Evasão
Marraquexe é um turbilhão de sons, cheiros e cores. É uma cidade
moderna e cosmopolita, ao mesmo tempo que se mantém fiel
às tradições. Os atentados terroristas da semana passada deixaram
marcas profundas no país mas não destruíram a beleza
sedutora da cidade imperial.
T E X TO D E
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Fora de Série Maio 2011
R I TA S A L D A N H A D A G A M A , E M M A R R A Q U E X E F O T O G R A F I A D E PA U L A N U N E S
APAIXONAMO-NOS POR MARRAQUEXE assim
que aterramos. Apesar de haver neve no topo das
montanhas do Atlas – que separam a cidade do deserto – cheira a Verão. A noite acaba de cair mas
mais parece hora de ponta. É ao fim da tarde que a
cidade ganha vida e o ritmo é alucinante. No caminho para o hotel, as “aceleras” parecem mosquitos
à nossa volta. Sucedem-se, aos montes, de um lado e
de outro do carro, com duas ou mais pessoas, com e
sem capacete. Diz-nos o motorista que este é o meio
de transporte mais popular na cidade. “É melhor para andar na Medina”, explica a rir. Percebemos mais
tarde porquê.
A ideia da viagem era traçar um roteiro da “Cidade
Rosa” e conhecer um dos mais bonitos e emblemáticos hotéis do mundo. Foi o que fizemos. Entramos
no La Mamounia com as expectativas em alta e não
nos desiludimos. Só nos faltou o tapete mágico porque a sensação era a de que tínhamos aterrado num
JACQUES GARCIA
VOLTOU A DAR
AO LA MAMOUNIA
O LUXO E CHARME
PERDIDO AO
MISTUR AR A TR AÇA
MARROQUINA COM
ART DÉCO E ARTE
CONTEMPOR ÂNEA.
palácio das “1001 Noites”. Sentimo-nos rainhas logo
à chegada. “Salaam Aleikum!”, dizem-nos. É o nosso
“olá”, mas que traduzido à letra significa “que a paz
esteja sobre vós”.
É difícil descrever sensações no La Mamounia. São
muitas, confundem-se e surgem a grande velocidade. Comecemos pelo mais evidente. A simpatia e
hospitalidade de um ‘staff’ habituado a receber a
nata da nata internacional. Por estes corredores já
desfilaram estrelas como os Rolling Stones, Nicole
Kidman, Alfred Hitchcock, Nelson Mandela, Jacques Chirac, Carolina do Mónaco ou mesmo Winston Churchill que escolheu o mítico hotel marroquino para descansar depois da Segunda Guerra
Mundial. Depois, o cheiro. É que até o ar é perfumado no La mamounia. E claro, tudo o que os olhos
vêem e a memória tenta absorver rapidamente. São
tantos os pormenores que é difícil reter tudo num
simples olhar.
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Evasão
Fechado durante três anos, o La Mamounia reabriu,
em 2009, com cara nova. Um trabalho minucioso
do ‘designer’ francês Jacques Garcia que recuperou
o hotel de uma anterior reforma desastrosa e voltou a dar-lhe a ‘allure’ de sempre. Mais luxo, conforto e elegância recuperaram o charme perdido, já
que a perícia de Garcia soube misturar a traça marroquina com Art Déco ou arte contemporânea. Ao
palácio original, construído em 1923, o ‘designer’
francês acrescentou-lhe o spa – agora eleito o melhor do mundo pela “Condé Nast Travel” –, o centro
de ‘fitness’, mais quartos e mais espaço. Agora, são
136 quartos, 71 ‘suites’, sete ‘suites’ especiais e três
Riads (paraíso em português) com três quartos, sala
e piscina privada. Não faltam as tradicionais decorações árabes feitas por artesãos, o conforto, a alta
tecnologia e os mimos que um hotel de luxo exige,
os acessórios com assinatura Hermès, e ainda uma
vista deslumbrante para os jardins do palácio, para
as montanhas do Atlas e para a Medina, com a mesquita da Koutoubia (Kutubiyah em árabe) no centro
das atenções.
Mas voltemos à nossa viagem. Depois de termos
sido recebidas com as tradicionais tâmaras e um
‘shot’ de leite doce, para dar as boas vindas, fomos
conhecer os quartos, antes de um maravilhoso jantar no Don Alfonso, o restaurante italiano do hotel. Um, dos quatro que existem, dois dos quais com
duas estrelas Michelin. Estava cheio, assim como
a Galerie Majorelle, um dos espaços de passagem
obrigatória e uma delícia também para os olhos para quem não se hospeda no mítico hotel.
Segunda maior cidade de Marrocos, Marraquexe
está a tornar-se num destino cada vez mais apelativo para quem gosta de luxo. Entre hotéis de topo e campos de golfe, a cidade mantém o charme e
exotismo de sempre, com uma visão mais ocidental. Algumas mulheres conservam os véus, mas outras aboliram-nos por completo. Especialmente as
mais novas que até já abandonaram as túnicas até
aos pés. “Isto mudou muito nos últimos dez anos”,
conta-nos Abdellatif Abouricha, relações públicas
do Conselho Regional de Turismo de Marrocos e
um dos nossos guias durante a visita. Nada de grandes decotes, é certo, mas já se vêem saias curtas, cabelos soltos, beijinhos em bancos de jardim – “Vê,
cá também há ‘habibis’ (namorados)”, diz Abouricha a rir – e até mulheres a fumar e a conversar em
esplanadas de cafés. Só não gostam que lhes tirem
fotografias, mas isso nem mesmo os homens e sobretudo os polícias.
O LABIRÍNTICO
MERCADO ‘SOUK’
É UM DOS MAIS
EXÓTICOS DO PAÍS.
FAZ PARTE DO
CHARME DA CIDADE
E É IRRESISTÍVEL.
É UMA EXPLOSÃO
DE CHEIROS
E CORES.
LABIRINTO DE SENTIDOS
Foi por causa desta “abertura” que o elenco de “O
Sexo e a Cidade 2” trocou Abu Dhabi, onde supostamente decorre a acção, pela Medina de Marraquexe, onde o título do filme e o comportamento das
protagonistas não chocou os mais conservadores, à
semelhança do que aconteceu no Dubai. Até deixaram pedaços do cenário numa das labirínticas ruas
do mercado ‘souk’.
Este é mais um ponto de visita obrigatório. O mercado, que é um dos mais exóticos do país, faz parte
do charme de Marraquexe e é irresistível. É uma explosão de cheiros e cores, entre especiarias, túnicas,
tapetes, carteiras ou as tradicionais babuchas (uma
espécie de chinelo bicudo e colorido). E, se gostar,
mais vale comprar logo, é que entre ruas e ruelas
é fácil perder o rumo. Aconselhamos sapatos confortáveis e algum tempo, porque arrisca-se a andar
quilómetros e perder umas boas horas a negociar
os preços. É tradição e faz parte de encanto de Marrocos. A oferta é imensa e o movimento estonteante, sobretudo porque as motos aparecem por todos
os lados. “São melhores para andar na Medina”,
disseram-nos. Já percebemos porquê, só não esperávamos correr o risco de ser atropeladas em pleno mercado e enquanto fazíamos compras. Entre o
árabe e o francês também se ouve muito espanhol e
mesmo inglês. A língua portuguesa é que continua
a ser uma raridade apesar da proximidade. “Não há
muita procura”, conta-nos Hatem, nosso guia e único a falar português por ali. Nem mesmo Cristiano
Ronaldo parece ainda ter conquistado o coração dos
mais fervorosos adeptos do futebol. Durante o passeio é difícil resistir a um típico chá de menta, enquanto nos perdemos entre os cheiros e paladares
das especiarias que prometem pratos exóticos ou
mezinhas milagrosas para curar qualquer maleita.
As lojas de especiarias têm de ser reconhecidas pelo
Estado e os vendedores devem estar devidamente
habilitados e identificados.
Na abertura, vista da piscina
e dos emblemáticos jardins do
La Mamounia. Ao lado, piscina
interior do spa, eleito o melhor
do mundo pela “Condé Nast
Traveler” e a ‘suite’ executiva,
uma das mais procuradas
do hotel, com duas casas de
banho, sala, quarto, ‘closet’
e varanda com vista para a
mesquita da Koutoubia e para
os jardins do hotel. Custa cerca
de 900 euros a noite.
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Evasão
Ao lado, vista para o interior
da mesquita Koutoubia, para
onde os fiéis se deslocam
depois da última chamada
do dia para a oração. Só os
muçulmanos podem entrar.
Durante a oração os homens
ficam à frente e as mulheres
atrás. Em baixo, monumento
de homenagem a Yves Saint
Laurent, no local onde estão
depositadas as suas cinzas,
nos jardins Majorelle. Mais
abaixo, uma mulher faz as
tradicionais tatuagens árabes
na principal praça da cidade.
Do lado direito, Hassan, chefe
das ‘calèches’ em Marraquexe,
e um pormenor de uma
decoração árabe.
E, se todos os caminhos vão dar a Roma, nos ‘souks’
todos vão dar à praça Djema El-Fnaa, a principal praça da cidade situada mesmo no centro da Medina. É
aqui que tudo acontece, pelo menos ao cair da noite.
Se durante o dia vemos uma enorme praça, com alguns vendedores ambulantes – atenção, fuja a sete
pés dos sumos de laranja. É dor de barriga na certa
– os tradicionais encantadores de serpentes e mulheres a fazerem tatuagens árabes; à noite transforma-se
num gigantesco palco de atracções com músicos e
actores a fazerem a festa. Fica irreconhecível. O centro da praça, que de manhã estava vazio, dá lugar a
uma espécie de feira de “comes e bebes” com mesas
corridas e dezenas de tasquinhas a prometerem as
mais maravilhosas iguarias e especialidades marroquinas. E há de tudo. Desde caracóis a ‘couscous’ ou
‘mechoui’ (borrego assado no forno), é um verdadeiro roteiro de pratos típicos. Ao pôr-do-sol, sugerimoslhe mais um chá de menta na esplanada de um dos
cafés em cima da praça. É impressionante ver a velocidade a que se enche de gente.
CONTRASTES QUE ENCANTAM
Se preferir um passeio mais romântico ou uma visita
rápida pela cidade, porque não escolher uma ‘caleche’? Hassan foi quem nos guiou pela cidade. Uma
cidade pintada de rosa, por imposição da lei, com casas baixas, ruas largas, muros altos e lisos e portas trabalhadas. Uma explosão de contrastes que se reflecte
na paisagem, com cavalos e motos a percorrer a cidade lado a lado, mulheres cobertas de véus frente a um
imponente McDonald’s ou prédios e lojas altamente
modernas rodeadas de uma cidade mais tradicionalista. Ao fundo, a mesquita da Koutoubia, edifício mais
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CHURCHILL
DESCREVIA
MARR AQUEXE
COMO “O LUGAR
MAIS BONITO
DO MUNDO
INTEIRO”. Y VES
SAINT LAURENT
INSPIR AVA-SE LÁ.
alto e um dos principais monumentos da cidade. A
entrada só é permitida aos muçulmanos, mas de fora
é possível ver um grande tapete estendido que convida à oração. São cinco os momentos do dia dedicados
a ela. Homens à frente e mulheres atrás respondem
ao chamamento do ‘muezim’ que vem de um altifalante do alto do minarete. O dia santo é a Sexta-feira,
mas ao contrário de outros países árabes, este é um
dia normal de trabalho para os marroquinos. O fimde-semana faz-se ao Sábado e Domingo, como em Portugal, a única diferença é que à Sexta o dia de trabalho
ou escola é interrompido para a missa.
Outro dos grandes monumentos da cidade é o Jardim da Majorelle. Criado por Jacques Majorelle, pintor francês que se instalou em Marraquexe que fez
do jardim uma espécie de espaço de culto às plantas
exóticas e cores garridas a fazer lembrar um quadro.
Predominam os azuis e o amarelo, assim como as
palmeiras, ou bambus ou os cactos. Mas, apesar de
ter herdado o nome de Majorelle, é a ao estilista Yves
Saint Laurent que o jardim deve a vida. É que foi Saint
Laurent quem recuperou o jardim que Majorelle deixou ao abandono. Apaixonou-se pelo espaço assim
que o viu, tal como se apaixonou pela cidade. Era em
Marraquexe que gostava de se isolar para criar as novas colecções e foi Marraquexe que escolheu como
última morada. É neste jardim que as cinzas de Yves
Saint Laurent estão depositadas, num monumento
em memória do criador, mesmo ao lado da casa onde
vivia parte do tempo com Pierre Bergé, com quem dividiu a vida nas últimas décadas.
Dos jardins passamos para o Palácio Bahia, um Riad
típico, com pátio central a céu aberto forrado a mosaicos, mármores e tectos trabalhados. Serviu em tempos de casa ao grande vizir Ba Ahmed Bem Moussa,
suas quatro mulheres e 24 concubinas. É dos poucos
palácios que estão bem conservados e hoje serve de
palco a inúmeros espectáculos e concertos. Tempo
ainda para passar pelos jardins de La Menara, onde
foi fundada a cidade, com direito a fotografia em cima
de um camelo, uma passagem pelo bairro judeu e o
Kasbah (mercado) ou um rápido olhar ao palácio real.
E tudo isto a poucas horas de Lisboa, com voos directos ou a fazer escala em Casablanca. O que não falta
é animação na cidade que Churchill descrevia como
“o lugar mais bonito do mundo inteiro”.
A JORNALISTA VIAJOU A CONVITE DA EMBAIXADA DE MARROCOS UM MÊS
ANTES DOS ATENTADOS NO PAÍS.
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Veja o artigo - Embaixada do Reino de Marrocos