CADERNO DO ALUNO: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS A RESPEITO DO USO EM SALA DE AULA POR PROFESSORES DE GEOGRAFIA Maria Angélica Nastri de Carvalho Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: SEE/SP Resumo Antes da adoção do programa “São Paulo faz Escola”, em 2008, os professores da rede pública estadual tinham total liberdade de trabalhar os conteúdos de sua disciplina. A partir desse programa, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo passa a distribuir o material didático, conhecido como “Caderno do Aluno” (SÃO PAULO, 2008), para ser usado como apoio ao trabalho do professor. O presente texto tem, então, como objetivo identificar as Representações Sociais dos professores de Geografia da rede pública estadual sobre esse Caderno, fundamentando-se na Teoria das Representações Sociais/TRS (MOSCOVICI, 2012). Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, que faz opção por aplicar um questionário, com questões abertas e fechadas, para vinte e cinco professores que estão atuando na rede estadual, na cidade de Santos/SP. Para a análise dos dados, utilizou-se a técnica de Análise de Conteúdo (BARDIN, 2007), assim como a TRS e outros autores, que discutem a formação de professores e questões de didática (LIBÂNEO, 2002; ABDALLA, 2006, 2009; MARTIN; ROMANOWSKI, 2010; EDELSTEIN, 2011). Os resultados obtidos, por meio da análise do “Caderno do Aluno”, indicam que os professores usam esse material como um guia curricular importante nas salas de aula, e apresentam elogios e críticas, considerando, entretanto, que se tornou o material didático básico da rede. Foram levantadas duas considerações: 1ª refletir sobre o uso do Caderno do Aluno como dispositivo de formação, apresentando este material como “território de exploração”; 2ª compreender os obstáculos relatados pelos professores quanto ao seu uso, para enfrentá-los como objeto da reflexão de professores e alunos, em que se alinhavam princípios, estratégias e situações didáticas, a fim de orientar um “trabalho de sentido”. E, neste caso, o Caderno do Aluno pode contribuir para a (re)construção da didática de sala de aula. Palavras-chave: Material didático. Representações Sociais. Caderno do Aluno. Professor de Geografia. Introdução Este texto é um recorte da pesquisa que tem sido desenvolvida no âmbito de um projeto maior, que trata das representações sociais dos professores de Geografia da rede ISSN 2176-1396 19239 pública estadual da cidade de Santos/SP a respeito da formação inicial que tiveram e se a mesma contribuiu (ou está contribuindo) com a sua atuação profissional. Neste sentido a pesquisa realizou entrevistas prévias e, a partir destas, foi elaborado um questionário semiestruturado, enfocando a formação inicial do professor de Geografia e as dificuldades encontradas em sala de aula. Entre as questões propostas no questionário, uma dela diz respeito ao uso que cada professor faz do material didático em sala de aula. Com essa pergunta, buscávamos entender os desafios que os professores enfrentam para preparar e melhorar suas aulas e, ao mesmo tempo, responder a uma inquietação da pesquisadora quanto ao uso do material distribuído pelo governo do estado de São Paulo. O objetivo deste texto é, então, entender, por meio das respostas dos professores, quais são as representações/percepções que os professores têm em relação ao Caderno do Aluno. É um estudo de abordagem qualitativa, conforme anunciam Bogdan e Biklen (1994), e que se fundamenta teórico-metodologicamente na Teoria das Representações Sociais/TRS (MOSCOVICI, 2012) e usa a técnica da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2007; FRANCO, 2012) para a obtenção dos resultados. O presente trabalho está assim estruturado. A primeira parte traz a proposta da Secretaria da Educação de São Paulo/SEE/SP para o Ensino de Geografia, associada aos Parâmetros Nacionais Curriculares (BRASIL, 1997), momento em que procuramos levar em conta o contexto em que foi implantado o Caderno do Aluno. Na segunda parte, serão discutidos brevemente os fundamentos teórico-metodológicos da Teoria das Representações Sociais/TRS (MOSCOVICI, 2012) e da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2007). Na terceira parte, apresentam-se os resultados, que, embora parciais, indicam aspectos que poderão ser levados em conta para discutir alguns elementos, em especial, referentes à didática e/ou às práticas de sala de aula. Por fim, as considerações mostram algumas conclusões a que chegou o trabalho desenvolvido, tendo em vista como os professores de Geografia já incorporaram, em seu dia a dia, a utilização do Caderno do Aluno. Proposta Curricular do estado de São Paulo: Programa São Paulo faz escola O Programa São Paulo Faz Escola foi implementado, em 2008, e abarca os conteúdos curriculares e as expectativas de aprendizagem para o ciclo II do ensino fundamental e para o ensino médio, implantando um currículo único nas escolas do estado. Neste sentido, Petrucci 19240 (2014, p. 937) indica que, a partir de 2007, a SEE/SP “começa a contratar equipes de especialistas em importantes universidades públicas para redigir um documento curricular paulista, que pudesse dinamizar os contextos de influência e da prática trazendo transformações para o sistema educacional estadual”. Antes de entrar em uso a Proposta Curricular de São Paulo, os professores tinham total liberdade e responsabilidade de planejar suas aulas e escolher os conteúdos trabalhados em sala. Mas com a adoção de sistemas de avaliação, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) (BRASIL, 1994), do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) (BRASIL, 2010), Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP) (SÃO PAULO, 1996) e outras avaliações, o governo paulista propõe uma base curricular comum para todo o Estado. A Proposta Curricular do Estado de São Paulo foi posta em prática no ano de 2008 (SÂO PAULO, 2008), durante o governo de José Serra, que tinha como Secretária da Educação, a Professora Maria Helena Guimarães de Castro, com a intenção de integrar e articular o sistema educacional de São Paulo. A seguir, temos a íntegra da carta da então Secretária de Educação, ao apresentar o novo material: Carta da Secretária Prezados gestores e professores, Neste ano, colocamos em prática uma nova Proposta Curricular, para atender à necessidade de organização do ensino em todo o Estado. A criação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que deu autonomia às escolas para que definissem seus próprios projetos pedagógicos, foi um passo importante. Ao longo do tempo, porém, essa tática descentralizada mostrou-se ineficiente. Por esse motivo, propomos agora uma ação integrada e articulada, cujo objetivo é organizar melhor o sistema educacional de São Paulo. Com esta nova Proposta Curricular, daremos também subsídios aos profissionais que integram nossa rede para que se aprimorem cada vez mais. Lembramos, ainda, que apesar de o currículo ter sido apresentado e discutido em toda a rede, ele está em constante evolução e aperfeiçoamento. Mais do que simples orientação, o que propomos, com a elaboração da Proposta Curricular e de todo o material que a integra, é que nossa ação tenha um foco definido. Apostamos na qualidade da educação. Para isso, contamos com o entusiasmo e a participação de todos. Um grande abraço e bom trabalho. (SÃO PAULO, 2008, p. 4) Pela fala da Secretária, o material didático é uma forma de organizar o sistema educacional do estado de São Paulo, destacando que, além do material, os professores também receberiam subsídios para que pudessem se aprimorar. Segundo Paes e Ramos (2014, p 53), “toda política educacional precisa ser compreendida no contexto mais amplo em que está inserida”, no caso específico desse 19241 material, ele aparece no momento em que a valorização das escolas e docentes passa a ser feita por avaliações externas. Freitas (2012, p.33) faz duras críticas à valorização da avaliação por testes externos, destacando que esse sistema acaba restringindo o currículo ao mínimo necessário, deixando de lado conteúdos importantes para a formação e o professor precisa ensinar apenas o básico. São essas as palavras de Freitas: Assume-se que o que valorizado pelo teste é bom para todos, já que é o básico. Mas o que não está sendo dito é que a focalização no “básico” restringe o currículo de formação da juventude e deixa muita coisa relevante de fora, exatamente o que se poderia chamar de “boa educação”. Além disso, assinala para o magistério que, se conseguir ensinar o básico, já está bom, em especial para os mais pobres (FREITAS, 2012, p.33) (grifos do autor) Para a elaboração do material de Geografia, levou-se em conta que a disciplina havia passado por intensas transformações, deixado de ser uma disciplina meramente de memorização, para se transformar em uma disciplina investigativa, engajada no mundo globalizado. Essa visão está de acordo com os Parâmetros Curriculares, desenvolvidos pelo Governo Federal, em 1990, que propõem uma Geografia mais crítica e menos conteudista. A Proposta de São Paulo (SÃO PAULO, 2008) procura apresentar uma visão de Geografia diferente, conforme trechos do documento a seguir: Rompeu-se, dessa forma, o padrão de um saber supostamente neutro para uma visão da Geografia enquanto ciência social engajada e atuante num mundo cada vez mais dominado pela globalização dos mercados, pelas mudanças nas relações de trabalho e pela urgência das questões ambientais e etnoculturais. (SÃO PAULO, 2008, p.41) A Proposta Curricular do estado de São Paulo fala de uma ciência “engajada e atuante” num mundo globalizado, estando de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), que afirmam que a Geografia deve ser encarada como disciplina engajada, pois essa fornece instrumentos para a compreensão do mundo. O trecho que se segue é um fragmento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997, p. 15): A Geografia, na proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais, tem um tratamento específico como área, uma vez que oferece instrumentos essenciais para a compreensão e a intervenção na realidade social. Também podemos conhecer as múltiplas relações de um lugar com outros lugares, distantes no tempo e no espaço e perceber as relações do passado com o presente. (BRASIL,1997, p.15) Segundo a Proposta Curricular (SÃO PAULO, 2008), nesse momento de transformações da sociedade, de mundo globalizado, a Geografia deve priorizar os desafios tecnológicos, principalmente, aqueles ligados à comunicação e à informação on line, estudar 19242 esse novo espaço global e possibilitar que o estudante amplie sua visão de mundo, como registrado a seguir: Cabe ao ensino de Geografia desenvolver linguagens e princípios que permitam ao aluno ler e compreender o espaço geográfico contemporâneo como uma totalidade articulada e não apenas estudar por meio da memorização de fatos e conceitos desarticulados. (SÃO PAULO, 2008, p.42) O objeto central do ensino da Geografia é o estudo do espaço geográfico, abrangendo o conjunto de relações que se estabelece entre os objetos naturais e os construídos pelo trabalho humano. A prioridade para o Ensino Fundamental é conhecer a paisagem, o lugar e suas diferentes escalas. Já, no Ensino Médio, o objetivo é trabalhar as diferentes interações possíveis no mundo atual. Esses objetivos aparecem tanto nos Parâmetros Nacionais como na Proposta Estadual. A SEE-SP declarou, em diversos momentos, que o programa não teria caráter obrigatório e atuaria apenas de forma propositiva nesse contexto descentralizado, objetivando “garantir a todos uma base comum de conhecimentos e competências”, para que as escolas paulistas funcionassem “de fato como uma rede” (SÃO PAULO, 2008, p. 3). Do referencial teórico-metodológico: das representações sociais à técnica de análise de conteúdo A Teoria das Representações Sociais (TRS), de Serge Moscovici (2012), é muito importante na compreensão dos mais variados objetos e na produção do conhecimento, especialmente nas Ciências Sociais, pois ela tenta compreender os sujeitos dentro de seu contexto social. E, nesse sentido, é preciso entender o conceito de Representação Social (RS), que, segundo Moscovici (2012, p.27), “é uma modalidade de conhecimento particular, tendo a função de elaboração dos comportamentos e da comunicação entre os indivíduos”. Para nós, essa abordagem teórico-metodológica da TRS se mostra importante, uma vez que buscamos na fala dos professores quais são as suas representações/percepções a respeito do material desenvolvido pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo/SEE/SP. Neste texto, buscamos, como já mencionado, compreender o trabalho do professor de Geografia usando suas reflexões a respeito do Caderno do Aluno. Nesta perspectiva, era preciso entender o conceito de Representações Sociais (RS), que está ligado a como os 19243 membros de uma sociedade sempre refletem sobre sua experiência e conduta. Aparece no âmbito da Psicologia Social, que, conforme Moscovici (2012, p. 27), deveria preocupar-se em estudar esse pensamento coletivo, ou seja, “de que modo as representações se evocam e se excluem, se fundem uma nas outras e se distinguem”. Segundo Moscovici (2012), uma Representação Social é organização de imagens e linguagem, pois recorta e simboliza ações e situações que se tornam comuns. Por isso, representação fala tanto quanto mostra, comunica tanto quanto exprime: “Enfim, ela produz e determina os comportamentos, já que define a natureza dos stimuli que nos cercam e nos provocam e a significação das respostas que lhes damos” (p. 28). Os professores entrevistados trabalham há bastante tempo com os Cadernos dos Alunos e já refletem e discutem sobre ele. Já apresentam suas percepções/representações a respeito desse material. As representações nascem das percepções da vida cotidiana e é, por meio dela, que os sujeitos revelam o que pensam. Sobre essa questão, Martins, Abdalla e Martins (2012) afirmam: [...] partimos da noção de que a vida cotidiana - repleta de significados-, é constituída por estruturas relevantes a grupos e comunidades no bojo das quais os sujeitos constroem suas trajetórias de vida e profissionais, pois é por meio do processo comunicativo (social) que os sujeitos revelam o que pensam” (MARTINS; ABDALLA; MARTINS, 2012, p.80) Na questão específica sobre a utilização do Caderno do Aluno, os professores já exprimem percepções/representações bem importantes que revelam o pensamento coletivo dos professores de Geografia, como detalharemos a seguir. Nas Representações Sociais, segundo Moscovici (2012), levamos em conta que não há um recorte entre o indivíduo e o universo exterior, o objeto está inscrito num contexto ativo, pois é parcialmente concebido pela pessoa e pela coletividade. O sujeito ao mesmo tempo em que aceita o real, situa-se no universo social e material. Assim, quando um sujeito exprime opinião sobre um objeto, devemos supor que ele já tem representado algo sobre o objeto. A opinião dos professores pesquisados, sobre o material, distribuído pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo/SEE/SP, já se tornou, em si, uma importante representação social, pois a maioria afirma que é um “guia” para as aulas, usando exatamente o termo proposto pela Secretaria (SÃO PAULO, 2008). Cada pessoa da sociedade é livre para se apropriar e construir conhecimentos dos mais diversos domínios, mas o objetivo da apropriação desse conhecimento é estar informado e 19244 ficar dentro do círculo do coletivo. Os membros da sociedade se transformam em cientistas amadores, por meio da imaginação e do desejo de dar sentido à sociedade. Dessa ação, surgem as Representações Sociais, como afirma Moscovici (2012). É preciso destacar, ainda, que a representação torna o conceito e a percepção a respeito de alguma coisa, intercambiáveis pelo fato de se engendrarem reciprocamente, pois como enfatiza Moscovici (2012, p. 53): “Representar uma coisa, um estado, não é só desdobrá-lo, repeti-lo ou reproduzi-lo, é reconstituí-lo, retocá-lo, modificar-lhe o texto”. Quanto à análise de conteúdo (BARDIN, 2007; FRANCO, 2012), esta é uma técnica que se preocupa com as mensagens e que está articulada às condições contextuais de seus produtores. Analisar as Representações Sociais dos professores de Geografia, de alguma forma, contempla o que afirma Franco (2012, p. 13), pois “[...] a análise de conteúdo assentase nos pressupostos de uma concepção crítica e dinâmica da linguagem”, que, “[...] em diferentes momentos históricos, elabora e desenvolve representações sociais na sua forma de falar”. Optou-se, então, por uma pesquisa de abordagem qualitativa, porque trabalhamos com fonte direta de dados, buscando analisar e descrever todos os aspectos da questão, preocupando-nos com o processo e não com resultados. De acordo com Bogdan e Biklen (1994, p.7), a abordagem qualitativa de pesquisa envolve a “obtenção de dados descritivos, colhidos no contato direto do investigador com a situação estudada, preocupa-se mais com o processo que com o produto, procurando retratar a perspectiva dos participantes”. Sendo assim, o significado do que se fala é de importância vital na abordagem qualitativa; com ele, objetiva-se entender como as pessoas dão sentido as suas vidas. A partir das RS dos professores de Geografia a respeito do material didático, usamos, para análise dos dados, como afirmado antes, a técnica de Análise de Conteúdo (BARDIN, 2007; FRANCO, 2012), pois esta se aproxima da TRS, ao se mostrar preocupada com as mensagens dos sujeitos, articuladas às condições contextuais de seus produtores. No próximo item, faremos a exposição das etapas da coleta de dados, os quadrosresumos com as respostas dadas ao questionário e as análises preliminares desses dados. Da coleta dos dados à análise Para coletar os dados, foi aplicado um questionário a vinte e cinco professores de Geografia da rede pública estadual, que atuam na cidade de Santos/SP. O questionário possuía 19245 perguntas abertas e fechadas, contendo informações a respeito do perfil do professor sobre sua formação e principais dificuldades encontradas no início de carreira. Na etapa das dificuldades encontradas, foi perguntado sobre o uso de material didático em sala de aula, e, principalmente, a respeito do Caderno do Aluno. A tabela e o quadro, a seguir, apresentam os dados da pesquisa em relação ao material didático e ao uso do Caderno do Aluno. A Tabela 1 trata de todo material usado em sala de aula e quadro, segundo os professores entrevistados, e levanta os pontos positivos e negativos do Caderno do Aluno na opinião dos entrevistados: Tabela 1 - Material didático usado em sala de aula Material Didático usado em sala de aula Lousa e giz Livro didático Caderno do Aluno Vídeos Livros Paradidáticos Dicionários Atlas Mapas Imagens Texto não escolarizado Número de professores que usam o material 25 25 23 18 11 9 25 23 24 18 Fonte: Dados referentes ao Questionário aplicado. A leitura da Tabela 1 permite afirmar que a lousa, o giz e o livro didático continuam sendo o material básico mais utilizado na sala de aula. Mas chama atenção que vinte e três (23) entrevistados passaram a utilizar o Caderno do Aluno também, e apenas dois professores afirmam que não o usam. As percepções/representações dos professores a respeito do Caderno do Aluno estão expressas no Quadro 1, a seguir. Quadro 1- Opinião dos professores a respeito do Caderno do Aluno Caderno do Aluno Sujeito 1 Sujeito 2 Sujeito 3 Sujeito 4 Sujeito 5 Sujeito 6 Pontos Positivos Facilita o currículo, forma o aluno de forma espiral. Utilizo esse material durante todo o ano letivo. Gosto, pois serve de “Norte” para mim. Não usa. Textos e exercícios. Não usa. Gosto do material, as aulas ficam cansativas, os alunos não conseguem Pontos Negativos Você não consegue medir de o aprendizado do aluno. A falta do livro didático com o mesmo assunto, para poder complementar o caderno. Não usa. Desconsidero pontos negativos. Não usa. Acho que já respondi na questão anterior. 19246 Sujeito 12 responder sozinhos ao Caderno, por falta de conteúdo programático. O Caderno é muito bem elaborado, rico em mapas, tabelas e gráficos. Atividades, mapas, textos. O bom professor não se perde na condução das aulas e faz você trabalhar dentro do currículo. Não respondeu. De acrescentar exercícios e textos como apoio. As atividades são interessantes, os mapas, gráficos e textos. Gosto da continuidade dos temas. Sujeito 13 Não vejo pontos positivos, sem base. Sujeito 14 Eu retiro o que acho importante do caderno, mas não acompanho todo o conteúdo, mudo de acordo com a sala de aula. Não respondeu. Sujeito 7 Sujeito 8 Sujeito 9 Sujeito 10 Sujeito 11 Sujeito 15 Sujeito 16 Textos atualizados, ricos em imagens e sugestões de leitura. Atividades dinâmicas. Sujeito 17 O estado de São Paulo utiliza livro didático e apostila. Sujeito 18 Ele possui os melhores autores no campo da Geografia. Não respondeu. Possui imagens, gráficos e mapas. Sujeito 19 Sujeito 20 Sujeito 21 Como professor de Geografia, adorei quando o governo adotou esse material, facilita e muito a minha vida. Sujeito 22 Muito positivo nos cursos de EJA, porque facilita o cumprimento do programa. Sujeito 23 Posso perceber quais as dificuldades do aluno no ensino e aprendizagem. Sujeito 24 Ajudam a preparar as aulas. Sujeito 25 Mapas coloridos e imagens diversificadas. Fonte: Dados referentes ao Questionário aplicado. Questões simples. O ponto negativo, a linguagem é muito difícil com textos longos. Não respondeu. Às vezes, contêm erros de gráfica. Falta de compromisso da clientela (alunos). Falta um pouco mais de textos e imagens. Muito repetitivo, extenso, sem coerência. Como respondi na questão anterior, muito conteúdo não tem nada de importante para aquela série. Material pouco qualificado, pobres em assuntos de discussão. Alguns Cadernos, percebo que não levam em conta a realidade do aluno. Daí tenho que adaptar e ser criativo na medida do possível. Ensina os conteúdos da Geografia tradicional sem questionamentos. Os alunos acabam reproduzindo a escrita do livro. Não é muito atraente e didático. Não respondeu. Poderia ser mais atualizado nos textos. Na minha disciplina não tenho queixa. Não vejo pontos negativos nesse material. Não vejo pontos negativos. Não há, na minha opinião. Questões descontextualizadas desnecessárias. ou A partir da fala dos professores, percebe-se que estes já se apropriaram do mencionado material didático e já incorporam na sua linguagem a utilização como um guia curricular importante, como foi proposto pela Secretaria da Educação. Para Moscovici (2012), o processo de Representação Social tem dois momentos. A objetivação “faz com que se torne real um esquema conceitual”. Objetivar seria, então, “reabsorver um excesso de significações 19247 materializando-as (e adotando assim certa distância a seu respeito)” (p.111). E a ancoragem, que se dá quando se reduz a “defasagem entre a massa de palavras que circulam e os objetos que os acompanham ... (trata-se de acoplar a palavra à coisa)” (p.112). Como nos explicita Moscovici (2012), a ancoragem se dá quando o não-familiar se torna familiar, quando se torna um organizador das relações sociais. As representações dos professores deixam claro que esses dois processos aconteceram, pelo fato de o Caderno do Aluno ser apontado como o material didático mais importante, depois da lousa e do giz. Em relação aos pontos positivos levantados, podemos considerar que se encontram quatro categorias, que se classificam como: guia curricular; qualidade dos exercícios e mapas; qualidade dos autores; e não tem ponto positivo. Oito professores apontam que o material é um guia curricular, sete professores responderam que o Caderno do Aluno é bom, porque tem bons exercícios, mapas e textos complementares. Quatro professores afirmam que não encontram pontos positivos ou não responderam à questão e um professor fez referência à qualidade dos autores do material didático. Os pontos negativos levantados podem ser divididos, também, em quatro categorias: aspectos da linguagem usada; falta de adequação às séries que são aplicados; a atualização do material; e nenhum ponto negativo. Na primeira categoria, seis professores relatam que encontram problemas com os textos e com a forma de escrita do material. Na segunda categoria, quatro afirmam que o material não cria espaço para discussões ou reflexões, e dois acham que o conteúdo não está adequado à série a que se destina. Na terceira categoria, um menciona encontrar erros gráficos, e outro o considera desatualizado. Cinco professores não encontram nenhum ponto negativo no material. Dos resultados a uma breve análise dos dados Chama atenção o fato de que entre os pontos positivos está a qualidade do texto, mas a qualidade do texto também é posta como um dos pontos negativos. Positivos: “textos atualizados, ricos em imagens e sugestões de leitura (Professor 16), textos e exercícios bons (Professor 4); negativos: “a linguagem é muito difícil com textos longos” (Professor 8), falta um pouco mais de textos e imagens (Professor 12). Também, é interessante notar que, por um lado, pelas respostas, está de acordo com a Proposta Curricular da Secretaria da Educação, no aspecto de ser realmente o guia curricular 19248 usado na sala de aula: “Facilita o currículo, forma o aluno de forma espiral. (Professor 1) “o bom professor não se perde na condução das aulas e faz você trabalhar dentro do currículo (Professor 8); “utilizo esse material durante todo o ano letivo, gosto pois serve de “Norte” para mim” (Professor 2). Por outro lado, a questão de tornar a Geografia uma ciência, mais crítica, que leve o aluno a compreender o espaço geográfico, não aparece na fala de nenhum professor, pelo contrário o que vemos é exatamente o oposto: “material pouco qualificado, pobres em assuntos de discussão” (Professor 15); “alguns cadernos percebo que não levam em conta a realidade do aluno, daí tenho que adaptar e ser criativo na medida do possível” (Professor 16); “ensina os conteúdos da geografia tradicional sem questionamentos, os alunos acabam reproduzindo a escrita do livro” (Professor 17). Fica claro, na fala dos professores, que o material não tem sofrido muitas atualizações, como havia sido anunciada na Proposta: “Lembramos ainda que apesar de o currículo ter sido apresentado e discutido em toda a rede, ele está em constante evolução e aperfeiçoamento” (carta da Secretária). O que os professores relatam é exatamente o oposto, a falta de atualização: “Como respondi na questão anterior, muito conteúdo não tem nada de importante para aquela série”, (Professor 14); “poderia ser mais atualizado nos textos” (Professor 20). Diante dessas inquietações, lembramo-nos das palavras de Libâneo (2002, p. 37), quando afirma que “o ensino tem a ver, basicamente, com os modos de ajudar a aprendizagem, com as condições e modos mediante os quais se assegura a relação ativa do aluno com a matéria, com a ajuda pedagógica do professor”. E o Caderno do Aluno pode ter esta direção, caso haja uma reflexão sobre o seu uso, não só dos professores e alunos, mas de todo o coletivo da Escola. Como já dito anteriormente, o uso do Caderno do Aluno é uma realidade na rede estadual, os professores internalizaram e se “acostumaram” como o uso do caderno como um guia e esse fato já está totalmente incorporado no dia a dia dos professores. Entretanto, a partir das entrevistas, não fica claro se a aceitação do material didático do professor se dá por “entusiasmo”, por ser mais cômodo ou por imposição, o fato é que os Cadernos estão aí e a rede já incorporou. Lembrando a própria Proposta da Secretaria da Educação: “Apostamos na qualidade da educação. Para isso, contamos com o entusiasmo e a participação de todos” (SÃO PAULO, 2008, p.41). 19249 Ainda mais algumas considerações: o Caderno do Aluno pode ser um dispositivo de formação? Tomamos como objetivo entender, por meio das respostas dos professores ao questionário aplicado, quais seriam suas representações/percepções a respeito da implementação do Caderno do Aluno. E, para responder a esta questão, fundamentamo-nos na TRS, de Moscovici (2012), que contribuiu para compreender a noção de representações sociais desses professores sobre o significado, para eles, do Caderno do Aluno. A TRS nos ajudou, também, a definir as categorias anunciadas anteriormente, e, junto com a técnica de análise de conteúdo, de Bardin (2007), foi possível pensar em mais algumas considerações. A primeira delas nos direciona para pensar como o uso do Caderno do Aluno pode ser um dispositivo de formação, já que a pesquisa ampliada aprofunda a importância da formação dos professores. Considerando essa questão, os dados possibilitaram “ancorar” os resultados, como diria Moscovici (2012), em duas perspectivas: 1ª O Caderno do Aluno como território de exploração – em que as representações/percepções dos professores revelaram aspectos positivos, tais como: guia curricular; qualidade dos exercícios e mapas; qualidade dos autores. Esta perspectiva, que poderemos chamar de “chave de leitura”, problematiza outras questões: em que medida estes professores estão, realmente, usando o Caderno do Aluno? Estariam prontos a interrogar sobre os conteúdos curriculares que estão sendo desenvolvidos e/ou aceitá-los como “guia”, em que se orientam “verdades” postas ou impostas por dispositivos legais? Diante desses questionamentos, estamos considerando, também, o pensamento de Abdalla (2006, p. 96), quando nos diz que “o professor é o construtor de seu próprio conhecimento prático, profissional”. Sendo assim, tais questionamentos conduzem a fazer a análise do Caderno do Aluno como um território de exploração. Território este que poderá ser (ou não) um dispositivo de formação. Neste sentido Edelstein (2011, p. 134) afirma que o dispositivo de formação deve ser considerado como uma “chave didática”, na medida em que se compreende, a partir dele, “as múltiplas facetas que dão forma e conteúdo concreto às práticas docentes”. No caso do Caderno do Aluno, ele poderia ser considerado um dispositivo de formação? Em quais aspectos? 2º O Caderno do Aluno como dispositivo de formação – quando for usado intencionalmente, de forma didática e integrada pelo coletivo dos professores e alunos em 19250 suas ações práticas para coconstrução de conhecimentos (e não só imposto “de cima para baixo”). Pois, como diriam Martin e Romanowski (2010, p. 208), “a base do conhecimento é a ação prática que os homens realizam através de relações sociais, mediante instituições”. A segunda consideração tem a ver com os obstáculos relatados pelos professores quanto ao uso do Caderno dos Alunos. Foram indicados problemas em relação aos aspectos da linguagem usada, à falta de adequação às séries que são aplicados e a não atualização do material. Para enfrentar estes problemas, refletimos sobre a importância de se (re)construir a didática de sala de aula com o uso do Caderno do Aluno, desde que: 1º este material didático seja objeto da reflexão de professores e alunos; e 2º que os textos - materiais que são veiculados, tais como exercícios, mapas e outros -, sejam orientados e complementados pelos professores e alunos, alinhavando princípios, estratégias e situações didáticas, que possibilitem, conforme Abdalla (2009), um “trabalho de sentido” com o uso desse Caderno. Por fim, é possível reconhecer algumas experiências importantes desse material didático, a partir de sua implementação pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo/SEE/SP. Entretanto, é preciso que sejam oferecidas aos professores condições pedagógicas para compreender o trabalho docente com o Caderno do Aluno, a fim que este seja, efetivamente, um trabalho que dê sentido à sua formação e, especialmente, a de seus alunos. REFERÊNCIAS ABDALLA, M. F. B. O senso prático de ser e esta na profissão. São Paulo: Cortez, 2006. ABDALLA, M. F. B. Representações profissionais sobre o trabalho docente. 32ª Reunião da ANPEd. GT 04 – Didática, 2009, p. 1-17. Disponível em <http//www.32reuniao.anped.org.br/arquivos/trabalhos/GT0405402˃. Acesso em: 22/01/15. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2007. BOGDAN, R. BIKLEN, S. K. Investigação Qualitativa em Educação. Porto: Porto Editora, 1994. BRASIL. Ministério da Educação. Portaria n. 1795, de 27 de dezembro de 1994. Cria o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica. Diário Oficial da União, seção 1, n. 246, p. 20.767-20.768, 28 dez. 1994. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. 19251 BRASIL. Ministério da Educação. Portaria n. 807, de 18 de junho de 2010. 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