Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
ENSINO DE BIOLOGIA E O CURRÍCULO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO
PAULO: UMA REFLEXÃO INICIAL.
Jessica Pampolini (Licenciatura em Ciências Biológicas ESALQ/USP,
[email protected])
Tais Cavallaro Martins (Licenciatura em Ciências Biológicas ESALQ/USP.
[email protected])
Taitiâny Kárita Bonzanini(Universidade de São Paulo. Departamento de Economia,
Adm. e Sociologia LES/ESALQ/USP. [email protected])
Resumo
Esse trabalho apresenta e discute análises realizadas no material didático do Currículo
do Estado de São Paulo, “Caderno do Aluno” e “Caderno do Professor” referente à disciplina
de Biologia do 1° semestre da 3° série do Ensino Médio. Identificou-se que os conteúdos e
instrumentos de ensino necessários para que o aluno tenha capacidade de entender e
reconhecer os temas abordados no Caderno de Biologia são vagos, pouco exemplificados e
não correspondem, em sua maioria, com um dos objetivos do Currículo Mínimo do Estado de
São Paulo. Tal fato, impõe ao professor a obrigatoriedade de uma complementação desse
material, seja na forma de textos, atividades, discussões, indicações de pesquisas ou demais
recursos e instrumentos.
Palavras-chave: ensino de biologia, currículo, conteúdos.
Introdução
O atual Currículo Oficial do Estado de São Paulo (SEE, 2014), apresenta-se nas
unidades escolares em forma de materiais didáticos chamados de “Caderno do Aluno” e
“Caderno do Professor”, o que compreende livretos com conteúdos das áreas: Ciências da
Natureza e suas Tecnologias – Biologia, Química, Física e Matemática; Ciências Humanas e
suas Tecnologias – História, Geografia, Filosofia, Sociologia e Psicologia; e Linguagens,
Códigos e suas Tecnologias – Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Arte e
Educação Física.
Nos Cadernos do Professor são apresentadas situações de aprendizagem para orientar o
trabalho do docente no ensino dos conteúdos disciplinares específicos. Esses conteúdos,
habilidades e competências são organizados por série e acompanhados de orientações para a
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aplicação na sala de aula (FINI, 2008). Já nos “Cadernos do Aluno”, encontram-se atividades
didáticas, exercícios, pequenos textos ou fragmentos de textos.
Tal material é preparado por especialistas de cada área do conhecimento e de acordo
com a Secretaria Estadual de Educação, ele deve conter orientações didático-pedagógicas que
contribuam para a efetivação de situações de aprendizagem em cada disciplina integrante do
Ensino Fundamental e do Ensino Médio nas escolas da rede pública estadual. Assim, ele
constitui uma orientação básica para o trabalho do professor em sala de aula (SEE/SP, 2013).
A formulação desse material foi alvo de muitas críticas por parte dos profissionais da
educação, por não incluir a opinião de professores e demais atores do ambiente escolar e,
portanto, não atender a realidade das unidades escolares, principalmente por ter sido
elaborada somente por membros da Secretaria de Educação ou especialistas convidados, que
não são professores atuantes nas escolas públicas estaduais. Assim, desde 2008 quando o
referido material foi implementado, inicialmente como uma proposta, coube aos docentes
apenas a função de executores.
Considerando tais críticas, faz-se imprescindível analisar tal material visando indicar se
as atividades e recursos de ensino presentes nele são condizentes com o estudo do conteúdo e
com a realidade da escola básica e também com demais documentos como o Currículo
Mínimo do Estado de São Paulo (SEE/SP, 2013), ou com os Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Médio, PCNEM (MEC, 1999).
Objetivos
Esse trabalho apresenta e discute análises realizadas no material didático do Currículo
do Estado de São Paulo, “Caderno do Aluno” e “Caderno do Professor” referente à disciplina
de Biologia do 1° semestre da 3° série do Ensino Médio.
Metodologia
Essa investigação caracteriza-se como uma pesquisa documental, pois têm o
documento como objeto de investigação. Assim, busca identificar informações factuais nos
documentos a partir de questões e hipóteses de interesse (LÜDKE e ANDRE, 1986). Os
documentos em questão são o "Caderno do Aluno" e o "Caderno do Professor" de Biologia do
Ensino Médio da 3ª série, Volume 1, editado em 2014, do Currículo Oficial do Estado de São
Paulo.
Para análise do material foram considerados os temas e conteúdos apresentados, todas
as características das situações de aprendizagem indicadas, quais recursos ou instrumentos de
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ensino seriam necessários para o desenvolvimento delas e também buscou-se uma relação de
tais características com as indicações de outros documentos oficiais como, por exemplo, os
PCNEM.
Os dados foram analisados qualitativamente a luz de referenciais teóricos como Zabala
(1998) sobre estudo das tipologias dos conteúdos, e demais trabalhos que analisaram a
proposta curricular (ALMEIDA e BONZANINI, 2014; TAKEUTI et al, 2014)
Resultados e Discussão
De acordo com os PCNEM (MEC, 1999), a Biologia deve ser abordada na forma de
competências, na qual o conhecimento deve ser organizado em situações de aprendizagem
que tenham sentido para o aluno, que lhe permitam adquirir um instrumental para agir em
diferentes contextos e, principalmente, em situações inéditas da vida. Para isso, é necessário
colocar a ciência como meio para ampliar a compreensão sobre a realidade.
Esse documento indica alguns temas estruturadores para o ensino de Biologia:
1.
Interação entre os seres vivos
2.
Qualidade de vida das populações humanas
3.
Identidade dos seres vivos
4.
Diversidade da vida
5.
Transmissão da vida, ética e manipulação gênica
6.
Origem e evolução da vida
Tal organização se fez presente no material analisado, havendo, assim, consonância
entre os documentos. Inclusive, o material didático do Currículo do Estado de São Paulo
aponta habilidades semelhantes a serem desenvolvidas durante o trabalho com cada tema ou
conteúdo.
De acordo com a proposta do PCNEM, o tema “Identidade dos Seres Vivos” deve
orientar o aprendizado dos alunos com base nos conhecimentos em citologia, genética,
bioquímica e conhecimentos tecnológicos, para que possam perceber que todas as formas de
vida são reconhecidas pela sua organização celular. Já o tema “Diversidade da Vida” deve ser
abordado com auxílio de conteúdos da Zoologia, da Botânica e das ciências ambientais e deve
proporcionar aos alunos o entendimento de como a vida se diversificou a partir de uma
origem comum e dimensionar problemas relativos à biodiversidade. Com a análise do
"Caderno do Aluno", pode-se verificar que tais conteúdos não são abordados de maneira clara
e são pouco exemplificados. O conteúdo é passado apenas através de exercícios dispersos e
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atividades que devem ser desenvolvidas pelo aluno fora da sala de aula, sem garantia da
qualidade da pesquisa exigida e de aprendizagem do assunto.
Apesar de identificar no material analisado todos os temas também apresentados pelo
PCNEM, a abordagem ocorre de maneira muito superficial, além de faltarem alguns conceitos
que deveriam estar presentes no material, cujos exemplos serão citados mais adiante.
A maioria dos principais conteúdos são abordados na forma de exercícios e textos. Os
exercícios são em sua totalidade voltados a desafios, jogos e pesquisas em gerais,
caracterizando um trabalho mais procedimental e atitudinal. Os textos são retirados de jornais
e revistas de circulação nacional e são curtos e generalistas, contribuindo para uma
abordagem superficial sobre o assunto. Não aparecem textos produzidos por especialistas nos
assuntos, por exemplo. Sendo assim nota-se uma redução, e até simplificação, do conteúdo.
Existem inúmeras recomendações aos alunos para que realizem pesquisas em sites da
Internet ou em livros didáticos sobre os assuntos abordados, inclusive existem propostas
bastante complexas de pesquisa, que carecem de uma melhor indicação de fontes confiáveis
que contribuam para a aprendizagem do aluno porém, muitas vezes o material não apresenta
indicações ou sugestões de sites e livros que direcionem corretamente essas pesquisas.
Importante indicar, que nem toda escola ou aluno poderá ter acesso a materiais, em forma de
livros ou via Internet, para realização de pesquisas e complementação dos estudos.
Nesse contexto, caberá ao professor realizar complementações do material, seja com
indicações de materiais para pesquisa, seja com atividades e leituras que aprofundem os
conhecimentos sobre determinado tema. Por exemplo, na "Situação de Aprendizagem 2 - A
definição de espécie", os conceitos de espécies são vagos, pois a única atividade designada é
uma pesquisa sobre reprodução, ciclo de vida de alguns exemplos de organismos, como
bactérias, bananas, rãs e borboletas. Em seguida, há um texto que explica superficialmente o
conceito de híbridos, mostrando um dos conceitos de espécie. Portanto, não fornece ao aluno
um conhecimento adequado sobre os conceitos de espécie e, nem tão pouco, as atividades
contribuem para uma construção de tal conceito.
Na "Situação de Aprendizagem 3 - Todos os reinos da natureza" nota-se que a
abordagem de Wittaker de 1969 é a mais usada, de acordo com o citado: "Atualmente,
adotamos o sistema de Wittaker com algumas modificações provocadas por dados mais
recentes." Neste caso falta no "Caderno do Aluno" abordar a versão mais atualizada de
classificação de Woese de 1990 que agrupa os cinco reinos em três grandes domínios. Há a
necessidade de atualizar este assunto, pois os sistemas de vestibulares usam o modelo de
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Wittaker de 1969 para classificação dos seres vivos, e também abordam o sistema atual de
Woese de 1990.
Outro exemplo ocorre na “Situação de Aprendizagem 5 – A diversidade das Plantas” e
na “Situação de Aprendizagem 6 – Observando o Desenvolvimento das Plantas”. Há uma
proposta de trabalho bastante sucinta e superficial com relação aos “Aspectos comparativos
da evolução das plantas” e “Adaptação das angiospermas quanto à organização, ao
crescimento, ao desenvolvimento e à nutrição” que são explorados em uma tabela
comparativa apenas.
Analisando a “Situação de Aprendizagem 9 – A Reprodução em Angiospermas e em
Humanos” em comparação com o Currículo Mínimo de Biologia do Estado de São Paulo,
pôde-se notar, a ausência de temas que são considerados obrigatórios no material didático,
como a não presença de um tema básico como o funcionamento dos métodos
anticoncepcionais em seres humanos. Verificou-se que em nenhum momento, os Cadernos do
Aluno de todo o Ensino Médio apresentam tal discussão.
De acordo com a ressignificação de conteúdos proposta por Zabala (1998), pôde-se
identificar no Caderno conteúdos conceituais, atitudinais e procedimentais. Algumas
atividades presente no “Caderno do Aluno” como "Leitura e análise de texto" e "Leitura e
análise de tabela" são classificadas como conceituais e estimulam o aluno a leitura sobre o
tema em questão e a interpretação de texto, montagem de tabela e análise das mesmas. Outras
atividades são classificadas como procedimentais, tais como o preenchimento de tabelas
diferenciando alguns organismos como bactéria, paramécio, anêmona, cogumelo e briófita em
tipo e número de célula e formas de nutrição, propostas pela Situação de Aprendizagem 1 e
atividades práticas como um experimento de germinação de plantas propostos pela Situação
de Aprendizagem 6. Foi encontrada apenas uma atividade classificada como atitudinal, na
atividade de "Sugestão", onde o caderno propõe uma discussão da letra de uma música de
Arnaldo Antunes "Inclassificáveis". Esta atividade é proposta antes de inserir o conteúdo e o
conceito de espécie. Nela o aluno é estimulado ao pensamento crítico em relação ao conceito
de raça entre a espécie humana.
De maneira geral, a abordagem de conteúdo que mais foi identificada no material foi a
procedimental, que se caracteriza como conteúdos que envolvem tomadas de decisões; podem
ser uma pesquisa ou um experimento, e exigem intervenção direta do professor. Apesar de
terem como denominador comum o fato de serem ações ou conjunto de ações, são
suficientemente diferentes para que a aprendizagem de cada um deles tenha características
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bem específicas. Os conteúdos procedimentais incluem desde a revisão de um texto escrito a
organização de dados, a argumentação (ZABALA, 1998)
Em suma, os conteúdos e instrumentos de ensino necessários para que o aluno tenha
capacidade de entender e reconhecer os temas abordados no Caderno de Biologia são vagos,
pouco exemplificados e não correspondem, em sua maioria, com um dos objetivos do
Currículo Mínimo do Estado de São Paulo:
"tratar dos assuntos e temas biológicos que fazem parte da sociedade
contemporânea e da vida dos alunos[...], recorrer aos conteúdos selecionados em
Situações de Aprendizagem, que tenham sentido para o aluno e que lhe permitam
adquirir um instrumental para agir em diferentes contextos e em situações inéditas
de vida". (Currículo do Estado de São Paulo: Ciências da Natureza e suas
tecnologias - Ensino Fundamental, ciclo básico II e Ensino Médio, p.71, 2010).
Esses dados corroboram com os encontrados por Almeida e Bonzanini (2014), Takeuti
et al (2014), que ao analisarem também o material didático do Currículo Oficial do Estado de
São Paulo, e identificaram ausência de determinados conteúdos e superficialidade de
conteúdos presentes no material.
Também foram identificadas no Caderno de Biologia várias propostas de aulas práticas
e atividades de campo como, por exemplo, experimentos e visitas a zoológicos e parques.
Muitas dessas aulas são didáticas e interessantes, entretanto, seria necessário ter
conhecimento da realidade das escolas que os alunos frequentam, pois o Caderno será
aplicado para todo o Estado de São Paulo e, muitas vezes, as escolas, ou até mesmo as cidades
em que essas escolas estão inseridas, não são dotadas da estrutura necessária para suportar
esses tipos de aula ou visitas.
Considerações
A análise realizada indicou que a maneira sucinta como os conteúdos são expostos e se
apresentam no Caderno do professor impõe ao professor a obrigatoriedade de uma
complementação desse material, seja na forma de textos, atividades, discussões, indicações de
pesquisas ou demais recursos e instrumentos.
Há que se refletir também sobre as características particulares das escolas que compõem
a rede estadual de ensino. Quais condições materiais, financeiras, e até mesmo de formação
inicial e continuada dos professores das escolas públicas do Estado de São Paulo para
adaptações de recursos, para indicações de pesquisa e para o desenvolvimento de um ensino
de Biologia de qualidade.
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Referências Bibliográficas
ALMEIDA, C; BONZANINI, T.K. A proposta curricular do estado de São Paulo e os
instrumentos de ensino: análise das atividades e recursos apresentados. Atas: II Congresso
Nacional de Formação de Professores e XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de
Educadores - Por uma revolução no campo da formação de professores UNESP, Águas de
Lindóia/SP, 2014.
TAKEUTI, B.; FREITAS, R. M. de; BONZANINI, T. K. A temática ambiental e a proposta
curricular do Estado de São Paulo: uma primeira análise. Atas: II Congresso Nacional de
Formação de Professores e XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores Por uma revolução no campo da formação de professores UNESP, Águas de Lindóia/SP,
2014.
BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria da Educação Média e Tecnológica. Parâmetros
Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999.
EDUCAÇÃO. Caderno do Professor: Biologia, Ensino Médio – 3º ano, 1º semestre.
Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini. São Paulo: SEE, 2014.
FINI, M. I. (Coord.) Proposta curricular do Estado de São Paulo. São Paulo: SEE, 2008.
LÜDKE, M.; ANDRÉ, M.E.D.A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo,
EPU, 1986.
ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul
Ltda., 1998.
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