Quatro quadros de Alex da Silva
Luiz Silva
lex da Silva (Alexandre
Carlos da Silva Barbosa
Andrade) é um artista plástico cabo-verdiano, nascido em
Angola, a 16 de Abril de 1974, com
residência actual em Roterdão Holanda. Poucos meses após ao seu
nascimento, face à luta dos vários
movimentos de libertação para o
poder em Luanda, os pais tiveram
de regressar à Cabo Verde com a
criança ao colo. O 25 de Abril, data
de esperanças para os povos africanos e portugueses, fez dele logo ao
nascimento um eterno viajante pelo
mundo em procura dum maior
humanismo, duma eterna luta para
a dignidade, que define a vocação
migratória do cabo-verdiano, presentes na sua obra pictural. Viveu a
sua infância e adolescência em
Mindelo, ilha de São Vicente de
Cabo Verde, onde fez os estudos
primários e secundários. Foi ali em
Mindelo, que face a quadros diversos da vida quotidiana, num mundo
cercado pelo mar e
pelos poderes locais
orgulhosos do seu
poder, onde a realidade
do
mundo
pequeno se revela
com maior força, se
inspirou para elaborar
os seus quadros que
falam por si. Numa
das minhas passagens
a Mindelo para revisitar amigos e familiares, numa altura em
que ele já se encontrava na Holanda a
frequentar a Willen de
Kooning Academy of
Art and Architecture
em Roterdão, encontrei a sua mãe, Eloísa
da Silva, ex-colega do
liceu Gil Eanes, que
me convidou a ir ver
os seus trabalhos num
atelier da Rua 19 de
Setembro. Fiquei deslumbrado com a capacidade criativa do
A
n° 20 - mai 2004
LATITUDES
jovem Alex da Silva e não me surpreendeu ao saber que actualmente
esteja realizando uma grande carreira como pintor cabo-verdiano no
mundo da nossa emigração.
Entre 1997 e 1998 frequentou
aulas em Granada, Espanha, na
Alonso Faculdad de Bellas Artes
através do programa de intercâmbio Sócrates. No ano 2000 era já
pós-graduado na Minerva Academy,
na Academia das Artes e
Arquitectura de Roterdão. Graças a
essa formação académica encontrava-se preparado para fazer
progredir a sua pintura na Holanda,
país de pintores, que graças ao
engajamento dos seus pintores
soube resistir às invasões espanholas e alemãs. Não é por acaso que
a Holanda já possui alguns pintores
cabo-verdianos de nível muito apreciado e que testemunha por essa
frase de Eugénio Tavares de que a
emigração cabo-verdiana não é
simplesmente um problema mandi-
bular e que o cabo-verdiano acasalado à outras civilizações enriquece
tanto social como culturalmente.
Meses depois ao meu regresso
de Cabo Verde, recebi um convite
do Guy Ramos, jovem animador
associativo da rádio e televisão a
participar numa semana cultural em
Roterdão onde estavam associados
a música, a culinária, jornalismo e
artes plásticas. A preocupação do
Guy Ramos estava totalmente
voltada para as artes plásticas onde
alguns jovens começavam a fazerse conhecer. Num país de pintores,
permitia-se a nossa emigração de
revelar os seus talentos artísticos
chamando a atenção do Governo
de Cabo Verde para o facto de
emigração não constituir simplesmente um problema de ordem
económica e que era preciso um
projecto cultural para a emigração.
Falava-se da necessidade da criação
de um centro cultural onde os
emigrantes pudessem ver traduzi-
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Alex da Silva, Luiz Silva e Tchalé Figueira em Nantes, 2002
das todos os seus sonhos e esperanças para que Cabo Verde continuasse presente na Holanda.
Estávamos pensando na sede da
Associação Cabo-verdiana, fundada
em 1968, fruto do suor e sangue dos
emigrantes, que o governo do MPD
veio a vender. Durante a última
campanha eleitoral, o PAICV prometeu corrigir esse erro de lesa-cultura.
Muito recentemente, numa
exposição do Tchalé Figueira em
Nantes, França, porto do
mar atlântico, marcado
pelas aventuras marítimas, pela escravatura e
a pirataria nos mares de
Cabo Verde, nos encontramos de novo com o
Alex da Silva e pude ter
uma longa conversa
sobre o essencial da arte
e pude ver os seus
novos trabalhos. O
pintor tinha evoluído,
tanto a nível do traço
como no plano cultural,
fazendo do seu mundo
imaginário
caboverdiano o encontro da
Ásia, da África e da
Europa, mas Cabo Verde
acima de tudo. Tchalé
Figueira ao falar das
obras de Alex da Silva
afirma tratar-se dum dos
grandes pintores modernos de Cabo Verde, mas
lamentavelmente pouco
conhecido dentro e fora
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do Arquipélago.
Graças a Guy Ramos alguns
artistas plásticos se têm feito conhecer tanto em Roterdão como em
Cabo Verde e lamentamos que em
algumas exposições cabo-verdianas
realizadas tanto em Portugal como
em Cabo Verde se esqueçam os
pintores da emigração exilados na
América, na França, Bélgica, como
na Holanda e Suécia. Se o Tchalé
Figueira pode dedicar uma das suas
exposições aos ditadores africanos,
cabe aos nossos pintores o dever
de dedicar a sua reflexão sobre a
história da escravatura e da emigração cabo-verdiana. Se a consciencialização política em Cabo Verde
se fez principalmente através da literatura não podemos ignorar o papel
do cinema, da música, do teatro e
das artes plásticas. Se a luta pela
Independência pôde revelar artistas
plásticos como Abílio Duarte ou
Manuel Figueira, com a Independência tem surgido uma nova geração de pintores, engajados com a
problemática do homem caboverdiano, dentro e fora do
Arquipélago, que não pode ser
ignorada. Esta geração que tem
Tchalé Figueira como um dos principais mentores e já conquistou um
lugar cimeiro na cultura caboverdiana.
Estes quatro quadros de Alex da
Silva representam por si a sua contribuição ao alargamento da reflexão
da condição existencial do homem
cabo-verdiano dentro e fora do
mundo ilhéu através da pintura Abril, 2004
“Struggling Inside”
LATITUDES
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