A EDUCAÇÃO INFANTIL E O PROCESSO DE ADAPTAÇÃO: AS
CONCEPÇÕES DE EDUCADORAS DA INFÂNCIA
REDA, Maysaa Ghassan 1 - UNICENTRO/I
[email protected]
UJIIE, Nájela Tavares2 - UNICENTRO/I
[email protected]
Área Temática: Educação Infantil
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
O trabalho ora apresentado é parte integrante de uma pesquisa monográfica desenvolvida
junto ao curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Centro-Oeste, do Campus de Irati,
interior do Estado do Paraná, que visa investigar as concepções de educadoras da infância
sobre o processo de adaptação. Dessa forma, se caracteriza como um estudo de caso, numa
abordagem qualitativa, tendo como instrumentos de coleta de dados: os questionários
aplicados as profissionais de um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) iratiense; a
análise documental a partir da Proposta Pedagógica do centro e das respostas obtidas; e, a
observação participante da prática educativa de uma professora, escolhida dentre as que
responderam e retornaram o questionário. A adaptação escolar é um processo que vai exigir
tanto da criança que busca adequar-se a essa nova realidade social e de seus pais, quanto do
educador e da instituição que precisa se preparar para recebê-la. Segundo Martins Filho
(2006), o processo de adaptação, é, pois, um processo de socialização construtivo entre pares
educativos. Não é uma tarefa fácil para a instituição de Educação Infantil atender as demandas
da criança, é preciso que haja atenção à diversidade e que algo seja feito nesse sentido. Assim,
esta pesquisa tem por intuito compreender e analisar como os profissionais da Educação
Infantil de um centro municipal iratiense entendem o processo de adaptação, se estes se atem
somente a conhecimentos superficiais, ou realmente compreendem o sentido e significado
deste processo tão salutar a saúde cognitiva, social, afetiva, moral e ética da criança.
Palavras-chave: Educação Infantil. Adaptação. Educadora da Infância. Concepções.
Introdução
Quando uma criança inicia sua vida escolar, encontra um mundo todo novo, com
1
Acadêmica 4º ano de Pedagogia.
Pedagoga. Psicopedagoga. Mestre em Educação pela UEPG. Professora do Departamento de Pedagogia. Líder
do Grupo de Estudos e Pesquisa Práxis Educativa Infantil: saberes e fazeres da/na Educação Infantil (GEPPEI).
2
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influências, idéias, amizades e oportunidades com as quais nunca havia se deparado antes. O
ingresso das crianças na instituição pode criar ansiedade tanto para elas e para seus pais como
para o professor. As reações podem variar muito, tanto em relação às manifestações
emocionais quanto ao tempo necessário para se efetivar o processo de adaptação.
Toda criança, seja qual for sua história e sua idade, terá que enfrentar o primeiro dia de
aula e esta experiência acarreta ansiedade e insegurança. Afastar-se do aconchego do lar e
enfrentar o desconhecido significa um grande salto na vida de qualquer criança. O ingresso na
Educação Infantil e na vida escolar representa um passo muito grande em direção à
independência. Esta é uma fase que exigirá um período de adaptação. Quando falamos em
adaptação devemos considerar que sempre que enfrentamos uma situação nova, esse processo
se desencadeia. O processo de adaptação, portanto, inicia com o nascimento, nos acompanha
no decorrer de toda a vida e ressurge a cada nova situação que vivenciamos.
A adaptação antecede a ida da criança à escola: surge como acenos de pensamentos
que vão se fazendo presentes até sermos tomados pela idéia e impulsionados à ação. A
adaptação escolar é um processo que vai exigir tanto da criança que busca adequar-se a essa
nova realidade social e de seus pais, quanto do educador e da instituição que precisa se
preparar para recebê-la.
Dessa forma, o interesse pela temática da adaptação emergiu após observações
realizadas numa instituição de Educação Infantil, da cidade de Irati, interior do Estado do
Paraná, a partir de comportamentos de crianças manifestos por medo e ansiedade, vindo ao
encontro com sentimentos vividos pela pesquisadora na sua infância. Fortaleceu-se tal desejo
de pesquisa, pela abordagem dada ao assunto na disciplina de Fundamentos da Educação
Infantil e do Estágio Supervisionado na Educação Infantil, no curso de Pedagogia.
Assim, a importância dessa pesquisa se justifica pela tentativa de conceituar o
processo de adaptação na perspectiva de profissionais da Educação Infantil, tendo em vista
analisar qual a sua representação. Desse modo, configura-se numa pesquisa qualitativa do tipo
estudo de caso, que contou com aplicação de questionário as profissionais de um CMEI,
análise documental e observação participante da prática educativa, por um período de dois
meses no início do ano letivo de 2009, totalizando 40 horas.
Considerando o desenvolvimento desta pesquisa este trabalho estará estruturado em
três tópicos. No primeiro deles buscaremos apresentar a revisão de literatura relacionada à
temática. No segundo apresentaremos e analisaremos os dados coletados no curso da
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investigação. E para finalizar levantaremos nossas conclusões relacionando os aportes
teóricos com as concepções expressas pelas profissionais.
A Educação Infantil e o Processo de Adaptação
Ao longo da história da Educação Infantil, o processo de adaptação, foi por muitas
vezes encarado pelos profissionais como sendo um período de tempo e espaço determinado
pela própria instituição educacional, tendo em vista à sujeição, o controle, a imposição de
normas, a ausência do choro, a domesticação dos corpos, o sujeito adaptado: a criança.
Entretanto, considerando as exigências educacionais atuais e a perspectiva vigente da criança
como sujeito de direitos, ator social, de acordo com Martins Filho (2006), o processo de
adaptação, é, pois, um processo de socialização construtivo entre pares educativos (pais,
crianças, professores e instituição), é um espaço de relações, mediações e interações
dialógicas para todos os envolvidos diretos e indiretos no processo.
Segundo Borges e Souza (2002, p. 32), “imaginar que o sucesso de um processo de
adaptação se resume a ter ausência de choro é banalizar uma situação que não termina em si
mesma”. É desconsiderar as nuances abrangentes deste processo, que possui múltiplos
aspectos determinantes.
Também Strenzel (2000, p.3), é contundente em seus apontamentos sobre essa
temática ao afirmar que:
Inserção, ingresso, acolhida, não é uma questão de adaptação no sentido de
modulação, que considera a criança como um sujeito passivo que se submete, se
acomoda se enquadra a uma dada situação. É um momento fundamental e delicado
que não pode ser considerado como simples aceitação de um ambiente desconhecido
e de separação da mãe ou de uma figura familiar, ou de fazer a criança parar de
chorar.
É preciso enxergar para além das aparências, dos aspectos superficiais, e adquirir uma
compreensão das interações humanas, da afetividade positiva na perspectiva walloniana, para
entender os sentidos e os significados desse processo.
Desse modo coadunamos com Davini (1999, p. 45), quando esta apresenta sua
concepção adaptativa na esfera educacional, afirmando que “a adaptação é todo um grande
período, que abrange desde as entrevistas e visitas preliminares dos pais as escolas, bem como
os primeiros dias, e o primeiro ano de escolarização da criança”.
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Entender a adaptação como uma oportunidade para aprender constitui-se num desafio
e remete a dois pontos que reúnem valores importantes para nossos atos acolhimento e
aproximação. Corrêa (2008) comenta que acolher tem a ver com a atitude de aceitação e
hospitalidade que podemos ter frente ao outro. Em relação à adaptação, o autor, expõe
também que, além de serem acolhidas, as crianças precisam aprender a acolher umas as
outras, eis ai um processo relacional de interação e mediação. Portanto, não é necessariamente
um processo natural, porém algo a ser construído por todos os que atuam na dinâmica
educacional (professores, alunos, funcionários, pais). Para tanto, muito mais do que discursos,
precisamos de práticas, atitudes coerentes e convincentes, que atinjam mais as emoções e o
caráter, do que o intelecto.
Neste sentido, a adaptação é entendida como processo amplo no qual a atividade das
crianças e a intervenção dos adultos constituem um bloco de motivação no processo
maturativo e de aprendizagem de cada criança, um contexto de interações sociais e
formulação de vínculos afetivos.
Assim, para Ujiie (2005), a sala de aula é um ambiente onde as emoções se expressam
e a infância é a fase emocional por excelência. Dessa forma, a instituição de Educação
Infantil, bem como outros ambientes sociais, proporciona o convívio com situações de
conflitos, cabendo ao professor ou ao educador da infância, uma atitude mediadora, pautada
na prática do afeto cognitivo, um sujeito racional e equilibrado emocionalmente, capaz de
gerenciar a ação educativa e o processo de adaptação, a dinâmica de ensino e aprendizagem e
a socialização que envolve crianças e pais.
A função da instituição de Educação Infantil e dos profissionais é de receber a criança
e acolher sua singularidade, enfim, apresentar-se como um ambiente seguro e estimulante. O
professor deve ser o mediador principal no contexto da adaptação escolar, não deixando a sala
de aula cair na rotina ao mesmo tempo em que ganha à confiança das crianças e familiares. A
adaptação é um processo continuo de mudança, crescimento, desenvolvimento e
amadurecimento para todos.
Para propiciar tranqüilidade à criança no processo de adaptação, de acordo com Felipe
(2001), é fundamental que os pais estejam seguros. Assim, é oportuno que a escola da
primeira infância mantenha uma relação de parceria com pais ou responsáveis, e na medida do
possível é importante que estes estejam disponíveis e presentes fortalecendo a relação da
criança com seu professor.
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Para Balaban (1988), é necessário tempo para que essa criança apreenda toda a nova
situação que está vivenciando, seja a característica desse novo adulto, o professor, ou dessa
nova instituição, rotina e ambiente.
Cada instituição de Educação Infantil deve planejar-se para esse processo de
adaptação de acordo com as concepções de educação e da criança que direcionam sua prática.
Cada instituição tem a sua realidade específica.
A função da escola da primeira infância e dos profissionais que nela atuam é receber a
criança e para isso é necessário um trabalho cuidadosamente planejado. A instituição deve
causar boa impressão, apresentar-se como um ambiente seguro, com um espaço que propicie
o desenvolvimento e uma aprendizagem significativa.
Nesse contexto, a organização da sala-ambiente requer duas preocupações
fundamentais, segundo Rizzo (1986, p.314), “a primeira de constituir-se em ambiente
atraente, agradável, estimulador da curiosidade exploratória, característica da criança. A
segunda, de estar de tal forma organizada, que possibilite à criança aprender a “usá-la”
facilmente para que se sinta segura dentro dela”.
Nessa dinâmica organizacional Balaban (1988) orienta que antes do início das aulas,
sejam organizadas reuniões coletivas e individuais com os pais, para a instituição educativa
expor aos mesmos a sua proposta pedagógica, os seus objetivos, explicando-lhes como se dá
esse processo de adaptação, enfatizando que esse momento merece uma atenção especial.
Sendo assim, estabelece uma relação de confiança, afetividade e amizade entre escola e
família.
A organização do ambiente escolar, a preparação dos profissionais que irão lidar com
essas crianças e os familiares é de fundamental importância para que a efetivação da
adaptação à vida escolar seja um momento positivo nos aspectos enfocados. O planejamento,
desde o conhecer dessa criança, através de entrevistas e questionários destinados às famílias, à
organização de atividades e do próprio espaço pelo qual a criança está inserida ou vai se
inserir merece cuidado.
Para que ocorra uma adaptação significativa da criança é necessário que a instituição
escolar fundamente-se teoricamente acerca do assunto e organize-se para receber as novas
crianças, sabendo que junto a elas receberá também seus pais e/ou responsáveis. O professor é
o principal mediador e tem que atender as expectativas dos pais, ganhar a confiança das
crianças e de seus familiares e ainda, conduzir esse processo, além de trabalhar seus próprios
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sentimentos. Estarão sendo postos o tempo todo à prova e é necessário sempre ampliar e
capacitar os seus conhecimentos.
O processo de adaptação tem vida, ele se move de acordo com o sentimento e as
percepções das pessoas nele envolvidas. O que toca o que encanta, o que prende a atenção da
criança é a descoberta que fará o educador no contato com ela. Este contato é dinâmico, se dá
através do olhar, do toque, do tom de voz, da brincadeira e da imaginação que aparece sempre
vestida de faz-de-conta.
Participar do processo de adaptação é estar implicado nele, é contagiar-se com a
emoção que a interação com a criança proporciona. Segundo Dantas (1994), por ser a criança
essencialmente emotiva e esta emotividade tendo tendências a propagar-se, o contato com a
criança faz com que o adulto permaneça exposto ao contágio emocional.
Criar um clima propício para a aproximação não é tão simples. É preciso um olhar
cuidadoso e atento para perceber o que aproxima as crianças. Esse tipo de ação contribui para
a consolidação de vínculos afetivos e de vivência. Nesses casos, o que está em jogo é o
exercício da convivência, são as pequenas ações que fazem prevalecer à comunhão de uns
com os outros, a socialização, enfim a efetivação do processo de adaptação de sucesso.
Dando continuidade a este artigo no tópico subseqüente buscaremos analisar os dados
coletados na dinâmica de nossa investigação.
Análise de Dados: Adaptação na Educação Infantil
Como já mencionado, o objetivo da pesquisa desenvolvida foi constatar e analisar
como os profissionais da Educação Infantil de um Centro Municipal de Educação Infantil
(CMEI) de Irati-PR, entendem o processo de adaptação. Se os mesmos atem-se somente em
conhecimentos superficiais, ou realmente compreendem o sentido e significado do processo
de adaptação.
Nesse sentido, foram distribuídos 16 questionários para os profissionais de um CMEI,
dentre eles: uma coordenadora e 15 professoras. Sendo que desses apesar do interesse
demonstrado de início, apenas 8 questionários retornaram para análise, o da coordenadora e
de 7 professoras.
No que diz respeito aos questionários quando as profissionais da Educação Infantil
foram perguntadas sobre o período de adaptação, as mesmas demonstraram uma forte
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tendência a interligar com o tempo que a criança leva para se integrar à instituição,
educadoras e demais crianças, não houve menção da relação com os responsáveis, pais e mães
como parte nesse processo.
Com relação ao primeiro dia na instituição, todas as educadoras responderam que a
acolhida da criança é feita da melhor maneira, dando muito carinho e atenção. Vemos de
modo positivo o apontamento da dimensão afetiva em suas colocações. Entretanto não
especificaram com detalhadamente o significado de sua práxis educativa, sobre o que vem a
ser “a melhor maneira”. Segundo Oliveira (1995, p.127), “acolher adequadamente a criança
exige que se tenha um trabalho coletivo, em que todos se empenhem em organizar o espaço e
a estrutura da escola, visando atender as necessidades infantis”. Estas nuances não foram
apresentadas nas respostas coletadas.
As maiores dificuldades enfrentadas no período de adaptação explicitadas pelas
profissionais foram: a falta de convívio das crianças com pessoas além do círculo familiar
(67,5%), o choro da criança (25%) e a insegurança dos pais que transmitem para as crianças
(12,5%). Observamos que todas as dificuldades mencionadas são de culpabilização das
crianças e seus responsáveis de acordo com os sujeitos da pesquisa.
Quando questionadas sobre quais as estratégias de adaptação utilizadas, todas têm o
mesmo ponto de vista: “conversar com a criança, tranqüilizá-la, aproximar-se dela para que se
sinta confortável”. A afetividade é mais uma vez colocada em evidencia, o que nos deixa em
certa medida satisfeitas. No entanto nada é colocado com relação à prática educativa, o
estabelecimento da dinâmica de sala, a organização da rotina, a estruturação das atividades, o
desenvolvimento do lúdico, a proposta pedagógica, que também são elementos salutares no
processo de adaptação.
No que tange a parceria entre família e instituição no processo de adaptação
questionamos sobre sua existência, as profissionais foram contundentes em afirmar que a
participação da família se restringe a contatos através de bilhetes via caderneta, conversas
informais no portão, existindo contato direto só no primeiro dia de aula. A esse respeito
Nicolau (2003) afirma que cabem as instituições de Educação Infantil preocupar-se
especialmente com a criança e, através dela, atuar junto às famílias construindo parceria
educativa, para que estas consigam atingir uma consciência crítica acerca dos problemas a
serem enfrentados e serem discutidos não só no processo de adaptação, mas para além dele na
superação de dificuldades emocionais, cognitivas e psicomotoras.
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Após aplicação e análise dos questionários escolhemos uma professora, ou seja, uma
educadora da infância para ser observada em sua atuação prática no processo de adaptação. A
escolha se deu tendo em vista a ênfase positiva apresentada pela coordenadora da instituição
em conversas informais e aos comentários elogiosos ao trabalho da educadora, o que suscitou
interesse e determinou a opção, considerando os objetivos da pesquisa e o delineamento de
paralelo com o referencial teórico estudado. Para efeitos de preservação da identidade da
profissional observada e das crianças lhes atribuiremos nomes fictícios.
A professora Eva atua há cinco anos na Educação Infantil, têm formação no
magistério, esta cursando Pedagogia à distância pela UNIRATI e o curso de História pela
UNICENTRO. Este ano é regente de uma turma de maternal II, com crianças de 2 a 3 anos e
meio, com um total de vinte e três crianças, dessas cinco ingressaram na instituição este ano e
estavam em processo de adaptação, quando das observações, entretanto registraremos
momentos da que demonstrou maior dificuldade, um menino de 2 anos e meio.
Como professora regente de turma Eva conta com o apoio de duas auxiliares, que se
alternam no turno matutino e vespertino, ambas com formação em nível do magistério apenas.
Durante as observações foi possível perceber que há um clima de parceria entre a professora e
as auxiliares, no desenvolvimento da prática educativa.
A organização do espaço de sala de aula não é adequada pelas limitações da estrutura
física, a sala possui dimensão restrita, há muitas mesas, adaptadas a altura das crianças o que
por esse lado é um ganho, mas pouca ventilação e luz, não há colchões e cobertores
suficientes para o número de crianças, na Hora do Descanso elas ficam espremidas, faltam
ainda brinquedos próprios à faixa etária. Dentro dessa estrutura física e material com déficits a
organização espaço-temporal esta distante de atender os preceitos apontados por Ujiie e
Pietrobon (2007), que são apoios contundentes no desenvolvimento da prática educativa.
Entretanto, mesmo frente a condições físicas e materiais adversas, Eva ao acolher as
crianças tem uma prática pautada no afeto cognitivo walloniano, é tranqüila, atenciosa,
desenvolve um trabalho coletivo, conta com a participação ativa das crianças, as conquista
facilmente, exercita o diálogo, sabe lidar com o medo da criança, conversa de igual para igual,
tem o controle de sua turma e das situações que emergem na dinâmica de sala de aula.
Exemplificando o exposto e tendo em vista o processo de adaptação que é a fonte de interesse
da pesquisa em desenvolvimento, segue o relato de um momento de observação, da conversa
mantida entre Eva e Mario, uma das cinco crianças em adaptação no início do ano letivo.
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Roda da conversa. Interação entre professora e as crianças.
Professora: Meu nome é tia Eva. Agente vai brincar muito juntos? Fala espontânea
e animada. Mario, chorando muito. Calma, Mario, porque a mãe foi trabalhar não
precisa chorar. Mario continua chorando. A mamãe logo vem de buscar, apenas foi
trabalhar, por isso que ela te deixou aqui comigo. Vamos ser amigos?
Mario: Eu quero a mamãe. As outras crianças tentam consolá-lo, dizer a ele que a
mamãe foi trabalhar para comprar um brinquedo. Eu não quero ficar aqui.
Chorando.
Professora: Vamos, Mario, brincar? Do que você gosta de brincar, Mario?
Mario: Gosto de carrinho. O choro começa a se suavizar.
Professora: Sabia que eu tenho muitos carrinhos de diversos tamanhos, grandes e
pequenos. Não é verdade, Carlos. Conte para ele. Mario ao ver que a professora foi
pegar os carrinhos, logo se animou.
Carlos: É verdade, na caixa tem bastantão. Mario ao ver os carrinhos parou de
chorar e junto com os colegas começou a escolher vários para brincar. E apontar
todos os carrinhos como seu. Sem aceitar dividir os carrinhos com os outros.
Professora: Mario, aqui a gente divide os brinquedos com os amiguinhos, os
carrinhos são de todos. Mario não aceita dividir os brinquedos com as outras
crianças. Depois da professora persistir ele deixa os outros brincarem, mas se afasta,
fica distante da roda com três carrinhos pequenos por ele escolhidos.
Professora: Mario, não quer brincar aqui perto junto com todo mundo. Mario porém
ignora a fala da professora e continua brincando sozinho, emitindo sons para os
carrinhos com a boca. (Registro em Diário de Campo – 04/02/2009)
A professora exercita a dialogicidade com as crianças é afetiva, mas ao mesmo tempo
mantém a racionalidade e o controle da ação educativa, não se deixando contagiar pelas
emoções infantis como pontua Dantas (1994) e Ujiie (2005), o que se evidencia no relato de
observação apresentado.
O centro possui uma Proposta Pedagógica, que de acordo com a coordenação foi
construída com o auxílio de todas as profissionais da instituição. A professora observada não
possui um planejamento individual de suas ações, apenas segue a rotina institucional, quanto
a horários de alimentação e higiene, Hora do Descanso, dia do vídeo e do parque. Pelo que foi
observado a professora tem um trabalho docente fecundo, embora guiado por saberes
experenciais, mas às vezes pautado na improvisação das atividades. No entanto é interativa e
tem presença marcante junto às crianças, como observamos no decorrer de sua prática
conforme segue:
Hora do Filme: “O Pinóquio”. Sem conversa previa. Nessa hora não havia a
presença de nenhuma das auxiliares. A professora solicitou que olha-se um pouco
as crianças.
Professora: Mario quer ir comigo, levar os meninos ao banheiro? Já faz duas
semanas que Mario freqüenta o CMEI, nesse período notamos que desenvolveu
apego com a professora, mas os colegas ele ainda evita.
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Mario: Eu quero a mamãe. Sem choro, apenas lembrou-se da mãe e sentiu a falta.
Professora: Mario a mamãe logo, logo chega. Com uma voz muito carinhosa e
suave.
Mario: Vai demorar para ela chegar?
Professora: Só um pouquinho. Vamos levar os outros no banheiro, depois quando
voltar vamos brincar. As outras crianças desviam a atenção do vídeo e olham a
professora. Ela se ausenta permanecem vendo o desenho. Em pouco tempo retorna.
Fim do vídeo sem diálogo posterior.
Momento de brincar livre. A professora anuncia que agora eles vão brincar do que
quiser e dispõe vários brinquedos espalhados pela sala. Agitação e euforia geral.
Ao observar o distanciamento de Mario dos colegas a professora se aproxima.
Professora: Vamos brincar Mario com o Leo.
Mario: Não. Permaneceu brincando sozinho com um carrinho azul.
Professora: Então brinque lá com o Carlos. Ele também gosta de carrinho como
você.
Mario: Não. Olhou para professora com semblante sisudo. Ela não insistiu e
começou a dialogar com as meninas próximas que brincavam de boneca.
Hora do Descanso. Todos vão dormir menos Mario.
Professora: Não quer dormir, Mario?
Mario: Não
Professora: Quer mamar?
Mario: Sim. Professora lhe dá a mamadeira. Enquanto ele mama comenta que ele
não dorme, pela excitação, pois sabe que logo depois do sono de todos, a mãe chega
para buscá-lo. Pois ele vai embora as três na hora do lanche. Disse que se lembra
da mãe diversas vezes no dia, mas que o choro não é mais freqüente. (Registro em
Diário de Campo- 18/02/2009)
Na conversa informal mantida com Eva, durante o período de observação, sobre a
dificuldade no processo de adaptação de Mario, tendo se transcorrido mais de um mês de sua
entrada na instituição, ela credita o fato a insegurança da mãe e ao ciúme que esta demonstra
em relação à criança. A professora então comenta que sempre que deixa o filho à mãe se
despede dizendo: “Tchau, nenê. Depois a mamãe vem de pegar. Te amo! Não chora!” Mas
olha para Mario como se pedisse para ele chorar. No momento da saída como ele vai embora
mais cedo, a educadora sempre o leva para mãe, esta muitas vezes a ignora e conversa apenas
com o filho: “Oi, nenê esta feliz que a mãe chegou? I ai, i ai nenê, da cheirinho. Ficou com
saudade da mamãe?”. E muitas vezes vão embora sem se despedir da professora.
A percepção de Eva é significativa, considerando os aportes teóricos de Rizzo (1986),
Balaban (1988), Felipe (2001) e Nicolau (2003), que demonstram que a forma como a
família, principalmente a mãe, vê a entrada do filho na instituição influencia as reações da
criança durante o período de adaptação.
Com base nas observações podemos visualizar que a afetividade é um dos principais
ingredientes na prática educativa desta profissional, isto atua como componente essencial e
preponderante no sucesso que alcança com as crianças em adaptação, o que ficou evidente a
10092
partir dos dois meses de observações realizadas, quando até mesmo Mario já havia evoluído
no processo de adaptação e socialização entre pares e o espaço institucional, embora apenas
tivesse constituído vínculo de amizade e coleguismo com Carlos, um dos meninos da turma.
A educadora é uma pessoa paciente, com voz suave, carinhosa com as crianças e desenvolve
sua proposta educativa pautada no diálogo com as crianças. Conhece boa parte dos pais das
crianças e mantém conversas com eles quando do horário de entrada e saída das crianças da
instituição, realiza esta ação por acreditar que a proximidade dos pais ou responsáveis a
aproxima mais das crianças. Posicionamento que consideramos interessante e sensível, no
desenvolvimento de sua ação docente.
Considerações Finais
Ao tomar o arcabouço estudado sobre o processo de adaptação na Educação Infantil e
a pesquisa desenvolvida sobre as concepções das educadoras da infância de um CMEI
iratiense, muito se tem a compreender e a considerar sobre o processo de adaptação. Assim,
podemos concluir que embora a professora observada tenha uma conduta efetiva e de sucesso
junto as crianças em adaptação, não existe uma proposta do centro ou da coordenação de
direcionamento quanto a este processo, desse modo ainda falta um percurso para que estes
profissionais compreendam realmente o sentido e o significado deste processo, incorporando
não só as crianças, mas também os pais nessa dinâmica construtiva e educativa.
Sabemos que o tipo de adaptação mais adequado varia muito de criança para criança,
segundo suas características afetivo-emocionais e bastante em relação à idade da criança de
ingresso na instituição educacional. Não havendo uma solução única para todos os casos. A
adaptação é um período de aprendizagem. Família, escola e criança descobrem sobre
convívio, segurança, ritmos e exploração de novos ambientes, entre tantas outras coisas.
Segundo Haddad (2006, p. 540), “uma boa formação é o vinculo mais importante para criar
uma força de trabalho compatível com os objetivos de uma abordagem integrada”. Até
porque, como nos diz Leonardo Boff (2007) citado por Corrêa (2008, p. 2), "a estrutura de
base do ser humano não é a razão, mas o afeto e a sensibilidade". Creio que assim estaremos
mais próximos de conceber a Educação Infantil como espaço de aprendizagem onde as
crianças experimentem formas mais humanizadas de ser e agir na convivência, o que é tão
fundamental nas sociedades contemporâneas.
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