O SISTEMA CONTABILÍSTICO
Por Joaquim Guimarães
2.1
CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DOS SISTEMAS CONTABILÍSTICOS
Garcia Benau (1995: 55) refere que, para Gonzalo Angulo e Tua Pereda (1988: 37-8),
um sistema contabilístico deve conter: (i) uma forma determinada de informação contabilística elaborada segundo uns princípios contabilísticos aceites na estrutura (marco) do
sistema; (ii) uma informação contabilística produzida pelas empresas que operam num país
ou contexto geográfico determinado; (iii) uma informação contabilística destinada a
usuários, os quais têm exigências que exercem um controlo diferente, segundo o país; (iv)
uma informação contabilística enquadrada num marco sócio-económico; (v) uma informação contabilística verificada por membros da profissão.
Desta forma, um sistema contabilístico é um conjunto de princípios, normas e práticas
que orientam o fornecimento de informação financeira num dado momento e num lugar
determinado.
Vários autores têm apresentado diversas classificações de sistemas contabilísticos.
Garcia Benau (1995: 59-60) apresenta um quadro comparativo de catorze autores ou
grupo de autores em que se descrevem as diferentes características das perspectivas de
classificação dos sistemas contabilísticos.
Não sendo objectivo deste trabalho a apresentação exaustiva desses sistemas, apresentamos de seguida a classificação de dois autores mais conhecidos em matéria de contabilidade internacional: Christopher Nobes e Robert Parker, pois foi a classificação que
maiores reflexos teve no mundo académico.
Nobes e Parker apresentaram dois quadros ligeiramente diferentes em 1981 e 1989,
como se descreve:
CLASSIFICAÇÃO DE 1981
CLASSES
SUBCLASSES
FAMÍLIAS
PAÍSES EUROPEUS
–––
–––
- Governo Economia
Orientação Macro
Orientação Micro
- Continental
- Base legal
- Alemanha
- Base fiscal
- Itália, Bélgica, França, Espanha
- Influência dos EEUU
- Empresa
- Influência do Reino Unido
- Teoria Económica
–––
–––
- Reino Unido, Irlanda
- Holanda
CLASSIFICAÇÃO DE 1989
CLASSES
Orientação Micro
BASE
PAÍSES EUROPEUS
Empresa/Prática
Irlanda, Reino Unido
Teoria Económica
Holanda
Governo/Economia
Orientação Macro
–––
Base Legal
Alemanha
Base no Plano
Bélgica, França, Espanha, Grécia, Portugal
Base Código
Itália, Luxemburgo
Base Legal (flexível)
Dinamarca
As duas classificações assentam sobre dois prismas: a orientação macro e a orientação
micro. A orientação macro é aquela em que as normas fiscais têm uma grande influência
na contabilidade. São sistemas muito conservadores, onde a legislação regula a profissão.
A orientação micro não é influenciada pelo factor fiscal e persegue, prioritariamente, a
prossecução da imagem fiel (Garcia Benau, 1995: 66).
Note-se que Portugal só aparece na classificação em 1989. Porém, considerando os
fundamentos da classificação de 1981, Portugal seria, com certeza, incluído na orientação
macro, na sub-classe “continental” e na família de “base fiscal”, ou seja, com uma forte
influência da fiscalidade.
2.2 CARACTERIZAÇÃO DOS SISTEMAS CONTABILÍSTICOS
2.2.1 O SISTEMA CONTABILÍSTICO EUROPEU
A existência de diferenças nos princípios, métodos e práticas contabilísticas no espaço
europeu tem suscitado a elaboração de diversos estudos descritivos e comparativos.
Os factores que influenciam o processo de elaboração e apresentação da informação
contabilística são: o sistema legal, os vínculos políticos e económicos, o sistema de
financiamento da empresa e as relações entre a contabilidade e a fiscalidade.
Normalmente, pelos diversos autores, são definidas duas áreas de influência:
a) Os países de influência anglo-saxónica, como o Reino Unido, Dinamarca, Holanda e
Irlanda apresentam os seguintes factores: escassa ou nula relação entre a contabilidade e a
fiscalidade; forte influência da profissão contabilística no processo regulador; predomínio
do investidor como principal fornecedor de financiamento. O principal objectivo da
informação contabilística é a prossecução da imagem verdadeira e apropriada da situação
da empresa;
b) Os países de influência europeia-continental, como a Alemanha, Espanha, França,
Itália e Portugal apresentam as seguintes características: há uma estreita relação entre as
vertentes contabilística e fiscal; há menor influência da profissão contabilística nas normas
contabilísticas que na área anglo-saxónica; predomínio dos bancos como fontes de
financiamento empresarial e em menor medida o Estado. A prossecução da imagem
verdadeira e apropriada instaura-se como objectivo de informação, mas sujeita ao estrito
cumprimento da lei. A regulamentação contabilística é dirigida à protecção dos credores.
No seguinte quadro, resumimos os comentários anteriores:
PARÂMETRO DE
SISTEMA
SISTEMA
COMPARAÇÃO
ANGLO-SAXÓNICO
CONTINENTAL-EUROPEU
1. Relação entre a contabilidade e a - Escassa
fiscalidade
- Forte
2. Influência da profissão contabi- - Forte
lística no processo de regulamentação
- Reduzida
3. Principal financiador
- Bancos (em maior escala) e
Estado (em menor escala)
- Investidor privado
- Accionistas
4. Principal objectivo da informação - Imagem verdadeira e - A imagem verdadeira e
apropriada é o objectivo da
contabilística
apropriada
informação, mas está sujeita
ao estrito cumprimento da
lei
5. A regulamentação contabilística é - Investidores
dirigida à protecção de:
- Credores
Um aspecto importante a salientar prende-se com os agentes financiadores da empresa.
Efectivamente, nos países da área anglo-saxónica, a informação contabilística tem uma
forte orientação para o mercado de capitais, i.e., para os investidores, potenciais accionistas
da empresa. Por outro lado, no sistema continental-europeu, em que a banca é o principal
financiador, há uma protecção clara aos credores.
2.2.2 FACTORES QUE CAUSAM AS DIFERENÇAS NOS SISTEMAS CONTABILÍSTICOS
Martínez Conesa e Ortiz Martínez (1997: 635), ao referirem-se aos factores que causam
as diferenças nos sistemas contabilísticos, apresentam o seguinte esquema:
Factores que causam as diferenças nos sistemas contabilísticos
Factores relacionados com o
envolvimento
Factores relacionados com as
próprias práticas contabilísticas
- Sistema legal
- Principal fornecedor de financiamento
- Nacionalismo
- Organização empresarial
- Nível de desenvolvimento do
mercado bolsista
- Factores culturais
- Sistema político
- Influência fiscal na contabilidade
- Principais utilizadores da
informação contabilística
- Nível de desenvolvimento da
profissão contabilística
- Estado da educação contabilística
- Objectivos da contabilidade
2.2.3 “ESTRUTURA CONCEPTUAL” DA CONTABILIDADE
2.2.3.1 Definição de “Estrutura Conceptual”
A estrutura conceptual34 é uma interpretação da teoria geral da contabilidade, mediante a
qual se estabelecem, através de um itinerário lógico dedutivo, os fundamentos teóricos em
que se apoia a informação financeira (Tua Pereda, 1997: 221).
Gabás Trigo (1991: 19) define o marco conceptual como uma teoria contabilística de
carácter geral que estabelece uma estrutura lógico-dedutiva do conhecimento contabilístico
e define uma orientação básica para o organismo responsável pela elaboração das normas
contabilísticas de cumprimento obrigatório.
Para Tua Pereda (1997: 221), a visão actual da estrutura conceptual deve dar resposta a
questões como as seguintes:
– As necessidades dos utilizadores;
34
Como sinónimos são usadas as expressões “quadro conceptual” e “marco conceptual”. Este último
termo é habitualmente usado, por exemplo, pelos nossos vizinhos espanhóis.
– Os objectivos da informação financeira;
– Os requisitos ou qualidades que deve cumprir a informação para satisfazer tais necessidades e objectivos;
– A maneira como dos pontos anteriores se deduzem questões, tais como os elementos das demonstrações financeiras, seu reconhecimento e valorização.
A “Estrutura Conceptual para a Preparação e Apresentação das Demonstrações Financeiras” do IASC não estabelece um conceito de “Estrutura Conceptual”, embora defina que
abrange:
– o objectivo das demonstrações financeiras;
– as características qualitativas que determinam a utilidade da informação nas demonstrações financeiras;
– a definição, reconhecimento e valorimetria dos elementos a partir dos quais se
constroem as demonstrações financeiras; e
– conceitos de capital e de manutenção de capital.
A “Estrutura Conceptual” do IASC, para além de esclarecer que não é uma NIC, estabelece que, quando existe conflito entre uma NIC e a “Estrutura Conceptual”, prevalecem os
requisitos da NIC.
2.2.3.2 A “Estrutura Conceptual” Portuguesa
2.2.3.2.1 A Directriz Contabilística n.º 18
Só muito recentemente a CNC, através da DC 18, de 18 de Dezembro de 1996, sob o
título “Objectivos das Demonstrações Financeiras e Princípios Contabilísticos Geralmente
Aceites”, clarificou a “Estrutura Conceptual” portuguesa, ressaltando os seguintes
aspectos:
a) Enuncia os objectivos das DF’s;
b) Ressalta as expectativas inerentes à apresentação das DF’s em prol da “imagem
verdadeira e apropriada”;
c) Clarifica a expressão “geralmente aceites” contida nos PCGA;
d) Acolhe os quatro níveis atrás descritos da Estrutura Conceptual do IASC;
e) Esclarece que os segundos e terceiros níveis dessa Estrutura Conceptual do IASC,
i.e., as características qualitativas e a definição, reconhecimento e valorimetria dos
elementos já estão contemplados no POC;
f) Define os objectivos das demonstrações financeiras e os PCGA usados na sua preparação, correspondentes ao primeiro nível da “Estrutura Conceptual” do IASC;
g) Sublinha a ausência de definição do quarto nível do quadro conceptual do IASC
relativo aos conceitos de capital e manutenção do mesmo, o que será abordado posteriormente numa outra directriz;
h) Privilegia uma perspectiva conceptual de substância económica35 para o relato financeiro;
i) Estabelece que o uso dos PCGA deve obedecer à seguinte hierarquia:
– Os constantes do POC;
– Os constantes das Directrizes Contabilísticas;
– Os divulgados nas NIC emitidas pelo IASC.
j) As respostas interpretativas da CNC não têm carácter genérico e são válidas para a
entidade e para a situação concreta.
Em síntese, na nossa opinião, a importância desta DC resulta essencialmente da clarificação da “Estrutura Conceptual” contemplada na normalização contabilística nacional e da
referida hierarquia dos PCGA.
35
Quanto a nós, constitui uma referência explícita ao princípio contabilístico “Da substância sobre a
forma”.
2.2.3.2.2 A “imagem verdadeira e apropriada”
2.2.3.2.2.1 Conceito e alguns aspectos gerais
O termo “imagem verdadeira e apropriada”, traduzido da expressão inglesa “a true and
fair view”36, constitui, sem dúvida, um dos postulados contabilísticos que têm suscitado
múltiplos estudos.
Uma das questões mais importantes geradas em volta do tema coloca-se da seguinte
forma: o tema é traduzido, entendido e aplicado na Europa com consistência? Existe uma
“imagem verdadeira e apropriada europeia”, ou cada país dispõe da sua?
Colocando o problema doutra maneira. A imagem verdadeira e apropriada não será
diferente de país para país, tendo em conta, nomeadamente, o seu enquadramento num dos
sistemas de normalização atrás referidos (anglo-saxónico e continental-europeu)? Efectivamente, um sistema flexível (anglo-saxónico) e um sistema regulamentalista (continentaleuropeu) não deverão conduzir a uma interpretação idêntica desse postulado?
2.2.3.2.2.2 O mecanismo derrogatório da “imagem verdadeira e apropriada”
O Código do Comércio Alemão estabelece que, em caso de desconformidade entre um
critério valorimétrico ou princípio contabilístico e o objectivo genérico da “imagem
verdadeira e apropriada”, não se procede à aplicação do mecanismo derrogatório do
objectivo da “imagem verdadeira e apropriada” (“override provision”), ou seja, deve
aplicar-se a norma ou princípio, mesmo que seja contrário ao objectivo da “imagem
verdadeira e apropriada”, devendo relatar-se o conflito de normas no anexo.
36
Algumas das expressões precursoras de “true and fair view” foram “exact”, “true”, “distinct”, “fair”,
“just”, “correct”, “properly draw up”, “full an fair”, “full and true” e “true and correct”.
Privar o conceito da “imagem verdadeira e apropriada” do seu mecanismo derrogatório
sobre as restantes normas supõe, por si só, uma transgressão ao seu espírito. A doutrina
britânica qualifica abertamente esta postura de incorrecta.
No caso português o mecanismo derrogatório da “imagem verdadeira e apropriada” está
devidamente consagrado na nota 1 do Anexo ao balanço e à demonstração dos resultados,
ao estabelecer que as disposições do POC poderão ser derrogadas em prol desse postulado.
2.2.3.2.2.3 Referências nas NIC
Navarro Gomollón (1997: 793) sublinhou que as palavras “true and fair” apareceram no
Reino Unido pela primeira vez juntas de acordo com recomendações do Comité Cohen
Report of the Committee on Company Law Amendment. A sua definição não constava na
lei, mas considerava-se que o seu significado estava contido no seu uso.
Segundo o mesmo autor, uma boa definição foi realizada por G. A. Lee37:
“«The true and fair view» poderíamos dizer que é um termo filosófico. Entende-se
geralmente como uma apresentação de contas, realizada de acordo com princípios
contabilísticos aceites, usando as importâncias tão exactas quanto seja possível e,
doutro modo, estimativas razoáveis; e de acordo com elas assim evidenciar, entre
os limites das práticas contabilísticas actuais, como objectivo uma imagem o mais
livre possível de critérios subjectivos, distorções, manipulações ou ocultações de
factos importantes.”.
2.2.3.2.2.4 Nas normas contabilísticas nacionais
A principal norma contabilística nacional – POC/89 – refere-se em algumas partes do
seu texto “à imagem verdadeira e apropriada”, sem, contudo, apontar uma definição
concreta do termo.
37
Cf. referência bibliográfica: LEE, G.A.: “Modern Financial Accounting”, 3.ª Edição, Walton on
Thames, Survey, Nelson, 1981, p. 270.
Assim, logo no capítulo “1 - Introdução” (item 1.2)38 estabelece-se:
“Tendo em consideração que as contas anuais devem dar uma imagem verdadeira
e apropriada da posição financeira e dos resultados das operações das empresas...”.
Porém, no Capítulo “3 – Características da informação financeira”, no que diz respeito
às características qualitativas (relevância, fiabilidade e comparabilidade), é efectuada uma
referência mais concreta à expressão, como transcrevemos:
“Estas características, juntamente com conceitos, princípios e normas contabilísticas adequadas, fazem que surjam demonstrações financeiras geralmente descritas
como apresentando uma imagem verdadeira e apropriada da posição financeira e
do resultado das operações da empresa.”.
Por outro lado, no capítulo “4 – Princípios contabilísticos”, e como preâmbulo à enunciação dos princípios contabilísticos, refere-se:
“Com o objectivo de obter uma imagem verdadeira e apropriada da situação financeira e dos resultados das operações da empresa, indicam-se seguidamente os
princípios contabilísticos fundamentais.”.
Note-se, ainda, que o Capítulo “5 – Critérios de valorimetria” do POC não faz qualquer
referência a essa convenção, o que não deixa de ser estranho, pois é o capítulo cuja
aplicabilidade prática conduz a uma maior ou menor verificação desse postulado.
Além disso, a já citada nota 1 do Anexo ao balanço e à demonstração dos resultados
apela à indicação e justificação das disposições do POC que, em casos excepcionais,
tenham sido derrogadas e os respectivos efeitos nas demonstrações financeiras, tendo em
vista a necessidade destas darem uma imagem verdadeira e apropriada do activo, do
passivo e dos resultados da empresa39.
38
39
Já com a redacção do recente Decreto-Lei n.º 44/99, de 12 de Fevereiro.
Esta é a única nota do Anexo em que se faz referência explícita à “imagem verdadeira e apropriada”.
Consideramos, contudo, que a nota 48 “Outras informações consideradas relevantes para melhor compreensão da posição financeira e dos resultados”, constitui, também, uma alusão implícita a esse princípio. O mesmo raciocínio é aplicável à nota 50 do Anexo Consolidado.
A nota 1 do Anexo merece-nos os seguintes comentários:
a) Só excepcionalmente as disposições do POC (entendemos as que se referem às políticas contabilísticas adoptadas) poderão ser derrogadas;
b) Essas derrogações devem orientar-se no sentido da “imagem verdadeira e apropriada” das DF’s;
c) Permitirem-se as derrogações das políticas/princípios contabilísticos em prol da
“imagem verdadeira e apropriada”, corresponde a hierarquizar-se a aplicação dos princípios. Ou seja, primeiramente está a “imagem verdadeira e apropriada” e só depois aparecem as políticas contabilísticas (v.g. princípios contabilísticos).
Note-se, por último, que no Capítulo “13 – Normas de consolidação de contas” também
são efectuadas algumas referências à “imagem verdadeira e apropriada”, como seja os
casos dos itens “13.1 – Aspectos preliminares”, 13.2.2 – Objectivo das demonstrações
financeiras consolidadas” e “14.4 – Anexo ao balanço e à demonstração dos resultados
consolidados (Capítulo II – Informações relativas à imagem verdadeira e apropriada)”.
A conjugação destes articulados leva-nos a considerar a “imagem verdadeira e apropriada” como um “macro-princípio” ou “supra-princípio” contabilístico na normalização
contabilística nacional.
Com efeito, interpretamos que especialmente o cumprimento dos PCGA e das características da informação financeira não deverão obstaculizar aquele postulado principal, sob
pena das demonstrações financeiras não cumprirem as suas funções informativas externas.
2.2.3.2.3 A hierarquia na aplicação dos PCGA
Apesar da DC 18 ter estabelecido aquela hierarquia de aplicação dos PCGA, não regulamentou a hierarquia dentro dos próprios PCGA previstos no POC, o que, reconheça-se,
não é uma tarefa fácil. Com efeito, quando há conflito entre os PCGA, qual deve prevalecer sobre os restantes?
A 4.ª Directiva da UE e alguns sistemas normalizadores europeus (v.g. Espanha, França) incutem uma grande prioridade ao princípio “Da prudência” que, apesar de ser muito
criticado40, ainda se afirma nas DF’s.
A 4.ª Directiva da UE (art.º 31.º “Regras de valorimetria) concede uma atenção muito
especial ao princípio “Da prudência”, na medida em que, contrariamente aos restantes, é
desenvolvido com rigor, não admitindo restrições ou limitações e estabelecendo o seguinte:
“O princípio da prudência deve em qualquer caso ser observado e em particular:
aa) Somente os lucros realizados à data de encerramento do balanço podem nele
ser inscritos;
bb) Devem tomar-se em conta os riscos previsíveis e as perdas eventuais que tenham a sua origem no exercício ou num exercício anterior, mesmo se estes riscos
ou perdas apenas tiverem sido conhecidos entre a data de encerramento do balanço e a da data na qual este é elaborado;
cc) Devem tomar-se em conta as depreciações, quer o exercício apresente prejuízo
quer lucro.”
Pese embora o POC, como já referimos, não estabeleça uma hierarquia dos princípios
contabilísticos, opinamos que o princípio “Da prudência” tem uma prioridade sobre os
restantes, pois é aquele que melhor conduz ao princípio geral que deve presidir à elaboração das demonstrações contabilísticas, i.e., a “imagem verdadeira e apropriada”.
40
Na verdade, uma das críticas mais recentes ao princípio “Da prudência” é a da sua impropriedade para a
contabilização dos novos instrumentos financeiros, designadamente os derivados, cujas discussões internacionais, especialmente a nível do FASB e do IASC, se têm orientado para a contabilização não só
das perdas como dos ganhos potenciais, de acordo com o “fair value” (justo valor), prejudicando, desta
forma, a aplicação dos princípios contabilísticos “Do custo histórico” e “Da prudência”.
Para Vela Pastor (1993: 169), as críticas ao princípio “Da prudência” baseiam-se no seguinte:
- Pode dar lugar a que os lucros de um exercício se manifestem noutro exercício;
- Pode favorecer a criação de reservas ocultas;
- Pode aplicar-se de forma não homogénea entre as diferentes rubricas do balanço devido a situações
conjunturais de mercado, prejudicando a aplicação do princípio da uniformidade (consistência);
- A prioridade ao princípio “Da prudência” poderá desvirtuar a “imagem verdadeira e apropriada”,
quando entra em conflito com outros princípios.
Em Espanha, o “Plan General de Contabilidad” estabelece também prioridade a este
princípio. Assim, no terceiro parágrafo da primeira parte, determina:
“Em caso de conflito entre princípios contabilísticos obrigatórios deverá prevalecer o que melhor conduza a que as contas anuais expressem a imagem fiel do património, da situação financeira e os resultados da empresa.
Sem prejuízo do parágrafo anterior, o princípio da prudência terá carácter preferencial sobre os demais princípios”.
Note-se, porém, que o POC/89 não trata dessa forma o princípio “Da prudência”, pois é
elencado no Capítulo “4 – Princípios contabilísticos” com o mesmo destaque dos restantes
princípios.
Neste contexto, a nossa regulamentação contabilística não estabelece qualquer hierarquia na aplicação dos PCGA, quando existirem conflitos entre eles.
2.2.4 ALGUNS TEMAS CARACTERIZADORES DO SISTEMA CONTABILÍSTICO
2.2.4.1 O carácter interdisciplinar da contabilidade
No Capítulo 1 (item 1.8) desenvolvemos esta temática que constitui um dos aspectos
importantes na caracterização do sistema contabilístico.
2.2.4.2 As ramificações da contabilidade
Um outro aspecto importante a ter em conta é o da adaptação da contabilidade a novos
desafios de informação dos seus utilizadores, o que conduz a uma ramificação da contabilidade para essas novas áreas.
Assim, temas como “Contabilidade dos Recursos Humanos” e “Contabilidade Ambiental”41 são hoje mais desenvolvidos e suscitam a investigação contabilística.
41
De acordo com Gastambide Fernandes (1998: 7), está previsto o lançamento de uma DC sobre esta
temática.
De salientar ainda os desenvolvimentos da “Contabilidade de Custos”, da “Contabilidade de Gestão” e da “Contabilidade Directiva” (ou “Contabilidade de Direcção Estratégica”) que, cada vez mais, assumem um importante papel na contabilidade. O relacionamento destes ramos da contabilidade com a contabilidade financeira pode resumir-se de forma
clara no seguinte triângulo contabilístico (AECA: 1995):
Contabilidade de Direcção
Estratégia ou Contabilidade
Directiva
Contabilidade
Financeira
Contabilidade
de Gestão
Contabilidade
de Custos
2.2.4.3 As tecnologias da informação
Um outro campo que está a colocar algumas dificuldades aos contabilistas é o do
impacto das tecnologias da informação na elaboração das DF’s. Por outras palavras, até
que ponto a contabilidade tem acompanhado a evolução acelerada da informática ?
Com a crescente importância da Internet na realização de negócios e com o sistema de
“EDI – Eletronic Data Interchange” (Transferência Electrónica de Dados) colocam-se à
contabilidade problemas no tratamento da informação, daí que se exija uma adaptação
constante do software.
A utilização da EDI e as vantagens de partilhar informação em tempo real, tal como o
“just in time”, são óbvias e a EDI continua a crescer a um fenomenal índice anual - acelera
70% anualmente (Wallman, 1997: 110).
2.2.4.4 O relato financeiro prospectivo
As DF’s tradicionais não possibilitam uma análise da evolução previsível da empresa,
daí que se exija informação orientada para o futuro, i.e., relato financeiro prospectivo.
Neste contexto, cada vez mais se torna necessário disponibilizar aos utilizadores, designa-
damente aos potenciais investidores, DF’s prospectivas, a fim dos mesmos tomarem
decisões mais correctas42.
A este propósito, Wallman (1997: 104) sublinha:
“A preocupação sobre a temporalidade da informação é reduzida pela apresentação da informação virada para o futuro, assim como a informação potencialmente
previsível em relação aos condutores da produção da riqueza, tais como os níveis
de satisfação dos clientes.”.
Para Fernandes Ferreira (1993d: 56), a contabilidade deixou de ser simplesmente histórica e situacional, passou a ser controladora, correctiva, previsional.
Swieringa (1997: 26) evidenciou a crítica do AICPA que, no seu relatório, recomendou
o desenvolvimento de um modelo extensivo do relatório de gestão (negócios) que devia
conter informação financeira e não financeira, informações sobre a gestão e os accionistas
e o “background” da empresa.
Esta informação poderá ser obtida, mormente, através da contabilização dos factos
patrimoniais com base no critério do valor actual dos fluxos monetários futuros ou valor
actual dos fluxos de caixa previsionais.43
2.3 NORMALIZAÇÃO CONTABILÍSTICA
2.3.1 A NORMALIZAÇÃO E A HARMONIZAÇÃO CONTABILÍSTICAS INTERNACIONAIS
Para a caracterização do sistema contabilístico português torna-se necessário, em primeiro lugar, efectuar o enquadramento do organismo nacional responsável pela normaliza-
42
43
Sobre esta matéria e a nível internacional, destacam-se as normas do “AAA - American Accounting
Association, que emitiu em 1996 um relatório sob o título “ASOBAT Report”, do AICPA, que emitiu
em 1973 o relatório “Trueblood Report”, e o IFAC, que emanou em Fevereiro de 1989 a NIR n.º 27,
revista em Abril de 1996 (Maio, 1997: 18).
Em Portugal, a utilização da “DC 14 – Demonstração dos Fluxos de Caixa”, em termos previsionais,
poderá constituir uma aplicação deste critério.
ção contabilística – a Comissão de Normalização Contabilística - nas estruturas internacionais de normalização contabilística, designadamente o IASC, o FASB e a FEE.
A harmonização contabilística pode definir-se como um processo de aumento da comparabilidade das práticas contabilísticas, estabelecendo limites ao seu grau de variação
(Nobes e Parker, 1995: 3). A harmonização implica, deste modo, um processo de conciliação de diferentes pontos de vista.
A normalização contabilística é um processo que trata de impor uma uniformidade de
métodos e práticas contabilísticas em todos os países que participam no processo.
Assim, no contexto da Contabilidade Internacional, ambos os termos não são antagónicos, pois implicam processos que podem convergir quando o processo de harmonização se
aproxima da uniformidade (Lainez Gadea, 1993: 88).
O IFAC, auxiliado pelo IASC, é o organismo que está a desenvolver a harmonização a
nível mundial da normalização contabilística.
Porém, como sublinha Lainez Gadea (1993: 116), as normas do IASC têm tido uma
escassa implantação nos diferentes países.
Apesar dos esforços normalizadores e harmonizadores dessas instituições, o que é certo
é que as normas emitidas têm deixado um vasto campo de acção, permitindo diversas
opções, o que afecta uma das características fundamentais da contabilidade - a comparabilidade.
A nível da Europa, os esforços de normalização e harmonização não têm sido suficientes, como sublinha Gastambide Fernandes (1999: 9):
“A nível europeu, e mais concretamente a nível comunitário, foram recentemente
feitas reflexões muito importantes. Foi repensada a estratégia de normalização europeia, face ao avanço da normalização internacional e ao marasmo quase total
dentro da UE. Sem esperar pela evolução da UE, algumas grandes empresas europeias passaram a adoptar também as normas internacionais, para se poderem cotar nas Bolsas fora da Europa. Ficaram assim obrigadas a preparar mais um conjunto de contas, o que não é prático e lança a confusão nos mercados.".
Na verdade, a internacionalização da economia e das empresas obriga à sua adaptação
às normas dos países onde têm interesses comerciais, o que não facilita o desenvolvimento
dos negócios.
Hoje, assiste-se também a uma “guerra” entre os organismos emitentes de normas,
especialmente o IASC e o FASB. Até à data, tem sido o IASC o organismo que com mais
força tem promovido a harmonização contabilística no âmbito internacional, daí que a
Comissão da UE esteja virada para a cooperação entre ambos.
Por outro lado, em contraponto às normas do IASC, aparecem nos Estados Unidos o
FASB e a SEC que defendem a adaptação dos seus princípios contabilísticos, geralmente
aceites (US GAAP), não só aos Estados Unidos como à Europa.
A este propósito, Giner Inchausti (1998: 70) transcreve a opinião de Bayless e outros44:
“As principais razões para adoptar as Normas Internacionais de Contabilidade e
não os US GAAP foram as seguintes: As IAS são um excelente denominador comum para todos as subsidiárias que operam no mundo. As IAS oferecem alguma
flexibilidade para poder ter em conta situações locais. As IAS são menos formais e
mais compreensíveis para os americanos. Numa análise de custo/benefício, baseado na nossa experiência, era mais eficiente introduzir as IAS que os US GAAP. Em
minha opinião, os US GAAP estão demasiado orientados para os Estados Unidos e
cobrem demasiados detalhes que são imateriais para os nossos objectivos.”.
As grandes empresas internacionais, denominadas “global players”, têm sido as principais impulsionadoras do processo de harmonização contabilística na UE, de que se destaca
o recente acordo estabelecido entre o IASC e a IOSCO.
Essas grandes empresas, através da globalização e da internacionalização da economia,
aceleraram as necessidades de uma maior e melhor harmonização contabilística, de forma
a servir os utilizadores da informação contabilística.
Para atender às necessidades desses utentes da informação financeira temos de equacionar claramente quais os objectivos das contas anuais da empresa. Por isso, teremos de
44
Cf. referência bibliográfica: BAYLESS R. e outros: “International Acess US Capital Markets – An
AAA Forum on Accounting Polity, Accounting Horizons, 10(I)”, 1996, pág. 75-94.
saber se essa informação é orientada para a autoridade fiscal, para os investidores internos,
para os investidores externos, para os trabalhadores, etc.
Na ordem do dia estão, efectivamente, em discussão os problemas de harmonização
contabilística a nível internacional, pois os principais organismos harmonizadores, o FASB
e o IASC, tentam fazer valer os seus pontos de vista, o que em nada favorece esse processo.
A nível da UE, as próprias Directivas Comunitárias relativas à prestação de contas (4.ª e
7.ª)45 propõem aos estados membros diversas opções contabilísticas que em nada favorecem a comparabilidade das contas nos estados membros.
A principal justificação para essa diversidade preende-se com factores culturais, legais e
sócio-económicos.
2.3.2 A CONTABILIDADE INTERNACIONAL
Os problemas da harmonização contabilística internacional enquadram-se num ramo
científico da contabilidade denominada “Contabilidade Internacional”.
Com efeito, a Contabilidade Internacional visa identificar os problemas inerentes às
diferentes normas contabilísticas aplicáveis devido, essencialmente, à referida diversidade
das circunstâncias sociais, culturais, económicas e legais de cada país.
A Contabilidade Internacional constitui uma disciplina cujas particularidades lhe concedem uma total autonomia dentro da contabilidade e entre as suas características destaca-se
a sua clara dimensão transnacional (Garcia Benau e outros, 1995: 338).
45
A 4.ª Directiva (78/660/CEE), de 25 de Julho de 1978, é relativa às contas anuais de certas formas de
sociedades; a 7.ª Directiva (83/349/CEE), de 13 de Junho de 1983, refere-se às contas consolidadas.
A investigação em Contabilidade Internacional abrange diversas áreas (Garcia Benau e
outros, 1995: 341):
1. Sistemas contabilísticos e harmonização internacional
1.1 - Teoria dos sistemas contabilísticos
1.2 - Contabilidade comparada
1.3 - Harmonização contabilística
1.4 - Harmonização internacional da auditoria
2. Aspectos contabilísticos das empresas multinacionais
2.1 - Contabilidade financeira
2.2 - Contabilidade de gestão
2.3 - Análise internacional das demonstrações financeiras
3. Formação em contabilidade e auditoria
3.1 - Temas relacionados com a educação e a docência em Contabilidade Internacional
3.2 - Temas relacionados com a investigação em Contabilidade Internacional
2.3.3 JUSTIFICAÇÕES E EXEMPLOS DAS DIVERSIDADES CONTABILÍSTICAS
ENTRE PAÍSES
Um dos problemas principais das NIC consiste em permitir opções no tratamento contabilístico dos factos patrimoniais. Por conseguinte, cada país aplica-as de forma diferente,
surgindo a necessidade de as comparar.
Esta diversidade origina que as mesmas contas, apresentadas de forma diferente em
cada país, apresentam disparidades significativas.
Amat Sallas (1996: 19-20), citando D’ Illiers, refere um exemplo de uma empresa europeia que calcula os seus resultados por acções mediante três sistemas contabilísticos,
obtendo resultados muito diferentes:
Alemanha .............................3 ECU
França ...................................4 ECU
Reino Unido .........................6 ECU
Na mesma ordem de ideias, Coelho (1996) destaca o exemplo da empresa Daimler-Benz em que as contas publicadas, depois de ter sido admitida à cotação na Bolsa de Nova
York (NYSE) em 1993, mostravam um resultado positivo de 56 milhões de contos,
segundo as normas alemãs, e um resultado negativo de 150 milhões de contos, segundo as
normas americanas.
Em estudo recente, Salvá (1997) apresenta dois exemplos de dois grupos de autores
(Simmons e Aziéres; Radebaugh e Gray) que ressaltam as divergências nos resultados
(quadro seguinte):
COMPARAÇÃO DE RESULTADOS
SIMMONS Y AZIÉRES
(1989)
RADEBAUGH Y GARY
(1993)
100
100
101,5
102,3
Bélgica
103
103,5
Holanda
107
107
113,7
114
USA
–––
117,6
Itália
132,8
–––
Reino Unido
146,5
147
PAÍS
Espanha
Alemanha
França
De facto, os exemplos poderiam multiplicar-se e sempre estariam presentes estas diferenças.
Na maioria dos casos essas divergências resultam do destino (fim) que se pretende dar
às DF’s.
A este propósito, Alvarez (1995: 924) transcreve de um estudo de Nobes46 a seguinte
citação:
“… um aspecto relevante que constitui é o facto de que uma tarefa chave de um director financeiro no Reino Unido é publicar os resultados os mais positivos possíveis, enquanto que as tarefas chaves de um director financeiro alemão ou japonês é
que os resultados apresentados sejam, ao contrário, os mais negativos possíveis.
Isto sucede porque os resultados no Reino Unido não são necessariamente determinantes de um maior pagamento de impostos. Pelo contrário, os resultados na
Alemanha e no Japão estão muito ligados ao pagamento do imposto correspondente e nestes dois países não é importante a preocupação por razões de mercado financeiro mas sim pelos resultados reduzidos.”
Além da importância do destinatário das DF’s, há diversos factores que justificam as
diferenças na informação financeira de país para país.
Lainez Gadea (1993: 37-44) apresenta os seguintes:
– Sistema legal (continental - legalista versus anglo-saxónico);
– Natureza das relações entre a empresa e os meios de financiamento (protecção dos
accionistas versus protecção dos credores);
– Relações entre contabilidade e fiscalidade (maior ou menor influência da fiscalidade
nos critérios e práticas contabilísticas);
– Níveis de inflação (custo histórico versus valores actuais);
– Vinculação política e económica com outros países (influência nas práticas contabilísticas dos sistemas políticos e económicos, originando “importação” e “exportação” de
práticas contabilísticas).
46
Cf. referência bibliográfica NOBES, Christopher - “A Study of the International Accounting Standard
Committee”, Coopers & Lybrand. (Int.), Março, 1994.
Nobes e Parker (1995: 10-19), além destas cinco condicionantes, acrescentam:
– Incidência da profissão contabilística (em certos países, como os da área anglo-saxónica, são os profissionais da contabilidade que ditam as normas);
– Teoria contabilística (influência da teoria na prática contabilística).
Um dos problemas que actualmente está em discussão é a grande divergência que existe
entre as normas do IASC e as normas americanas que possibilitam a existência de tais
disparidades.
Na verdade, a maior parte das grandes bolsas permite que as empresas estrangeiras
nelas cotadas baseiem a sua contabilidade nas NIC, mas algumas entidades controladoras com especial relevo para a SEC não aceitam essas normas. Assim, se uma empresa
estrangeira pretende ver as suas acções cotadas numa bolsa norte-americana, tem que
publicar um segundo conjunto de contas compatível com as normas de contabilidade norteamericanas (US GAAP).
Para uma aproximação de ambas as normas, apontam-se como medidas o aumento da
informação prestada e a limitação das opções em aberto. Além disso, apela-se ao desenvolvimento de novas normas para cobertura de áreas ainda mal definidas (v.g., activos
incorpóreos, instrumentos financeiros) e à criação de uma entidade que interprete as
normas emitidas, de forma a que todos os países as apliquem de forma idêntica.
Neste sentido, Salvá (1997: 258-60) aponta os princípios gerais do processo de normalização contabilístico europeu:
– Aumentar o nível de comparabilidade;
– Definição de um mínimo marco conceptual;
– Coordenação entre as directrizes (normas) contabilísticas e fiscais, ressaltando a
importância do resultado económico e reduzindo ao mínimo as diferenças para o resultado
fiscal;
– Definição do âmbito da normalização para a grande maioria das empresas, com tratamento especial para as pequenas e médias e para as cotadas na bolsa;
– Contas individuais versus contas consolidadas;
– Normalização própria da UE, em detrimento das NIC e das FASB;
– Maior protagonismo da profissão contabilística e dos professores universitários;
– A Comissão deveria pugnar pela redução de opções e outras diferenças;
– Avançar em várias fases e, se for necessário, a distintas velocidades.
2.3.4 AS DIRECTIVAS CONTABILÍSTICAS DA UE
2.3.4.1 Alguns aspectos gerais
As práticas contabilísticas nos Estados Membros da UE apresentam divergências, pelo
que um dos objectivos da UE é o de harmonizar essas práticas a fim de reduzir as diferenças.
As Directivas da UE constituem o instrumento jurídico da UE com vista a essa harmonização contabilística, que podem constituir regras uniformes (implantadas nos Estados
Membros de modo idêntico), regras mínimas (podem ser mais rígidas nas adaptações
nacionais) ou regras alternativas (os Estados Membros podem eleger entre várias alternativas).
As Directivas, pela sua própria definição, devem ser incorporadas nas legislações nacionais dos Estados Membros.
A harmonização contabilística europeia faz parte integrante da harmonização do direito
das sociedades que se baseia no art.º 54.º, n.º 3, al. g) do Tratado da UE.
A diversidade técnica nas práticas contabilísticas da UE deve-se às próprias Directivas
que, ao permitirem opções contabilísticas, dificultam a comparabilidade.
A este propósito, afirma Gastambide Fernandes (1999: 38):
“As directivas são um conjunto de normas, apresentadas sob a forma de um texto
jurídico, que consagram as posições de vários países que intervieram na sua elaboração.
Em resultado disso, o número de opções, umas ao arbítrio dos Estados-membros e
outras ao do das empresas, é tão grande que, na sua essência, cada país conservou
as regras fundamentais que vigoram nos seus respectivos países. Em termos matemáticos, pode dizer-se que as directivas são o menor múltiplo comum das normas
nacionais dos países que integram a UE.”.
2.3.4.2 As Directivas sobre as contas
A 4.ª Directiva da UE, de 25 de Julho de 1978, sobre “As contas anuais de certas formas
de sociedade”, adaptada em 1978 e fortemente inspirada no direito societário alemão, não
tem como objectivo a normalização das regras contabilísticas, mas tenta conseguir a
compatibilização e equivalência da informação financeira dos Estados Membros.
Esse objectivo, porém, nem sempre foi conseguido devido à diversidade de opções
contabilísticas, quer para os Estados Membros quer para as empresas, o que conduz a
adopção de diferentes métodos.
A implementação da 4.ª Directiva desenvolveu-se com dificuldades e foi dirigida em
cada Estado Membro por um organismo de normalização contabilística.
A 4.ª Directiva contém disposições relativas às informações financeiras a publicar.
Assim, estabelece a apresentação obrigatória do balanço e da demonstração dos resultados
(contas de perdas e ganhos), define os critérios valorimétricos e específica a informação a
constar no Anexo. Além disso, destaca o conteúdo do relatório de gestão e determina a
auditoria às sociedades de capital, podendo os Estados Membros dispensá-la para pequenas
e médias empresas.
No caso português, a 4.ª Directiva foi transposta para o direito contabilístico nacional
pelos já referidos Decreto-Lei n.º 47/77, de 7 de Fevereiro (POC/77), e, posteriormente,
pelo Decreto-Lei n.º 410/89, de 21 de Novembro (POC/89).
Ainda a nível das contas, salienta-se a adopção da 7.ª Directiva, de 13 de Junho de
1983, que estabeleceu “A obrigatoriedade das contas consolidadas para certos tipos de
sociedades” e que foi transposta para a normalização contabilística nacional através do
Decreto-Lei n.º 238/91, de 2 de Julho, que introduziu as respectivas alterações ao POC/89.
Note-se que estas duas Directivas têm sofrido ligeiras alterações relacionadas essencialmente com o âmbito de aplicação e quanto à subida dos limites de alguns parâmetros,
pelo que se mantêm praticamente intactas no seu conteúdo.
Por último, a fiscalização das contas anuais e consolidadas das sociedades, bem como a
verificação da concordância dos relatórios de gestão (anuais e consolidados), deve ser
efectuada por profissionais qualificados no âmbito da 8.ª Directiva da UE, de 10 de Abril
de 1984, que, no nosso país, são os ROC.
2.3.5 A NORMALIZAÇÃO CONTABILÍSTICA EM PORTUGAL
2.3.5.1 Breve referência a estudos de académicos
No item 1.14.2 descrevemos as tese de doutoramento desenvolvidas em Portugal, das
quais destacamos as que se seguem por versarem temas relacionados com a normalização
contabilística:
– “A Unificação dos Balanços”, de Polybio Garcia;47
– “Ensaio sobre um Planeamento Contabilístico Racional”, de Caetano Léglise da Cruz
Vidal;
– “Normalização Contabilística”, de Rogério Fernandes Ferreira;
47
De acordo com informação escrita da Universidade Técnica de Lisboa, desconhece-se que a tese tenha
sido defendida e aprovada. Sabe-se que foi apresentada a concurso para “Professor” dessa Universidade.
– “Contributo para a Concepção de um Modelo de Classificação Racional das Operações Empresariais e seu Tratamento Contabilístico (POC)”, de António Campos Pires
Caiado.
Sem querermos ser exaustivos sobre a análise destas quatro obras, não deixaremos de
tecer alguns comentários que sustentam, de certa forma, o historial da normalização
contabilística em Portugal.
Um primeiro comentário refere-se à cronologia das teses. Assim, enquanto as duas
primeiras foram concebidas muito antes do primeiro POC (POC/77), que entrou em vigor
no exercício de 1977, a terceira foi publicada em Janeiro de 1983, i.e., 6 anos após a
publicação desse diploma, e a última 22 anos após essa data.
Este enquadramento cronológico serve para justificar as perspectivas necessariamente
diferentes dos autores.
Na primeira tese, Polybio Garcia apresentou diversos aspectos relacionados com a
unificação de balanços, tendo-a definido como a apresentação uniforme das contas
publicadas para que elas tenham maior clareza, se tornem mais facilmente compreensíveis
e interpretáveis, se prestem melhor para a comparação entre as diferentes empresas e entre
os diferentes exercícios da mesma empresa, e permitam a colheita de dados estatísticos
úteis sob os pontos de vista técnico e económico.
Desta conceptualização ressaltam quatro ideias fundamentais:
– A uniformidade da apresentação das contas;
– A necessidade da clareza das contas de forma a aumentar o seu grau de compreensibilidade e interpretabilidade;
– A facilidade da comparação entre diferentes empresas e entre os diferentes exercícios da mesma empresa;
– A facilidade de recolha de dados para efeitos estatísticos.
No seu trabalho, o autor destaca ainda as dificuldades de concepção de um quadro
rígido de contas.
Vinte anos depois, Cruz Vidal veio enfatizar na sua tese de doutoramento a importância
do planeamento contabilístico racionalmente estruturado na investigação económica de
então e no conhecimento da empresa e das suas necessidades.
Para este autor, compete, portanto, ao planeamento facilitar e melhorar o conhecimento
dos factos empresariais, permitindo a localização das causas de ineficácia ou de desperdício e determinando assim a sua eliminação.
Outra importante conclusão de Cruz Vidal é a de que, alargando o conceito tradicional
de plano de contas, o planeamento contabilístico deve abranger não só a organização de
simples elenco ou elencos de contas, como ainda a definição do conteúdo dessas mesmas
contas, o estabelecimento das regras necessárias para a sua conveniente movimentação e a
indicação dos princípios que devem presidir às avaliações e amortizações.
A tese da autoria de Fernandes Ferreira foi redigida, como reconhece o autor no prefácio, na sua quase totalidade, sem consulta directa ou prévia, mas com base nos comentários
ao POC, partindo deste para as pesquisas efectuadas.
Na verdade, o autor recorre à sua multifacetada experiência profissional para nos apresentar um olhar crítico sobre a normalização contabilística portuguesa e, nomeadamente,
sobre o POC/77.
A tese de Pires Caiado ressalta o papel da informática no desenvolvimento teóricoprático da contabilidade e pretende contribuir, nas palavras do autor, para o merecido
reposicionamento da contabilidade enquanto subsistema privilegiado do “Sistema de
Informação para a Gestão”.
Por último, refira-se que, apesar do tema não ser especificamente ligado à normalização
contabilística, também Gonçalves da Silva, na sua tese de doutoramento, sob o título “A
Regulamentação Legal da Escrituração Mercantil”, já apelava para uma urgente regulamentação legal da contabilidade (Fernandes Ferreira, 1997b: 173).
2.3.5.2 Breves antecedentes históricos
A reforma fiscal dos anos 60 foi a grande impulsionadora da regulamentação contabilística das empresas portuguesas em ordem à sua normalização.
Na verdade, a partir de 1963, as empresas de maior dimensão passaram a ser tributadas
pelos lucros apurados pela contabilidade.
Curiosamente (ou não) foi a legislação fiscal aplicável aos lucros das empresas e traduzida no Código da Contribuição Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45103, de 1 de
Julho de 1963, que veio consagrar importância à contabilidade. A atestar este facto, o art.º
22.º do CCI determinava que “o lucro tributável reportar-se-á ao saldo revelado pela
conta de resultados do exercício ou de ganhos e perdas, elaborada em obediência a sãos
princípios de contabilidade...”.
Além desse clausulado, o art.º 51.º do CCI estabelecia regras claras quanto à organização contabilística de forma a permitir o apuramento do lucro tributável.
Pode-se, portanto, referir que a legislação fiscal foi a grande impulsionadora da normalização contabilística, dado que as empresas passaram a sentir maiores necessidades de
organização contabilística para cumprimento de tal legislação.
Mau grado as críticas dos anti-normalizadores que sustentavam que a normalização
apresentava alguns inconvenientes, dentre os quais destacavam o não favorecimento da
evolução da técnica e da ciência contabilísticas, a normalização contabilística seguiu por
diante.
Foi assim que em 1965 apareceu à venda o “Projecto – Contribuição para o Plano Contabilístico Português”, editado pelo Sindicato Nacional dos Empregados de Escritório do
Distrito de Lisboa, indicando-se como fontes das soluções adoptadas os planos alemão,
belga, francês, suíço e internacional (Carqueja, 1997b: 12).
E inspirado no Plano Contabilístico Francês, o Ministério das Finanças nomeou uma
Comissão de três elementos, constituída por Rogério Fernandes Ferreira e dois economis-
tas da DGCI (Henrique Quintino Ferreira e Mário Martinho Pereira), para a elaboração de
um anteprojecto do plano (1.ª fase) que veio a ser divulgado em 1970.
O Ministério das Finanças assumiu, assim, as rédeas do movimento da normalização
contabilística, o que, se apresentou vantagens relativamente ao conformismo e falta de
iniciativa da maior parte dos profissionais, sacrifica aos pontos de vista fiscais ópticas
eventualmente mais convenientes para as empresas (Carqueja, 1997b: 14).
Depois da respectiva discussão pública e ligeiros ajustes, o anteprojecto constituiu a
base essencial da concepção do primeiro plano (POC/77).
2.3.5.3 Evolução da normalização contabilística após o POC/77
Após a publicação do POC/77, a CNC emanou 12 (9 em 1987 e 3 em 1988) Normas
Interpretativas que vieram a ser acolhidas no POC/89 ou nas DC publicadas posteriormente.
Efectivamente, as DC têm constituído a “forma jurídica” que a CNC escolheu para
emanar normas contabilísticas complementares ao POC.
Porém, essas DC têm gerado alguma polémica devido, essencialmente, ao facto de
terem vindo a extravasar os seus objectivos iniciais. Na verdade, verifica-se que, por um
lado, têm contrariado em algumas matérias o próprio POC (v.g. método da equivalência
patrimonial) e, por outro lado, têm regulamentado matérias novas, como sejam os casos
das DC 1 (Tratamento Contabilístico de Concentrações de Actividades Empresariais), 14
(Demonstração dos Fluxos de Caixa) e 17 (Tratamento Contabilístico dos Contratos de
Futuros).
Além disso, tem sido questionada a sua validade jurídica, dado que não têm como suporte qualquer diploma legal (v.g. decreto-lei).
Para tentar ultrapassar esta situação, a CNC emanou a já referida DC 18, que clarificou
a estrutura conceptual da contabilidade e hierarquizou a aplicação das normas da seguinte
forma:
Primeiro: o POC;
Segundo: As Directrizes Contabilísticas;
Terceiro: As Normas Internacionais de Contabilidade (NIC’s).
Note-se, contudo, que não deixa de ser uma DC a querer incutir “validade jurídica” às
outras DC.
Para terminar de vez com esta polémica foi publicado recentemente o Decreto-Lei n.º
367/99, de 18 de Setembro, que veio reestruturar a CNC, prevendo, no seu art.º 2.º, que as
DC passam a ter efeito obrigatório, sob homologação do Ministro das Finanças, ou seja,
agora é um diploma legal que “ratifica” a legalidade das DC.
Registe-se, ainda, que, até à data, a CNC emanou 26 DC, sobre diversas matérias, o que,
em nossa opinião, tem contribuído para a dispersão e insegurança das normas contabilísticas, em face, nomeadamente, das dúvidas suscitadas.
Julgamos que a melhor solução seria a de, agora que em 1999 se completaram 10 anos
da publicação do POC/89, se proceder à publicação de um novo plano, como apelámos
recentemente (1999e)48.
2.3.6 CONTABILIDADE CRIATIVA
A expressão “Contabilidade Criativa” tem vindo a ser usada há já alguns anos e começa
a fazer parte do vocabulário dos profissionais e investigadores da contabilidade.
O termo “Contabilidade Criativa” resulta da tradução da expressão inglesa “Creative
Accounting” e o seu aparecimento ocorreu na década de 80.
A título indicativo, apareceram outras expressões menos usadas que pretendem traduzir
a mesma realidade, como sejam as de “Contabilidade Imaginativa”, “Contabilidade de
Intenção” e “Contabilidade de Conveniência”.
48
Verificamos, com agrado, pelo Relatório de Actividades do 1.º semestre de 1999 da CNC, que está
prevista a realização desta tarefa.
A Contabilidade Criativa consiste em manipular a informação contabilística para se
aproveitar dos vazios das normas existentes e das possíveis escolhas entre diferentes
práticas de valorimetria oferecidas, transformando-se as contas anuais que têm que ser
naquelas que quem as prepara prefere que sejam (Amat Sallas e D. Blake, 1995: 9).
Para Jameson49, citado por Rodríguez Molinuevo (1996: 777), a Contabilidade Criativa
define-se:
“Essencialmente é um problema de uso de normas, donde a flexibilidade das mesmas e as omissões dentro delas podem fazer que as demonstrações financeiras pareçam algo diferentes do que estava estabelecido por essas normas. Isto consiste
em dar voltas às normas até encontrar uma escapatória.”.
Naser (1993: 2) apresenta a seguinte definição:
“A contabilidade criativa é a transformação dos valores da contabilidade financeira que são actualmente no que se deseja que sejam, aproveitando as normas existentes e/ou ignorando algumas delas.”.
O termo “criativo” ou o seu feminino “criativa” quando se aplica a algo significa que
existe ou se tem capacidade de inventar. Assim, se a contabilidade tem como objectivo
fornecer informação sobre a situação e o desenvolvimento das empresas aos seus utilizadores, poderia especular-se com o termo de que se à contabilidade se acrescenta o aditamento
de criativa, está-se a outorgar a aptidão de inventar ou criar informação (Rodríguez
Molinuevo, 1996: 773).
De notar que esses vazios e ou diversidades de normas contabilísticas possibilitam que a
Contabilidade Criativa se desenvolva dentro da legalidade vigente.
Queremos com isto dizer que a Contabilidade Criativa nada tem a ver com práticas
contabilísticas irregulares (v.g. fraudes).
49
Cf. referência bibliográfica: JAMESON, M.: “A Pratical Guide to Creative Accounting”, Ed. Kogan
Page Limited, London, 1988.
Fernandes Ferreira (1997e: 5), referindo-se a esta questão, escreveu:
“Dir-se-á também que já será tempo de as referências à contabilidade criativa não
serem, entre nós, apenas no sentido de contabilidade flibusteira, enganosa, mas
também no de uma contabilidade visando resposta a problemas novos, dantes não
imagináveis, mas que estão surgindo para competente registo, movimentação, valorização e apreciação.”.
Na verdade, a Contabilidade Criativa deverá ser usada em respeito pelos princípios e
normas contabilísticas, completando-os com o objectivo de melhorar a informação.
A Contabilidade Criativa deve, deste modo, pugnar pela “imagem verdadeira e apropriada” da entidade, de forma a ser útil aos destinatários das demonstrações contabilísticas.
A Contabilidade Criativa não deve conduzir a converter a informação contabilística em
algo enganoso e inútil para os seus utilizadores, pois isso não seria contabilidade criativa,
mas simplesmente falsear dados (Rodríguez Molinuevo, 1996: 783).
2.4 AS RESPONSABILIDADES NAS (DAS) CONTAS
Para a caracterização do sistema contabilístico e fiscal português é fundamental, sem
dúvida, especificar quais são os agentes que intervêm directamente nas DF’s, ou seja,
temos de responder à questão: quem são os responsáveis nas (das) contas?
Na verdade, sendo as políticas contabilísticas definidas pelo órgão de gestão, muitas
vezes em colaboração com o TOC e ou o ROC, é óbvio que as suas orientações são
determinantes na elaboração das DF’s, ou seja, na responsabilidade das contas.
Assim, as DF’s são influenciadas, numa primeira acepção, pelo órgão de gestão50 da
empresa. Eventualmente, os TOC e os ROC, este último se a empresa estiver sujeita a
revisão legal das contas ou a auditoria de contas, intervêm também de forma directa e
indirecta nas DF’s.
50
Direcção, administração ou gerência, conforme a estrutura societária da empresa no âmbito do CSC.
Então a responsabilidade nas (das) contas pode ser bipartida (órgão de gestão e TOC) se
a entidade não for obrigada à revisão das contas (auditoria às contas), ou tripartida, se a tal
estiver sujeita.
Neste contexto, temos de clarificar o grau de responsabilidade de cada um daqueles três
agentes.
2.4.1 AS RESPONSABILIDADES DO ÓRGÃO DE GESTÃO
Como teremos oportunidade de constatar o órgão de gestão é, efectivamente, o primeiro
responsável pela apresentação (preparação) e conteúdo das contas da empresa.
2.4.1.1 Nas Demonstrações Financeiras
O n.º 1 do art.º 65.º do CSC estabelece que os membros da administração devem elaborar e submeter aos órgãos competentes da sociedade, o relatório de gestão, as contas do
exercício e demais documentos de prestação de contas previstos na lei, relativas a cada
exercício anual.
Os n.os 3 e 4 do mesmo articulado estabelecem que as contas do exercício devem ser
assinadas pelo órgão de gestão, o que constitui mais um factor de responsabilidade nas
contas.
Por outro lado, o POC/89 (item 3.1) determina que a responsabilidade pela preparação
da informação financeira e pela sua apresentação é primordialmente das administrações.
Aliás, esses dispositivos legais vão ao encontro da NIC 1 (item 6) que determina que o
conselho de directores e ou outro órgão de gestão é o responsável pela preparação e
apresentação das suas DF’s.
2.4.1.2 Na declaração do órgão de gestão
De acordo com o parágrafo 20 das Normas Técnicas de Revisão/Auditoria, emitidas
pela OROC, o órgão de gestão é responsável pela preparação de DF’s que apresentem de
forma verdadeira e apropriada a posição financeira, o resultado das operações e os fluxos
de caixa da entidade, bem como a adopção de políticas e critérios contabilísticos adequados e a manutenção de um sistema de controlo interno apropriado.
O ROC deve solicitar ao órgão de gestão a subscrição de uma declaração confirmando
tal responsabilidade, as asserções contidas nas demonstrações financeiras e as informações
que prestou no decurso da revisão/auditoria.
Entretanto, a OROC, através da Recomendação Técnica n.º 18, de Novembro de 1995,
aprovou um modelo dessa declaração intitulado “Declaração de Responsabilidade”, que
recentemente foi revista e intitulada “Declaração do Órgão de Gestão”.
Essa declaração apresenta, com certo rigor e exaustão, as responsabilidades do órgão de
gestão não só nas contas como também no desenvolvimento da actividade passada e futura
da entidade.
Salientamos, a propósito, o teor do n.º 3 dessa declaração:
“3 – Cabe ao órgão responsável pela gestão garantir que, em nome da entidade
que representa, não foram praticados nem omitidos quaisquer actos ou factos, realizadas operações ou assumidos compromissos com ela relacionados, afectando ou
não o seu património, que não tenham sido transmitidos aos serviços competentes
para o devido registo, quer para tratamento contabilístico, quer para outro tratamento adequado.”.
Esse documento, e concretamente o item transcrito, salientam, sem dúvida, as responsabilidades do órgão de gestão nas contas, nomeadamente no conteúdo das DF’s.
2.4.1.3 Nos pareceres emitidos pelos ROC
Nos pareceres emitidos pelos ROC – “Certificação Legal das Contas”51 e “Relatórios de
auditoria sobre as contas anuais das entidades abrangidas pelo CMVM”52 – são devidamen-
51
52
Modelos aprovados pela Directriz Técnica da OROC n.º 700.
Modelos aprovados pela Directriz Técnica da OROC n.º 710.
te traduzidas as responsabilidades do órgão de gestão, nos termos mencionados no item
anterior53.
2.4.2 AS RESPONSABILIDADES DO TOC
2.4.2.1 No estatuto profissional
Na vigência do CCI (até 1988), os então “técnicos de contas” exerciam a sua actividade
nos termos do art.º 52.º desse Código54.
A partir de 1 de Janeiro de 1989, com a entrada em vigor dos Códigos do IRC e do IRS,
deixou de se fazer qualquer referência ao técnico de contas, criando-se um vazio legislativo
que originou a não obrigatoriedade da assinatura do técnico de contas nas declarações
fiscais55.
Entretanto, face aos vários problemas de âmbito contabilístico e fiscal que passaram a
surgir na sociedade portuguesa, com especial destaque para o caso das “facturas falsas”, e
às pressões dos profissionais da Contabilidade, o Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de
Outubro, aprovou o Estatuto dos TOC, recentemente revogado e substituído pelo DecretoLei n.º 452/99, de 5 de Novembro, que aprovou o agora denominado “Estatuto da Câmara
dos TOC”.
53
54
55
O novo Estatuto da OROC, no seu art.º 45.º, prevê um outro parecer intitulado “Certificação das
Contas” a emitir no caso do ROC intervir em auditorias às contas.
“Art.º 52.º do CCI – Até se proceder à regulamentação legal do exercício da respectiva profissão, só
poderão ser considerados técnicos de contas responsáveis, para efeitos do art.º 48.º, os que estiverem
inscritos como tais na Direcção Geral das Contribuições e Impostos.
§ Único – A inscrição ficará dependente das condições que virem a ser fixadas em portaria do Ministro
das Finanças”.
A Portaria n.º 420/76, de 14/7, estabeleceu essas condições e sofreu algumas alterações pontuais em
portarias subsequentes.
Porém, na vigência do CCI não se procedeu a qualquer regulamentação da actividade de técnico de
contas.
Apesar disso, a DGCI continuou a admitir técnicos de contas no âmbito da Portaria n.º 420/76, embora,
em nossa opinião, estivesse tacitamente revogada face à revogação do CCI. Esta revogação só veio a
ficar definitivamente consagrada com a publicação do estatuto dos TOC.
A redacção do n.º 1 do art.º 2.º do anterior Estatuto dos TOC consagrava, explicitamente, como funções do TOC o “assumir a responsabilidade pela regularidade fiscal...”.
Porém, como sublinhou Vieira dos Reis (1996), não se pode apelar à regularidade fiscal
sem se apelar à regularidade contabilística e vice-versa.
Na verdade, considerando que as normas contabilísticas, designadamente o POC e as
DC, constituem fundamento para a tributação dos rendimentos das pessoas singulares e das
pessoas colectivas, é óbvio que tem de existir uma “cumplicidade” entre o cumprimento
das normas contabilísticas e das normas fiscais56.
Note-se, porém, que o ECTOC, no seu art.º 6.º, é bastante mais clarificador sobre as
funções do TOC no cumprimento da regularidade contabilística e fiscal:
“a) Planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades
sujeitas aos impostos sobre o rendimento que possuam ou devam possuir contabilidade regularmente organizada, segundo os planos de contas oficialmente aplicáveis, respeitando as normas legais e os princípios contabilísticos...;
b) Assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e
fiscal....;
c) Assinar, conjuntamente com o representante legal das entidades referidas na
alínea a), as respectivas declarações fiscais, as demonstrações financeiras e seus
anexos, fazendo prova da sua qualidade, nos termos e condições definidas pela
Câmara, sem prejuízo da competência e das responsabilidades cometidas pela lei
comercial e fiscal aos respectivos órgãos.”.
Do exposto conclui-se o seguinte:
– O novo Estatuto da Câmara dos TOC, ao contrário do anterior, incute prioridade à
contabilidade, i.e., o TOC deve respeitar a normalização contabilística, incluindo, portanto,
o POC e as DC, com especial evidência para os PCGA;
56
A atestar esta ligação, atente-se nas referências contabilísticas contidas nos Códigos Fiscais, com
incidência especial para os do IRC, do IRS e do IVA.
Nesses normativos destacamos o n.º 1 do art.º 17.º do CIRC, ao estabelecer que a contabilidade deve
estar organizada de acordo com a normalização contabilística.
– O TOC deve igualmente respeitar as normas legais (v.g. Código das Sociedades Comerciais, Código do Registo Comercial, Código Comercial, Código dos Valores Mobiliários, Códigos Fiscais);
– Ao definir-se que o TOC tem por funções “Planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade...” parece não abranger a situação em que o TOC é ele próprio o
executante. Contudo, admitimos que esteja implícita essa função;
– A responsabilidade pela regularidade contabilístico-fiscal cinge-se a aspectos meramente técnicos, dentro das competências atrás definidas;
– A responsabilidade do TOC é assumida através da assinatura das declarações fiscais e
das demonstrações financeiras e seus anexos.
Um outro aspecto importante a considerar para delimitar as responsabilidades dos TOC
neste capítulo preende-se com o que se deve entender pela expressão “regularidade
técnica” nas áreas contabilística e fiscal.
Julgamos, salvo melhor opinião, que a expressão deverá ser entendida como as acções
desenvolvidas pelo TOC no cumprimento das normas contabilísticas e fiscais. Assim, por
exemplo, poderá apelar-se ao incumprimento da regularidade técnica sempre que:
– se contabilizarem custos e proveitos em desrespeito do POC;
– se deduz indevidamente o IVA;
– não se liquida IVA de uma determinada operação sujeita e não isenta;
– não se efectuam os descontos para IRS e Segurança Social exigidos pelas respectivas leis;
– etc., etc., etc.
2.4.2.2 No Código Deontológico
O Código Deontológico, recentemente aprovado e que entrou em vigor em 1 de Janeiro
de 2000, estabelece diversos normativos quanto às responsabilidades dos TOC. Vejamos:
a) O art.º 2.º “Deveres gerais” estabelece que “os TOC devem respeitar as normas legais
e os princípios contabilísticos geralmente aceites, ..., pugnando pela verdade contabilística
e fiscal”;
b) O princípio deontológico da competência implica que os TOC exerçam as suas funções de forma diligente e responsável, utilizando os conhecimentos e técnicas divulgadas,
respeitando a lei, os princípios contabilísticos e os critérios éticos (cf. dispõe a alínea e) do
art.º 3.º);
c) O art.º 7.º estabelece que o TOC deve aplicar os princípios e normas contabilísticas
de modo a obter a verdade da situação financeira e patrimonial das entidades a que presta
serviços.
Destes dispositivos ressalta, indubitavelmente, que os TOC deverão cumprir as normas
contabilísticas de forma a que as DF’s das entidades apresentem a “imagem verdadeira e
apropriada” das mesmas, designadamente através da aplicação dos PCGA.
Acresce ainda que o n.º 6 do art.º 12.º prevê que os TOC têm o direito, ou seja, tem
carácter facultativo, de exigir das entidades a quem prestam serviço uma declaração de
responsabilidade57, da qual conste que não foram omitidos quaisquer documentos ou
informações relevantes, com efeitos na contabilidade e na verdade fiscal.
2.4.2.3 Na declaração do órgão de gestão
A referida “declaração do órgão de gestão” é um documento assinado pela gerência,
administração ou direcção da entidade, bem como pelo responsável pela contabilidade, e
enviado aos ROC para constituição dos seus “dossier” permanente e corrente.
Essa declaração contém uma conjunto de informações objectivas que têm incidência
sobre as contas das empresas, nomeadamente a que se refere a que “as demonstrações
financeiras não se encontram afectadas por erros ou omissões materialmente relevantes”.
57
Em artigo de opinião (1999c) criticámos este preceito legal, pois entendemos que quer o ECTOC quer o
CSC prevêem claramente as responsabilidades dos TOC e do órgão de gestão, respectivamente, pelo que
esta declaração nos parece despicienda.
Salientamos, por isso, que o TOC, ao assinar essa declaração, está a responsabilizar-se
pelas informações nela contidas.
A “obrigatoriedade/necessidade” do TOC assinar a “declaração do órgão de gestão” tem
sido uma questão que tem gerado alguma polémica e sobre a qual nos temos pronunciado
pela negativa (1999c).
Com efeito, no projecto de declaração apresentado pela OROC a que atrás fizemos
referência constava a assinatura do TOC, o que contestamos com a seguinte argumentação:
– O próprio título do documento “Declaração do Órgão de Gestão” sugere que não é
uma declaração do TOC, mas, exclusivamente, do órgão de gestão, caso contrário dever-se-ia designar por “Declaração do Órgão de Gestão e do TOC”;
– A responsabilidade contabilística e fiscal dos TOC restringe-se a aspectos técnicos,
i.e., à “regularidade técnica”, pelo que o âmbito da declaração extravasa, em muitos
aspectos, essas responsabilidades;
– O TOC deverá cumprir as normas legais e os PCGA, em prol da regularidade contabilística e fiscal e, além das declarações fiscais, assina as demonstrações financeiras e seus
anexos, pelo que este acto constitui de “per se” uma responsabilidade inequívoca nas
contas apresentadas. Desta forma, as responsabilidades do TOC estão devidamente
expressas na lei que o rege, daí ser despicienda essa assinatura;
– O ECTOC ressalva as responsabilidades cometidas pela lei comercial e fiscal aos
órgãos das entidades envolvidas, designadamente as do órgão de gestão e as do órgão
fiscalizador (incluindo, portanto, o ROC);
– Há TOC que se recusam pura e simplesmente a assinar a declaração, pelo que a sua
dispensa evitaria estes problemas entre as duas categorias de profissionais. Um dos
argumentos invocados é o de que essa exigência resulta das Normas Técnicas da actividade
dos ROC, i.e., são normas internas no âmbito da revisão, pelo que não lhes são aplicáveis;
– Algumas das informações mencionadas no modelo de declaração (v.g. continuidade
das operações) são da exclusiva responsabilidade do órgão de gestão, pelo que o TOC não
deverá assumir essa responsabilidade.
De notar, contudo, que o modelo constante da versão definitiva da “Directriz Técnica
580 – Declaração do Órgão de Gestão” deixou de fazer referência ao “Técnico Oficial de
Contas” e passou a incluir a expressão “o responsável técnico pela elaboração das demonstrações financeiras”, o que, em nossa opinião, dá abertura para a assinatura de outras
pessoas (v.g. directores financeiros) que não o TOC.
À parte os comentários que expendemos, opinamos que o TOC poderá assinar essa
declaração, salvaguardando, contudo, as suas responsabilidades, nomeadamente, os itens
constantes do modelo de declaração que não lhe é aplicável.
Por último, julgamos, que esta matéria não está esgotada e que carece de discussão entre
os órgãos directivos das duas associações representativas dos TOC e dos ROC.
2.4.3 AS RESPONSABILIDADES DO ROC
2.4.3.1 No estatuto profissional e outra legislação
As responsabilidades do ROC estão devidamente consignadas, nomeadamente no seu
Estatuto Profissional, que recentemente foi revisto e aprovado pelo Decreto-Lei n.º 487/99,
de 16 de Novembro, no Código das Sociedades Comerciais e no Código dos Valores
Mobiliários58.
Dentre essas responsabilidades, cumpre aos ROC emitir relatórios da sua actividade e,
no que concerne às DF’s, deverá apresentar59:
58
59
Também recentemente foi publicado um novo Código, agora intitulado de “Código dos Valores
Mobiliários”, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro.
Os três primeiros relatórios aqui referidos decorrem do exercício da revisão legal das contas, ao passo
que o quarto refere-se à auditoria das contas quando decorrentes de disposição estatutária ou contratual.
– O Relatório Anual da Fiscalização Efectuada, cf. alínea a), do n.º 1, do art.º 52.º do
Decreto-Lei n.º 487/99, de 16 de Novembro;
– A Certificação Legal das Contas, cf. alínea b), do n.º 1, do art.º 52.º do Decreto-Lei n.º
487/99, de 16 de Novembro;
– O Relatório e ou Parecer do Órgão de Fiscalização (Fiscal Único ou Conselho Fiscal),
cf. alínea c), do n.º 1, do art.º 52.º do Decreto-Lei n.º 487/99, de 16 de Novembro;
– A Certificação das Contas, cf. art.º 45.º do Decreto-Lei n.º 487/99, de 16 de Novembro.
2.4.3.2 Nas declarações fiscais
Um dos testes substantivos que o ROC deverá empreender e que consta do modelo de
“Relatório Anual da Fiscalização Efectuada”, previsto pela Recomendação Técnica n.º 6,
de Maio/88, da CROC, é o da verificação da situação fiscal e da adequada contabilização
dos impostos sobre os lucros.
Para a concretização desse teste, o ROC deverá, designadamente, proceder à auditoria
(revisão) da DR22 do IRC e respectivos anexos, visando essencialmente a quantificação e
registo contabilístico da estimativa do IRC, que tem influência directa no apuramento do
resultado líquido do exercício.
O ROC, embora não assine as declarações fiscais, assume também algumas responsabilidades na sua elaboração.
2.4.3.3 Nas demonstrações financeiras
Não há qualquer diploma legal que exija a assinatura dos ROC nas DF’s.
Porém, tendo em conta que o ROC ao inscrever na certificação legal das contas o total
do activo líquido, o total dos capitais próprios e o resultado líquido do exercício, está
expressamente a concordar com o conteúdo das DF’s, já que esses indicadores constituem
o “sumo” das mesmas.
2.4.4 ESQUEMA RESUMO
No esquema seguinte resumimos as responsabilidades nas (das) contas atrás mencionadas.
ÓRGÃO DE
GESTÃO
Elaboração (preparação) e apresentação das contas
(art.º 65.º do CSC e item 3.1 do POC)
T.O.C.
Regularidade da execução técnica nas áreas contabilística e fiscal
(cf. ECTOC)
R.O.C.
Revisão (auditoria) legal das contas
(cf. EOROC, CSC e CVM)
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O SISTEMA CONTABILÍSTICO