PA. mesmo nome ao seu Bumbá. D. Georgina Sr. Leonilson participava do trouxe influências Bumbá no Pará e ao do Boi de Porto mudar para Velho Rondônia, trouxe as influências com características ainda de Bumbá meu Boi. O Bumbá nasceu O Bumbá se com características apresentava nas de Bumba-meu-Boi residências, com e devido a traços simples e competição ocorrida com no FEFOPEM, suas características de características Boi-Bumbá de mudaram para Boi- rua. Bumbá _____ _____ _______ _______ Atualmente sofrem influências diretas dos Bumbás de Parintins Atualmente sofrem influências diretas dos Bumbás de Parintins O Boi-Bumbá apresenta uma organização definida, com presidente, secretário, tesoureiro. As apresentações são luxuosas. O Bumbá Malhadinho apresentou problemas na administração e hoje se recupera. As apresentações são grandiosas. 71 Planejamento de Não fantasias e informado alegorias Os materiais para confecção da fantasia eram fornecidos pela própria fundadora, e não existiam alegorias. As fantasias eram confeccionadas pela própria fundadora, com as matérias que tinha acesso, papelão, cola, purpurina, penas e outros. As alegorias eram pequenas. O fundador Leonilso Souza e sua esposa confeccionavam as fantasias com muita simplicidade, no inicio as alegorias eram pequenas. Atualmente o planejamento é feito por uma equipe que movimenta a organização do Bumbá, as tarefas são divididas, artistas de Parintins-AM são contratados para aprimorar a apresentação. Número Brincantes de Não informado Aproximadamente 60 brincantes Aproximadamente 30 brincantes Aproximadamente 15 brincantes Aproximadamente 500 brincantes Atualmente o Bumbá conta com a organização do seu fundador, Leonilso Souza e uma equipe que o auxilia a montar o espetáculo. Coreógrafos e artesãos de Parintins são contratados para aprimorar a apresentação. Aproximadamente 450 brincantes Patrocínio Não informado Não informado No inicio a apresentação não contava com auxílio de patrocínios Boi- Não informado Não informado Própria agremiação, o Governo Estadual forneceu apoio financeiro até 2012 Atualmente o Bumbá é todo na cor branca com uma flor pintada na testa Própria agremiação o Governo Estadual forneceu apoio financeiro até 2012 Atualmente o Bumbá é todo na cor preta com uma lua pintada na testa. Cores do Bumbá No inicio a apresentação não contava com auxílio de patrocínios O Boi era malhado As cores do de branco e preto Bumbá eram pretas e brancas. Fonte: Trabalho de campo realizado no período de 2008 a 2013. 72 4.1. Festival Folclórico Pérola do Mamoré - FEFOPEM O nome Festival Folclórico Pérola do Mamoré – FEFOPEM foi o primeiro nome usado para designar o Festival Folclórico de Guajará-Mirim. Originou-se no intuito de resgatar os valores culturais de Guajará-Mirim, a União Municipal de Associações de Moradores-UMAM engendrou o projeto denominado I Festival Folclórico Pérola do Mamoré, no ano de 1995, como pode ser visto na imagem a seguir, o Festival teve a coordenação de Aderço Mendes da Silva, presidente da UMAM, orientado pelo professor Mário Roberto Venere, da Universidade Federal de Rondônia/Campus Guajará-Mirim. Foto12: Primeiras apresentações do Festival Folclórico Pérola do Mamoré. Fonte: VENERE, Roberto. O município teve seu primeiro Festival no dia 9 de agosto de 1995. Na programação constavam a história e a tradição dos formadores da região, os migrantes que chegaram via construção da E.F.M.M., os seringueiros, entre outros. No primeiro ano não houve competição, somente apresentações, como pode ser visto a seguir, em uma reportagem realizada pelo jornal “O Estadão”, sobre o primeiro Festival em Guajará-Mirim. 73 Imagem 01: Recorte de jornal (documento digitalizado), sobre o primeiro festival folclórico de Guajará17 Mirim Fonte: Acervo da pesquisa, material coletado no Jornal o Estadão, matéria publicada no dia 09/08/1995. 17 1º Festival tem início hoje. Começa hoje as 20 horas e vai até domingo, 13, o 1º Festival Folclórico de Guajará-Mirim, organizado pela UMAM-União Municipal de Associações de Moradores, com apoio da Unir, programação que pretende mostrar a História e tradição dos formadores desta região, dede os índios passando pelos vários tipos como os negros vindos através dos rios Guaporé e Mamoré, os que chegaram via construção da EFMM, os seringueiros e outros personagens que formam a história da região. A intenção do festival, conforme seus organizadores, é “resgatar a cultura regional e firmar a consciência de sua História e de seu povo, buscando no povo o orgulho de mostrar a todos os valores Culturais que revelam a Pérola do Mamoré. 74 Com o passar dos anos o Festival Folclórico Pérola do Mamoré, passou a ser chamado de “Festival Folclórico Duelo na Fronteira” e vem ocorrendo desde então. Todos os anos os Bumbás apresentam temas e lendas homenageando a sua região, o seu povo e a sua Cultura. A seguir serão detalhados os anos em que o festival vem ocorrendo, o local de apresentação dos Bumbás e a agremiação vencedora de cada apresentação. Quadro 03: Breve histórico dos anos de realização do “Festival Folclórico Duelo na Fronteira” Ano de Local Realização Tema do Bumbá Flor do Tema do Campo Malhadinho Bumbá Vencedor 1995 Área do Clube da Policia Militar Não houve apresentação de Tema Não houve apresentação de Tema Sem competição 1996 AABB Não houve apresentação de Tema Não houve apresentação de Tema Sem competição 1997 AABB Contos e Lendas Nossa Senhora Seringueiro do Malhadinho 1998 AABB Não informado Estrada de Ferro Madeira Mamoré Malhadinho 1999 Área do Clube da Policia Militar Raízes de um povo Vale do Guaporé Conto Lenda e Magia Flor Campo do 2000 Área do Clube da Policia Militar 500 anos de Brasil Malhadinho 2000 começou o Brasil Flor Campo do 2001 Área do Clube da Policia Militar Fauna Flora e Festa Asas e Matas Flor Campo do 2002 Área do Clube da Policia Militar Não informado Contos e Lendas de um Tupinambá Sem competição 2003 Área do Clube da Policia Militar Não informado Alma Cabocla Nativa Flor Campo 2004 Área do Clube da Policia Militar Não informado Rondônia a Terra Mística Empate das agremiações 2005 Área do Clube da Policia Militar Mitos e Lendas das Águas Malhadinho uma Revoada de Amor Malhadinho 2006 Área do Clube da Policia Militar 25 anos de Contos e Lendas 20 anos Tradição Malhadinho 2007 Área do Clube da Policia Militar Não informado Não informado Malhadinho 2008 Área do Clube da Policia Militar Nosso Ouro é Vermelho Guaporé Mito Cultura e Arte Malhadinho 2009 Bumbódromo Rondônia, Florestas, Encontros e Magias Etnia, Raça Brasil Flor Campo do 2010 Bumbódromo Guajará: Santuário Cultura e Arte Amazônia Sempre Livre Flor Campo do 2011 Bumbódromo Amazônia: Terra Mãe 25 anos de Amor e Magia Malhadinho 2012 Bumbódromo Pamin e o Renascer da Floresta Nos Trilhos da Emoção Flor Campo de Fonte: Pesquisa realizada no período de 2008 a 2013. de Assim Cultura e do do 75 Nos primeiros anos da realização, 1996, 1997 e 1998, o Festival ocorreu na Associação Atlética do Banco do Brasil. De acordo com o crescimento do número de brincantes e espectadores o festival passou a acontecer na área reservada do Clube da Policia Militar, devido à ajuda de colaboradores da Polícia Militar que acreditavam na cultura, como se pode observar na entrevista com a colaboradora18 Rosa Solani (2013), O Boi começou a se apresentar no clube da Polícia Militar-PM, devido ao grande esforço do Coronel Deserte, na época trabalhava aqui, que nos apoiou muito, foi uma pessoa que abriu os braços, tanto no comando da Polícia Militar no festival, como apoio em estar lá fazendo parte dos jurados, da coordenação também fez parte. Outra pessoa que muito ajudou foi o Delegado Oliveira que buscou patrocínio junto com agente, conseguiu muita coisa, tanto ele quanto a esposa dele, ele era Flor do Campo ela era Malhadinho, mas os dois juntos não tinha discussão, nos ajudaram muito, principalmente nos anos de 2005, 2006. Com o crescimento da manifestação Cultural em Guajará-Mirim, tiveram início as brigas pelo espaço destinado aos Bumbás. Segundo a colaboradora, estamos brigando pelo Bumbódromo desde 2001, quando a gente começou a subir um pouquinho, a gente também começou a brigar pelo Bumbódromo, quiseram dar uma área próximo ao quartel e não podia, por ser área militar, queriam ceder uma área perto da UNIR e também não deu certo e na época o antigo prefeito, Pilon, conseguiu doar aquela parte que estava alagada e sem uso, o deputado Hamilton Casara, conseguiu uma verba da parte da emenda dele junto com o próprio Valdir Raupp que hoje esta nos doando mais uma verba pra construção dos barracões no valor de dois milhões e quatrocentos reais, que é pra gente guardar nosso material e guardar as alegorias, nos temos que ter os barracões. Somente uma etapa do Bumbódromo foi finalizada. A outra etapa da construção não foi realizada por falta de tempo na execução das obras. Por essa razão, o recurso voltou para os órgãos competentes e não será mais disponibilizado. Desde 2009 o Festival Folclórico vem ocorrendo no Bumbódromo. Para completar a estrutura e disponibilizar mais lugares para os espectadores, estruturas de ferro são montadas para fornecer mais arquibancadas. Atualmente a estrutura do Bumbódromo encontra-se nas condições apresentadas na foto a seguir: 18 A entrevista foi realizada neste ano de 2013. O material completo da entrevista encontra-se disponível no capítulo IV. 76 Foto 13: Bumbódromo da cidade de Guajará-Mirim/RO Fonte: Fonte: Acervo do Jornal O Mamoré, 2012. Os barracões têm extrema importância, pois as alegorias são construídas nas ruas, em frente as casas dos organizadores, ou no Bumbódromo, com centenas de homens trabalhando a sol e chuva até a realização dos festivais, como pode ser visto nas imagens a seguir: 77 Foto 14: Parte da alegoria em construção em frente à residência da fundadora do Bumbá Flor do Campo. Fonte: GOMES, Ednart. 2011. Foto 15: Bumbódromo da cidade próximo a realização do festival folclórico. Construção da armação de ferro que estrutura as alegorias Fonte: GOMES, Ednart. 2011. 78 Foto 16: Bumbódromo da cidade próximo a realização do festival folclórico. Alegoria em fase de pintura. Fonte: GOMES, Ednart. 2011. Foto 17: Bumbódromo da cidade próximo a realização do festival folclórico. Alegoria pronta. Fonte: GOMES, Ednart. 2011. 79 Na atualidade, as agremiações lutam pela construção dos barracões, que já deveriam estar em processo de realização. Segundo a entrevistada Rosa Solani (2013), O projeto dos dois barracões é tão lindo, tem o seguimento com camarins, com espaço para os ensaios, todo aquele espaço vai ser construção, e está nesse impasse, quer dizer, o apoio é muito lento, agente fica brigando é como se agente tivesse dando murro em ponta de faca, e não é culpa dos Bois, eu vejo as pessoas reclamando que os Bois abandonaram as alegorias no Bumbódromo, mas não é culpa nossa, a gente trabalha, coloca o brincante na arena. A gente faz essa festa acontecer, mas a gente faz com o apoio que tem se já tivesse construído os barracões tudo seria melhor, quando terminasse a festa tudo estaria lá guardadinho, depois era só desmontar deixar trancado e no próximo festival abrir e começar a trabalhar, modificar o que tem que modificar (...) Como se pode notar, é de extrema necessidade a construção dos barracões, assim as alegorias não ficariam sofrendo desgaste no tempo sem cobertura e poderiam ser reaproveitadas. Essa luta pela construção dos barracões está apenas começando. Pode-se observar nas figuras a seguir a atual situação das alegorias no espaço do Bumbódromo: Foto 18: Atual situação das alegorias no Bumbódromo de Guajará-Mirim Fonte: Fonte: CUNHA, Ananda. 2013. Hoje os barracões de construção das fantasias acontecem nas residências dos organizadores do Festival, como pode ser constatado na imagem a seguir: 80 Foto 19: Confecção das fantasias – 1. Fonte: MENEZES, Patrícia, 2012. Foto 20: Confecção das fantasias – 2. Fonte: MENEZES, Patrícia, 2012. As imagens foram registradas na residência da colaboradora Rosa Solani, meses antes do festival. Sua casa se transforma em barracão e as fantasias passam a ser elaboradas e confeccionadas por artesãos voluntários. Em sua fala, pode-se 81 observar como se iniciou esse processo de organização de novos espaços para a confecção das fantasias: (...) a gente trabalhava só na casa da dona Georgina, o barracão as fantasias, tudo era trabalhado ali e também na minha casa, só que cresceu tanto que nos não tínhamos condições, tivemos que abrir espaços, dividir tarefas, nos não tínhamos muita gente na organização, era eu, o Paulo e outros, lembrando que não era pago, nos trabalhávamos de graça, não tinha como ter pagamento, o único que recebia um cachê era o Paulo, mas o restante todos trabalhava de graça, eu tinha minha equipe aqui, a irmã do Paulo, Rose também ajudava, confeccionava as fantasias na casa dela, mas sem pagamento. Enquanto as fantasias eram confeccionadas na residência dos colaboradores, as alegorias estavam sendo elaboradas em sua maioria no Bumbódromo da cidade, por se tratar de um espaço maior e com mais segurança para guardar o material. Outro local utilizado para a confecção das fantasias do Boi-Bumbá Flor do Campo é o espaço chamado “Barracão da Rosi”. Nele, os colaboradores, os brincantes e os artesãos se uniam para realizar o melhor trabalho possível. Nas imagens a seguir, é possível visualizar o funcionamento desse espaço:] Foto 21: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 1 Fonte: BORGES, Rosilene, 2012. 82 Foto 22: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 2 Fonte: BORGES, Rosilene, 2012. Foto 23: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 3. Fonte: BORGES, Rosilene, 2012. 83 Foto 24: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 4. Fonte: BORGES, Rosilene, 2012. Foto 25: Confecção das fantasias Barracão da Rosi – 5 Fonte: BORGES, Rosilene, 2012. 84 O cotidiano dos artistas populares e a riqueza do espaço vivido são percebidos em cada trabalho confeccionado, em cada alegoria criada. A festa do Boi-Bumbá atribui com força cada vez mais crescente os sentidos nos sujeitos envolvidos, seja através das toadas, das apresentações na arena, no trabalho realizado com as lendas de origem amazônica. Nesse sentindo, passam a exercer um papel essencial na composição da comunidade e no desenvolvimento da identidade cultural dos moradores. 85 CAPÍTULO V INTERPRETAÇÃO DE UMA CULTURA MILENAR Foto 26: Apresentação do Boi-Bumbá Flor do Campo, representação do povo indígena Paíter Suruí Festival Folclórico de Guajará-Mirim. Fonte: Acervo do Jornal/O Mamoré, 2012. 86 5.1. Os sentidos no espetáculo: uma natureza simbólica Nesta etapa da pesquisa trataremos de uma contextualização voltada pra percepção, assim ampliando nosso processo cognitivo, nos levando, à compreensão dos valores culturais que estão inseridos nesse espaço. Estabelecemos um diálogo nesse contexto festivo, gradualmente conseguindo avançar na investigação em busca dos significados que surgem no espaço simbólico das representações. Assim, os ritos fazem parte da compreensão deste trabalho. Através deles conhecemos um pouco mais sobre nós mesmos e também sobre outros indivíduos. Dessa forma, para Cavalcanti (1998), os ritos seriam formas de acesso à consciência, uma maneira indireta e materializada por símbolos – pela qual uma sociedade ou um grupo humano torna consciente de si mesmo no grupo. Através dos sagrados símbolos rituais, os homens adquiriam e expressariam a consciência de si mesmo quanto grupo, a consciência de que sua vida se dá dentro de uma totalidade coletiva que chamamos de sociedade. (p. 3) Essa compreensão dos ritos nos leva a apreender certos níveis de realidade diferentes na Cultura do Boi-Bumbá. Todas as expressões durante a realização da manifestação folclórica são repletas de significados expressos através dos símbolos que são expostos nas alegorias, nas fantasias, nos rituais, na letra da toada que inspira, movimenta e desperta um turbilhão de sentimentos nos brincantes, na galera e também nos visitantes. Logo, esses símbolos são a real concretização da consciência humana expressa de diversas formas na sociedade. Assim, ao analisarmos o folguedo do Boi em Guajará-Mirim, percebemos uma forte ligação afetiva que interliga os grupos ao Bumbá, principalmente através das atividades realizadas por esses grupos desde o início da manifestação cultural. As primeiras apresentações de Boi na região surgiram através de pessoas que vivenciaram essa cultura em outras regiões, no Pará ou em Porto Velho, e sem nenhuma estrutura passaram a propagar o brincar de boi na região. O resultado disso é a aceitação de inúmeros adeptos da cultura que aumentam proporcionalmente durante os anos. É essa ligação afetiva que movimenta o festival, que faz artesãos transformarem suas casas em barracões, retirando todos os móveis para confeccionar e armazenar as fantasias. Além de movimentar os grupos para realizar 87 eventos em busca da arrecadação de recurso para que o festival possa acontecer. São essas formas de acesso a consciência da comunidade que denominamos os ritos, que funcionam como uma forma de interação entre essas esferas diferenciadas da sociedade. Através das palavras de nossa colaboradora Rosa Solani, percebemos como surge esse envolvimento, ao afirmar, Eu me apaixonei pela festa, as pessoas perguntam pra mim, o que eu faço metida em boi? Falam que eu tenho minha vida, tenho meu emprego, questionam porque eu encho minha casa de pena, de caixa e me perguntam o por quê de tudo isso. O que me motiva a participar desde o inicio, é porque eu queria ver isso dar certo na minha cidade, eu quero que dê certo, eu quero que tenha o boi em agosto, o carnaval em fevereiro, eu quero que tenha a festa do Divino, eu quero que todas as coisas boas voltem. O que me motiva é ver a “coisa” crescer, é dar certo, é ver a minha cidade crescendo, é ver o envolvimento, as pessoas vindo pra cá querendo participar. Todos nos estamos no Flor do Campo porque agente gosta de brincar de boi, a gente chora, briga, esperneia pra brincar, trabalhar pra fazer a coisa acontecer, é o que nos motiva é isso, a alegria de brincar de boi, que a gente não quer deixar morrer, e o medo então? (risos) Eu tenho medo. Analisamos essa fala da colaboradora através das considerações de Mauss (1999, p. 89), que afirmar que o ser humano é classificador em sua essência. Observamos a forma em que a nossa colaboradora estabelece e cria categorias que estabeleçe uma ordem de interpretação do mundo real em que vive. Uma dessas categorias é o espaço onde se forma o seu lugar de vivências, relações e identidade. As pessoas que interagem com o trabalho artístico e brincam em torno do Bumbá passam a constituir um comportamento simbólico. A investigação desses comportamentos estará centrada na percepção dos fatos, em perspectiva o uso dos sentidos da audição e da visão será destaque para compreender os significados presente nessa manifestação. Os sentidos levarão a compreender os valores culturais centrais atribuídos à comunidade em estudo. A brincadeira de Boi-Bumbá aciona os sentidos, que passam a ser notados através das diferentes linguagens expressas no folguedo, entre elas a musicalidade, que envolve um número considerável de pessoas que tocam os instrumentos, cantam e falam através das emoções. As danças representadas em cada personagem que passa a atribuir coreografias específicas em cada sequência do brincar de boi, a interação dos personagens com a musicalidade, em que cada item 88 passa a ter a sua música e coreografia para apresentar o espetáculo, assim estabelecendo a dramaticidade que compõe a festa. Dessa forma, cada fase do brincar de boi passa a estruturar a manifestação cultural na arena do Bumbódromo. A visão e a audição passam a se conectar, a música cantada pelos espectadores e brincantes envolve a dança, designando um ritmo próprio e característico do brincar de boi. A evolução desses personagens aciona a visão dos espectadores e principalmente o olhar dos jurados, que percebem cada movimento na arena. Nas diversas formas da manifestação cultural do Boi-Bumbá, percebemos a presença de um sistema que interliga os personagens. As ações giram em torno do auto do boi, ou seja, do tema de sua morte e da ressurreição que de fato não acontece na arena. O boi de pano, que se movimenta através de pessoas que se colocam dentro dele, é o personagem central da trama, os brincantes apresentam coreografias para acompanhá-lo na arena. Outro destaque a fazer é a ativa participação do público, que na maioria das vezes participa de toda a encenação, através dos objetos levantados, das velas acesas durante o ritual, das toadas cantadas e danças elaboradas, fazendo tremer a arquibancada e os camarotes de cada agremiação, no caso do presente trabalho, o Malhadinho e o Flor do Campo. O que faz-nos refletir sobre o argumento de Cassirer (CASSIRER, (1992 [1925]), p.22). Deste ponto de vista, o mito, a arte, a linguagem e a ciência aparecem como símbolos: não no sentido de que designam na forma de imagem, na alegoria indicadora e explicadora, um real existente, mas sim, no sentido de que cada uma delas gera e parteja seu próprio mundo significativo. Neste domínio, apresenta-se este autodesdobramento do espírito, em virtude do qual só existe uma “realidade”, um ser organizado e definido. Consequentemente, as formas simbólicas especiais não são imitações, e sim, órgãos dessa realidade, posto que, só por meio delas, o real pode converte-se visível para nós. Para o autor, o homem passa a vivenciar esses símbolos constantemente em seu cotidiano, como se fosse um caminho a percorrer entre os diversos significados. As representações que surgem no brincar de boi revelam a linguagem desse grupo, a arte que cada componente cria, os mitos que são vivenciados em cada ritual mostrado na arena. São diversos os símbolos que se manifestam nesse universo. O boi, um artefato que funciona como emblema que gira e balanceia na arena, não é o que denominamos de símbolo, mas sim o sentido de brincadeira, o significado que essa manifestação tem para a sociedade. 89 O homem vive em meio a emoções, antes de vivenciar a realidade concreta, passa pelo imaginário, em que percebe seus sonhos e fantasias, que são transmitidos através da linguagem, surgindo como símbolos que criam e estabelecem diversas formas de significados. A festa do Boi-Bumbá em Guajará-Mirim impõe uma relação direta com o cotidiano da comunidade, pois exige um trabalhoso preparativo e uma cautelosa organização, para que a manifestação folclórica possa acontecer. A experiência vivida pelas pessoas que participam da preparação da festa é repleta de conteúdos cognitivos e afetivos, pois faz nascer uma forte relação de compartilhamento de histórias e disputa pela vitória do seu “Boi”. Durante o ano, os grupos que organizam os Bumbás envolvem a comunidade, promovem eventos que convidam a brincar de boi, tais como bingos, feijoadas, shows com cantores de toadas e outros, todos envolvendo a apresentação dos personagens principais das agremiações. Essas atividades são motivadas para arrecadar recursos para manter a estrutura e organização para o festival. Quando o festival se aproxima, a movimentação dos grupos de Bumbás no município é mais visível, as casas dos artesãos tornam-se barracões e tem início a tarefa de elaborar e confeccionar fantasias. As ruas próximas à casa dos organizadores ficam caracterizadas por alegorias que são montadas, pintadas e levadas ao Bumbódromo. Outras alegorias maiores são confeccionadas dentro do espaço preparado ao festival devido à dificuldade em locomover uma grande estrutura de ferro. A produção desse festival folclórico é uma tarefa complexa e de alto valor econômico. Há papéis e atribuições definidos e determinantes na organização e no contexto artístico. Esses papéis são praticados no decorrer dos anos e requerem talento, vocação e habilidades particulares de cada membro que se disponibiliza para realizar os trabalhos. Durante o período de preparação da festa e movimentação de pessoas nos barracões, amplia-se de forma gradativa o número de colaboradores que ajudam na preparação das fantasias e alegorias. 90 Desta forma os grupos se organizam, interagem e vivenciam a cultura do Boi– Bumbá. Nota-se que cada forma de representação no espaço possui um significado diferente, atribuído através dos sentidos, dos afetos e das emoções. 5.2. Cultura e saber do povo: A expansão de novas representações Quando tratamos a manifestação do Boi-Bumbá na Amazônia, não podemos deixar de destacar a influência da cultura cabocla na formação desta identidade. O homem amazônico, o caboclo, busca desvendar os segredos de seu mundo, recorrendo dominantemente aos mitos e à estetização (LOUREIRO, 2001, p. 38). Para compreender melhor esse ser formador de uma região, necessitamos em primeira instância analisar como a cultura amazônica é formada. Segundo o autor, Entende-se por uma cultura amazônica aquela que tem sua origem ou está influenciada, em primeira instancia, pela cultura do caboclo. É evidente que esta é também produto de acumulação cultural que absorveu e se amalgamou com a cultura dos nordestinos que, em épocas diversas, mais especialmente no período da borracha, migraram para a Amazônia. (LOUREIRO, 2001, p. 39) Assim percebe-se que a formação da cultura amazônica em suas diversas manifestações sociais recebeu grande influência de outras, principalmente de origem portuguesa e africana, que habitavam a região nordestina na época. Dessa forma, ao chegar à região amazônica, unificaram-se com o modo de vida indígena que prevalecia no território. Surgia assim o homem que iria compor essa região, o homem caboclo. Segundo o autor, (...) ao tratar-se de uma cultura amazônica do caboclo, ela será entendida como expressão da sociedade que constituiu a Amazônia contemporânea à história dessa sociedade e contemporânea ocidental. Uma cultura dinâmica, original e criativa, que revela, interpreta e cria a sua realidade. Uma cultura que, por meio do imaginário, situa o homem numa grandeza proporcional e ultrapassadora da natureza que o circunda. (idem, 2001, p. 42) Assim, percebemos que a cultura amazônica estabelece a formação de uma identidade própria da região, que atribui valor ao seu modo de vida. Loureiro (2001) esclarece que, O sentido de identidade (...) é o de auto-reconhecimento, auto-estima, consciência do próprio valor, conjugados à consciência da própria inserção no conjunto da sociedade nacional e, mais amplamente, na sociedade dos homens. 91 A sociedade amazônica reconhece as relações existentes entre o homem e o social, sem se esquecer da sua história e do seu meio, cercado pela natureza. Logo, esse universo repleto de representações adquire um valor subjetivo, que defende as raízes regionais, por meio de uma relação simbólica entre o homem e a natureza. Com esses elementos que compõem a cultura cabocla, compreende-se a concepção simbólica da imaginação que gira entorno da manifestação de BoiBumbá em Guajará-Mirim. Percebe-se que cada região, seja Parintins ou GuajaráMirim, passa a inserir na representação do Boi-Bumbá a própria história e memória da comunidade. Como se percebe na fala da colaboradora Rosa Solani: (...) fui montando toda a história, que antigamente não tinha, era só apresentação dos itens. Em cima disso eu fui pensando que estava faltando mais coisas, a Cunhãporanga é quem? E vem representando quem? defendendo o que? Assim nos fomos inserindo as lendas, a lenda do boto, a lenda da cobra grande, a lenda do beija flor, cada item passou a ter a sua lenda. As tribos nos demos nomes, antes elas tinham o nome Muirapinima, era Munduruku, tribos lá do Pará, do Mato Grosso, foi quando eu falei: Dona Georgina nos estamos contando a história do nosso boi que é de Guajará, trabalhando em Guajará, nada mais justo a gente trazer as nossas tribos, o nome das nossas tribos de Guajará. Já tinha as tribos Karitiana, Pakaa, Canoé, que são daqui, mas outras eram de outros Estados e aos poucos a gente foi mudando, hoje a gente já trabalha com os nomes das tribos daqui, as histórias e lendas daqui, porque a gente conhece mais e sabe que realmente acontece, sabemos como nossas tribos vivem, plantam, dormem. Não tinha porque ficar contando as histórias de outras regiões, sendo que nos temos aqui, procuramos sempre trabalhar o contexto regional (...) É fundamental perceber como ocorrem essas alterações no sentido da festa. Por mais tradicionais que sejam suas origens, ela passa a estabelecer um novo contexto, tornando-se também lugar de memória, estabelecendo uma relação de construção e modernização do brincar de boi. Foi possível notar, também, que a colaboradora ressalta em seu discurso uma real valorização da cultura local. O brincar de boi passa a ser uma ferramenta utilizada para transmitir o valor do contexto regional para a comunidade. Como se pode observar no quadro 03, citada nos capítulos anteriores, a partir de 1997, os Bumbás inserem em suas apresentações os temas amazônicos. O Bumbá Malhadinho apresenta o tema: Vale do Guaporé: Conto Lenda e Magia, e o Bumbá Flor do Campo traz o tema: Raízes de um Povo. Ambos começaram a trabalhar na direção das questões que refletem o contexto amazônico. 92 Nos últimos anos além de apresentar os temas regionais, os Bumbás passaram a aderir à questão ambientalista, trazendo pra arena temas voltados para a preservação ambiental, como se pode ver ainda no referido quadro, a temática do Bumbá Malhadinho em 2010 foi “Amazônia Sempre Livre” apresentando as questões ambientais na Amazônia, considerando também o Bumbá Flor do Campo que em 2012, apresentou o tema “Paminé, o Renascer da Floresta”, defendendo a conservação das florestas e a atual questão indígena dos povos Paiter Suruí. Outro fator que levanta questionamentos é a atual participação dos indígenas no brincar de Boi. Já se comentou anteriormente que a cultura do Boi-Bumbá está inteiramente ligada à manifestação cultural desses povos, pois se observou durante a apresentação dos Bumbás a evolução de tribos indígenas, do Pajé, dos Tuxauas, que são ditos como personagens indígenas atuantes na brincadeira. Logo, percebese que atualmente não existe a participação direta desses grupos na manifestação folclórica, a não ser pela homenagem realizada ao povo Paiter Suruí em 2012, em que os índios interagiram diretamente na arena de disputa dos Bumbás. Segundo o Zoneamento Socioeconômico-Ecológico do Estado de Rondônia19, de 2007, o município de Guajará-Mirim é composto por seis terras indígenas que passam a ocupar grande parte do território, como se pode observar no mapa de localização a seguir: 19 Documento encontrado no endereço online www.ebah.com.br/content/ABAAABQaAAL/01-zee-rosedam. Acessado em 01/08/2013 93 Mapa 03: Mapa temático das reservas indígenas localizadas no município de Guajará-Mirim/RO. Fonte: Elaborado a partir do Instituto brasileiro de Geografia e estatística. Com tamanha dimensão das Terras indígenas pelo município, era de se esperar que houvesse maior participação dessas etnias junto às agremiações de Bumbás, já que a festa trata de enredos voltados à sua contextualização histórica, lendas e rituais. Em conversa20 com o colaborador Leonilson Muniz, este afirma que a agremiação do Bumbá Malhadinho realiza pesquisa junto aos indígenas como forma de ganhar conhecimento em relação às narrativas míticas, ao cotidiano dos indígenas, e assim colocar na arena do Bumbódromo o contexto histórico da respectiva etnia investigada. Em outra conversa com a colaboradora Rosa Solani, descobriu-se que o BoiBumbá Flor do Campo também realiza inúmeras pesquisas com as etnias indígenas locais, como forma de valorizar a questão regional e aprender um pouco mais sobre a cultura, a fim de mostrar na arena os rituais, as lendas e os costumes de cada 20 Depoimento cedido pelo colaborador Leonilson Muniz, fundador do Boi-Bumbá Malhadinho, sem a presença de gravador. 94 tribo. A colaboradora enfatiza que os grupos indígenas participam da manifestação folclórica quando são convidados, como ocorreu com os Paiter Suruí em 2012. Ela acredita que seja de grande importância a participação dos indígenas no festival, mas isso requer trabalho e dedicação da organização dos Bumbás, pois o custo para realizar o deslocamento dessas etnias é muito alto e envolve não só o transporte, mas também a hospedagem e alimentação de cada convidado, e sem a ajuda financeira não participam do festival, pois o deslocamento até as Terras Indígenas é longo e difícil. No ano de 2008, foi realizado um documentário chamado Duelo na Fronteira. Nele, trata-se de toda a contextualização histórica da manifestação folclórica no município de Guajará-Mirim, através de depoimentos dos organizadores, brincantes, artesãos e também vídeos antigos. Nesse documentário pode-se encontrar registros da participação desses grupos indígenas nos primeiros Festivais Folclóricos, como é possível observar na imagem a seguir: Foto27: Grupos indígenas participando dos primeiros Festivais Folclóricos de Guajará-Mirim. Fonte: Registro realizado através do documentário Duelo na Fronteira, 2008. Como se pode observar, os indígenas participaram diretamente na construção do Festival Folclórico, realizando seus rituais e danças na arena. No período de 95 início do festival, o acesso a recursos financeiros era inexistente e mesmo assim sua participação era fundamental. O que se nota atualmente é que com o passar do tempo ocorreram várias mudanças dentro do festival. O que era fundamental para a sua realização deixou de fazer parte do contexto ou foi perdendo espaço dentro da manifestação folclórica, como é o caso dos indígenas. O brincar de Boi passou a adquirir novas características e consequentemente essas novas particularidades passaram a distanciar-se dos indígenas, que deixaram de acreditar que aquela representação apresentada na arena fizesse parte da sua cultura. Como exemplo, pode-se citar o ritual indígena representado pelo personagem do Pajé, em que apresenta na arena uma contextualização diferente do que pode ser visto nas etnias indígenas. Essas mudanças ocorridas na manifestação do Boi-Bumbá apresentam hoje uma relação do que a festa representa de tradicional com o novo, dito contemporâneo, expondo na arena o valor simbólico em que está inserida. A mudança vem ocorrendo também entre os personagens que se articulam dentro da arena. Determinados itens permanecem como contextualização original, entretanto, alguns vêm ganhando destaque e prejudicando a aparição do Boi na arena. O item que mais tem ganhado destaque nesses últimos anos é o Pajé, que foi alvo de uma disputa entre as duas agremiações, tendo o representante do BoiBumbá Flor do Campo sido convidado a participar do festival pelo Boi contrário, o Malhadinho, de quem havia recebido proposta mais vantajosa.. O Boi-Bumbá Flor do Campo passou a selecionar candidatos da região para realizar a função de Pajé. As apresentações dos candidatos ocorriam durante os ensaios para o festival folclórico. A preocupação da organização em selecionar um candidato habilidoso era grandiosa. Não aprovando nenhum candidato da região, a agremiação contratou um dançarino de outra localidade, especificamente do município de Juruti-PA, para apresentar o personagem na arena. Percebendo tamanha preocupação da agremiação em encontrar alguém que fosse capaz de realizar a apresentação com tamanha perfeição, é que percebemos a sua real importância para composição do grupo e evolução na arena. Este entra no bumbódromo cercado por efeitos especiais e realiza a celebração do ritual, que 96 envolve o ponto máximo da apresentação. No contexto tradicional do brincar de Boi, o Pajé realiza o ritual da ressurreição do Boi. Atualmente sua encenação é cercada por um universo simbólico, que deixou de trazer para a arena a morte e ressurreição do Boi, pra tratar de contextos que abordem o tema do Bumbá. Os Bumbás de Guajará-Mirim atribuem aos novos temas apresentados um sistema simbólico de representações, que definem assim uma identidade regional específica e única dentro do brincar de Boi. Configurando com o que afirma Cassirrer, (1994, p. 47) [...] uma característica nova que parece ser a marca distintiva da vida humana. O círculo funcional do homem não é só quantitativamente maior; passou também por uma mudança qualitativa. O homem descobriu, por assim dizer, um novo método para adaptar-se ao seu ambiente. Entre o sistema receptor e o efetuador, que são encontrados em todas as espécies de animais, observamos no homem um terceiro elo que podemos descrever como sistema simbólico. A comunidade participa e interage com os novos temas. A cada lançamento, acontecem as festas para comemorar o novo contexto que será trabalhado e marcar o início do ciclo de preparação da festa. Dessa forma, nota-se como esses sistemas simbólicos são formados pela comunidade envolvida nas atividades. 5.3. Compreendendo as representações na formação do Lugar Como observado nos capítulos anteriores, o Boi-Bumbá de Guajará-Mirim vem ocorrendo desde 1960, alterando desde então as suas particularidades e inserindo novas formas de representação nesse espaço, resultando na construção de uma territorialidade particular, repleta de elementos simbólicos. A partir dessa territorialidade compreende-se esse espaço de representações, formado pelo imaginário da comunidade, o que segundo Silva (2007) é o espaço com todas as suas representações é a expressão viva do homem, torna-se humanizado, aliado ao seu projeto de sobrevivência; é o seu lugar de liberdade, de segurança, seu lar, seu “lugar”. O mito como elemento participante na construção desse espaço é o “organizador” das representações imaginárias e míticas da população, que através de sua percepção coletiva ou individual, elabora o conjunto de explicações de seu “mundo”, de seus valores, de sua organização. (p. 232) 97 Deste modo, o espaço é o campo de formação das territorialidades, é onde o homem estabelece as suas relações, atribui significados e manifesta as suas representações. Pode-se perceber a formação dessas territorialidades em Guajará-Mirim, em diferentes períodos com maior intensidade, nas atividades culturais, durante os meses que antecedem o festival folclórico. As agremiações chamam a atenção para o início dos ensaios, os barracões, que funcionam nas respectivas casas dos organizadores, iniciam seus trabalhos, os artesãos montam as estruturas de ferro nas ruas próximas à casa dos fundadores, configurando assim o território do festejo. Com a chegada do mês de agosto, a cidade entra em estado de festa. Os hotéis realizam suas reservas meses antes do festival. Segundo a colaboradora Solani: (...) a partir do mês de junho as pessoas já começam a ligar pra marcar a sua hospedagem e os hotéis já começa a ganhar porque já pedem a metade da hospedagem com medo de perder a reserva, nisso o apartamento já fica fechado, em meados do mês de junho não tem mais vaga (...). Vê-se, assim, que não são só os brincantes, os organizadores e os artesãos que estão envolvidos nessa manifestação, mas também o comércio, que se prepara para receber os visitantes, como se verifica na imagem a seguir: Foto 28: Comércio de Guajará-Mirim decorado com as cores dos Bumbás. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012. 98 Observou-se essa mesma característica na formação das territorialidades no município de Parintins. O comércio regional se adapta e gira em torno da temática do Boi-Bumbá, como mostram seguintes representações: Imagem 02: Panfletos informativos de uma empresa privada de Parintins-AM. Fonte: Material coletado pela pesquisadora no Festival Folclórico de Parintins, 2012. A criatividade do comércio local é surpreendente. Notou-se que a empresa tenta agradar os simpatizantes das duas agremiações de Bois-Bumbás com a 99 propaganda em azul e vermelho, além de ressaltar nas frases dos panfletos os nomes dos Bumbás Garantido e Caprichoso. Em Parintins, as empresas de grande porte, como a Coca-Cola, a Skol, a empresa de telefonia Oi, e outros, investem milhões de reais em marketing para atender as duas galeras. O único lugar no mundo em que a Coca-Cola é caracterizada em cor azul é em Parintins-AM, pois a empresa aposta na venda da mercadoria em ampla escala para as duas agremiações. Algumas representações podem ser observadas nas imagens a seguir: Foto 29: Cartaz da marca coca-cola fixada em poste de energia elétrica. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 Foto 30: Outdoors da marca Coca-cola de cor azul. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 100 Foto 31: Outdoors da cerveja Skol na cor azul. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 Foto 32: Outdoors da cerveja Skol na cor vermelha. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 Foto 33: Embalagens da cerveja Skol, representando de um lado a cor azul e no outro a cor vermelha. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 101 Como se vê, o município de Parintins se organiza de acordo com as características dos Bumbás Caprichoso e Garantido. A cidade se prepara para receber o visitante, além do comércio, dos hotéis e restaurantes, identificam-se os próprios moradores também fazendo parte dessa organização, passando a alugar as suas residências ou parte delas para os turistas como forma de auferir renda para sua família. Essa caracterização da região é vista com menos intensidade no município de Guajará-Mirim. O comércio se organiza para receber o Festival, mas não conta com tantos investimentos como em Parintins. O mesmo ocorre com o marketing das empresas locais. Durante o período em que se aproxima o festival, percebe-se que o entorno da residência dos respectivos fundadores dos Bumbás se caracteriza com a predominância das cores das agremiações. A Avenida 15 de novembro (BR 425), como mostra o mapa 3, divide a cidade ao meio, ficando de um lado o Bairro Tamandaré, “Lugar” do Bumbá Flor do Campo, localizado próximo à Escola Estadual Almirante Tamandaré, onde o Bumbá nasceu e realizou suas primeiras manifestações. As cores predominantes que cercam esse território são o vermelho e o branco que simbolizam a sua marca no território. 102 Mapa 04: Mapa temático de localização da macha urbana do município de Guajará-Mirim/RO. Fonte: Elaborado a partir da imagem de Satélite do Google Earth e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Organização: Charles, 2010. 103 Atravessando a Avenida 15 de novembro, seguindo ao extremo sul da cidade, encontra-se o território dominado pelas cores azul e branca, do Bumbá Malhadinho, próximo à localização da casa de seu fundador, senhor Leonilson Muniz, onde visualizamos a presença de armações das alegorias que são confeccionadas no local. Contudo, percebe-se o espaço socialmente construído sendo formado e articulado entre os moradores que ali vivem, o que produz uma extrema relação entre a comunidade e o “lugar”, pois se torna palco das diversas relações sociais que compõem o espaço simbólico. Nota-se, neste aspecto, que o território é formado por vários indivíduos, e a análise busca compreender o entendimento que esses possuem para a formação do seu “lugar”. Segundo Kozel (2007), essa multiplicidade de sentidos que um mesmo “lugar” contém para os seus moradores e visitantes está ligada, sobre tudo ao que se denomina de imaginação criadora, função cognitiva que ressalta a fabulação como vetor a partir do qual todo ser humano conhece o mundo que habita. O espaço percebido pela imaginação não pode ser o espaço indiferente, é um espaço vivido. E vivido não é em sua positividade, mas com todas as espacialidades da imaginação. (p. 121) Compreende-se que os sentidos são fundamentais para a percepção de um lugar, sendo os mapas mentais importantes ferramentas para a compreensão das representações provenientes das imagens que surgem no imaginário. Assim os indivíduos atribuem significados ao lugar. A autora destaca que, As representações provenientes das imagens mentais não existem dissociadas do processo de leitura que se faz do mundo. E nesse aspecto os mapas mentais são considerados uma representação do mundo real visto através do olhar particular de um ser humano, passando pelo aporte cognitivo, pela visão de mundo e intencionalidades. A imagem de algo reflete uma construção simbólica. (KOZEL, 2007, p. 121) Desta forma, buscou-se compreender as representações de três colaboradores que participam de forma direta e indireta na manifestação folclórica. A seguir são apresentados os seguintes Mapas Mentais: 104 Mapa Mental 1 – Leonilson Muniz Mapa Mental 2: Alysson Bruno 105 Mapa Mental 3: Patrícia Menezes O mapa mental 1 foi elaborado no ano de 201021 pelo fundador do Boi-Bumbá Malhadinho, o qual destaca em sua representação um elemento que surge no seu imaginário, uma escola, revelando um forte laço de afetividade com este símbolo. Conversando com o senhor Leonilson ele nos relata a Cultura do Boi-Bumbá como sendo uma escola que ensina coisas boas, forma jovens conscientes, tira-os da marginalidade e introduz uma cultura que ao seu modo de ver é vital para a juventude do município, porque oferece valores de formação pessoal, cultural e social. Analisou-se essa representação como uma formação de espaço mítico, que de acordo com Tuan (1983. p. 97) é uma extensão conceitual dos espaços familiar e cotidiano dados pela experiência direta. Dessa forma, a cultura do Boi-Bumbá insere no cotidiano um valor simbólico. A escola é vista com papel fundamental dentro de uma sociedade e a cultura do Boi vem a ser caracterizada como uma escola de formação de uma sociedade cultural, em que valores são adquiridos e organizados com o decorrer do tempo. 21 Esse mapa mental é fruto do trabalho de monografia, realizado pela autora no ano de 2011. 106 O Mapa Mental 2 foi elaborado por um torcedor do Boi-Bumbá Flor do Campo. Nele observamos alguns elementos presentes nas paisagens, tais como restaurante, hotel, Centro Cultural, Escola de Arte e Música e Comércio e serviços. O autor também destaca elementos naturais que compõe a vegetação local, assim como a participação do público local e dos turistas. No Mapa Mental esses elementos são apresentados ao redor do Boi-Bumbá, pois em seu imaginário todas as atividades passam a acontecer entorno da cultura do Boi-Bumbá. Segundo Frémont (1980. p. 139), todo lugar tem significado. Combinação de elementos econômicos, ecológicos, sociológicos e demográficos, num espaço reduzido, o lugar visualiza-se através duma forma que se integra na paisagem local e regional. O criador do Mapa Mental representa uma linguagem própria, utilizando o espaço como meio de expressão dos sentidos. O Mapa Mental 3 foi elaborado por uma organizadora do Bumbá Flor do Campo. Apresenta, à direita, a representação de uma câmera registrando, filmando, fotografando o município de Guajará-Mirim. Os elementos que aparecem no mapa mostram os dois Bumbás, a estrutura do barracão próximo à arquibancada e os artesãos trabalhando para realizar o festival folclórico. Nessa representação, a colaboradora chama atenção para o destaque que a festa do Boi-Bumbá vem ganhando no município. Hoje a mídia já participa ativamente do evento, transmitindo a manifestação folclórica para toda a região Norte através da emissora Amazon Sat. Segundo Loureiro (2001, p. 64), a cultura está mergulhada num ambiente em que predomina a transmissão oralizada. Ela reflete de forma predominante a relação do homem com a natureza e se apresenta imersa numa atmosfera em que o imaginário privilegia o sentido dessa realidade. Assim, nossa colaboradora reflete esse universo da cultura que o homem concebe através da transmissão de seus valores e significados pelo mundo. Dessa forma, encerramos a análise com a seguinte consideração, de Claval (2011), fazer da Geografia uma análise da experiência humana é voltar-se para a maneira como o indivíduo toma consciência daquilo que é através dos lugares onde vive, das paisagens que lhe são familiares e daqueles onde se sentem a vontade, das ruínas que lembram o passado e dos equipamentos que convidam a olhar o futuro. (p. 237) 107 O autor destaca que a consciência do indivíduo é de grande importância na formação do lugar, considerando tanto no seu aspecto de memória quanto nos aspectos dos avanços tecnológicos, que proporcionam maior disseminação da cultura, espaços afora. Assim, considera-se aqui a fundamental importância de analisar a vivência dos colaboradores nesse universo da cultura do Boi-Bumbá, identificando assim as diversas formas de representação no espaço vivido. 5.4. O que desmotiva essa “galera”? Nos tópicos anteriores foram identificados, através de colaboradores e da percepção da pesquisadora, as diversas formas de representação que surgem no espaço em torno da festa do Boi-Bumbá. Como foi analisado, a comunidade envolvida no festival, os brincantes, os organizadores e os artesãos se entregam de coração para viver essa cultura e proporcionar para a cidade a alegria de brincar de Boi. Mas não se pode deixar de destacar que nos dias atuais essa comunidade enfrenta inúmeras dificuldades para se estabelecer e fixar essa manifestação cultural no município. Para compreender melhor de onde vem essa dificuldade de inserção da Cultura no município é necessário compreender um pouco da trajetória histórica de Guajará-Mirim. Até o fim do século XIX, Guajará-Mirim era composta por apenas alguns seringais, sem grandes áreas de povoamento que pudessem chamar atenção. Somente a partir da construção da Ferrovia Madeira-Mamoré teve início a formação de um núcleo de povoamento mais intenso no ponto final da estrada de ferro. O município foi criado em 1928, pela lei nº 991, e sua instalação do município ocorreu no dia 10 de abril de 1929. Desde então tentativas de promover o desenvolvimento da região iniciaram. Na década de 1970, o Governo Militar estabeleceu metas para ocupar a região Amazônica, na tentativa incansável de “Integrar para não entregar”, lema proposto como política de ocupação da Amazônia. Em mais uma tentativa dos governantes, na busca incessante do desenvolvimento local de Guajará-Mirim, foi proposto durante o ano de 1988, a Área de Livre Comércio, como política para desenvolver a cidade e a região. O projeto 108 pretendia fixar um potencial de comércio nessa região, que até então sofria com o desgaste econômico e também pela perda de competitividade dos produtos nacionais diante dos vendidos pela Bolívia. O que se percebe com esse breve resumo são as várias tentativas frustradas de promover o desenvolvimento regional. Com o fim do 2º Ciclo da Borracha, a tão sonhada Estrada de Ferro foi fadada ao fracasso e logo parou de funcionar. O projeto de determinar a região como Área de Livre Comércio também não foi bem sucedido. O que se observa nos dias atuais é que o preço da mercadoria vendida na região não supera o do país vizinho, logo os turistas que passam pelo município seguem direto para a Bolívia, sem realizar nenhuma atividade turística em GuajaráMirim. Como se pode observar nas palavras de nossa colaboradora Rosa Solani 2013: (...) tem dia que não tem como estacionar no porto com tanto turista, mas estão todos na Bolívia, quando chegamos na Bolívia é difícil de andar de comprar com tanta gente, e Guajará? Os turistas não tomam um suco em Guajará, eles entram no carro e vão embora. Isso é muito triste, ver as pessoas só passando, passando... Nossa colaboradora realiza um desabafo, e demonstra a sua indignação em ver tão de perto o desenvolvimento regional não se concretizar por falta de ânimo da comunidade. O município reflete nos dias atuais a falta de estímulo, o desânimo, a descrença, que ocorre desde as primeiras tentativas impostas para promover o desenvolvimento na região, e como pode ser observado todas sem grande sucesso. Alguns grupos de pessoas acreditam que essa depressão existente na comunidade possa ser sanada com a promoção de estratégias que promovam o despertar no desenvolvimento, assim como o turismo no município, dessa forma inserindo novamente o ânimo nessa população. Como exemplo, cita-se o abaixoassinado realizado pela Associação Comercial de Guajará-Mirim, que apoia o Manifesto Pró-Preservação, Revitalização e Manutenção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, com o trecho desde Guajará-Mirim a Porto Velho. Com a reativação, espera-se que um maior número de turistas passe a circular pela cidade, estimulando o comércio da região. A manifestação folclórica do Boi-Bumbá também conta com essa mesma estratégia de reanimar a comunidade ao crescimento, a promover o turismo, mas 109 enfrenta grandes dificuldades, pois nem toda a população está envolvida e lutando pelo desenvolvimento. Durante a realização da pesquisa, nosso contato foi direto com a comunidade que participa ativamente no festival, isto é aqueles que brincam, sofrem, choram e se alegram com o seu Bumbá e apenas uma pequena parcela defende essa cultura. Como pode ser observado na fala da colaboradora Rosa Solani: O povo aqui em Guajará é muito quieto pra essas coisas, pacato, tem que brigar mais, correr mais atrás, só esperar não adianta, é por isso que nos estamos assim. Dois grupos se reuniram e estão brigando, mas só dois grupos o azul e o vermelho, só esses dois grupos brigam o restante não tá brigando pelo Boi, vejo lá em Parintins tem várias torcidas organizadas, ele pode não esta na arena brincando, mas ele tá brigando, esta participando. Essa falta de ânimo que ocorre na comunidade pode ser observada desde as primeiras tentativas de expandir a cultura pela região como mostra a reportagem a seguir: 110 22 Imagem 03: Recorte de jornal (documento digitalizado) – Sobre a noite da Toada em Guajará-Mirim. Fonte: Material coletado na Secretaria de Cultura de Guajará-Mirim.- O ESTADÃO 31/06/1997 22 “Flor do Campo” levanta público. A Noite da Toada, evento realizado nessa última sexta-feira, 20, não surtiu o efeito desejado pela Comissão Organizadora. Apesar disso, nem tudo foi decepção, pois o público reduzido e a princípio tímido, aos poucos foi se contagiando com o ritmo das toadas lançadas pelos bumbás Malhadinho e Flor do Campo. O malhadinho foi o primeiro a apresentar-se e o público quase não reagiu, mas ficou maravilhado com as coreografias apresentadas em cada toada que por sua vez, ganharam destaque com a interpretação de Léo e Mylene Pimentel, acompanhados pela Marujada e Banda Styllus. No momento subsequente, o Flor do Campo encheu de vivas a Noite das Toadas, com sua torcida organizada que gritava: “Ah! Eu tô Maluco! Ah! Sou Flor do Campo!”. Quando Nino começou a cantar e os guerreiros a apresentar a coreográfia, a galera foi ao delírio, mas o destaque foi para o Pajé, que encantou com as suas enormes línguas de fpgo. A presidente da comissão Organizadora, Raimunda Mirta Justiniano Dantas, revelou-se contente com o desempenho dos bumbás, que evoluíram tanto na dança quanto nas composições musicais: “Acredito que sendo a primeira vez que desempenhamos um evento dessa natureza no município, o resultado é bastante positivo. Pena que o nosso público ainda não aprendeu a dar a valorização devida às nossas manifestações populares”. Apesar do Clima amistoso entre os dois bumbás, pode-se perceber que existe entre os prestigiadores uma preferência bem distinta e isso dá mais força aos coordenadores para levar em frente esse fazer que se tornou uma causa pró-cultura. 111 Na tentativa de incentivar a cultura pela região os organizadores passaram a realizar eventos que pudessem estimular a comunidade a participar mais das atividades desenvolvidas pelos Bumbás e também arrecadar recursos para promover as atividades, entre os eventos ocorreu algumas tentativas de realização da Noite da Toada. Como pode ser observado no primeiro parágrafo da matéria, a Noite da Toada não surtiu o efeito desejado pelos organizadores, pois a população esperada não foi atingida, conforme se pode observar através da fala de nossa colaboradora Rosa Solani (2013) ao afirmar que, Quando a festa era pequena, nos íamos pedir patrocínio nas lojas, fazíamos feijoada, noite da toada, fizemos até a quarta noite da toada, depois desistimos por falta de estimulo, cansei de chegar nas lojas com meu projetinho, informando que iria ter a noite da toada e as pessoas mandavam eu procurar o que fazer, chamavam de doida, falando que isso não iria pra frente, que só tinha cachaceiro, falavam pra eu me envolver em outra coisa que isso não iria pra frente, eu sempre afirmando que iria dar certo sim, que mais na frente eles iriam ver dar certo. Observou-se que as tentativas de desenvolver a cultura na região foram inúmeras, não faltaram esforços por parte dos fundadores e organizadores: O festival foi crescendo aos poucos, íamos pra rádio pedir apoio e em nível de Guajará foi muito bom, mesmo sendo pequeno o apoio, fomos trabalhando sempre com o pé no chão, em cima daquilo que nos tínhamos, aquele pouco que a gente tinha era com o que nos trabalhávamos. (SOLANI 2013) Durante esses dezoito anos de festival, foram muitos os desafios e pouco a pouco a cultura foi ganhando espaço. Até o ano de 2012 o festival contou com recursos do Governo do Estado, de fundamental importância para a sua realização, como pode ser observado: As empresas maiores passaram a dar um apoio maior, o governo passou a dar um valor maior e em três anos nos crescemos tanto que nem a gente estava acreditando que era possível. Quando nos entramos na arena em 2009 que nos olhamos em volta, ficamos de boca aberta, eu pensei: “não acredito que nos fizemos tudo isso”, nos não acreditávamos, era tudo tão lindo pra nos, pois nos nunca tínhamos tido recurso pra tudo aquilo, foi muito bacana. Em 2010, minha Nossa Senhora, que coisa linda, nós tivemos condições de trazer tudo aquilo pra arena, nos já tivemos acesso as lojas em São Paulo, que vendia material de primeira, eu já sabia quais eram as penas pra usar nas tribos, nos destaques (risos).(SOLANI, 2013) O Festival Folclórico atingiu seu ponto máximo no ano de 2010, quando os empresários locais passaram a se envolver na manifestação, pois visualizavam um retorno cada vez maior para o comércio local durante o período festivo. 112 Neste ano de 2013, o Festival Folclórico passa por grandes dificuldades, pois o Governo do Estado determinou que não seriam liberados recursos financeiros para as agremiações realizarem a festa. Essa atitude despertou grande tristeza na comunidade envolvida, Agora o que entristece é saber que durante esses quinze anos de trabalho, o festival no seu 18º festival, e ouvir o governador dizer que não irão mais apoiar, que nos vamos andar com as próprias pernas, que o Governo do Estado não vai mais apoiar, o município não apoia, isso nos entristece, porque o Festival trouxe beneficio pra nossa cidade em todos os sentidos, não é só na época do Festival, mas a partir do mês de junho as pessoas já começam a ligar pra marcar a sua hospedagem e os hotéis já começa a ganhar (...). As lanchonetes também ganham, o taxista, o moto-taxi, um mês antes do Festival já dá de ver como a cidade fica, quando começa a chegar perto do Festival você percebe que o movimento é bem maior, uma semana antes nos ficamos bem agitados, o pessoal se programa mesmo, pra vir no mês de agosto pra cá, pegam suas férias e vem pra cá. Você já pensou se isso termina? Que tristeza pra Guajará, porque na minha visão é o único evento que é geral, que movimenta um trabalho pra todos. Na minha visão, eu sinto muita falta da participação da comunidade, a comunidade teria que participar mais, se a comunidade participasse mais esse Festival estaria bem melhor, a discussão seria bem melhor, porque a comunidade estaria envolvida. (SOLANI, 2013) Com essas considerações, observa-se que a cultura passou a ter outro sentido e passa a se tornar um bem de consumo. A cultura deixa de ser importante por si mesma, para ser importante por suas funções econômicas. Nesse sentido nossa colaboradora ainda expõe que em Guajará-Mirim, (...) o comerciante não tem visão, eles têm que ter visão, não é porque eles não estão lá na arena brincando de Boi que eles não possam participar do festival também. Quem tiver trabalhando em qualquer setor, esta fazendo parte também do festival. (SOLANI,2013) Percebe-se que a visão de crescimento do município em função do Festival Folclórico está somente na visão das pessoas que vivenciam essa cultura e acreditam que o evento possa mudar a história da cidade, com a mesma proporção que aconteceu em Parintins-AM. Atualmente, sem o apoio do Governo do Estado, o Festival Folclórico enfrenta uma difícil realidade, que é se erguer sozinho e andar com as próprias pernas. Essa tarefa torna-se cada vez mais difícil, pois a comunidade não se integra dessa responsabilidade. O que se observou durante a pesquisa é que somente as agremiações dos Bumbás estão envolvidas e lutando pra realizar mais um festival. Rosa Solani faz um desabafo e demonstra o seu maior medo diante dessa situação: 113 Não sei como será, eu me pergunto como será daqui pra frente, será que vai virar mais “Guajará já teve festa de Boi-Bumbá”, vai ter só alguns vídeos, eu fico triste, não é por falta de busca de trabalho não, porque nós estamos buscando, batalhando, correndo atrás estamos trabalhando, quando chega a época do festival a gente trabalha coloca o Boi na arena do jeito que a gente quer. Com essa agora que nos não vamos mais ter apoio eu não sei mais. O nosso medo é que eles digam que nós não vamos fazer esse ano, que vão deixar pra fazer só ano que vem, o meu medo é que nunca mais aconteça se cair um ano como que vai levantar o outro ano? Como que vai recomeçar? Eu já comentei com a equipe, que nos temos que fazer de tudo pra fazer o festival, mesmo que não tenha ajuda, vamos fazer com o que tem, qualquer coisa começamos da metade, se não der, vamos fazer com menos da metade, o que não pode é deixar acabar. (SOLANI, 2013) A população de Guajará-Mirim precisa unir forças nesse momento de dificuldades e acreditar que essa cultura vai promover muitos benefícios para a cidade. Somente com a participação de todos essa história pode mudar, proporcionando um novo recomeço. A data em que ocorre o festival passou de agosto para outubro somente esse ano, pois as agremiações ainda lutam para realizar uma belíssima festa, assim como nos outros anos. 114 CAPITULO VI IMAGENS E DIÁLOGOS QUE NASCEM COM A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA Foto 34: Apresentação do bumbá Flor do Campo, chegada da cunhã poranga. Fonte: GOMES, Ednart. 2011. 115 Foto 35: Entrada da cidade de Guajará Mirim em 2012, durante a festa do Boi Bumbá. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 Foto 36: Entrada da Cidade de Parintins-AM, em 2012,durante a festa do Boi Bumbá. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 116 Foto 37: Porto de Guajará Mirim – 1. Fonte: Acervo do Jornal/O Mamoré, 2011 Foto 38: Porto de Guajará Mirim – 2. Fonte: Acervo do Jornal/O Mamoré, 2011 117 Foto 39: Loja no município de Parintins-AM. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 Foto 40: Comércio em calçadas de Parintins/AM. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 118 Foto 41: Banco Bradesco, na versão Azul e Vermelho, município de Parintins Fonte: CUNHA, Ananda. 2012. Foto 42: Creche municipal de Guajará Mirim, caracterizada com as cores dos bumbás. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 119 Foto 43: Parte interna do bumbódromo de Guajará Mirim, área dos camarotes. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012. Foto 44: Parte interna do bumbódromo de Parintins, galera Caprichoso. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 120 Foto 45: Os Tuxauas sendo transportados até o bumbódromo, Guajará Mirim. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 Foto 46: Os Tuxauas sendo transportado até o bumbódromo, Parintins. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 121 Foto 47: Rodoviária de Guajará Mirim, representando as cores dos bumbás, durante o festival folclórico Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 Foto 48: Orelhões telefônicos de Parintins. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 122 Foto 49:Avenida 15 de Novembro, com as calçadas pintadas em azul e vermelho, durante o festival em Guajará Mirim. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 Foto 50: Ruas decoradas, durante o Festival de Parintins Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 . 123 Foto 51: Tuxauas em processo de elaboração em Guajará Mirim. Fonte: GOMES, Ednart. 2011. Foto 52: Alegorias sendo transportadas pelas ruas de Parintins. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 124 Foto 53: Ensaio da Batucada (Flor do Campo) em Guajará Mirim. Fonte: GOMES, Ednart. 2011. Foto 54: Ensaio do Pajé em Guajará Mirim Fonte: GOMES, Ednart. 2011. . 125 Foto 55: Torcida organizada do Caprichoso elaborando os artefatos que anima a galera azul em Parintins. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 Foto 56: Venda de artefatos do Boi em frente as residências em Parintins. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 126 Foto 57: Alegoria em construção no bumbódromo de Guajará Mirim - 1. Fonte: GOMES, Ednart. 2011. Foto 58: Alegoria em construção no bumbódromo de Guajará Mirim - 2.. Fonte: GOMES, Ednart. 2011. 127 Foto 59: Arquibancada do Boi Flor do Campo, durante o festival em Guajará Mirim. Fonte: CUNHA, Ananda. 2011 Foto 60: Arquibancada do Boi Malhadinho, durante o festival em Guajará Mirim. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 128 Foto 61: Boi Flor do Campo em evolução no bumbódromo de Guajará Mirim. Fonte: GOMES, Ednart. 2011. Foto 62: Alegorias durante a apresentação dos bumbás em Guajará Mirim. Fonte: GOMES, Ednart. 2011 129 Foto 63: Galera do bumbá Garantido em Parintins. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 Foto 64: Apresentação do Bumbá Garantido em Parintins Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 130 Foto 65: Animadora de torcida e galera do bumbá Malhadinho durante o festival em Guajará-Mirim. Fonte: Acervo do Jornal/O Mamoré, 2012 Foto 66: Evolução da Sinhazinha da Fazenda durante o festival em Guajará-Mirim. Fonte: Acervo do Jornal/O Mamoré, 2012 131 Foto 67: Apresentação do Bumbá Caprichoso em Parintins – 1. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 Foto 68: Apresentação do Bumbá Caprichoso em Parintins – 2. Fonte: CUNHA, Ananda. 2012 132 Foto 69: Apuração das notas no bumbódrámo de Guajará Mirim – 1. Fonte: GOMES, Ednart. 2011. Foto 70: Apuração das notas no bumbódrámo de Guajará Mirim – 2. Fonte: GOMES, Ednart. 2011. 133 Finalizando com um diálogo sobre o Boi Bumbá A narradora, Rosa Solani é funcionária Pública, nascida em Guajará-Mirim, vive a história do Boi desde o ano de 1998, como organizadora. Fui convidada pela dona Georgina, fundadora do Boi Flor do Campo, para participar do brincar de Boi, quando cheguei pra morar no bairro Tamandaré, eu nem sabia que nos tínhamos dois Bois, pra você ver como não tinha nem propaganda. Era um Boi de rua, eu já tinha brincado de Boi de rua quando tinha 12 anos, no Boi da dona Gregória, mas foi coisa de criança, sem compromisso, brinquei por um ano, apresentando o Boi de porta em porta, depois disso passou, não tive mais noticias. Eu nem sabia que ainda tinha Boi em Guajará, mas tinha o Boi de rua da dona Georgina e o Boi do Léo, o Boi da dana Gregória já tinha acabado. Quando mudei pro Bairro Tamandaré, soube que tinha o boizinho, minhas vizinhas brincavam, seus parentes também brincavam e me convidaram pra conhecer o Boi, eu perguntava mais que Boi? Elas respondiam que era o Boi da dona Georgina. Eu perguntei: mas aqui no Tamadaré tem Boi? Minhas vizinhas perguntaram se eu não sabia do Boi, eu nunca tinha ouvido falar. Me convidaram pra ir no ensaio, quando cheguei lá me apresentaram pra Dona Georgina, falando que eu era a Rosa, que tinha ido pra ajudar no Boi. A dona Georgina logo foi falando que precisava de alguém pra ajudar, perguntou se eu podia ajudar com os documentos, com a inscrição dos brincantes, com o alvará? Eu disse que podia sim ajudar, ela falou que eu seria a secretária dela. Eu não entendia nada, não sabia o que era uma pena, era pena de peru, pena de pato, pena de galinha, pena de ganso, não entendia nada, não sabia nada de Boi, não sabia como vestir uma fantasia. Paulo Menda que já era artesão da dona Georgina, foi com quem eu me aproximei pra fazer os roteiros de apresentação, não existia lendas, era só apresentação dos itens, ninguém sabia o que representava aquilo. Então eu comecei a descrever, a criar uma lenda pra cada item. Eu chegava na dona Georgina e perguntava da dona Georgina o que representava Rainha do Folclore? Ela me respondia que era a rainha das matas, mãe que protege as matas, 134 a mãe do Folclore, que conduz tudo isso, guia os bichos, é como se ela fosse uma Deusa. Então eu pensei em criar alguma coisa em cima disso, um contexto explicando o que representa a rainha do folclore. E o estandarte, a moça que vem com o estandarte, o que quer dizer essa bandeira? Ela respondeu que a estandarte vem representando as cores do Boi, as cores vermelho e branco, é ela que traz a bandeira do Boi, ela representa essa nação inteira. A cunhã poranga? O que quer dizer cunhã poranga dona Georgina? O que representa? Ela respondeu que é a índia mais bela da aldeia, é a índia guerreira que luta pela tribo dela, ela que protege a aldeia, já fui pensando em criar o contexto da cunhã poranga. Continuei perguntando, o que significa o Pajé? Ele é o curandeiro, o chefe das tribos, ele que faz a cura quando tem um índio doente, com a pajelança, é ele que entende de todos os remédios que vem da natureza. E assim foi, e o amo do Boi? Quem é o amo do Boi? O que representa, o que significa o amo do boi? E o índio? O que tem haver o índio? E a dona Georgina foi me explicando que é uma história, que o amo do boi é um fazendeiro muito rico que tem uma filha linda, que tinha uma fazenda enorme de Boi, que nessa fazenda tinha um boi amado pela filha, um boi muito lindo, o fazendeiro tinha um capataz, o nego chico que tinha a sua mulher que estava grávida, que teve um desejo de comer a língua do Boi, queria porque queria comer a língua do Boi, Nego Chico foi lá e matou o Boi, a Sinhãzinha ficou triste, adoeceu. O amo do Boi falou pro nego Chico que ele tinha que dar conta do Boi, de ressuscitar o Boi dele, foi quando o nego chico chamou o Pajé pra vim curar o Boi. Eu fui montando toda a história, que antigamente não tinha, era só apresentação dos itens. Em cima disso eu fui pensando que estava faltando mais coisas, a Cunhã poranga é quem? E vem representando quem? defendendo o que? Assim nos fomos inserindo as lendas, a lenda do boto, a lenda da cobra grande, a lenda do beija flor, cada item passou a ter a sua lenda. As tribos nos demos nomes, antes elas tinham o nome Muirapinima, era Munduruku, tribos lá do Pará, do Mato Grosso, foi quando eu falei: Dona Georgina nos estamos contando a história do nosso Boi que é de Guajará, trabalhando em Guajará, nada mais justo a gente trazer as nossas tribos, o nome das nossas tribos de Guajará. Já tinha as tribos Karitiana, Pakaa, Canoé, que são daqui, mas outras eram de outros Estados e aos poucos a gente foi mudando, hoje a gente já trabalha com os nomes das tribos daqui, as histórias e lendas daqui, porque a gente conhece mais e sabe que realmente 135 acontece, sabemos como nossas tribos vivem, plantam, dormem. Não tinha porque ficar contando as histórias de outras regiões, sendo que nos temos aqui, procuramos sempre trabalhar o contexto regionale nos fomos crescendo aos pouquinhos, fomos dando vida ao nosso Boi, a partir disso as pessoas começaram a participar mais, começamos também a ir à rádio pra fazer divulgação. O Boi começou a se apresentar no clube da Polícia Militar-PM, devido ao grande esforço do Coronel Deserte, na época trabalhava aqui, que nos apoiou muito, foi uma pessoa que abriu os braços, tanto no comando da Polícia Militar no Festival, como apoio em estar lá fazendo parte dos jurados, da coordenação também fez parte. Outra pessoa que muito ajudou foi o Delegado Oliveira que buscou patrocínio junto com a gente, conseguiu muita coisa, tanto ele quanto a esposa dele, ele era Flor do Campo ela era Malhadinho, mas os dois juntos não tinha discussão, nos ajudaram muito, principalmente nos anos de 2005, 2006. O festival foi crescendo aos poucos, íamos pra rádio pedir apoio e em nível de Guajará foi muito bom, mesmo sendo pequeno o apoio, fomos trabalhando sempre com o pé no chão, em cima daquilo que nos tínhamos, aquele pouco que a gente tinha era com o que nos trabalhávamos. Quando chegou 2006 2007, já vieram o pessoal de Porto Velho, com a mídia, como a televisão e a rádio, que já começaram anos apoiar em questão de divulgação. Os grupos de Boi Bumbá Porto Velho, vieram em 2008 e 2009 para nos apoiar na questão de pessoal, pois nos tínhamos pouca gente, além de ir à rádio convidar a população para dançar, nos anunciávamos: Venham, venham dançar, chamávamos os adolescentes as escolas, só que era tão pequeno, tinha a estrutura tão pequena, que as pessoas tinham vergonham de vir dançar, falavam assim: Ah eu queria dançar, mas eu tenho vergonha! Ai eles não vinham, fazíamos de tudo e não vinham. Depois que começou a ser mais divulgado e os grupos de Porto Velho vieram nos ajudar, a população daqui passou a ter outra visão, até porque as roupas eram pobrezinhas e as pessoas ficavam desanimadas, mas quando começou a melhorar um pouquinho mais nas roupas, colocar umas coisinhas a mais e enfeitar, foi que a população passou a se interessar mais, as coreografias também ajudaram bastante, antes eram só dois pra lá dois pra cá, a gente começou a colocar passos novos, assim a comunidade passou a frequentar mais e o Boi começou a crescer, não demorou o Boi já tinha 150, 200, 250, 300, 400 brincantes, já vinha bastante 136 gente de Porto Velho, que me procuravam pra dançar, pra guardar a vaga, nos sempre encaixávamos as pessoas e o Festival foi crescendo, iniciando a divulgação dentro do Estado todo, começaram a vir comitivas, as pessoas começaram a se organizar, essas comitivas vem de Ji-Paraná, Vilhena, Cacoal, Porto Velho... A gente começou a receber em 2008 uma base de dezoito ônibus, sem contar carro particular, que venham programado só pra assistir o Festival. O Boi passou a ser conhecido internacionalmente também, vinha gente até dos Estados Unidos, no ano de 2011, veio uma repórter de Londres, chamada Maria Luísa, ela fez uma matéria e publicou na BBC News, quando ela veio, ela me deu o endereço e eu acessei a reportagem, ela fez um trabalho muito bonito, disse que iria publicar um livro, pois gostou muito. Até aí a gente trabalhava só na casa da dona Georgina, o barracão as fantasias, tudo era trabalhado ali e também na minha casa, só que cresceu tanto que nós não tínhamos condições, tivemos que abrir espaços, dividir tarefas, nos não tínhamos muita gente na organização, era eu, o Paulo e outros, lembrando que não era pago, nos trabalhávamos de graça, não tinha como ter pagamento, o único que recebia um cache era o Paulo, mas o restante todos trabalhava de graça, eu tinha minha equipe aqui, a irmã do Paulo, Rose também ajudava, confeccionava as fantasias na casa dela, mas sem pagamento. Nós viemos começar a receber a partir de 2008, foi bem pouco, sem compromisso. Os contratos começaram a partir de 2009, depois que as propostas do governo começaram a aumentar, mediante ao valor que era repassado nos já fazíamos um contrato. O artesão de alegoria também, ele sempre foi pago porque ele não era daqui, tinha que mandar buscar fora, ele sempre teve o contrato dele, mas o restante realizava o trabalho com amor e carinho pro Boi alavancar e assim foi indo. As empresas maiores passaram a dar um apoio maior, o governo passou a dar um valor maior e em três anos nos crescemos tanto que nem a gente estava acreditando que era possível. Quando nos entramos na arena em 2009 que nos olhamos em volta, ficamos de boca aberta, eu pensei: “não acredito que nos fizemos tudo isso”, nos não acreditávamos, era tudo tão lindo pra nos, pois nos nunca tínhamos tido recurso pra tudo aquilo, foi muito bacana. Em 2010, minha Nossa Senhora, que coisa linda, nós tivemos condições de trazer tudo aquilo pra arena, nos já tivemos acesso as lojas em São Paulo, que vendia material de primeira, eu já sabia quais eram as penas pra usar nas tribos, nos 137 destaques (risos). Então hoje nós já temos toda essa sabedoria, de tudo, de como funciona, de como podemos trabalhar, do que pode sair mais caro ou mais barato, hoje nos já temos todo esse acesso. Agora o que entristece é saber que durante esses quinze anos de trabalho, o festival no seu 18 festival, e ouvir o governador dizer que não irão mais apoiar, que nos vamos andar com as próprias pernas, que o Governo do Estado não vai mais apoiar, o município não apoia, isso nos entristece, porque o Festival trouxe beneficio pra nossa cidade em todos os sentidos, não é só na época do Festival, mas a partir do mês de junho as pessoas já começam a ligar pra marcar a sua hospedagem e os hotéis já começa a ganhar porque já pedem a metade da hospedagem com medo de perder a reserva, nisso o apartamento já fica fechado, em meados do mês de junho não tem mais vaga, fora as pessoas que tem parentes aqui no município e não usam os hotéis. As lanchonetes também ganham, o taxista, o moto-taxi, um mês antes do Festival já dá de ver como a cidade fica, quando começa a chegar perto do Festival você percebe que o movimento é bem maior, uma semana antes nos ficamos bem agitados, o pessoal se programa mesmo, pra vir no mês de agosto pra cá, pegam suas férias e vem pra cá. Você já pensou se isso termina? Que tristeza pra Guajará, porque na minha visão é o único evento que é geral, que movimenta um trabalho pra todos. Na minha visão, eu sinto muita falta da participação da comunidade, a comunidade teria que participar mais, se a comunidade participasse mais esse Festival estaria bem melhor, a discussão seria bem melhor, porque a comunidade estaria envolvida. O que não acontece aqui, nos conseguimos ver em Parintins, a comunidade se compromete com o Festival, não só com o Festival ela se compromete com Parintins o ano inteiro, o que Guajará Mirim não faz, não se compromete com o Festival, não se compromete com o seu Boi, com a sua comunidade, o que nos conseguimos ver é alguma coisa nas páginas de relacionamento, algumas discussões sobre o Festival, mas não tem aquele compromisso que eu vi em Parintins, quando saia nas ruas pela manhã em direção ao Bumbódromo, observei uma pessoa colocando uma caixinha de som com uma televisão, tocando o DVD do Boi, de frente pra rua pra quem está passando vê que aquela casa esta ligado no festival, do lado da TV tem uma caixa térmica com refrigerante que acompanha o pastel, o vizinho já coloca um churrasquinho, o outro lá na frente tem uma barraquinha com venda de Cocar, pulseiras, o outro tem uma bicicletinha pra transportar os turistas, ou seja toda a cidade está comprometida, a comunidade não está só dentro da arena, pra aparecer que é do Boi, azul ou 138 vermelho, a comunidade não quer saber disso não, ele quer saber se está fazendo parte em alguma coisa, se ele está envolvido. Quando chegamos a Parintins nós não vemos nenhum barco amarelo ou preto, o que você vê são os barcos azul e vermelho, a bandeira do azul e a bandeira do vermelho, quando chegamos lá todos já estão com a sua camiseta, embora a metade da cidade seja azul e a outra metade seja vermelha, nós nem sentimos isso, nos sentimos o compromisso de todos estarem envolvidos, não importa em que Boi. Observamos as pessoas saírem de suas casas, ficando só em um quartinho pra poder alugar o restante do imóvel, quando nós fomos pra lá nesses dois anos passados, a pessoa que alugou a casa, ficou em um só quartinho e alugou o restante, além da dona da casa levantar cedo pra fazer um café da manhã pra gente, por quê? É um compromisso, ela está participando, ela não chegava a ir ao bumbódromo assistir, acompanhava tudo pela televisão. É o que eu sinto falta em Guajará, nos não temos o compromisso da prefeitura, do poder municipal, eu acho muito falho, eu sei que não tem dinheiro, mas poderia apoiar mais, o comércio aqui não tenho o que falar muito, porque a gente vê que não tem muita condição de apoiar com a questão de patrocínio, as empresas são pequenas, mas poderia ajudar de outra forma enfeitando a sua loja, se comprometendo também com as cores, isso não é só questão de dinheiro, é questão de visão também, quando as pessoas chegam a Guajará e observam tudo enfeitado, pintado, decorado, elas ficarão surpresas, admiradas, e é isso que eu não sinto aqui no município hoje e isso me entristece muito, acho que deveria ter mais envolvimento, mas eu não desisto, se depender da gente da nação vermelha e branca nos vamos trabalhar arregaçar as mangas e trabalhar. O Flor do Campo tem uma equipe boa que não deixa a desejar em nada em relação a Parintins, por exemplo as criações de nossos artistas, desde o item número um ate o vinte e dois, não deixa a desejar em nada, a gente pode comparar as fantasias daqui e de lá, não tem muita diferença. É emocionante, depois do festival pegar as fotos pra olhar, é difícil de acreditar que todas aquelas peças desmontadas se transformaram naquelas lindas fantasias e alegorias, se a gente mostra as fotos pra uma pessoa que nunca veio assistir, que vê a cidade bem pacata, elas não acreditam que aqui em Guajará tem esse evento. Muita gente que visita a cidade, param pra observar e tirar foto das alegorias que ficaram no bumbódromo depois do festival, os turistas se sentem 139 atraídos pela grandiosidade das alegorias, eles perguntam se aqui em Guajará tem isso, elogiam o trabalho, querem saber quem confeccionou, as pessoas que vem de fora não conhecem o festival e se admiram pela cidade ser tão pequena e possuir uma atividade tão bonita. Quem chega e olha hoje não acredita que tenha uma atividade dessa, mas tem. Mas a que custo isso acontece? Acontece pela nossa boa vontade sacrifício das duas entidades envolvidas, as duas nações que brigam a muito tempo pelo festival e que não querem ver acabar. A pouco tempo depois do festival, em setembro eu vi uma reportagem no jornal “O Mamoré”, que me deixou muito triste, pegaram as fotos das alegorias colocaram na matéria e começaram a falar que era com isso que o governo gastava, que as alegorias ficavam jogadas no meio da chuva e do sol, que os Bois tinham que ter um lugar pra guardar, por ser dinheiro público. Eu fiquei muito triste porque era a comunidade falando, foi onde eu explique que a culpa não era nossa do Boi, nos estávamos pedindo apoio desde o começo do Festival. É cultura, a população reclama que deveria ser gasto com a saúde, com a educação, mas é bem claro na constituição que o Estado tem que dar condição pra educação, pra saúde, pro lazer, pra cultura, pra moradia, então cada um tem o seu quinhão ali dentro, a saúde tem o quinhão dela, a educação tem a verba dela, seus secretários que briguem pelo quinhão delas, a cultura tem a verba dela pra desenvolver, o lazer no esporte tem o quinhão dele, todos tem espaço, cada um briga pelo que acha que deve, eu brigo pela Cultura, a minha colega briga pela saúde, a outra colega briga pela educação e cada um tem que respeitar a parte do outro, mas não, jogaram na matéria que não, e eu acho errado, não esta certo fazer isso. Se nós não temos ainda nosso espaço, não é por culpa nossa. Nos estamos brigando pelo bumbódromo desde 2001, quando a gente começou a subir um pouquinho, a gente também começou a brigar pelo bunbodrámo, quiseram dar uma área próximo ao quartel e não podia por ser área militar, queriam ceder uma área perto da UNIR e também não deu certo e na época o antigo prefeito, Pilon, conseguiu doar aquela parte que estava alagada e sem uso, o deputado Hamilton Casará, conseguiu uma verba da parte da emenda dele junto com o próprio Valdir Raupp que hoje esta nos doando mais uma verba pra construção dos barracões no 140 valor de dois milhões e quatrocentos reais, que é pra gente guardar nosso material, guardar aquelas alegorias tem que ter os barracões. Então, nos estamos brigando desde 2001, foi feito o projeto, fomos correr atrás de verba em Porto Velho, o Governador Ivo Cassol veio, juntamente com o Deputado Hamilton Casará e do Valdir Raupp, a gente conseguiu fazer parte do bumbódromo, uma parte da verba voltou porque passou o tempo, nós sabemos que tem um prazo pra cumprir, se não cumprir ela volta, e uma parte voltou, só uma foi utilizada. Assim eles ficaram de cada ano fazer uma parte do bumbódromo, mas só prometeram, não saiu do jeito que combinou, aquilo que tá lá no bumbódromo é só a primeira parte do projeto. Já estamos em 2013 e agora que vai sair essa verba pra construção dos barracões, já se formou uma briga devido a especulação em torno dos espaços doados, e o dinheiro está lá correndo o risco de perder, porque já era pra ter começado, pra que esse ano já seja usado esses barracões. O projeto dos dois barracões é tão lindo, tem o seguimento com camarins, com espaço para os ensaios, todo aquele espaço vai ser construção, e está nesse impasse, quer dizer, o apoio é muito lento, a gente fica brigando é como se a gente tivesse dando murro em ponta de faca, e não é culpa dos Bois, eu vejo as pessoas reclamando que os Bois abandonaram as alegorias no bumbódromo, mas não é culpa nossa, a gente trabalha, coloca o brincante na arena. A gente faz essa festa acontecer, mas a gente faz com o apoio que tem se já tivesse construído os barracões tudo seria melhor, quando terminasse a festa tudo estaria lá guardadinho, depois era só desmontar deixar trancado e no próximo festival abrir e começar a trabalhar, modificar o que tem que modificar. mas cadê? O tempo está passando. Não sei como será, eu me pergunto como será daqui pra frente, será que vai virar mais “Guajará já teve festa de Boi Bumbá”, vai ter só alguns vídeos, eu fico triste, não é por falta de busca de trabalho não, porque nós estamos buscando, batalhando, correndo atrás estamos trabalhando, quando chega a época do festival a gente trabalha coloca o Boi na arena do jeito que a gente quer. Com essa agora que nos não vamos mais ter apoio eu não sei mais. Eu me apaixonei pela festa, as pessoas perguntam pra mim, o que eu faço metida em Boi? Falam que eu tenho minha vida, tenho meu emprego, questionam porque eu encho minha casa de pena, de caixa e me perguntam o por quê de tudo isso. O que me motiva a participar desde o inicio, é porque eu queria ver isso dar 141 certo na minha cidade, eu quero que der certo, eu quero que tenha o Boi em agosto, o carnaval em fevereiro, eu quero que tenha a festa do Divino, eu quero que todas as coisas boas voltem. O que me motiva é ver a coisa crescer, é dar certo, é ver a minha cidade crescendo, é ver o envolvimento, as pessoas vindo pra cá querendo participar. É injetar o animo na comunidade, que o visitante não venha visitar a cidade só pra cruzar pra Bolívia, tem dia que não tem como estacionar no porto com tanto turista, mas estão todos na Bolívia, quando chegamos na Bolívia é difícil de andar de comprar com tanta gente, e Guajará? Os turistas não tomam um suco em Guajará, eles entram no carro e vão embora. Isso é muito triste, ver as pessoas só passando, passando... Nos somos uma das primeiras cidades do Estado de Rondônia, uma das mais antigas, considerada a pérola. Então desde o principio, quando entrei no Boi, foi pra ver a coisa crescer, crescer, crescer... Quando chegamos a certo patamar, vem um balde de água fria. Quando a festa era pequena, nos íamos pedir patrocínio nas lojas, fazíamos feijoada, noite da toada, fizemos até a quarta noite da toada, depois desistimos por falta de estímulo, cansei de chegar nas lojas com meu projetinho, informando que iria ter a noite da toada e as pessoas mandavam eu procurar o que fazer, chamavam de doida, falando que isso não iria pra frente, que só tinha cachaceiro, falavam pra eu me envolver em outra coisa que isso não iria pra frente, eu sempre afirmando que iria dar certo sim, que mais na frente eles iriam ver dar certo. Todo tempo nos ficamos nessa expectativa, que a gente fosse chegar em um nível que todos tivessem envolvidos, pra melhoria de Guajará, pra desenvolver a Cultura de Guajará. Então, é todos os anos que eu venho praticando isso, acreditando, é o que me trouxe ate hoje ate aqui, acreditando. As vezes nos levamos um choque aqui, outro ali, as vezes a tua ideia não bate com a do colega, as vezes temos que recuar, outras avançar, as vezes a tua diretoria não quer a tua ideia, quer prevalecer a ideia dela e muitas vezes quando chega lá na frente a ideia não dá certo e nos perdemos por um voto a menos, é uma discussão normal, mas tudo por uma boa causa, que é ver a coisa dar certo, ver o Boi bumbá fluir. Dona Georgina chegou aqui em 1981, montou o Boi dela também pra ver isso, e nós passamos a nos unir com ela pra ver também, eu fui pra lá ficar de ombro a ombro com ela pra ver a coisa acontecer. Conseguimos trazer por dois anos, 2004 e 2005, o cantor Davi Assayag, onde fizemos uma festa muito bacana, no ano 142 passado (2012) nos já conseguimos trazer o Sebastião Júnior, agora nossa diretoria já esta trabalhando pra trazer ele outra vez esse ano. Tudo pra ver a coisa dar certo, então o que nos motiva, não só a mim, como também os outros brincantes, os artesões e a diretoria é isso, trabalhar pra funcionar, para Boi funcionar, pra gente nunca perder essa festa, o festival de Guajará Mirim tem que existir, ele tem que continuar funcionando. O nosso medo é que eles digam que nós não vamos fazer esse ano, que vão deixar pra fazer só ano que vem, o meu medo é que nunca mais aconteça, se cair um ano como que vai levantar o outro ano? Como que vai recomeçar? Eu já comentei com a equipe, que nos temos que fazer de tudo pra fazer o festival, mesmo que não tenha ajuda, vamos fazer com o que tem, qualquer coisa começamos da metade, se não der, vamos fazer com menos da metade, o que não pode é deixar acabar. Todos nós estamos no Flor do Campo porque a gente gosta de brincar de Boi, a gente chora, briga, esperneia pra brincar, trabalhar pra fazer a coisa acontecer, é o que nos motiva é isso, a alegria de brincar de Boi, que a gente não quer deixar morrer, e o medo então? (risos) Eu tenho medo. Quando faço uma analise em relação a Parintins é bem diferente, primeiro quando eu bati o pé no porto, queira ou não queria nos começamos a fazer comparações (risos) começamos a analisar, foi quando olhei aqueles troncos maravilhosos, parecia que estava entrando em uma aldeia, mas na frente um portal enorme, simbolizando o “Seja Bem Vindo”, a gente se sente tão feliz, é uma receptividade. Passamos a pensar que aqui em Guajará Mirim também dá pra fazer isso, nos temos um portal, por que em vez de ter um portal escrito só seja bem vindo, nos também não criamos um portal com características do Boi? Colocando um cocar bem bonito, um Boi branco e um preto, para os turistas, fazer aquela entrada acontecer. Eu garanto que quando o turista ver ele vai se sentir bem, empolgado, porque foi assim que eu me senti. Quando eu cheguei em frente a uma loja que vendia artefatos do azul e do vermelho, tinha dois Bois imensos de concreto, da de perceber que tudo é voltado para o festival, tudo gira em torno do festival, a cidade inteira vive isso, o que aqui nos também deveríamos fazer a mesma coisa, a prefeitura fala que não tem 143 dinheiro, que o município não tem dinheiro, mas pra isso não precisa muito, vamos fazendo aos poucos, vai melhorando aos poucos. Parintins não começou de uma vez, eles não fizeram tudo aquilo de uma vez só, quando a gente chega no correio tem uma pintura indígena na parede, é um cocar, um lado é vermelho o outro é azul, quando chegamos nos bancos também é assim, tudo tem a característica, quando chegamos na Marinha, observamos uns cartazes enormes de seja bem vindo ao Festival de Parintins, até as mensagens sobre violência, bebida alcoólica no transito, tinha as características do Boi vermelho e azul. Esta certo que o Festival de Parintins tem vários anos, mas não começou assim, começou aos pouquinhos e a gente também podia começar, principalmente nas avenidas principais. Aqui em Guajará os enfeites do festival é uns TNT cortado em triângulo, feito umas bandeiras e enfiado no meio da 15 de novembro, parecendo a sinalização do Detran, isso não é enfeite de Festival. A questão da alimentação também, a cultura deles é o peixe assado, caldeirada, peixe frito, servem o tacacá, ou seja, eles colocam pra vender o que faz parte da cultura deles, aqui nos também deveríamos trabalhar isso, não chegar lá no bumbódromo e ter churrasquinho pra vender. Tudo isso faz parte da organização. Nos temos muito que melhorar, em todos os aspectos pra dar certo também, mas pra isso teria que unir tudo desde o hotel, o empresário tem que ter preocupar com a boa qualidade, os restaurantes também deveriam tem mais atenção, ao atendimento a decoração com características do festival. Aqui o comerciante não tem visão, eles têm que ter visão, não é porque eles não estão lá na arena brincando de Boi que eles não possam participar do festival também. Quem tiver trabalhando em qualquer setor, esta fazendo parte também do festival. A nossa conclusão é que aqui poderia até acontecer de forma mais rápida, porque em relação a quantidade de anos nos estamos bem na frente do que Parintins. Parintins com 20 anos de Boi Bumbá não era comparado a Guajará Mirim hoje, era inferior. A nossa vantagem é saber como acontece lá, agora é só trazer pra cá. Hoje com a ajuda da tecnologia o dono de restaurante pode entrar nas páginas de relacionamento e verificar como é a decoração dos restaurantes lá em Parintins, 144 não é necessário ir até lá. Isso cresce os olhos ate dos nossos deputados, governadores, em perceber que a comunidade esta participando, que tem interesse, isso vai com certeza vai atrair os olhares para a região. O povo aqui em Guajará é muito quieto pra essas coisas, pacato, tem que brigar mais, correr mais atrás, só esperar não adianta, é por isso que nos estamos assim. Dois grupos se reuniram e estão brigando, mas só dois grupos o azul e o vermelho, só esses dois grupos brigam o restante não tá brigando pelo Boi, vejo lá em Parintins tem várias torcidas organizadas, ele pode não esta na arena brincando, mas ele tá brigando, esta participando. 145 CONSIDERAÇÕES FINAIS A realização deste trabalho permitiu adentrar em um universo complexo da subjetividade. Buscou-se encontrar mecanismos que auxiliassem a compreender a formação do “lugar” e das territorialidades, diante da manifestação cultural do BoiBumbá, que há alguns anos compõem o município de Guajará-Mirim. A cidade é pacata, florida de ipês cor-de-rosa, violeta e amarelo, além de mangueiras por toda a parte. Nas ruas, veem-se muitas bicicletas. Guajará-Mirim passa a ser palco de uma grandiosa manifestação cultural durante o mês de agosto. A festa do Boi-Bumbá muda a rotina da cidade, estabelece a formação de novas territorialidades, envolvendo a comunidade, estabelecendo laços afetivos nesse espaço, atribuindo assim valor ao seu lugar vivido. Para vivenciar essa manifestação cultural, conseguiu-se estabelecer um contato direto com a comunidade. Através da experiência em campo e da vivência com os colaboradores, foi possível obter uma real visão do envolvimento desses indivíduos com a festa do Boi-Bumbá. A pesquisa se desenvolveu no campo da Geografia por estar fundamentada na perspectiva da Geografia Cultural, uma vez que foram analisados os indivíduos atuando, construindo, se relacionando e vivenciando no seu espaço. Pôde-se, ainda, identificar e interpretar as diversas formas de representação cultural existentes no brincar de Boi. Com o caminho metodológico escolhido e aplicado não ocorreram dificuldades durante o desenvolver da pesquisa. Pensando a partir da pesquisa participante, foi possível conviver com o grupo em análise, registrando diálogos, e realizando a aplicação de mapas mentais como ferramenta para a compreensão do lugar vivido. Baseou-se a pesquisa no conceito de Espaço Vivido, que permitiu observar e compreender tudo que envolve a comunidade, principalmente as relações que os grupos de Bumbás determinam no território. A compreensão desta manifestação cultural está refletida através do contato com os colaboradores, que contribuíram de forma direta com o trabalho, seja por 146 meio de diálogos, de mapas mentais coletados ou de uma simples conversa. Passou-se, assim, a compreender o lugar a partir dos próprios colaboradores. Com a pesquisa, foi possível perceber as diversas formas de representação que surgem na comunidade, principalmente nas proximidades do festival folclórico. Durante os meses pós-festival, a comunidade adormece, e o único símbolo que configura a cidade durante esse período é o Bumbódromo, utilizado como depósito das alegorias. Já com a proximidade do mês de agosto, a Cultura reanima a população a brincar de Boi. A maior complexidade da pesquisa está no fato de ter que desvendar a subjetividade de uma cultura e assim compreender como ela se configura nesse espaço, principalmente através dos sentidos, das emoções e da afetividade, que atribui significados ao brincar de Boi. No início deste trabalho, foram propostos questionamentos, que ao decorrer da pesquisa foram alcançados. Primeiramente, indagou-se qual a ligação da festa do Boi-Bumbá com a formação do Lugar em Guajará-Mirim-RO. Atingiu-se esse objetivo ao realizar o resgate histórico da festa do Boi-Bumbá no município. Observou-se nos primeiros registros das manifestações folclóricas do município a influencia do Boi-Bumbá de Porto Velho e do Bumba-Meu-Boi do Nordeste, devido à forte migração nordestina durante os ciclos econômicos desenvolvidos na região Amazônica. Hoje, o Boi-Bumbá em Guajará-Mirim-RO reflete características marcantes de Parintins-AM. Essas influências foram determinantes na formação do lugar para os que vivenciam essa cultura e estabelecem laços afetivos no espaço em que vivem e também para as pessoas que de forma indireta vivenciam essa manifestação, pois estão inseridos em um mesmo espaço. Essas considerações tornam-se claras desde as primeiras apresentações de Boi-Bumbá na região, quando um pequeno grupo formado pelos Bois Estrela e Pai do Campo se prepara para realizar suas apresentações em frente a residências dos moradores que não estavam envolvidos na manifestação cultural, mas queriam sentir o que essa atividade proporcionava aos sentidos. Com o passar dos anos foi observada certa resistência em fixar e estabelecer a cultura na região. A luta determinada pelos organizadores foi de fundamental 147 importância para combater a depressão da comunidade e consolidar a cultura nesse espaço. Até os dias atuais ainda é percebido o desânimo dos moradores em defender essa cultura, em brigar por espaços e realização do Festival Folclórico. Mesmo com todas as dificuldades enfrentadas pelas agremiações dos Bumbás, percebeu-se o crescimento do Festival. Nas primeiras apresentações os Bumbás continham entre 15 e 60 brincantes. Atualmente os brincantes envolvidos na apresentação do Bumbá giram em torno de 450 a 500 pessoas, número significativo para compreender a consolidação da cultura na região. Aos olhos dos visitantes que não conhecem a cultura e dos moradores que observam o desenvolvimento da manifestação cultural do lado de fora ou à margem, sem se importar ou se envolver nas atividades culturais, a única incidência que representa o Boi-Bumbá em Guajará-Mirim é a parcial construção do Bumbódromo localizado na estrada da cidade, com aspecto de abandono e descaso, com alegorias envelhecidas a sol e chuva. Mas através das diversas formas de representação de quem vivencia essa cultura, conseguiu-se captar a riqueza de valores que dão sentido a esse lugar. O espírito cultural do festival está presente em diversos ambientes: nos espaços destinados a reuniões, nos ateliês de fantasias que funciona nas respectivas casas dos organizadores, nos espaços destinados à construção de alegorias, nas ruas próximas as residências dos organizadores, dentro do Bumbódromo e também em galpões cedidos por empresas privadas. São espaços que envolvem os sentidos dos que participam, promovendo uma ligação afetiva em cada integrante que se dispõe a passar dias e noites pra ver o seu Boi vencer na arena. Como já foi dito no decorrer do trabalho, não é o Boi, artefato de pano, que movimenta a cultura, mas sim a emoção e o significado que essa manifestação cultural desenvolve na vida de cada integrante. O trabalho realizado com os colaboradores foi de fundamental importância para a realização desta pesquisa. Conseguiu-se, através deles, responder o segundo questionamento da pesquisa. Como já foi observado, os colaboradores estabelecem laços emocionais com a festa do Boi-Bumbá. Sonhos são construídos em torno do brincar de Boi, como o caso da colaboradora Eriane Santos, que desde sua infância almejava representar o 148 seu Boi na arena como destaque de Cunhã Poranga, para fazer o seu melhor e brigar pela da vitória. Em outro caso, relatado pelo colaborador Paulo, este afirma ter sua casa dividida em azul e vermelho, nas cores dos Bumbás ao relatar a participação dos filhos, cada um pertencente a uma agremiação diferente. Essa forma de representação dos sentimentos em relação à manifestação folclórica também pode ser vista na fala da colaboradora Bernadete Deike, ao afirmar que se sente mais feliz quando chega o período de trabalho referente à festa do Boi, pois consegue observar sonhos sendo concretizados pelo grupo envolvido, alegrando-se e transmitindo alegria aos que prestigiam o festival. Outra ferramenta utilizada para a compreensão da emoção e do pensamento dos colaboradores desta pesquisa foi a elaboração de Mapas Mentais, que são a forma de leitura que se faz de mundo, caracterizando-se como uma forma de representação do mundo concreto observado através do olhar dos colaboradores. Através dos três mapas mentais percebe-se a composição do espaço diante da manifestação de Boi-Bumbá. No mapa mental 1, a cultura do Boi-Bumbá marca o espaço representando uma escola que insere os jovens na cultura, retirando-os da marginalidade. No mapa mental 2, o colaborador expõe a participação de todos os elementos que compõem o Festival Folclórico, entre eles a galera, o comércio, a natureza e os brincantes, destacando como todos os elementos se articulam em volta do Boi-Bumbá. No mapa mental 3, a colaboradora expõe a representação de uma lente de câmera voltada para Guajará-Mirim, destacando como a mídia tem se tornado importante na realização da manifestação folclórica do Boi-Bumbá. Todas essas representações são fruto do imaginário de cada colaborador, permitindo compreender melhor como cada colaborador vê a manifestação de Boi-Bumbá no lugar. Ao mesmo tempo em que se analisaram os diversos sentimentos inseridos na manifestação cultural, percebeu-se também o descaso vivido pela manifestação cultural. Um deles se constata na tão demorada construção do Bumbódromo. Como parte da primeira etapa, duas arquibancadas foram construídas, e a segunda etapa continua na promessa de ser concretizada. Neste ano de 2013, o atual governo estabeleceu que não iria arcar com as despesas realizadas pelas agremiações para a realização do Festival. Essa notícia abalou as diretorias, que contavam com os recursos pra realizar a compra dos materiais usados no festival. Esse sentimento de 149 descaso com a cultura produz na população um desânimo que vem sendo vivenciado desde as primeiras tentativas de promover o desenvolvimento no município. Pôde-se analisar na entrevista cedida pela colaboradora Rosa Solani toda a trajetória de luta, vitórias e descasos que a manifestação cultural vem sofrendo desde as primeiras atividades desenvolvidas na região. No caso do Festival Folclórico de Parintins, a realidade é diferente, os Bumbás não contam com a ajuda financeira do Governo do Estado. A festa já é autossustentável, pois realiza contato com vários grupos que patrocinam a festa e divulgam sua respectiva marca pelo Brasil afora através do Festival. Durante o Festival de Parintins-AM, foi possível com muita facilidade a formação de laços afetivos com a formação da manifestação cultural. Notou-se através das imagens fornecidas no capítulo IV, que praticamente todas as casas possuem representação do brincar de Boi. São pinturas, comércios instalados nas portas das residências, varais repletos de roupas nas cores azul e vermelho, mostrando que cada morador vivencia e prestigia o festival dentro do seu cotidiano. Com o trabalho de campo realizado no município de Parintins, foram coletados que ajudaram a compreender esse universo. Foram feitas interações com famílias que trabalham juntas em prol da cultura, gerando seu sustento e defendendo a bandeira do seu Boi com garra. Guajará-Mirim ainda necessita do apoio financeiro do Estado. Nesse primeiro ano de realização do festival sem recursos do Governo, as agremiações encontram diversas dificuldades em suprir as necessidades de elaboração da festa, principalmente porque ainda são dependentes dos coreógrafos e artesãos de outros estados. Essa prestação de serviço possui alto custo e será difícil arcar com isso sem a possibilidade de receber recursos do Governo do Estado. Essa necessidade que as agremiações possuem de buscar suporte em profissionais de outras regiões como Parintins-AM e Juruti-PA reflete a falta de preparação do Estado em atender essa demanda. A população acaba não tendo a preparação necessária para atender as expectativas do público e consequentemente as agremiações buscam suprir tal necessidade selecionando pessoas de outras localidades, que possam ajudar a realizar um belíssimo festival. 150 Em Parintins-AM a festa do Boi-Bumbá estabelece uma relação com a Universidade Federal do Amazonas, na intenção de estabelecer vínculos entre os artistas que ajudam a idealizar a festa e os acadêmicos do curso de Artes da Universidade, promovendo assim uma relevante troca de informações e aprendizados que fortalecem o desenvolvimento da cultura do Boi-Bumbá na região. No presente momento a Universidade Federal de Rondônia também conta com o curso de Artes Visuais, Teatro e Música. Analisando a Grade Curricular desses cursos oferecidos, percebe-se que existe a possibilidade de ser feita a mesma troca de informações que ocorre em Parintins-AM, com possíveis estágios aos acadêmicos e cursos que possam aprimorar cada vez mais os trabalhos dos artistas envolvidos na realização do festival no município de Guajará-Mirim-RO. Nota-se assim como a falta de diálogo entre as duas entidades dificulta o processo de crescimento e amadurecimento da cultura na região. Os reflexos dessas atividades só poderiam ser vistos com o passar do tempo. A tentativa seria uma opção para proporcionar um estímulo a mais nessa comunidade. Percebeu-se que a formação da territorialidade surge em diferentes períodos, podendo ser vista com maior intensidade durante os meses que antecedem o festival, pois a respectiva comunidade passa a se preparar para receber os visitantes que prestigiam o festival. O que mais chama atenção são as mudanças ocorridas no Bumbódromo durante esse período, passando a ganhar novas características, com a limpeza do terreno, a pintura das arquibancadas, a montagem das alegorias que passa a ser realizada dentro desse espaço, os camarotes e as arquibancadas extras completam a formação do espaço. Outra característica que passa a estabelecer a formação de territorialidades no município, mesmo de forma tímida, é a movimentação do comércio, que se prepara para receber o festival, decorando suas fachadas, como forma de atrair o visitante e vender suas mercadorias, como se pode observar na foto 27, que expõe a frente da loja Rodão Motos, com decoração em azul e vermelho. Em Parintins, verificou-se essa mesma característica, mas com mais intensidade do que em Guajará-Mirim. A figura 2 demonstra como a estratégia voltada para atingir o cliente é bem elaborada. Foram observados três panfletos 151 informativos de uma empresa que usou a criatividade para elaborar frases como “Nosso atendimento é Caprichoso” e nosso “Serviço é Garantido”, envolvendo assim os nomes dos Bumbás para chamar a atenção da comunidade e também do visitante. O mesmo acontece com empresas de grande porte como a Coca-Cola e Skol , que investem grande quantidade de recurso para marcar o espaço com as placas espalhadas pela cidade. Diante dessas breves considerações, pode-se afirmar que a investigação sobre as diversas formas de representação no espaço vivido foi de fundamental importância para a composição deste trabalho. Percebeu-se assim como as comunidades de Guajará-Mirim-RO e Parintins-AM passam a compor suas territorialidades nesse espaço vivido pela cultura do Boi-Bumbá. O município de Guajará-Mirim vivencia um processo de mudança em relação à sua manifestação cultural da Festa do Boi-Bumbá. Os grupos estão passando por um novo redimensionamento. São novas diretorias assumindo e também novas estratégias de sustentabilidade que estão sendo criadas para manter os Bois na arena. Assim surgem novas indagações: De que forma o Boi-Bumbá de GuajaráMirim pode enfrentar os problemas de sustentabilidade? Até que ponto essa manifestação cultural depende do poder público? Quais propostas, projetos poderiam ser desenvolvidos para fomentar a participação mais ativa da população na manifestação cultural do Boi-Bumbá? A partir desse trabalho, há muito que se investigar. Além desses pontos, há outras questões a serem suscitadas, as quais necessitam de amadurecimento e aprofundamento teórico. Espera-se que este trabalho seja apenas o início de muitos outros, voltados à manifestação cultural da festa do Boi-Bumbá na Amazônia. 152 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Maria Geralda de. Em busca do poético do sertão. In: GEOGRAFIA: leituras culturais. ALMEIDA, M. G., RATTS, A. J. P. Goiânia: Alternativa, 2003a. 284 p., il. Inclui bibliografia. 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