PORTUGUÊS - 2o ANO MÓDULO 61 MODERNISMO: TERCEIRA GERAÇÃO — JOÃO GUIMARÃES ROSA E CLARICE LISPECTOR Como pode cair no enem (PUC) Senhor! Quando avistou o peru, no centro do terreiro, entre a casa e as árvores da mata. O peru, imperial, dava-lhe as costas, para receber sua admiração. Estalara a cauda, e se entufou, fazendo roda: o rapar das asas no chão — brusco, rijo, — se proclamara, Grugulejou, sacudindo o abotoado grosso da bagas rubras; e a cabeça possuía laivos de um azul-claro, raro, de céu e sanhaços; e ele, completo, torneado, redondoso, todo em esferas e planos, com reflexos de verdes metais em azul e preto - o peru para sempre. Belo, belo! Tinha qualquer coisa de calor, poder e flor, um transbordamento. Sua ríspida grandeza tonitruante. Sua colorida empáfia satisfazia os olhos, era de se tanger trombeta. Colérico, encachiado, andando, gruziou outro glugio. O Menino riu, com todo o coração. Mas só bisviu. Já o chamavam, para passeio. O trecho anterior, do conto As margens da alegria, apresenta os seguintes dados estilísticos característicos da obra de Guimarães Rosa, EXCETO: a) “Grugulejou” : uso de neologismo; b) “Tinha qualquer coisa de calor, poder e flor”: presença de imagens poéticas; c) “Sua ríspida grandeza tonitruante”: quebra de lógica sintática; d) “O Menino riu, com todo o coração”: exposição de sentimentalismo excessivo; e) “Belo, belo!”: interferência do discurso indireto livre. Fixação 1) . (...) O sertão que vem de Guimarães Rosa não se restringe aos limites geográficos brasileiros, ainda que dele extraia a sua matéria-prima. O sertão aparece como uma forma de aprendizado sobre a vida, sobre a existência, não apenas do sertanejo, mas do homem. “O sertão é o mundo.” m E a linguagem, a verdadeira matéria de todos os textos rosianos, ainda que calcada em r aspectos do falar sertanejo, mistura-se à pesquisa erudita, aos arcaísmos, à exploração a sonora, sintática e semântica do português, conferindo ao regionalismo uma dimensão não encontrada em nenhum outro escritor brasileiro. . Para se entender um pouco melhor as afirmações anteriores, é preciso mergulhar nos textos de Guimarães Rosa e deles extrair o aprendizado. Além disso, o confronto entre a presença do regionalismo na literatura brasileira e a radicalização representada pelos textos desse autor pode ajudar a perceber por que sua produção é tão importante e significativa. (LAFETÁ, João Luis. Guimarães Rosa. São Paulo, Abril Educação, 1981. Coleção Literatura Comentada) a) Considerando o estilo de Guimarães Rosa, explique o primeiro período do texto, b) Caracterize a linguagem de Guimarães Rosa, segundo o texto. Fixação F 2) 3 Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso. Pelo fragmento acima de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, percebe-se que neste romance, como em outros regionalistas do autor: a) o conflito entre eu e o mundo se realiza pela interação entre as personagens e o sertão que acaba por ser mítico e metafísico; b) o sertão é um lugar perigoso, onde os habitantes sofrem as agressões do meio hostil eh adverso à sobrevivência humana; a c) não existe uma região a que geograficamente se possa chamar “sertão”: ela é fruto da pro-b jeção do inconsciente das personagens; c d) a periculosidade da vida das personagens está circunscrita ao meio físico e social em que vivem; d e) há um conceito muito restrito de sertão, reduzido a palco de lutas entre bandos de jagunços. e Fixação 3) Será que eu enriqueceria este relato se usasse alguns difíceis termos técnicos? Mas aí que está: esta história não tem nenhuma técnica, nem de estilo, ela é ao deus-dará. Eu que também não mancharia por nada deste mundo com palavras brilhantes e falsas uma vida parca como a da datilógrafa (Clarice Lispector, A Hora da Estrela) Em A Hora da Estrela, o narrador questiona-se quanto ao modo e até à possibilidade de narrar a ehistória. De acordo com o trecho acima, isso deriva do fato de ser ele um narrador: a) iniciante, que não domina as técnicas necessárias ao relato literário; -b) pós-moderno, para quem as preocupações de estilo, são ultrapassadas; c) impessoal, que aspira a um grau de objetividade máxima no relato; d) objetivista, que se preocupa apenas com a precisão técnica do relato; e) autocrítico, que percebe a inadequação de um estilo sofisticado para narrar a vida popular. Fixação F 4) O fragmento abaixo pertence à página inicial do romance A hora da estrela, de Clarice5 Lispector. Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos — sou eu que escrevo o que estou escrevendo. Deus é o mundo. A verdade é sempre um contato interior e inexplicável. A minha vida a mais verdadeira é irreconhecível, extremamente interior e não tem uma só palavra que a signifique. Nesse fragmento, a autora põe em evidência a seguinte convicção que se transmite à sua linguagem: a) narrar é uma experiência-limite, entre o tempo mítico e o tempo presente, fazendo-se a todo instante como uma investigação íntima, única forma da verdade; b) o narrador é o único ser que de fato conhece a história, pois antes de senti-la ele já pensou e investigou os fatos em que ela sempre se concretiza; c) não é possível escrever sem primeiro armar-se de um realismo básico, nascido da observação objetiva do cotidiano e da análise dos comportamentos; d) toda inspiração vem de Deus, pelo que o ato de escrever deve ser um abandonar-se da consciência à vontade divina, capaz de iluminar de uma só vez o sentido da História; e) há uma inutilidade no escrever que advém do fato simples de que as palavras são poucas para captar a sequência lógica dos fatos, na qual toda verdade já está expressa. Fixação 5) (FUVEST) Ele se aproximou e com voz cantante de nordestino que a emocionou, perguntou-lhe: — E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a passear? — Sim, respondeu atabalhoadamente com pressa antes que ele mudasse de ideia. — E, se me permite, qual é mesmo a sua graça? — Macabéa. — Maca - o quê? —Bea, foi ela obrigada a completar. — Me desculpe mas até parece doença, doença de pele. — Eu também acho esquisito mas minha mãe botou ele por promessa a Nossa Senhora da Boa Morte se eu vingasse, até um ano de idade eu não era chamada porque não tinha nome, eu preferia a nunca ser chamada em vez de ter um - continuar nome que ninguém tem mas parece que deu certo — parou um instante retomando o fôlego perdido e acrescentou desanimada e com pudor — pois como o senhor vê eu vinguei... pois é... — Também no sertão da Paraíba promessa é questão de grande divida de honra. Eles não sabiam como se passeia. Andaram sob a chuva grossa e pararam diante da vitrine de uma loja de ferragem onde estavam expostos atrás do vidro canos, latas, parafusos grandes e pregos. E Macabéa, com medo de que o silêncio já significasse uma ruptura, disse ao recémnamorado: — Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor? Da segunda vez em que se encontraram caia uma chuva fininha que ensopava os ossos. Sem nem ao menos se darem as mãos caminhavam na chuva que na cara de Macabéa parecia lágrimas escorrendo. (Clarice Lispector, A hora da estrela) Neste excerto, as falas de Olímpico e Macabéa: a) aproximam-se do cômico, mas, no âmbito do livro, evidenciam a oposição cultural entre a mulher nordestina e o homem do sul do País. b) demonstram a incapacidade de expressão verbal das personagem, reflexo da privação econômica de que são vitimas. c) beiram às vezes o absurdo, mas, no contexto da obra, adquirem um sentido de humor e sátira social. d) registram, com sentimentalismo, o eterno conflito que opõe os princípios antagônicos do Bem e do Mal. e) suprimem, por seu caráter ridículo, a percepção do desamparo social e existencial das personagens. Fixação F 6) (FUVEST) 7 Devo registrar aqui uma alegria. é que a moça num aflitivo domingo sem farofa teve uma inesperada felicidade que era inexplicável: no cais do porto viu um arco-íris. Experimentando o leve êxtase, ambicionou logo outro: queria ver, como uma vez em Maceió, espocarem mudos fogos de artifício. Ela quis mais porque é mesmo uma verdade que quando se dá a mão, essa gentinha quer todo o resto, o zé-povinho sonha com fome de tudo. E quer mas sem direito algum, pois não é? (Clarice Lispector, A hora da estrela) Considerando-se no contexto da obra o trecho sublinhado, é correto afirmar que, nele, o narrador: a) assume momentaneamente as convicções elitistas que, no entanto, procura ocultar no p restante da narrativa. b) reproduz, em estilo indireto livre, os pensamentos da própria Macabéa diante dos fogos dee a artifício. c) hesita quanto ao modo correto de interpretar a reação de Macabéa frente ao espetáculo. b d) adota uma atitude panfletária, criticando diretamente as injustiças sociais e cobrando suac e superação. e) retoma uma frase feita, que expressa preconceito antipopular, desenvolvendo-a na direçãod da ironia. e Fixação 7) (UFV) Leia o trecho abaixo: Bem, é verdade que também eu não tenho piedade do meu personagem principal, a nordestina: é um relato que desejo frio. (...) Não se trata apenas da narrativa, é antes de tudo vida primária que respira, respira, respira. (...) Como a nordestina, ha milhares de moças espalhadas por cortiços, vagas de cama num quarto, atrás de balcões trabalhando até a estafa. Não notam sequer que são facilmente substituíveis e que tanto existiriam como não existiriam. (Clarice Lispector) o Em uma das opções abaixo, há um aspecto do livro de Clarice Lispector, A Hora da Estrela, presente no fragmento acima, que o aproxima do chamado “romance de 30”, realizado por escritores como Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz: a) A preocupação excessiva com o próprio ato de narrar. b) O intimismo da narrativa, que ignora os problemas sociais de seus personagens. c) A construção de personagens que têm sua condição humana degradada por culpa do meio e da opressão. d) A necessidade de provar que as ações humanas resultam do meio, da raça e do momento. e) A busca de traços peculiares da Região Nordeste. Fixação F ( 8) (UEL) A próxima questão refere-se ao texto a seguir. s Ainda estava sob a impressão da cena meio cômica entre sua mãe e seu marido, na hora d da despedida. Durante as duas semanas da visita da velha, os dois mal se haviam suportado; os bons dias e as boas tardes soavam a cada momento com uma delicadeza cautelosa que a fazia querer rir. Mas eis que na hora da despedida, antes de entrarem no táxi, a mãe se transformara em sogra exemplar e o marido se tornara o bom genro. “Perdoe alguma palavra mal dita”, dissera a velha senhora, e Catarina, com alguma alegria, vira Antônio não saber o que fazer das malas nas mãos, gaguejar — perturbado em ser o bom genro. “Se eu rio, eles pensam que estou louca”, pensara Catarina franzindo as sobrancelhas. “Quem casa um filho perde um filho, quem casa uma filha ganha mais um”, acrescentara a mãe [...]. (LISPECTOR, Clarice. Laços de Família. 12. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982. p. 109-111.) Com base no texto, é correto afirmar que Catarina: a) sente um certo tédio por ser obrigada a participar do episódio de despedida de sua mãe. b) diverte-se observando o constrangimento do marido e da mãe no episódio da despedida. c) embora ansiasse pela partida da visitante, sente muita tristeza ao final da visita da mãe. d) certifica-se de que a mãe e o marido, para sua tristeza, jamais poderiam manter um bom relacionamento. e) compartilha do sofrimento vivenciado pela mãe e pelo marido na hora em que se despedem. Fixação para uma boa alegria. Como pudera ela dar à luz aqueles seres risonhos fracos, sem austeridade? O rancor roncava no seu peito vazio. Uns comunistas, era o que eram; uns comunistas. Olhou-os com sua cólera de velha. Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Incoercível, virou a cabeça e com força insuspeita cuspiu no chão. (UEL) As questões 9, 10, 11 e 12 referem-se à passagem transcrita do conto Feliz Aniversário (Laços de Família, 1960), de Clarice Lispector (1920-77). Na cabeceira da mesa, a toalha manchada de coca--cola, o bolo desabado, ela era a mãe. A aniversariante piscou. Eles se mexiam agitados, rindo, a sua família. E ela era a mãe de todos. E se de repente não se ergueu, como um morto se levanta devagar e obriga mudez e terror aos vivos, a aniversariante ficou mais dura na cadeira, e mais alta. Ela era a mãe de todos. E como a presilha a sufocasse, ela era a mãe de todos e, impotente à cadeira, desprezava-os. E olhava-os piscando. Todos aqueles seus filhos e netos e bisnetos que não passavam de carne de seu joelho, pensou de repente como se cuspisse. Rodrigo, o neto de sete anos, era o único a ser a carne de seu coração. Rodrigo, com aquela carinha dura, viril e despenteada, cadê Rodrigo? Rodrigo com olhar sonolento e intumescido naquela cabecinha ardente, confusa. Aquele seria um homem. Mas, piscando, ela olhava os outros, a aniversariante. Oh o desprezo pela vida que falhava. . Como?! como tendo sido tão forte pudera dar à luz aqueles seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos? Ela, a forte, que casara em hora e tempo devidos com um bom homem a quem, obediente e independente, respeitara; a quem respeitara e que lhe fizera filhos e lhe pagara os partos, lhe honrara os resguardos. O tronco fora bom. Mas dera aqueles azedos e infelizes frutos, sem capacidade sequer (LISPECTOR, Clarice. “Feliz Aniversário”. In: Laços de Família. 28. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995. p. 78-79.) 9) Ainda que Clarice Lispector tenha morrido um dia antes de completar cinquenta e sete anos, a problemática das mulheres de terceira idade faz-se presente em muitos de seus contos. Feliz Aniversário registra tal tema. Neste conto, sentada à cabeceira da mesa preparada para a comemoração de seu octagésimo-nono aniversário, D. Anita: a) vê, horrorizada, sua descendência constituída por seres mesquinhos. b) lembra-se, saudosa, da época em que seu marido era vivo e com ela dividia as dificuldades cotidianas. c) contempla seu neto, Rodrigo, a trazer-lhe ao presente a imagem do falecido marido quando jovem. d) rememora, com rancor, sua vida de mulher, seja enquanto esposa, seja enquanto mãe, mostrando-se indignada com a atual falta de afeto de filhos, netos e bisnetos. e) mistura presente e passado, deixando emergir a saudade que há tempo domina seu cotidiano. Fixação F 10) Com base no texto e nos conhecimentos sobre a obra, considere as afirmativas a seguir. 1 I) A ação dos membros da família de D. Anita caracteriza-se por constante movimento, como revela a seguinte passagem: “eles se mexiam agitados”. II) As lembranças do tempo vivido com o marido são marcadas através de um passado mais remoto registrado nos seguintes verbos: “casara”; “respeitara”; “fizera”; “pagara”; “honrara”; “fora”; “dera”; “pudera”. III) O verbo “cuspir” aparece duas vezes, sendo que na primeira delas atua como desejo rep-a rimido; na segunda, como manifestação conclusiva de seu sentimento de desprezo em relaçãoa b à família. IV) A reiteração da expressão “ela era a mãe” marca o sentimento de culpa que acompanha op c dia a dia da personagem frente à desintegração de sua família. d Estão corretas apenas as afirmativas: d a) I e IV d b) II e III e c) III e IV i d) I, II e III e) I, II e IV Fixação 11) Ela, a forte, que casara em hora e tempo devidos com um bom homem a quem, obediente e independente, ela respeitara; a quem respeitara e que lhe fizera filhos e lhe pagara os partos e lhe honrara os resguardos. Com base no trecho, é correto afirmar: a) “casara em hora e tempo devidos” significa que seu casamento foi planejado com muita antecedência. o b) A caracterização entre vírgulas “obediente e independente” refere-se à pessoa representada por “quem” que a antecede. c) O uso do adjetivo “forte” corresponde a uma ironia, visto que assim se justificam a fraqueza dos familiares e sua identificação com a aniversariante. d) As orações “lhe fizera filhos” e “lhe pagara os partos” são reveladoras dos valores patriarcais da protagonista. e) O emprego dos adjetivos “obediente e independente” aplicados a D. Anita é revelador da improbidade da matriarca. Fixação 12) De acordo com esse trecho, é correto afirmar que a aniversariante: a) sente-se revoltada pelo fato de seus familiares divertirem-se enquanto ela sofre. b) tem saudades do marido, que a respeitava e a quem ela respeitara. c) olha para os familiares e reprova o comportamento e a personalidade deles. d) comporta-se de maneira adequada à situação da festa, embora tenha ódio da família. e) pensa ter falhado em sua função de educar os filhos, que se mostram desprezíveis a seus olhos. Proposto Uai Eu Se o assunto é meu e seu, lhe digo, lhe conto; que vale enterrar minhocas? De como aqui me vi, sutil assim, por tantas cargas-d’água. No engano sem desengano: o de aprender prático o desfeitio da vida. Sorte? A gente vai nos passos da história que vem. Quem quer viver faz mágica. Ainda mais eu, que sempre fui arrimo de pai bêbado. Só que isso se deu, o que quando, devei-as comi feliz e prosperado, Ah, que saudades que eu não tenha... Ah, meus bons maus-tempos! Eu trabalhava para um senhor Doutor Mimoso. Sururjão, não; é Solorgião. Inteiro na fama — olh’alegre, justo, inteligentudo — de calibre de quilate de caráter. Bom até-onde-que, bom como cobertor, lençol e colcha, bom mesmo quando com dor de cabeça: bom, feito mingau adoçado. Versando chefe os solertes preceitos. Ordem por fora paciência por dentro. Muito mediante fortes cálculos, imaginado de ladino, só se diga. A fim de comigo ligeiro poder ir ver seus chamados de se doentes, tinha fechado um piquete no quintal: lá pernoitavam, de diário, a mão, a dois animais de sela — prontos para qualquer aurora. Vindo a gente a par, nas ocasiões, ou eu atrás, com a maleta dos remédios e petrechos, renquetrenque, estudante andante. Pois ele comigo proseava, me alentando, cabidamente, por norteação – a conversa manuscrita. Aquela conversa me dava muitos arredores. Ô homem! Inteligente como agulha e linha, feito pulga no escuro, como dinheiro não gastado. Atilado todo em sagacidades e finuras – é de ‘firnplus’! ‘de tintínibus’... latim, o senhor sabe, aperfeiçoa.. Isso, para ele, era fritada de meio ovo. O que porém bem. (ROSA, João Guimarães. Tutameia: terceiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.) 1) (UERJ) A obra de Guimarães Rosa, citado como grande renovador do expressão literária, é também reconhecida pela contribuição linguística, devido à utilização de termos regionais, palavras novas, não dicionarizadas, o que chamamos NEOLOGISMOS, especialmente para expressar situações ou opiniões de seus personagens. a) Retire do primeiro parágrafo um exemplo de neologismo e explique, em uma frase completa, o seu sentido no texto. b) Compare o adjetivo “inteligentudo” (par. 2) com “barbudo”, “barrigudo”, “sortudo”. Escreva duas formas da língua padrão — a primeira com duas palavras; a segunda com uma palavra — que equivalem semanticamente ao neologismo “inteligentudo”. Proposto 2) (PUC) Observe: Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem, não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto, desde mal em minha mocidade. Daí vieram me chamar. Causa de um bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser-se viu; e com máscara de cachorro. Me disseram: eu não quis avistar. (Guimarães Rosa / Grande Sertão: Veredas) O texto anterior, apesar de curto, contém muitas características do estilo do autor, entre as quais: ( ) Explora o chamado Superregionalismo (dentro do Modernismo) que ampliava e transformava as características do homem do interior. ( ) Seu universo ficcional é dos senhores de terra aristocráticos, dominados por conceitos arcaicos, e dos capitalistas do litoral, ambos expressos em linguagem convencional. ( ) Seguindo o modelo de José Lins do Rego, o linguajar de seus personagens copiava o dos sertanejos, sem modificações, imobilizado no tempo, como uma cópia fiel da realidade. ( ) O texto utiliza arcaísmos, metáforas, neologismo, além de construções sintáticas inovadoras com inversões e apagamentos. ( ) Apesar das inovações, o texto conserva o tom coloquial, isto é, o tom de conversa da gente do interior, numa imitação da fala. Proposto 3) Em A hora da estrela, Clarice Lispector vale-se de um narrador problemático, sempre às voltas com o ato mesmo de narrar, tal como se nota no seguinte trecho: a) Macabéa ficava contente com a posição dele porque também tinha orgulho de ser datilógrafa, embora ganhasse menos que o salário mínimo. b) – Pois não acredito. – Quero cair morta neste instante se estou mentindo. c) Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias. d) – Olhe, eu era muito asseada e não pegava doença ruim. Só uma vez me caiu uma sífilis mas a -penicilina me curou. e) Madame Carlota havia acertado tudo, Macabéa estava espantada. Só então vira que sua vida era uma miséria. Saiu da casa dacartomante aos tropeços e parou no beco escurecido pelocrepúsculo – crepúsculo que é hora de ninguém. - a Proposto 4) A ação desta história terá como resultado minha transfiguração em outrem (...) Neste excerto de A hora da estrela, o narrador expressa uma de suas tendências mais marcantes, que ele irá reiterar ao longo de todo o livro. Entre os trechos abaixo, o único que não expressa tendência correspondente é: a) Vejo a nordestina se olhando ao espelho e (...) no espelho aparece o meu rosto cansado e barbudo. Tanto nós nos intertrocamos. b) É paixão minha ser o outro. No caso a outra. c) Enquanto isso, Macabéa no chão parecia se tornar cada vez mais uma Macabéa, como se chegasse a si mesma. d) Queiram os deuses que eu nunca descreva o lázaro porque senão eu me cobriria de lepra. e) Eu te reconheço até o osso por intermédio de uma encantação que vem de mim para ti. Proposto (UNIFESP) Leia o texto a seguir e responda às questões de 6 a 8. Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem — ou é o homem e arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! — é o que digo. O senhor aprova? Me declare tudo, franco — é alta mercê que e me faz: e pedir posso, encarecido. Este caso — por estúrdio que me vejam — é de minha certa importância. Tomara não fosse... Mas, não diga que o senhor, assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia. Já sabia, esperava por ela — já o campo! Ah, a gente, na velhice, carece de ter uma aragem de descanso. Lhe agradeço. Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver, então era eu mesmo, este vosso servidor. Fosse lhe contar... Bem, o diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens. Até: nas crianças — eu digo. Pois não é o ditado: “menino — trem do diabo”? E nos usos, nas plantas, nas águas, na terra, no vento... Estrumes... O diabo na rua, no meio do redemunho... (Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas.) 5) A fala expressa no texto é de Riobaldo. De acordo com o narrador, o diabo: a) vive preferencialmente nas crianças, livre e fazendo as suas traquinagens. b) é capaz de entrar no corpo humano e tomar posse dele, vivendo aí e perturbando a vida do homem. c) só existe na mente das pessoas que nele acreditam, perturbando-as mesmo sem existir concretamente. d) não existe como entidade autônoma, antes reflete os piores estados emocionais do ser humano. e) é uma condição humana e não está relacionado com as coisas da natureza. Proposto 6) A personagem Riobaldo dialoga com alguém que chama de senhor. Embora a fala dessa personagem não apareça, é possível recuperar, pela fala do narrador, os momentos em que seu interlocutor se manifesta verbalmente. Isso pode ser comprovado pelo trecho: a) O senhor aprova? b) Nenhum! – é o que digo. c) Não? Lhe agradeço! d) Tem diabo nenhum. e) Até: nas crianças – eu digo. Proposto 7) O texto de Guimarães Rosa mostra uma forma peculiar de escrita, denunciada pelos recursos elinguísticos empregados pelo escritor. Dentre as características do texto, está: a) o emprego da linguagem culta, na voz do narrador, e o da linguagem regional, na voz da personagem. b) a recriação da fala regional no vocabulário, na sintaxe e na melodia da frase. c) o emprego da linguagem regional predominantemente no campo do vocabulário. d) a apresentação da língua do sertão fiel à fala do sertanejo. e) o uso da linguagem culta, sem regionalismos, mas com novas construções sintáticas e rítmicas. Proposto 8) (IBMEC) Utilize o texto a seguir para responder à questão seguinte. Amor e morte Eu dizendo que a Mulher ia lavar o corpo dele. Ela rezava rezas da Bahia. Mandou todo o mundo sair. Eu fiquei. E a Mulher abanou brandamente a cabeça, consoante deu um suspiro simples. Ela me mal entendia. Não me mostrou de propósito o corpo. E disse… Diadorim — nu de tudo. E ela disse: — ‘A Deus dada. Pobrezinha…’ E disse. Eu conheci! Como em todo o tempo antes eu não contei ao senhor — e mercê peço: — mas para o senhor divulgar comigo, a par, justo o travo de tanto segredo, sabendo somente no átimo em que eu também só soube… Que Diadorim era o corpo de uma mulher, moça perfeita… estarreci. A dor não pode mais do que a surpresa. A coice d’arma, de coronha… Ela era. Tal que assim se desencantava, num encanto tão terrível; e levantei mão para me benzer — mas com ela tapei foi um soluçar, e enxuguei as lágrimas maiores. Uivei. Diadorim! Diadorim era uma mulher. Diadorim era mulher como o sol não acende a água do rio Urucúia, como eu solucei meu desespero. O senhor não repare. Demore, que eu conto. A vida da gente nunca tem termo real. Eu estendi as mãos para tocar naquele corpo, e estremeci, retirando as mãos para trás, incendiável; abaixei meus olhos. E a Mulher estendeu a toalha, recobrindo as partes. Mas aqueles olhos eu beijei, e as faces, a boca. Adivinhava os cabelos. Cabelos que cortou com tesoura de prata… Cabelos que, no só ser, haviam de dar para abaixo da cintura… E eu não sabia por que nome chamar; eu exclamei me doendo: — ‘Meu amor!…’ Foi assim. Eu tinha me debruçado na janela, para poder não presenciar o mundo. A Mulher lavou o corpo, que revestiu com a melhor peça de roupa que ela tirou da trouxa dela mesma. No peito, entre as mãos postas, ainda depositou o cordão com o escapulário que tinha sido meu, e um rosário, de coquinhos de ouricuri e contas de lágrimas de nossa senhora. Só faltou — ah! — a pedra de ametista, tanto trazida… O Quipes veio, com as velas, que acendemos em quadral. Essas coisas se passavam perto de mim. Como tinham ido abrir a cova, cristãmente. Pelo repugnar e revoltar, primeiro eu quis: — ‘Enterrem separado dos outros, num aliso de vereda, adonde ninguém ache, nunca se saiba… ’ Tal que disse, doidava. Recaí no marcar do sofrer. Em real me vi, que com a Mulher junto abraçado, nós dois chorávamos extenso. E todos meus jagunços decididos choravam… Daí, fomos, e em sepultura deixamos, no cemitério do Paredão enterrada, em campo do sertão. Ela tinha amor em mim. E aquela era a hora do mais tarde. O céu vem abaixando. Narrei ao senhor. No que narrei, o senhor talvez até ache mais do que eu, a minha verdade. Fim que foi. (ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1986.) O texto nos apresenta um suposto interlocutor que nunca toma a palavra. A conversa de Riobaldo com o tal interlocutor revela que: a) de fato o narrador fez um pacto com o diabo e o “diálogo vazio” era consequência deste ato. b) para Riobaldo servia como reflexão em voz alta sobre os mistérios da condição humana. c) a carência do jagunço era tamanha que, em vários momentos, ele desanda a falar como se fosse uma ameaça à própria existência. d) é um recurso estilístico muitíssimo utilizado, servindo para o autor como desabafo perante tanta dor e tanta miséria. e) é recurso característico dos textos dissertativos já que o que se busca é o fundamento para a argumentação. Proposto 9) (ESPM) Leia o texto: O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas — mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão. E, outra coisa: o diabo, é às brutas; mas Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro — dá gosto! A força dele, quando quer — moço! — me dá o medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho — assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza. (Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa) Marque a afirmação que NÃO corresponde: a) trata-se de uma narrativa oral, perceptível pelo uso de vocativos como “senhor” e “moço”. b) Deus age sutilmente (“lei do mansinho”), enquanto o diabo o faz de maneira escancarada s (“às brutas”) e c) na vida, tudo flui incessantemente, nada é estático: “as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas”. d) o milagre resulta do inesperado, do modo contido (“se economiza”), e não do espalhafatoso. e) o termo “traiçoeiro” atribuído a Deus possui um sentido pejorativo, depreciativo. Proposto 10) (UNIFESP) (...) Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar — é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim dá certo. Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença de coisa nenhuma! Porque existe dor. E a vida do homem está presa encantoada — erra rumo, dá em aleijões como esses, dos meninos sem pernas e braços. (...) (Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas.) O texto de Guimarães Rosa mostra uma forma peculiar de escrita, denunciada pelos recursos linguísticos empregados pelo escritor. Dentre as características do texto, está: a) o emprego da linguagem culta, na voz do narrador, e o da linguagem regional, na voz da personagem; b) a recriação da fala regional no vocabulário, na sintaxe e na melodia da frase; c) o emprego da linguagem regional predominantemente no campo do vocabulário; d) a apresentação da língua do sertão fiel à fala do sertanejo; e) o uso da linguagem culta, sem regionalismos, mas com novas construções sintáticas e rítmicas.