XVIII Encontro de Iniciação à Pesquisa
Universidade de Fortaleza
22 à 26 de Outubro de 2012
Clóvis
Beviláqua:
o
perfil
literário
do
jurisconsulto
cearense
Dalila Raquel Garcia Cordeiro1 (IC), Ana Paula Araújo de Holanda* (PQ), Bianca Souza1 (IC), Valter Moura
do Carmo2 (PG).
1. Universidade de Fortaleza – Curso de Direito – Fortaleza, Ceará.
2. Universidade de Fortaleza – Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional – Fortaleza, Ceará.
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Palavras-chave: Clóvis Beviláqua. Cultura Jurídico-Literária. Literatura.
Resumo
Desde a juventude, Clóvis Beviláqua dedicava-se com afinco aos estudos e a leitura de consagrados
escritores e obras literárias. Seu apreço pela Literatura culminou em participações na redação de jornais,
revistas, livros e diversos eventos de caráter artístico.
Integrante da visionária Escola de Recife, rapidamente viu-se influenciado pelas ideias liberais de
Tobias Barreto, figura que influenciou Clóvis a produzir obras de índole filosófica e a aprofundar seus
estudos a respeito da Ciência Jurídica, que, a primeira vista, não atraia o jovem jurista como a Literatura.
Clóvis casou-se com uma amante da arte da escrita, Amélia de Freitas Beviláqua. Ainda na juventude,
a companheira de Beviláqua já havia produzidos inúmeros contos e críticas literárias. Com o apoio do jurista,
Amélia dedicou-se à Literatura por toda sua vida, vindo a concorrer a uma vaga na Academia Brasileira de
Letras e a publicar um livro com seu esposo.
A trajetória de vida de Clóvis Beviláqua revela, por si só, seu perfil e contribuição literária.
Introdução
Ao citar a valorosa contribuição de Clóvis Beviláqua à Ciência Jurídica, costumamos vinculá-lo ao
Projeto de Código Civil de 1916, trabalho este que consolidou sua reputação como emérito jurista e civilista
para além das fronteiras brasileiras. Sua passagem pelo Ministério das Relações Exteriores, entre os anos
de 1906 a 1934, como Consultor Jurídico do órgão é ainda desconhecida, contudo, seus inúmeros
pareceres revelam a objetividade e clareza de suas ideias, demonstrando o domínio de conhecimento
acerca dos mais diversos temas.
Clóvis publicou livros nos campos do Direito Civil, Criminal e Internacional, entretanto nunca trabalhou
diretamente com as atividades forenses, visto ter sempre apreciado o ambiente acadêmico. Homem
apegado à leitura, desde jovem dedicou-se com esmero aos estudos filosóficos e literários. Como
apreciador da cultura literária dedicou-se ainda jovem a produção de jornais, livros, e críticas sobre o tema.
“Nesses escriptos, ha idéas, que, naturalmente, actuaram no espirito dos contemporaneos, realizando
a finalidade propria do pensamento manifestado, que é affirmar-se, expandir-se e contribuir, ainda que
limitadamente, para resolver os problemas da vida em seus multiplos aspectos.” (SIC) (BEVILAQUA, 1930,
p. 03)
Trataremos, pois, de delinear o perfil literário de Clóvis Beviláqua, revelando uma faceta do homem
que pregava o culto as artes e a literatura como essenciais ao desenvolvimento intelectual e moral de uma
sociedade.
Metodologia
A metodologia foi de caráter descritivo-analítico, com base em pesquisa bibliográfica: mediante
explicações embasadas em trabalhos publicados sob a forma de livros, revistas, artigos, publicações
especializadas, imprensa escrita e dados oficiais publicados na internet, que abordaram direta ou
indiretamente o tema em análise.
A utilização e abordagem dos resultados foram puras, visto que teve como único fim a ampliação dos
conhecimentos, e qualitativa, pois buscou-se a relação do tema abordado com a Ciência Jurídica. Quanto
aos objetivos foi descritiva, com o fito de buscar descrever, explicar e esclarecer o assunto apresentado,
bem como exploratória, visando o aprofundamento de ideias por meio das informações sobre o tema em
foco.
Resultados e Discussão
Traçar o perfil literário de Clóvis Beviláqua é uma tarefa ousada e de difícil finalização, pois é uma
fase de sua vida pouco estudada e dificilmente conhecida pela maioria, porém retomo o debate em virtude
de sua densidade intelectual em área distante do Direito, sua matriz mais conhecida. De profunda reflexão
cultural foi sua trajetória de vida, homem voltado para os estudo e debate, desprovido de vaidade.
Clóvis Beviláqua nasceu na pacata cidade de Viçosa do Ceará. Permaneceu nesta cidade cearense
até a época de ingressar nos bancos escolares, o que se deu primeiramente em Sobral e, em seguida, em
Fortaleza, quando aos doze anos deslocou-se para a capital do Estado a fim de aprofundar seus estudos,
matriculando-se no Ateneu Cearense em 1872, tendo como diretor, à época, Teófilo da Costa Mendes,
conhecido mestre. Dois anos depois transferiu-se para o Liceu do Ceará, que era o estabelecimento
educacional mais solicitado. Foi neste momento que conheceu Capistrano de Abreu, Paula Ney, Virgílio
Brígido, Benjamin Barroso, Gil Amora e Pedro Queiroz, todos figuras que se projetaram posteriormente quer
no âmbito local, quer nacional.
O cearense gozou, desde a infância, de uma educação esmerada, regada de estudos da língua latina,
grega e francesa, bem como de leituras de obras filosóficas e literárias que alicerçaram sua índole moral e
intelectual. Clóvis, enquanto jovem estudante, não teve acesso aos meios de comunicação e tecnologia que
hoje a juventude dispõe, fato que contribuiu com sua dedicação aos estudos e apreço à literatura.
Conforme Sílvio Meira (1990, p. 53), em 1876, Clóvis mudou-se para o Rio de Janeiro, centro de
convergências, para onde muitos foram atraídos, tais como: Farias Brito, José de Alencar, Capistrano de
Abreu, Rui Barbosa, Nabuco de Araújo e Sílvio Romero. Então, aos 17 anos matriculou-se no Externato
Jasper e, logo após, no Mosteiro de São Bento, com intuito de preparar-se para os estudos acadêmicos. O
centro educacional lhe proporcionou novas amizades e promoveu reencontros. Além disso, sua paixão pela
literatura se renovou e aperfeiçoou, tanto que juntamente com Silva Jardim, Pereira Franco, Paula Ney
lançou o Jornal Labaratum Literario. Foi Clóvis Beviláqua, com ainda tenra idade, que fez a apresentação do
Jornal, como franca demonstração de sua inclinação literária.
Residia então á antiga rua da Constituição, n.º 22, e ali reunia colegas e amigos para
tertúlias literárias. Freqüentava assiduamente a Biblioteca Municipal, devorando tudo
quanto lhe caísse nas mãos, livros de literatura e filosofia. Aproximou-se da obra de
Augusto Comte, que investigou em profundidade. Silva Jardim incentivava-o. Todos o
estimavam. (SIC) (MEIRA, 1990, p. 54)
Em 1878, Clóvis Beviláqua matriculou-se na Faculdade de Direito do Recife. Credita-se tal fato por
seu elevado apego às suas raízes. Sua preferência por Recife demonstra o lado saudosista de sua
personalidade, traço este que marcou suas obras literárias e que carregou consigo por toda a vida.
Durante o período histórico de 1878 a 1882, Clóvis Beviláqua exerceu grande produção intelectual nas
áreas das letras, da crítica literária e da filosofia. Naquela época a cidade de Recife já se agitava com as
manifestações culturais de Tobias Barreto e Castro Alves. Foi naquele momento que encontrou-se com
Sylvio Romero, Artur Orlando, Graça Aranha, Martins Júnior e José Higino, sendo aquele o seu grande
período de ebulição literária.
Fundou a Gazeta Acadêmica, com Muniz Freire, João Peixoto e Artur Leal, iniciando-se
definitivamente no jornalismo. Começou a participar de vários periódicos: A Província, O Jornal do Recife, O
Diário de Pernambuco, A Tribuna, o Correio de Recife, a Gazeta Acadêmica, e a Nova Aurora. Por volta de
1880, juntamente com Clodoaldo de Freitas e Martins Junior publicou o folheto Vigílias Literárias e, em
seguida, a Idéia Nova, todos marcados de conotações literárias: crônicas, poesias, contos, romances, crítica
literária. São desta época os seus jornais literários O Escalpelo (1881) e O Stereografo (1882).
Clóvis escrevia poesias e crônicas, produzia críticas literárias e até se aventurou a redigir um
romance. Neste período aprofundou seus estudos filosóficos, focados em Augusto Comte, Haeckel,
Büchner, Noiré, Emile Littré e Rudolf Von Jhering. O último foi sujeito de franca admiração pelo cearense,
tanto que sua obra foi profundamente analisada e até traduzida por Beviláqua.
A boa companhia, a concorrência intelectual dos colegas, despertou-lhe profundo interesse
pelas coisas do espírito: poesia e prosa, jornalismo. [...]. Atraía-o a literatura, que durante
muitos anos foi sua preocupação maior. Desejava ser um crítico literário, talvez um
ficcionista. Seus escritos já revelavam essa vocação, embora em estilo com certa dose de
preciosismo, repleto de neologismos, nem sempre oportunos. Era já o escritor que se
revelava, o pensador em embrião. [...]. (MEIRA, 1990, p. 57-58)
O eminente jurista também apreciava a literatura estrangeira, como a ficção francesa e russa,
especialmente, representada pela figura do escritor Fiódor Dostoiévski, autor de Crime e Castigo e Os
irmãos Karamazov. Clóvis também se deleitava com os poetas franceses e italianos, bem como com os
historiadores, poetas e romancistas portugueses.
Clóvis Beviláqua integrou a famosa Escola de Recife, resultado da influência exercida por Tobias
Barreto e Silvio Romero. O grupo filosófico, marcado pela originalidade e heterogeneidade de ideias,
comprometia-se com a divulgação e discussão das correntes filosóficas e jurídicas que até então eram
desconhecidas no País. Seu comprometimento com a Escola de Recife rendeu o livro A Filosofia Positiva no
Brasil no ano de 1883, marcando o fim de uma época de grande efervescência literária no pensamento de
Clóvis Beviláqua.
Ardoroso defensor do sistema republicano, abolicionista por convicção, foi um
revolucionário de idéias que fundamentou suas concepções teóricas ancoradas em obras
de cunho positivista e evolucionista. Em incursões às áreas de Filosofia, Sociologia,
Pedagogia, publicou inúmeros livros e artigos de intensa repercussão nacional, até hoje
consultados e citados por estudiosos do Direito. (SIC) (CEARÁ, 1999, p. 09)
Em 10 de julho de 1880, no Gabinete Português de Leitura de Recife, proferiu uma Conferência sobre
Camões, relativa à comemoração de tricentenário do grande escritor português, marcada por forte influência
da poesia e da literatura. Em decorrência da morte de Paula Ney, em 1897, Clóvis Beviláqua redigiu
emocionante texto publicado no Congresso Acadêmico, n. VI, ano III, em 15 de novembro de 1897. Criou
depois o Jornal O Livro, período marcante em sua obra que perpassa por toda sua existência, mesmo na
sua fase jurista.
Dedicava seu tempo à leitura, à redação de trabalhos literários. Integrava sociedade e
clubes estudantis, entre eles o Clube Republicano, a Sociedade Positivista, o Grêmio
Literário, realizava palestras, e por algum tempo passou a dedicar-se ao magistério, ensino
de História no Gabinete Português de Leitura, por volta de 1882. (MEIRA, 1990, p. 58)
Clóvis concluiu seus estudos acadêmicos aos 23 anos em 1882. Ele mesmo confessou que fora
tomado pela literatura durante os quatros anos do curso de Direito e só após ter lido Jhering, por influência
de Tobias Barreto, é que despertou para o Direito.
O estudo da produção epistemológica de Clóvis Beviláqua deve primar pelos seus valores históricos e
sociais e pela cultura jurídica nacional, mas não deve esquecer que a Literatura era o seu ponto de partida.
Clóvis guardou consigo a calma dos sábios e a busca incessante pela verdade, mesmo quando afastou-se
da sua matriz literária e filosófica e engendrou nos caminhos do direito civil, não perdendo seu aportes
estéticos anteriores.
Em 15 de dezembro 1896, instituiu-se a Academia Brasileira Letras (ABL) nos moldes da Academia
Francesa, e Clóvis Beviláqua é eleito, em 28 de janeiro de 1897, para inaugurar e ocupar a cadeira nº 14,
tendo como patrono Franklin Távora, também cearense. Foi, portanto, um dos fundadores da ABL.
Publicou, juntamente com sua esposa Amélia de Freitas, a Revista Ciências e Letras. Posteriormente,
em 1930, veio a romper com ABL, pelo fato da Academia não aceitar a postulação de sua esposa Amélia de
Freitas, poetisa, para concorrer à vaga deixada por Alfredo Pujol.
No campo especialmente literário, publicou obras extraordinárias como: Épocas e Individualidades:
estudos literários, em 1889, publicado pela Livraria Magalhães – Bahia, com 2° milheiro em 1895 e Literatura
e Direito, em 1907, conjuntamente com sua esposa Amélia de Freitas.
Em Épocas e Individualidades Clóvis Beviláqua fez uma compilação dos seus principais estudos
literários, tais como: Esboço Synthetico do Movimento Romantico Brazileiro (1882), O Thetro Brazileiro e as
Condições de sua Existencia (1889), Sylvio Romero e a Historia da Litteratura Brazileira (1887), Aluisio
Azevedo e a Dissolução Romantica, Julio Soury e sua Interpretação Pathologica do Caracter de Jesus e o
Naturalismo Russo: Dostoievsky (1888). Tal obra demonstra por si só seu espectro intelectual.
Clóvis Beviláqua também figurou junto ao Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) dada a mais
remota referência de 1893. Em 08 de outubro de 1906, teve ingresso no Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, recebido com pareceres laudatórios e aplausos gerais. Nos Governos de Hermes da Fonseca e
Washington Luiz, respectivamente, foi convidado a fazer parte do Supremo Tribunal Federal, porém,
recusou o convite devido a suas características de simplicidade.
Em 1942, seu nome foi incluído no Livro do Mérito e, no ano seguinte, o seu busto inaugurado em
praça pública. Faleceu em 26 de julho de 1944, aos 84 anos por decadência física, com a pena na mão,
elaborando um parecer, tal e qual o mestre Jhering, de madrugada, junto a sua biblioteca, seu maior
paraíso, em sua casa no Rio de Janeiro, com seus pássaros, aves em geral, deixando uma expressiva
herança
jurídica,
filosófica,
histórica
e
literária
para
as
gerações
seguintes.
Conclusão
Ao analisar as ideias literárias de Clóvis Beviláqua encontraremos um profundo defensor da liberdade
e do nacionalismo literário como fruto da consciência social, construída esta, pela sociedade. Sua coerência
acadêmica e o seu equilíbrio no tocante à realidade social levou-o a produzir obras de envergadura literária e
cultural.
Clóvis foi um homem além do tempo, e com a paciência dos sábios soube ouvir as críticas baseadas
no tradicionalismo, deixando ao tempo as respostas sobre suas propostas, pois não basta apenas o homem
possuir ideias revolucionárias, a sociedade tem que estar preparada para entendê-las e absorvê-las.
Sua densidade doutrinária e literária nos faz ver o quanto somos mortais. Apesar do grande avanço
tecnológico que vivemos ainda nos falta o arcabouço que este homem alcançou. Foi um autodidata
contumaz, um aventureiro das novas teorias estáticas europeias. Soube, contudo, excluir do panorama
nacional propostas decadentes bem como percorrer novas matrizes.
Referências
BEVILAQUA, Clóvis. Linhas e Perfis Jurídicos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1930.
BEVILAQUA, Clóvis. Opusculos. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1939.
CEARÁ.Tribunal de Justiça. Memorial do Judiciário Cearense. Inventário do Acervo Clóvis Beviláqua.
Fortaleza, 1999.
MEIRA, Sílvio. Clóvis Beviláqua: Sua Vida. Sua obra. Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará,
1990.
SCHUBSKY, CÁSSIO (Org.). Clóvis Beviláqua: Um Senhor Brasileiro. São Paulo: Lettera.doc, 2010.
Agradecimentos
À Fundação Edson Queiroz pelo incentivo à pesquisa e pela concessão de bolsa de iniciação à pesquisa.
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