Anais do IV Simpósio Lutas Sociais na América Latina ISSN: 2177-9503
Imperialismo, nacionalismo e militarismo no Século XXI
14 a 17 de setembro de 2010, Londrina, UEL
GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho
A realidade do trabalho nas
telecomunicações: o caso
caso das
empresasempresas-espelho
Affonso Cardoso Aquiles∗
Nas últimas quatro décadas a informação tornou-se mercadoria
fundamental para o desenvolvimento do capitalismo. As telecomunicações,
como seu principal veículo de transmissão, têm assumido um papel cada vez
mais relevante na cena econômica, em escala global. No Brasil, as últimas
duas décadas se tornaram marco temporal num processo de grandes
transformações operadas tanto nos dispositivos regulatórios, como na
estrutura organizacional das empresas de telefonia (HARVEY, 2008;
LARANGEIRA, 1998).
As mudanças pelas quais as telecomunicações vêm passando nas
últimas décadas reestruturaram o setor significativamente sob vários
aspectos. A introdução de modernas tecnologias, com a informatização das
empresas e dos mais variados processos produtivos, tem dado resposta a um
novo contexto capitalista, em que a capacidade de competição, com redução
permanente de custos e flexibilidade para atender a uma demanda cada vez
mais diversificada, se tornou fundamental nos mais variados ramos da
economia. A readequação normativa do setor de telecomunicações,
necessária para acompanhar as mudanças econômico-tecnológicas das
empresas, implicou nova regulamentação e novo arcabouço jurídico∗
Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestrando em Ciências
Sociais pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e bolsista da CAPES. End. eletrônico:
[email protected]
GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho
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institucional que introduzisse uma nova lógica aos serviços de telefonia. A
partir de então não mais vista como um bem público essencial a ser
oferecido pelo Estado através de políticas públicas, responsável pela
comunicação entre os indivíduos, mas como um serviço integrado à lógica
de desenvolvimento do capitalismo globalizado, predominantemente
voltado ao atendimento de demandas empresariais, e regido pelas leis de
mercado (GUIMARÃES, 2006; LARANGEIRA, 1998).
A reestruturação do setor de telecomunicações a partir do início da
década de 1990 implicou em crescente racionalização e especialização das
companhias, que desenharam uma nova realidade, não apenas sob a ótica da
estrutura de uma empresa, mas, também, na constituição de redes de
relações interfirmas. A flexibilidade exigida para dar resposta à fluidez das
demandas, em tempo cada vez mais reduzido, foi obtida a partir da
constituição de uma rede de relações interempresas em que a rigidez seria
substituída pela maleabilidade de um novo conjunto de inovações
organizacionais, forjado conforme demandas recentes do desenvolvimento
capitalista (RUDUIT, 2001).
A modernização das empresas teve reflexos significativos sobre a
realidade do trabalho1. A privatização das telecomunicações em 1998 foi um
marco na vida de milhares de trabalhadores, que assistiram, junto com a
mudança de regime de propriedade das companhias, a um novo modelo de
organização do setor e ao surgimento de profundas alterações na realidade
de seu trabalho. A racionalização das ex-empresas estatais, agora
privatizadas, bem como o surgimento de outras empresas autorizadas, num
ambiente de competição por mercados, implicou (re)adaptação dos
trabalhadores, permeada por resistências, a um contexto marcado pela
especialização funcional, pela insegurança e, especialmente, por uma nova
realidade salarial. Um novo perfil de trabalhadores passou a ser desejado,
implicando constituição de novas características necessárias não apenas para
entrar nas empresas, como, também, para nelas permanecer (GUIMARÃES,
2006; RUDUIT, 2001).
O novo marco regulatório das telecomunicações no Brasil completou,
em 2008, dez anos. Nesse período, o processo de inovações tecnológicas e
organizacionais reestruturou a realidade das empresas de forma
surpreendente, com entrada em cena de companhias enxutas, voltadas
exclusivamente à lucratividade e competitividade, com redução de custos,
utilizando-se fortemente da estratégia das terceirizações. No entanto, esse
processo não se esgotou e as transformações prosseguem com intensidade.
O arcabouço jurídico-institucional que regulamentou o padrão competitivo
1 Há vasta bibliografia sobre pesquisas acerca da reestruturação organizacional e a realidade dos
trabalhadores do setor das telecomunicações, na última década: Larangeira (1998), Del Bono (2002),
Ruduit (2001) e Walter; González (1998).
GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho
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entre corporações privadas determinou a criação das empresas-espelhos,
como principal inovação, a fim de evitar a conformação de monopólios no
setor. Essas novas corporações nasceram sob a égide dos padrões “enxutos”
de organização empresarial, lançando mão de terceirizações em parcelas da
atividade-fim, aumentando a produtividade e mantendo padrões elevados de
rotatividade de mão-de-obra. Diferentemente das empresas estatais
privatizadas em 1998, que tinham uma longa história de atuação como
companhias do Estado, as empresas-espelho não passaram por um processo
de reestruturação inicial, como forma de adequar-se aos novos marcos
regulatórios competitivos, pois já surgiram integradas à cultura
organizacional de mercado (ANTUNES, 2003; DRUCK, 2001).
O marco regulatório vigente foi inaugurado com a promulgação, em
1997, da peça fundamental que rege o sistema de telecomunicações no
Brasil. A Lei Geral das Telecomunicações (Lei 9.472 de 1997) versa, em
síntese, sobre os seguintes elementos: definição dos princípios que regeriam
os serviços de comunicação, bem como os deveres do poder público e os
direitos dos usuários; criação da Agência Nacional de Telecomunicações
(ANATEL) como órgão regulador de todo o sistema; organização dos
serviços de telecomunicações, imprimindo-lhe nova classificação, quanto à
abrangência de interesse e quanto ao regime de exploração, bem como a não
exclusividade nas concessões, por meio de autorização para as empresasespelho; reestruturação e privatização das companhias do Estado,
estabelecendo as diretrizes para o novo modelo e para a venda das empresas
estatais (NOVAES, 2000).
As trinta e duas companhias estatais que compunham o sistema
brasileiro de telecomunicações foram agrupadas em quatro novas holdings,
com espaço geográfico previamente delimitado para a prestação de serviços.
Em julho de 1998 as operadoras estatais de telecomunicações foram
privatizadas. Para cada região controlada pela iniciativa privada, a ANATEL
expediu licenças-espelho. Este procedimento buscava garantir que houvesse
concorrência entre duas operadoras privadas, como previa a Lei Geral de
Telecomunicações. O quadro 1 mostra a configuração concorrencial do
setor de telecomunicações a partir de 1998, com as respectivas
segmentações geográficas de abrangência:
GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho
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Quadro 1 - Telefonia Fixa no Brasil Pós-Privatização2
Holding
Operadora
Região de Abrangência
Tele Norte Telemar
AL, AM, AP, BA, CE, ES, MG, PA,
Leste
PB, PE, PI, RJ, RN, RR, SE
Tele Centro - Brasil
AC, DF, GO, MS, MT, PR, RO, RS,
Sul
Telecom
SC, TO
Telesp
Telefônica
SP
Embratel
Embratel
Ligações Nacionais e Internacionais
Espelho
Vésper
GVT
Vésper
Intelig
Fonte: NOVAES (2000). Elaboração Própria.
No espaço geográfico de atuação da Tele Centro-Sul, a legislação criou
a “licença-espelho” para a Global Village Telecom (GVT)3, autorizada de
capital privado criada em 1999, procurando evitar, dessa forma, a
constituição de monopólio. A GVT passou a funcionar em 2000, devendo
construir toda a infra-estrutura básica de linhas e redes, com cabos de fibra
óptica. Embora pudesse iniciar suas atividades lançando mão de tecnologias
avançadas e de formas mais intensificadas de produtividade e gestão de
mão-de-obra, a GVT não tinha um elemento facilitador encontrado pelas
concessionárias estatais: toda a infra-estrutura montada durante os marcos
regulatórios anteriores.
A necessidade de análises sobre as empresas-espelho
A GVT consolidou-se como uma das principais operadoras do setor
de telecomunicações do Brasil, prestando serviços na área de telefonia fixa,
internet de alta velocidade e comunicações de dados. Embora controle
apenas 9% do mercado em que atua, é a empresa do ramo das
telecomunicações que mais cresce no Brasil. Entre 2003 e 2008 teve
expansão média de 28,5%4 em sua receita líquida e, segundo projeções, deve
crescer até 30%5 ao ano, até 2012.
Durante o ano de 2009 a GVT esteve envolvida em negociação
bilionária para aquisição de suas ações, envolvendo a Telefónica de España,
controladora
espanhola
da
concessionária
responsável
pelas
telecomunicações no estado de São Paulo, e a Vivendi, grupo francês que
atua no ramo das animações digitais e das telecomunicações, sem
participação prévia no mercado brasileiro de telefonia. Após longa
É importante ressaltar que o cenário das telecomunicações no Brasil não permaneceu inalterado a
partir de 1998. As transformações efetivadas no setor não interferem, contudo, na execução dos
objetivos desse trabalho.
3 A GVT atualmente presta serviços em cidades dos estados do Acre, Bahia, Distrito Federal, Espírito
Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro,
Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Tocantins.
4 GVT (2008).
5 Publicado em www.uol.com.br. Acesso em 15 de fevereiro de 2010.
2
GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho
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negociação, que tomou parte na mídia brasileira, os franceses adquiriram
87,5% das ações de controle direto da GVT por R$ 7 bilhões. Calcula-se um
ágio de 120% entre os valores iniciais pretendidos para as ações da empresaespelho brasileira, e o efetivamente investido pela Vivendi. Nota-se, com esta
negociação, a importância que a GVT acumulou na última década, não
apenas no crescimento em participação no mercado de telecomunicações,
como a centralidade em disputa comercial para aquisição de suas ações por
companhias multinacionais. É importante destacar, por fim, que a GVT é a
única das três empresas-espelho que passaram a operar em 2000 a não ter
sido incorporada por outras companhias que atuam no setor de telefonia
brasileiro na última década6.
Como sugere Guimarães (2006), há necessidade de maiores estudos
sobre as possíveis singularidades organizacionais e de gestão da força de
trabalho empreendidas nas empresas-espelho. O cenário ao qual estão
dispostas as companhias que assumiram o espólio das antigas estatais foi
intensamente investigado na última década. Além disso, efetivaram-se
análises comparativas do contexto pós-privatização com o período estatal,
possibilitando evidenciar todo um processo de transformações
organizacionais e tecnológicas. Para as novas empresas autorizadas, criadas
após a privatização, como é o caso da GVT, há poucas investigações sobre
seu processo de estruturação organizacional e de realidade enfrentada pelos
trabalhadores.
Por fim, configura-se fundamental empreender, em escala
comparada, análises sobre a realidade do trabalho nas empresas-espelho, por
meio de variáveis como perfil sócio-ocupacional e condições de trabalho, e
o conjunto das telecomunicações no Brasil. Será possível, com isso, verificar
se a evolução dos indicadores para o setor de telecomunicações é
acompanhada pelo das empresas-espelho, que foram pensadas para garantir
a concorrência nos novos marcos regulatórios do setor.
Este trabalho apresenta resultados preliminares de pesquisa em
andamento no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal de Pelotas, sob orientação do Prof. Dr. Pedro Robertt
Niz. É importante destacar, por fim, a dificuldade em obter informações
sobre a estrutura organizacional e perfil da mão-de-obra empregada pela
companhia. Diferentemente das operadoras privatizadas em 1998, que
possuem maior abertura e transparência na divulgação de informações
operacionais, sobretudo pela tradição estatal anterior, as empresas-espelho,
notadamente a GVT, têm dificultado o desenvolvimento de pesquisas
6 A Vésper, empresa-espelho da Oi Telecomunicações e da Telefónica, foi incorporada pela Embratel,
concessionária responsável pelas ligações de longa distância nacionais e internacionais, em 2003. A
Intelig, espelho da Embratel, foi incorporada pela TIM, operadora de telefonia móvel, em 2008.
GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho
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acadêmicas sob alegação de sigilo corporativo, ainda que prestem serviço de
interesse público.
A realidade da GVT: reflexões preliminares
A Global Village Telecom (GVT) iniciou suas operações em 2000 como
empresa-espelho da Brasil Telecom7, atuando em 24 cidades dos estados do
RS, SC, PR, MS, MT, GO e DF. A dificuldade em competir com uma
operadora que controlava mais de 95% do mercado de telefonia em sua área
geográfica até então, obrigou a GVT a adotar, num primeiro momento,
medidas inovadoras para potencializar sua capacidade de concorrência. A
cobrança das faturas telefônicas em minutos8 e o detalhamento das ligações
locais9 influenciaram a entrada da companhia como uma novidade no
mercado. Além disso, os valores investidos para estruturação de sua malha
telefônica foi dramático. Entre 2000 e 2002 a companhia investiu mais de
R$ 1,4 bilhão para implantação de sua rede de serviços. Entre 2007 e 2009
os aportes financeiros se mantiveram elevados, sempre acima dos R$ 500
milhões/ano (GVT, 2009).
Como resultados dos altos investimentos, as linhas instaladas para
serviço telefônico fixo sofreram crescimento dramático desde a entrada em
operação da GVT, como mostra o gráfico 1. A tendência de alta, presente
em todo o período, se mostrou ainda maior a partir de 2007.
Em 2008 a Brasil Telecom foi incorporada pela concessionária Oi.
Unidade de medida usada para chamadas telefônicas. Um pulso equivale, aproximadamente, a quatro
minutos de ligação efetivada. A partir de 1º de janeiro de 2006 todas as ligações telefônicas do Brasil
passaram a ser contadas por minuto (ANATEL, 2007).
9 Todas as operadoras de telefonia fixa no Brasil adotavam o pulso como unidade de medida e não
detalhavam a fatura telefônica, não raramente originando reclamações dos consumidores por cobranças
indevidas.
7
8
GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho
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Gráfico 1 - Total de Linhas Instaladas em Serviço pela
GVT, em milhares (2001-2009)
3.000.000
2.500.000
2.000.000
1.500.000
1.000.000
500.000
0
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Fonte: GVT (2009). Elaboração própria.
Entre 2001 e 2009 a companhia adicionou mais de 2 milhões de
linhas telefônicas em serviço, anotando expansão superior a 1000% no
período. É importante notar que essa tendência de alta mantida pela GVT
na década difere da expectativa global de estagnação das linhas de telefonia
fixa10. No Brasil, entre 2006 e 2009 o crescimento foi pouco superior a 0,5%
ao ano.
A evolução dos indicadores de investimentos pecuniários e linhas
telefônicas instaladas foi acompanhada pelo aumento do número de
trabalhadores empregados na companhia. Nota-se, porém, que tal expansão
se deu em ritmo menos acelerado que ao das linhas, como mostra o gráfico
2.
Segundo relatórios do sítio www.teleco.com.br Acesso em 15 de março de 2010. A ANATEL, em
relatório anual publicado em 2008, por seu turno, também conclui que o contexto atual é de redução de
crescimento dos números da telefonia fixa.
10
GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho
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Gráfico 2 - Total de Trabalhadores da GVT no Brasil, em
milhares
(2003-2009)
6.000
5.000
4.000
3.000
2.000
1.000
0
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Fonte: GVT (2009). Elaboração Própria.
Entre 2003 e 2009 a GVT expandiu sua força de trabalho em 300%,
valor reduzido quando comparado aos números de linhas instaladas pela
companhia no período11. Além disso, como sugere Guimarães (2006), a
intensificação da produtividade no trabalho, exigida pelas empresas-espelho,
notadamente na GVT, é extraordinária. A relação entre linhas instaladas e
trabalhadores empregados12 aponta para um crescimento dos índices de
produtividade, que atingiram números expressivos no último ano, como
aponta o gráfico 3.
Os números de empregados pela empresa em 2001 e 2002 não foram fornecidos sob alegação de
sigilo corporativo.
12 De Wolf (1998) aponta para a necessidade da criação de novos parâmetros que consolidem os
indicadores de produtividade em empresas de telecomunicações. No entanto, utiliza-se a medida linha
instalada/trabalhador empregado por representar o modelo que usualmente é encontrado nos trabalhos
que tratam da temática.
11
GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho
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Gráfico 3 - Produtividade / Quantidade de Linhas
Instaladas por Trabalhador Empregado na GVT (20032009)
600
500
400
300
200
100
0
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Fonte: GVT (2009). Elaboração própria.
Entre 2003 e 2009 a GVT dobrou a produtividade de sua mão-deobra, crescendo de pouco mais de 250 linhas instaladas por trabalhador para
aproximadamente 500 acessos por empregado.
A expansão da
produtividade reflete a intensificação dos ritmos de trabalho e, sobretudo,
uma política salarial altamente flexível, que estimula o cumprimento de
metas estabelecidas pela companhia. Aproximadamente 30% das vantagens
pecuniárias percebidas pelos trabalhadores variam conforme os indicadores
de produtividade de cada setor/departamento da companhia13. Além disso,
o acesso aos benefícios14, sobretudo planos de saúde/odontológicos, varia
conforme “pontuação” obtida por cada trabalhador durante o ano. A
composição dos “pontos” respeita o cumprimento de metas estabelecidas
tanto pela gerência e trabalhador, como pelo setor ao qual estão vinculados.
O cargo ocupado pelo trabalhador influencia no mecanismo de cálculo do
montante obtido por ano, sobretudo nas possibilidades de acesso aos
benefícios disponíveis pela operadora (GVT, 2009).
A política de terceirizações foi intensamente utilizada pelas
companhias de telecomunicações, sobretudo após a privatização das estatais
em 1998. A consolidação de redes15 de empresas prestadoras de serviços das
operadoras, que vão desde a limpeza e segurança das instalações, até os
serviços-fim, como instalação de redes de fibra óptica e atendimento ao
PAD – Programa Anual de Desempenho e PIV – Programa de Incentivo Variável. Ambos os
programas compreendem todos os setores da companhia. Além deles, há o Programa de Bônus, restrito
a gerentes, diretores e vice-diretores da operadora.
14 O programa de benefícios da GVT é conhecido como InteliGente.
15 A discussão sobre o conceito de redes no universo da produção como paradigma predominante no
tempo histórico atual foi longamente debatida por Castells (2009).
13
GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho
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cliente final, constituíram uma rede de relações interfirmas em que as
operadoras passaram a executar um papel de gestão no sistema de
telecomunicações, coordenando e fiscalizando o trabalho executado por
suas terceirizadas (RUDUIT, 2001).
Em entrevista realizada em 2007, dirigente do Sindicato dos
Trabalhadores em Telecomunicações do Paraná assim caracterizou o papel
das operadoras de telefonia pós-privatização:
[as operadoras] fazem o papel de gestão, elas coordenam o processo
inteiro de telefonia (...) é meio semelhante ao que a Telebrás fazia antes da
privatização, apenas coordenação, padronização dos serviços, essas coisas.
Se a gente for dar um exemplo mais fácil de entender, podemos usar o
corpo humano. A Brasil Telecom, a Embratel são apenas a cabeça. O
resto: braços, pernas, mãos é tudo de outras empresas, tudo terceirizado. E
esse novo modelo não é exclusividade da Brasil Telecom não, todas as
outras empresas que compraram as estatais privatizadas, funcionam desse
jeito. Só pra você ter uma noção de como as coisas funcionam hoje em
dia: antes de privatizar você ligava na Telepar para pedir um serviço, um
funcionário ia na tua casa, arrumava o que tinha que arrumar. Todas as
pessoas, desde o cara que atendeu o telefone, até o cara que foi na tua casa,
eram todos da Telepar. Hoje em dia não, o que atende o telefone é de uma
empresa de call center, o que vai na tua casa é de uma outra empresa
terceirizada (...) se for sobre telefone fixo é de uma empresa, se for sobre
internet é de outra empresa. Ta tudo desmembrado. (CARDOSO
AQUILES, A. Entrevista nº. 1, com Dirigente Sindical, 27 de março de
2007).
O modelo de gestão utilizado pela GVT difere fundamentalmente da
regra geral que assemelha as demais operadoras de telefonia fixa no Brasil na
última década. A política de terceirizações adotada pela Global Village Telecom
tem sido bastante seletiva. Os serviços de call center permaneceram
internalizados desde o surgimento da companhia, como forma de
padronizar o atendimento ao cliente final16. Além disso, os técnicos que
fazem atendimento direto ao público, como em instalações de terminais
telefônicos residenciais ou corporativos, também são diretamente
vinculados à GVT. As terceirizações ficam restritas a setores de manutenção
da estrutura física da companhia, limpeza e segurança, e manutenção da rede
de linhas e fibras ópticas nas ruas, geralmente17 sem o contato com os
clientes da operadora.
Os serviços de call center foram intensamente terceirizados pelas operadoras de telefonia no Brasil,
sobretudo entre 1999 e 2006. A partir de 2007 as principais companhias nacionais, como a Brasil
Telecom, hoje incorporada pela Oi Telecomunicações, passou a internalizar todo o setor de call center,
anteriormente repassado para empresas prestadoras de serviços.
17 Em razão de algumas informações prestadas pela GVT ainda não terem sido efetivamente postas à
prova durante esta pesquisa, optou-se por não afirmar categoricamente que não existe qualquer
atendimento ao público realizado por empresas terceirizadas.
16
GT 3. Classes sociais e transformações no mundo do trabalho
25
Os dados preliminares a que se teve acesso até o momento permitem
confirmar sugestões de Guimarães (2006) a respeito das peculiaridades
encontradas nas empresas-espelho das telecomunicações. Além disso,
demonstram a necessidade em empreender análises mais amplas sobre a
realidade das novas operadoras do setor.
O estudo de caso da GVT, por fim, aponta para três situações sui
generis em relação ao cenário global e nacional das empresas de
telecomunicações, notadamente da telefonia fixa: a) tendência contínua de
expansão da rede telefônica da companhia, num cenário de estagnação
nacional e global da telefonia fixa; b) crescimento da produtividade entre os
trabalhadores, estimulada pela política salarial flexível e pelo estímulo ao
cumprimento de metas para obtenção de benefícios e vantagens; c) política
seletiva de terceirizações, mantendo setores tradicionalmente repassados
para prestadoras de serviços por outras operadoras, como o call center e a
instalação de terminais telefônicos.
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