gestão | governança
MURILLO CONSTANTINO
para que
servem as
auditorias?
PanAmericano
Auditoria: Deloitte
O caso: em novembro, o Banco Central
descobriu um rombo de 2,5 bilhões de reais
no balanço do PanAmericano, banco até
então presidido por Luiz Sandoval e auditado
pela Deloitte havia nove anos. O BC ainda
está investigando as responsabilidades
Uma recente onda de escândalos contábeis
coloca em xeque o trabalho dos auditores
externos — contratados justamente para
avalizar a contabilidade de seus clientes
80 | www.exame.com.br
Auditoria: Deloitte
Elas estão na berlinda
Quatro casos emblemáticos acenderam o debate sobre a
responsabilidade das auditorias na descoberta de fraudes contábeis
O caso: em outubro de 2008, a companhia
anunciou perdas de 2,1 bilhões de dólares
por operações com derivativos que
ultrapassaram os limites estabelecidos em
suas regras. Dois ex-executivos e sete
ex-integrantes do conselho e dos comitês de
auditoria e finanças serão julgados pela CVM
Sadia
Auditoria: KPMG
O caso: a Sadia teve prejuízo de 2,6 bilhões
de reais com seis operações de derivativos
acima do permitido em sua política financeira,
em 2008. Em dezembro passado, um
ex-executivo e nove ex-conselheiros da
empresa foram multados pela CVM, num total
de 2,6 milhões de reais — entre eles Walter
Fontana Filho, ex-presidente do conselho
Carrefour
Auditoria: Deloitte
O caso: o Carrefour anunciou em novembro
perdas de 1,2 bilhão de reais por receitas
que foram incorporadas, mas jamais entraram
em caixa. De acordo com o jornal francês
Le Figaro, o varejista deverá processar
a Deloitte por não identificar as perdas
Fontes: empresas, CVM e Banco Central
26 de janeiro de 2011 | 81
Daniela Toviansky
Valores Mobiliários, no
centro do Rio de Janeiro,
advogados de 14 ex-executivos e ex-conselheiros da Sadia debateram no dia 14 de dezembro a responsabilidade sobre as operações com
derivativos que trouxeram prejuízo de
2,6 bilhões de reais e quase quebraram
a companhia em 2008. Depois de um
dia inteiro de julgamento, o ex-diretor
financeiro Adriano Ferreira recebeu
como punição o impedimento de administrar companhias abertas pelos
próximos três anos. Nove conselheiros,
entre eles a empresária Luiza Helena
Trajano, uma das donas do Magazine
Luiza, receberam multas que variam de
200 000 reais a 400 000 reais. “Eles
falharam ao permitir operações acima
do limite estabelecido pela companhia”, diz Alexsandro Broedel Lopes,
relator do processo. Como é de imagi-
nar, a decisão da CVM incomodou os
conselheiros. “Todo mundo errou”, diz
Roberto Faldini, ex-conselheiro que
acabou inocentado no julgamento porque havia assumido uma cadeira no
conselho da Sadia poucos dias antes do
estouro do escândalo. “Por isso mesmo,
estranhamos o fato de os auditores não
terem sido sequer indiciados.” A
KPMG, auditora da companhia entre
2004 e 2008, nunca fez ressalvas sobre
o risco das operações com derivativos
em seus pareceres anuais. Segundo a
CVM, a apuração da conduta dos auditores ainda está em curso.
O debate em torno do rombo na Sadia (empresa que viria a se unir logo
depois à Perdigão para formar a Brasil
Foods) é mais um dos vários escândalos financeiros dos últimos anos que
colocam em dúvida o papel das firmas
de auditoria. Nos últimos tempos, três
outras grandes empresas sofreram perdas bilionárias com fraudes ou irregu-
Sergio Zacchi / Valor/Folha Imagem
N
um auditório lotado
na sede da Comissão de
Aracruz
Ricardo Teles
lucas amorim
gestão | governança
fraude é apontada pela auditoria (veja
quadro abaixo). Quem identifica com
mais frequência os rombos são os filtros criados pelas próprias companhias
— de canais para receber denúncias de
funcionários a auditorias internas. Fortalecer esses órgãos foi justamente a
solução da Brasil Foods para evitar ter
novas surpresas em seus balanços. Hoje, a companhia tem uma estrutura de
controle mais complexa do que a Sadia
ou a própria Perdigão possuíam. Cerca
de 30 funcionários e conselheiros participam de um conjunto de instâncias
de controle — entre elas, o recém-criado comitê de riscos financeiros, além
dos tradicionais comitê de auditoria,
auditoria interna e gerência de riscos.
É o dobro da equipe que a Sadia possuía. “A perda com os derivativos nos
fez aumentar a lupa”, diz Roberto Faldini, que, após a fusão com a Perdigão,
manteve uma cadeira no conselho da
Brasil Foods. Além de contar com os
controles internos, um número crescente de empresas contrata firmas especializadas em investigações que fazem uma verdadeira devassa em suas
operações. A subsidiária brasileira da
Kroll, por exemplo, líder nesse mercado, teve um aumento de 35% no número de investigações em 2010.
É curioso que a natureza de uma ati-
vidade centenária ainda seja alvo de
discussão. A primeira firma especializada em auditar contas foi criada por
William Welch Deloitte, em Londres,
em 1845. As concorrentes vieram nos
anos seguintes, a reboque da cobrança
de impostos com base no lucro das companhias. Com a expansão global das
companhias inglesas, a prática de auditoria se espalhou pelo mundo. No Brasil, a atividade chegou na década de 10,
rue des archives
Mary Altaffer/AP Photo
laridades contábeis — Aracruz, Carrefour e PanAmericano, todas avalizadas
por auditorias independentes. Estimase que companhias desse porte paguem
algo em torno de 5 milhões de reais ao
ano para contar com o serviço de auditores. Com tanto dinheiro na mesa,
seria fácil supor que o carimbo dessas
firmas representasse uma garantia de
que investidores e acionistas poderiam
confiar nas informações divulgadas
nos balanços. Mas não é bem isso o que
acontece. De acordo com a legislação,
descobrir fraudes não é papel das auditorias. Sua função é esquadrinhar as
contas dos clientes para verificar se a
contabilidade está em ordem. E só.
Ainda assim, essa tarefa esbarra numa
limitação prática — o volume assombroso de documentos gerado pelas
grandes empresas. Para revisá-los, os
auditores trabalham por amostragem.
Pinçam alguns dados e checam com
fornecedores, bancos e outras áreas da
companhia se as informações estão
corretas. Desse modo, encontrar uma
fraude isolada pode ser tão difícil
quanto tirar o bilhete premiado na loteria. “Se um administrador conhecer
os meandros e quiser burlar o sistema,
pode ter sucesso”, diz Jorge Menegassi, presidente da Ernst&Young Terco.
“Nosso trabalho é criterioso, mas nunca vai ser infalível.”
As estatísticas mostram que são raras as situações em que essas firmas
percebem alguma irregularidade nesse
sentido. Uma pesquisa da KPMG avaliou que em apenas 2% dos casos uma
Sede do antigo Lehman Brothers, em Nova York: a Ernst&Young,
que auditava as contas do banco, pode receber uma multa de 150 milhões de dólares
Bolsa de Londres no início do século passado: desde que as
auditorias surgiram, escândalos sempre reacendem a discussão sobre seu papel
junto com as primeiras multinacionais,
e tornou-se obrigatória para as companhias abertas nos anos 70. Atualmente,
o setor é dominado por um grupo batizado de Big Four, composto das multinacionais Deloitte, Ernst&Young,
KPMG e PricewaterhouseCoopers.
Trata-se de um negócio bilionário. Em
2010, a líder Deloitte, por exemplo, faturou 26,6 bilhões de dólares no mundo
— desse total, algo em torno de 400 milhões de dólares teve origem no Brasil.
Nos Estados Unidos, o cerco às atividades de empresas de auditoria vem
aumentando. O ponto de inflexão nesse
sentido foi a criação da Lei SarbanesOxley nos Estados Unidos, em 2002,
que passou a impingir multas mais pesadas a administradores, conselheiros
e, conforme o caso, auditores. Desde
dezembro do ano passado, a Ernst&
Young está sendo investigada pelo estado de Nova York por supostamente
ajudar o banco Lehman Brothers a maquiar seus balanços — a quebra da instituição foi a base da crise financeira de
2008. A multa pode se igualar ao valor
que a Ernst&Young recebeu desde 2001
pelos pareceres emitidos para o banco:
150 milhões de dólares. No Brasil, os
casos ainda são raros. O mais recente
aconteceu em dezembro, quando a
CVM multou a KPMG e dois de seus
auditores, num total de 700 000 reais,
pela falta de uma ressalva nos resultados do segundo trimestre de 2008 da
Perdigão. O mundo de muitos lucros e
poucos riscos parece estar chegando ao
fim também para os auditores. n
Fraudes em alta Como as companhias brasileiras estão lidando com uma ameaça cada vez mais presente
A companhia foi vítima de alguma
fraude nos últimos dois anos?
68%
Sim
20%
Não
O valor da fraude estava
de
77% Abaixo
1 milhão de reais
Fonte: KPMG
82 | www.exame.com.br
Não sabem
50%
Vai
aumentar
Quem são os responsáveis
pelas fraudes
26%
Vai ficar
estável
14% Entre 1 milhão e 5 milhões de reais
4%
12%
O número de fraudes nos
próximos anos
61%
Funcionários
da empresa
14% Prestadores de serviço
13% Fornecedores
Entre 5 milhões e 10 milhões de reais
5% Acima de 10 milhões de reais
24%
Vai
diminuir
A posição hierárquica do fraudador
53%
Operacional
4%
Presidência
22%
Gerência
8% Clientes
4% Outros
21%
Chefia
Quem detectou as fraudes
Controles internos
25%
Informações de funcionários
24%
Informações de terceiros
22%
21%
Informações anônimas
19%
Revisão/auditoria interna
15%
Investigações especiais
Acaso
Auditoria externa
6%
2%
26 de janeiro de 2011 | 83
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