CAPA Projetos Nota 10
Educação Infantil
I Creche
Desenhar sempre e
cada vez melhor
Atividades constantes com materiais
variados para aprimorar o traço
Texto ANNA RACHEL FERREIRA • Design PATRICK CASSIMIRO
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NOVEM BRO 2015 novaescola.org.br
• Edição FERNANDA SALLA
S
erá que o giz cria uma linha bonita no chão?
Quanto de pressão colocar na canetinha para
riscar o papel: muita ou pouca? O que desenhar
em um cartaz grande? E se a folha já tiver umas
bolinhas estampadas, como fazer? No desenho, o
objeto riscante - canetas diversas, lápis etc. - e o
suporte (ou base) - como a cartolina - fazem a
diferença no traçado. Além disso, o modo de manejar o objeto, a força empregada nele sobre a
superfície, o gesto necessário para fazer a forma
desejada, tudo isso são habilidades a ser desenvolvidas para que as crianças possam aprimorar cada
vez mais a autoria e as produções.
Isso pode soar óbvio para os adultos, pois, ainda que não se tomassem grandes artistas, já tiveram bastante contato com o ato de desenhar. Mas,
para os pequenos, iniciantes no assunto, tudo é
novidade. Pensando no potencial expressivo da
turma de 3 anos da creche, a educadora Audaci
Maria de Lima, da Escola Municipal XV de Novembro, em Camaragibe, região metropolitana de
Recife, planejou diversas situações de desenho cada uma com um tipo de material e um suporte
diferente - e visitas a museus para que eles explorassem as possibilidades de criação.
Essa rotina de experimentação proporciona a
qualificação gráfica. "Ao desenhar todos os dias, a
criança relaciona o procedimento ao resultado
final e pode ir transformando gradativamente sua
ação", explica Rosa Iavelberg, autora do livro Desenho na Educação Infantil (144 págs., Ed. Melhoramentos, te!. 11/3862-7377, 58 reais). Segundo
Luiz Paulo Ferreira do Amaral, coordenador da
formação na rede municipal que inspirou a docente a elaborar o trabalho com as atividades permanentes de percurso de desenho, dessa maneira
a escola se toma um espaço onde desabrocham
potenciais criativos individuais.
Nem sempre o pequeno já tem uma intenção
ou busca representar algo, mas aquele rabisco ou
figura faz sentido para ele, tomando-se narrativas
que mudam ao longo do tempo. Algumas linhas
com caneta hidrocor podem ser em um momento um rio e, em outro, se tomar algo completamente diferente. Por vezes, o desenho é consequência da própria experimentação de formas, materiais e gestos. "É preciso enxergar a garatuja
como desenho, pois é do emaranhado de linhas
que nasce o símbolo, conforme afirma a pesquisadora norte-americana Rhoda Kellogg",diz Rosa.
A cada dia, a docente escolhia um objeto riscante, uma base e o modo como estaria posicionada. Papéis de tamanhos diferentes eram colocados no chão, na mesa e até na parede. Carvão,
caneta esferográfica e lápis grafite foram algumas
variedades disponibilizadas à turma, uma por vez.
"Essa diversidade permite que as crianças desenvolvam uma intencional idade no uso dos materiais e pesquisem aspectos como a pressão, o plano, a ocupação do espaço e o controle do traço",
afirma Denise Nalini, coordenadora de projetos
de formação de professores de Educação Infantil
do Instituto Avisa Lá, na capital paulista.
Audaci
Pedagoga graduada
pela UPE e
especialista em
docência do Ensino
Superior pela
Faculdade Joaquim
Nabuco, em Recife.
"O projeto surgiu
da formação que fiz
na rede municipal.
Lá, compreendi
que educar éfazer
desabrochar as
características
próprias de
cada criança."
Novas descobertas todos os dias
Para começar, Audaci pediu que as crianças desenhassem algo livremente e guardou essas produções iniciais para que pudesse acompanhar a trajetória de todos (veja exemplo comentado na entrevista da página 49). Nessa fase, ainda apareciam
muitas garatujas, que são traçados de linhas em
todas as direções, como rabiscos em zigue-zague.
Depois, ela deu início às propostas. Em uma delas,
os pequenos desenharam com giz branco de lousa no chão. "Muitos me contavam o que estavam
fazendo, se bichos ou plantas, por exemplo", diz.
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Educação Infantil I Creche
As intervenções da professora foram essenciais
para a transformação dos desenhos das crianças e
a ampliação do repertório de procedimentos. Em
uma das propostas, folhas em tamanho A4 foram
colocadas sobre a mesa e os pequenos tinham de
desenhar de pé, com caneta esferográfica. A postura e a força necessárias para se ter destreza nessas condições são bem específicas e esse desconforto dá oportunidade para a criança desenvolver
o conhecimento e o domínio corporal.
A docente também ofereceu papéis que continham interferências gráficas, como círculos. Alguns tinham apenas uma figura circular e outros
mais, ora espalhadas, ora concentradas em determinada área da folha. A intenção era estimular o
reconhecimento e a exploração de outras formas
além da linha e promover a relação dos pequenos
com elas, aguçando a criatividade deles. "Observei que, no início do processo, as crianças às vezes
contornavam a figura, outras riscavam por cima.
Já mais para o fim do ano, esses desenhos foram
substituídos por outros. Elas passaram a fazer carinhas nela, por exemplo", lembra a educadora.
A linha matérica foi mais um recurso usado
por Audaci, que disponibilizou pedaços de barbante para que as crianças desenhassem com eles
no chão. Da imaginação delas surgiram objetos
de todo tipo, como uma piscina, em que Rafael
Alves de Oliveira, 3 anos, mergulhou no faz de
conta e desatou a nadar.
Em outra atividade, com a ajuda de um projetor, as crianças apreciaram as formas resultantes
de suas posições nas sombras na parede. Desse
modo, desenhavam com o corpo. "O desenho é
gesto, assim como a dança. A produção gráfica
imprime as marcas deixadas por esse movimento", afirma Paula Zurawski, professora do Instituto Superior de Educação Vera Cruz (ISE Vera
Cruz), em São Paulo, e selecionadora de creche
do Prêmio Educador Nota 10. Nessa concepção
contemporânea do desenho, ele é entendido como algo que se dá quando há uma tomada de
consciência da intervenção feita no espaço por
meio do gesto, como são as sombras - que, apesar
de efêmeras, são desenhos.
Olhar atento e intervenções precisas
A atuação do professor durante o processo produtivo dos pequenos é fundamental para auxiliá-los a avançar no gestual e no aprendizado sobre
cada objeto. Quando o educador vê que a criança
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ENTREVISTA
Rosa lavelberg
A pesquisadora comenta as produções
inicial e final (após oito meses de trabalho)
de uma das meninas da turma.
A diferença entre esses dois desenhos pode ser
interpretada como uma evolução? Por quê?
Sim. No primeiro, a criança esboça uma intenção
de simbolizar, que é possível notar pelas formas
fechadas que ela fez no lado direito da folha.Já no
segundo, há um símbolo bem definido. Ela passou a
ter intenção ao fazer os símbolos no espaço do papel.
Como o professor pode contribuir para que essa evolução ocorra?
Dando oportunidade para que os pequenos desenhem todo dia e
trabalhem ao lado uns dos outros. Também é importante acolher
positivamente os resultados e, por vezes, pedir que falem sobre as obras.
De que forma auxiliar as crianças a avançar ainda mais?
A melhor maneira é continuar oferecendo diferentes tipos de lápis,
canetinhas, pincéis, e papéis de tamanhos e cores variados, alternando
a posição da superfície, como propôs a professora Audaci.
está sempre furando a folha com o lápis devido à
pressão excessiva empregada, pode questioná-Ia
sobre a possibilidade de se usar outra ferramenta,
como um giz de cera, mais grosso, ou de diminuir
a força ao desenhar. Esse tipo de indagação faz
com que ela pense sobre as especificidades dos
materiais e seja capaz de fazer escolhas.
Além de atividades direcionadas, é interessante
propor vivências de ateliê à turma, em que vários
suportes e objetos riscantes são disponibilizados,
para que cada um eleja com o que trabalhar. "Nas
primeiras experimentações, o docente pode oferecer três materiais para que se acostumem gradativamente a selecioná-Ios, de acordo com o que
querem expressar", sugere Paula.
O contato com obras de artistas também foi
importante para as mudanças observadas nos trabalhos das crianças ao longo do processo. Audaci
levou a turma à Oficina Francisco Brennand e ao
Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam), ambos em Recife. Na primeira, elas interagiram com produções como as esculturas em
cerâmica do pernambucano que dá nome ao local. No Mamam, apreciaram obras modernas, que
fugiam do retrato fiel do real, e assim expandiram
··'4il·)".
I
o repertório. "Frequentar lugares de produção
alimenta a criação artística das crianças. Os artistas imprimem suas próprias marcas e criam com
base em uma pesquisa, como a que os pequenos
estão fazendo", diz Paula.
Em sala, após cada atividade, quem quisesse
podia apresentar sua obra aos demais. A observação dos trabalhos alimentou as criações dos pequenos desenhistas. "Algumas crianças contavam
sobre as formas que haviam feito, enquanto outras já mostravam interesse em representar algo
específico", afirma a docente.
Foram muitas as produções da turma, que tinham como objetos de investigação as ferramentas, os gestos, os suportes e as marcas deixadas
neles. "O mais importante nessa idade é que a
criança se identifique no que desenha e tenha
autonomia para fazer escolhas que a possibilitam
criar o que deseja", diz Denise. Ao serem estimuladas a falar sobre suas criações, elas entendem o
real sentido da arte, como exemplifica Rafael, o
garotinho da piscina de barbante: "O meu desenho ..." Ele para de falar por um instante, olha
pensativo para a própria produção e continua:
"Eu sou o meu desenho't a
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