Prelúdio Modernista: o papel do engenheiro Antônio Bezerra Baltar na historiografia do
urbanismo brasileiro.1
Isabella Leite Trindade
Andréa Dornelas Câmara
Mariana Dornelas Câmara
RESUMO
O texto apresentado relata a trajetória profissional do engenheiro pernambucano Antônio Bezerra
Baltar, que trabalhou desde 1936, em projetos de diversas natureza e escala, coordenou várias
pesquisas e estudou o planejamento de várias cidades nas décadas de 1950 e 1960 no Brasil,
influenciando uma geração de arquitetos e urbanistas.
Os estudos regionais de Baltar representam uma mudança na maneira de planejar e resolver os
problemas urbanos das cidades; levantando questões fundamentais na época e atrelando novas
teorias do desenvolvimento econômico alicerçadas na teoria Economia e Humanismo, no bem
estar social da população, reformulando conceitos que constituíram um novo processo de pensar
os problemas das cidades e regiões partindo de diagnósticos -levantando dados de forma
empírica, e prognósticos - comparando estes dados sob o ponto de vista das condições urbanas.
Resgatar essa experiência, que abre muitos caminhos, significa preencher uma lacuna na
historiografia do urbanismo brasileiro e uma oportunidade de nos aproximarmos da influente figura
de Baltar, sua vida profissional, suas realizações e seus projetos.
INTRODUÇÃO
No Recife, em meio às discussões sobre reformas urbanas e planejamento das cidades brasileiras
e sua transformação em metrópoles modernas, destaca-se a figura de Antônio Bezerra Baltar2
(Figura 01) — engenheiro pernambucano, nascido no Recife em 16 de agosto de 1915; formado,
em 1938, pela Universidade do Recife; doutor em Arquitetura, em Ciências Físicas e em
Matemática; ocupou vários cargos públicos desde 1936; escreveu inúmeros artigos sobre a
arquitetura e o urbanismo modernos3; participou da elaboração de importantes projetos e
1
O texto foi escrito em 2011 e publicado em 2012 no livro Paisagens. Ensino, História, Planejamento. In: TRINDADE, I.
L.; CÂMARA, . D., Mariana Dornelas. Prelúdio Modernista: o papel do engenheiro Antônio Bezerra Baltar na
historiografia do Urbanismo Brasileiro. In: ROLIM, Ana Luisa Oliveira & NÓBREGA, Maria de Lourdes Carneiro da
Cunha (Org.). Paisagens. Ensino, História, Planejamento. 1ed.Recife: Prazer de Ler Ltda, 2012, v. 1, p. 70-78.
2
Sobre a trajetória de Baltar, ver MONTENEGRO, A. T., SIQUEIRA, A. J., AGUIAR, A. C. M. (org). Engenheiros do
tempo. Memórias da escola de engenharia de Pernambuco. Série Documentos. Recife: Editora Universitária,1995,
MOREIRA, F. D., MACEDO, S. A Obra de Antônio Baltar no Recife. In: Anais do V Seminário Nacional de História da
Cidade e do Urbanismo. Campinas: novembro, 1998, PONTUAL, Virgínia Pitta. O engenheiro Antönio Bezerra Baltar:
prática profissional e filiações teóricas. In: I Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisa e PósGraduação em Arquitetura e Urbanismo (I ENANPARQ), 2010, Rio de Janeiro. Arquitetura, Cidade, Paisagem e
Território: percursos e prospectivas. Rio de Janeiro: Prourb, 2010. v. 1. p. 35-35 e A cidade e o bem comum: o
engenheiro Antônio Baltar no Recife dos anos 50. In: IX Encontro Nacional da Associação Nacional de Programas
de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, 2001, Rio de Janeiro. Ética, Planejamento e
Construção Democrática do Espaço. Rio de Janeiro: ANPUR/IPPUR/UFRJ, 2001. v. II. p. 797-809.
3
Baltar tem uma série de artigos publicados em revistas especializadas. Pode-se registrar entre as revistas de maior
importância o Boletim Técnico da Secretaria de Viação e Obras Públicas (SVOP), editado entre 1939-51 e o Boletim da
Cidade e do Porto do Recife, editado pela Diretoria de Obras do Porto entre 1940-56.
1
significativas mudanças na legislação da cidade do Recife, influenciando uma geração de
arquitetos e urbanistas.
A intensa vida profissional do engenheiro, desperta curiosidade por sua vasta atuação no campo
da arquitetura, da engenharia, do urbanismo, da política e no campo acadêmico. Apesar de ter
optado por seguir a profissão de engenheiro, ingressando na Escola de Engenharia de
Pernambuco, sempre esteve ligado a questões relacionadas à arquitetura e ao urbanismo. No
decorrer de sua graduação em engenharia, Baltar também cursou arquitetura durante três anos,
porém não concluiu este curso devido a uma legislação que surgiu na época, que não permitia
fazer os dois cursos simultaneamente.
Figura 01: Antônio Bezerra Baltar
Foto: Acervo pessoal de Letícia Baltar
Figura 02: Caixa d’água de Olinda, marco da arquitetura
moderna em Pernambuco, projeto do DAU.
Fonte: The Architectural Review, mar 1944. Foto Kidder
Smith.
Figura 03: Propaganda do Instituto de Previdência
dos Servidores do Estado de Pernambuco (Ipsep).
Na imagem aparecem os projetos da Vila do
Hipódromo (acima), da Vila dos Contínuos (no
meio, a direita), e do edifício da Secretaria da
Fazenda (no meio, à esquerda e abaixo).
Figura 04: Escola de Bellas Artes do Recife
Fonte: Acervo do Centro Cultural Benfica, na cidade do Recife
Foto: Acervo pessoal de Letícia Baltar
2
Na trajetória de Baltar e nos cargos públicos onde atuou, definimos alguns momentos-chave:
primeiro na Diretoria de Arquitetura e Urbanismo (DAU) do Estado, onde trabalhou como auxiliar
técnico com Luiz Nunes4, pioneiro do movimento da arquitetura moderna no Brasil (Figura 02).
Depois de formado, de 1938 até 1943, trabalhou no Instituto de Previdência dos Servidores do
Estado de Pernambuco (Ipsep), no Departamento de Engenharia dessa instituição, onde
participou dos projetos de urbanização e construção de alguns bairros do Recife (Figura 03). São
exemplos desse período, o projeto para a Vila do Hipódromo, o projeto para a Vila dos Contínuos,
em Areias, e a coordenação e construção do edifício da Secretaria da Fazenda, um dos marcos
da arquitetura moderna em Pernambuco, que foi financiado pelo instituto.
Em 1941, ingressou, como professor da cadeira de Urbanismo da Escola de Bellas Artes de
Pernambuco (Figura 04), no curso de Arquitetura, depois transformado em Faculdade de
Arquitetura da Universidade do Recife.
Depois, na mesma escola, leciona as seguintes disciplinas: ‘Perspectiva’ durante três anos a partir
de 1943; ‘Teoria da Arquitetura’, durante dois anos, a partir de 1945, quando substitui o professor
Evaldo Coutinho, que foi para o Rio de Janeiro a trabalho; ‘Pequenas Composições’, a partir de
1947 e ‘Urbanismo’. Com a morte do professor José Estelita em 1951, e após se submeter ao
concurso público para o cargo de professor interino, assume a cadeira de ‘Urbanismo e
Arquitetura Paisagística’ do Curso de Arquitetura da Escola de Belas Artes de Pernambuco, onde
trabalhou durante 24 anos. 5
Em 1941, fundou Junto com Murilo Domingues Coutinho, Pelópidas Silveira e Sizenando Carneiro
Leão, o Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep) 6.
Em 1943, quando se desvinculou do IPSEP, passou a trabalhar na Associação de Cimento
Portland como engenheiro chefe regional e depois no Departamento Nacional de Estradas e
Rodagens (DNER), onde ficou durante nove anos na direção estadual do órgão (DER-PE). A partir
de 1946, participou, como representante do Clube de Engenharia, da Comissão do Plano da
Cidade do Recife7.
Para concorrer à cátedra de Urbanismo e Arquitetura Paisagística da Escola de Belas-Artes da
Universidade do Recife, em 1951, Antônio Bezerra Baltar, em sua dissertação Diretrizes de um
4
No Recife, Luiz Nunes criou e dirigiu a Diretoria de Arquitetura e Construção (DAC), posteriormente reformulada e
denominada Diretoria de Arquitetura e Urbanismo (DAU). A equipe formada e chefiada por Luiz Nunes — cujo trabalho
resultou nas primeiras realizações da arquitetura moderna no Recife, entre 1934 e 1937 — era composta do arquiteto e
paisagista Burle Marx, do arquiteto Aníbal de Melo Pinto, do calculista Joaquim Cardoso, dos arquitetos Saturnino de
Brito e João Correia Lima — contratados em 1936 —, além de Ayrton Carvalho e Antônio Bezerra Baltar — estagiários
de engenharia.
5
Baltar também foi professor de Estatística e Economia na Escola de Engenharia da década de 1940 até ser cassado
em 1964. IN MONTENEGRO, ANTÔNIO TORRES, SIQUEIRA, ANTÔNIO JORGE, AGUIAR, ANTÔNIO CARLOS M. (org). Op. Cit.
P. 29
6
O ITEP foi fundado através do Decreto Lei de 13 de outubro de 1942. In: GUSMÃO FILHO, Jaime de A. [org].
Pelópidas. O homem e a obra. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2005.
7
O Clube de Engenharia, criado no final da década de 1910, representa um lugar de discussão das questões de
engenharia, de reivindicação da importância profissional do engenheiro e da divulgação das vantagens do emprego de
seus conhecimentos e tem participação ativa, emitindo pareceres na reforma do bairro de Santo Antônio, responsável
inclusive pelo Plano da Comissão do Clube de Engenharia. In: OUTTES, J. Op. cit. p. 43. Baltar participou como
representante do Clube de Engenharia durante dezoito anos.
A Comissão Consultiva do Plano da Cidade do Recife, criada na década de 1930 e composta de várias subcomissões
encarregadas de dar subsídios para elaboração do plano de reforma do bairro, era composta de representantes do
Clube de Engenharia; da Associação Comercial; do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico; do Rotary Clube; e da
Ordem dos Advogados. Foi dissolvida em 1935 e recriada na gestão do prefeito Novais Filho, em decreto municipal de
04 de outubro de 1938, ficando incubida de dar continuidade aos estudos iniciados e organizar o plano regulador de
expansão da cidade. In: OUTTES, J. Op. cit. p. 78 e p. 173.
3
Plano Regional para o Recife8, trata da análise e concepção de um plano de remodelação e
expansão do complexo urbano da região do Recife (Figuras 05 e 06).
O trabalho de Baltar representa um marco na historiografia, visto que, até a década de 50, a
cultura urbanística no Brasil, de modo geral, estava voltada para intervenções que tratavam de
planos viários, de remodelação e embelezamento. Nesse aspecto, a atenção de Baltar difere dos
planos anteriores, é pioneiro e inovador: [1] pela abrangência territorial e o entendimento de que a
cidade não podia ser vista e tratada dentro dos seus limites; [2] pelo caráter de planejamento
urbano; e [3] por servir de referência à organização da Região Metropolitana do Recife.
Para Baltar, ‘o urbanismo teve que sofrer uma dupla expansão conceitual, pela incorporação de
problemas novos e pelo alargamento da base física de sua aplicação’9.
Os problemas novos a que o urbanista se refere, são as questões que vão além da estética,
saneamento e trânsito e que marcaram o debate na primeira metade do século XX. O alagamento
da base física refere-se de um lado ao progresso das ciências e a incorporação de novas
disciplinas para a solução dos problemas, como a sociologia e a geografia humana; e, por outro
lado, a planificação urbanística que se estendeu além dos limites geográficos da cidade,
incorporando o conceito de Região.
Figura 05: Esquema orgânico de uma Cidade Satélite.
Fonte: BALTAR, Antônio Bezerra. Diretrizes de um
Plano Regional para o Recife. Tese de concurso para
o provimento da cadeira de Urbanismo e Arquitetura
Paisagística na Escola de Belas-Artes da Universidade
do Recife. Recife, 1951. p.169
Figura 06. Organograma do Recife – cidade
regional.
Fonte: BALTAR, Antônio Bezerra. Diretrizes de
um Plano Regional para o Recife. Tese de
concurso para o provimento da cadeira de
Urbanismo e Arquitetura Paisagística na Escola
de Belas-Artes da Universidade do Recife. Recife,
1951. p. 175
Em 1947, conheceu o padre Louis-Joseph Lebret idealizador do Movimento Economia e
Humanismo, com quem trabalhou durante muitos anos na Sociedade de Análises Gráficas e
Mecanográficas Aplicadas a Complexos Sociais (Sagmacs)10,, coordenando várias pesquisas e
8
BALTAR, Antônio Bezerra. Diretrizes de um Plano Regional para o Recife. Tese de concurso para o provimento da
cadeira de Urbanismo e Arquitetura Paisagística na Escola de Belas-Artes da Universidade do Recife. Recife, 1951.
9
BALTAR, Antônio Bezerra. Espaço Regional e Planejamento. Separata dos arquivos da Universidade da Bahia,
Escola de Belas Artes. Vol II 1954 – 1955. p. 370
10
Lebret fundou a Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas a Complexos Sociais (Sagmacs), com
escritórios regionais em São Paulo, no Recife e em Belo Horizonte, por onde passaram vários arquitetos de todo o País.
Para saber mais sobre a SAGMACS, ver entre outros: TRINDADE, Isabella, DORNELAS CÂMARA, Andréa,
4
planos diretores, estudando o planejamento, a remodelação e a expansão de várias cidades. É
desse período, o estudo “Desenvolvimento de Indústrias Interessando a Pernambuco e ao
Nordeste” (1954), “Problemas de Desenvolvimento. Necessidades e Possibilidades do Estado de
São Paulo” (1954), “Pesquisa da Estrutura Urbana da Aglomeração Paulista” (1957-1958),
“Pesquisa da Estrutura Urbana de Belo Horizonte” (1958-1959) e o “Plano da Cidade de Ourinhos”
(1954-55), apresentado na IV Exposição Internacional de Arquitetura, em 1957 — um dos únicos
projetos urbanísticos incluídos nas bienais dos anos 50.11
Figura 07: Plano da Cidade de Ourinhos. Planejamento
proposto – zoneamento.
Fonte:
Acervo
da
Secretaria
Municipal
de
Desenvolvimento Urbano da Prefeitura Municipal de
Ourinhos -SP
Figura 08: Pesquisa da Estrutura Urbana da
Aglomeração Paulista. Ideias para um esquema
funcional de ligações rápidas – prancha G16.
Fonte:
Acervo
da
Secretaria
Municipal
de
Desenvolvimento Urbano (SMDU) da Prefeitura
Municipal de São Paulo - São Paulo.
Em 1957, iniciou um período de intensa dedicação à pesquisa do urbanismo e, junto com outros
professores, fundou a Revista da Escola de Belas Artes de Pernambuco, da qual foi membro da
redação e efetivo colaborador. Na década de 1960, no âmbito da universidade, criou um instituto
de pesquisas — Centro de Estudos de Planejamento Urbano e Regional (Cepur) — para prestar
serviços a comunidades da Região Nordeste em questões urbanas e produção de planos, como
os planos para as cidades de Caruaru, em Pernambuco, e Juripiranga, na Paraíba.
Se interessou por política a partir de 1943. Foi membro da Esquerda Democrática e fez parte da
fundação do Partido Socialista Brasileiro –PSB, bem como da direção municipal, estadual e
nacional do partido. Se elegeu duas vezes vereador na Câmara do Recife, sendo a primeira vez
em 1955 (1955-1959); e depois suplente do senador Antônio de Barros Carvalho nas eleições de
outubro de 1958. Assumiu o cargo de senador pelo Estado de Pernambuco de 20 de junho de
1960 a 1 de fevereiro de 1961 quando Antônio de Barros Carvalho foi convidado para ocupar a
pasta da Agricultura como ministro, no final do governo Juscelino Kubitschek.
DORNELAS CÂMARA, Mariana. A pesquisa urbano-regional no Brasil a partir do surgimento da Sagmacs e a
aproximação com o Movimento Economia e Humanismo. In: NÓBREGA, Maria de Lourdes Carneiro da Cunha.
Arquitetura e Urbanismo. Recife, Prazer de Ler, 2010. P. 115 a 128.
11
As primeiras Exposições Internacionais de Arquitetura (EIAs), realizadas em paralelo às bienais de arte paulistanas,
entre 1951 e 1961, tiveram grande repercussão no público e na crítica. Seus projetos foram selecionados por
renomados críticos e profissionais, a exemplo de Alvar Aalto, Luis Saia, Philip Johnson, Siegfried Giedion e Walter
Gropius. Apenas dois arquitetos radicados em Pernambuco participaram das primeiras bienais: Antônio Bezerra Baltar e
Mário Russo. In: HERBST, Hélio. Aspectos do debate cultural dos anos 50: a participação nordestina nas bienais
paulistanas e a constituição de novos conceitos de modernidade. Recife: Anais do 1º Seminário Docomomo Norte
Nordeste, 2006.
5
Como vereador, teve importante atuação ao lado de Pelópidas Silveira, que adota para a definição
das intervenções na cidade as diretrizes formuladas por Baltar em 1951 e por Lebret em 195412, e
cria em 1957 a Comissão de Estudos e Planejamento do Recife (CEPRE) – cuja concepção é
atribuída a Baltar - com a finalidade de opinar sobre os problemas de tráfego e do zoneamento da
cidade e, principalmente, tratar dos aspectos sociais e econômicos da região metropolitana, em
substituição à antiga Comissão do Plano da Cidade.
Foi autor de importantes legislações na cidade do Recife: o Decreto 2.590 de 24/11/195313, que
estabelece normas que regulam a verticalização e a determinação dos afastamentos; a Lei 4.456
de 25/10/1956, que disciplinava a diversificação da atividade comercial e o Código de Urbanismo
e Obras da Cidade do Recife, Lei nº 7.427, de 19/10/1961.14
Em 1964, com o golpe militar, foi preso quatro vezes e obrigado a sair do País. Exilou-se no Chile,
onde permaneceu por doze anos. Lá, trabalhou na Organização das Nações Unidas (ONU), no
Centro de Estudos para América Latina (Cepal) e também do Instituto Latino-Americano de
Planificação Econômica e Social – ILPES, onde realizou trabalhos em todos os países da América
do Norte, Sul e Central — em várias capitais e em outras cidades menores — e mais algumas
cidades de outros continentes. Neste período, ministrou cursos de análise de projetos de
desenvolvimento no Chile, na Argentina, na Bolívia, no Paraguai, no Equador, na Venezuela, no
México, na Costa Rica, em Honduras, no Brasil, em Israel, em alguns países da Europa e nos
EUA. No total trabalhou em 22 países diferentes.
Depois da aposentadoria, aos 62 anos, morou no Canadá por um período de quatro anos e voltou,
em 1982, após a Lei da Anistia, para reintegrar os quadros da Universidade por dois anos, no
Mestrado em Desenvolvimento Urbano. Continuou trabalhando durante muitos anos, sempre
voltado às questões do urbanismo, tendo participado, inclusive, da elaboração do Plano Diretor do
Recife, no início da década de 1990.
Baltar faleceu em 15 de junho de 2003. Nos inúmeros textos que escreveu, percebe-se uma
ampla cultura urbanística e importantes contribuições para resolução dos problemas da cidade
moderna.
Conhecer e estudar as ideias da ‘cidade moderna’ e do ‘urbanismo moderno’ contidos nos planos
e projetos do engenheiro, significa a compreensão de outras vertentes de uma cultura urbanística
no Brasil, ou seja, uma gama variada de visões, de propostas e de manifestações relativas à
solução dos problemas da cidade que não passa exclusivamente pela vertente corbusiana, nem
pelo modelo divulgado pelos CIAM’s e por Lúcio Costa (apesar do destacado e influente exemplo
de Brasília); mas também pelas lições Ebenezer Howard, idealizador do movimento Cidade
Jardim (em suas diversas manifestações); pelo planejamento inglês do pós-guerra, sobretudo as
lições de Patrick Geddes e Patrick Abercrombie; e pelos estudos regionais atrelados as novas
teorias do desenvolvimento econômico alicerçadas na teoria Economia e Humanismo, no bem
12
PONTUAL, Virgínia. O percurso do prefeito Pelópidas Silveira: ideais disperdiçados?. In: GUSMÃO FILHO, Jaime de
A. [org]. Pelópidas. Op. Cit. p.188. As diretrizes formuladas por Baltar estão contidas na publicação BALTAR, Antônio
Bezerra. Diretrizes de um Plano Regional para o Recife. Tese de concurso para o provimento da cadeira de
Urbanismo e Arquitetura Paisagística na Escola de Belas-Artes da Universidade do Recife. Recife, 1951 e as diretrizes
formuladas por Lebret, trabalho cuja coordenação é de Antônio Baltar, foram publicadas no livro LEBRET. L.-J. Estudo
sobre desenvolvimento e implantação de indústrias, interessando a Pernambuco e ao Nordeste. (série
planificação econômica). Recife, 2ª. edição. Revista do CONDEPE, 1954.
13
O prefeito da Cidade do Recife, através do Ato nº 2.411 de 06/02/1953 designa os seguintes engenheiros de
reconhecida e notória competência profissional para elaborarem o códico de Obras da Cidade: Antônio Bezerra Baltar,
Antônio Jucá Rego Lima, Antônio Figueiredo Lima, Arlindo Pontual, Augusto Ribeiro Pessoa, Ayrton Costa Carvalho,
Acácio Gil Borsoi, Murilo Coutinho, Edgar Amorim, Paulo Magalhães, Pelópidas Silveira e Roberto Egídio de Azevedo.
In: Diário Oficial, 22/02/1953. p.847
14
Para saber mais sobre as duas legislações ver: PONTUAL, Virgínia. Uma cidade e dois prefeitos: narrativas do
Recife das décadas de 1930 a 1950. Recife: editora da UFPE, 2001
6
estar social da população, reformulando conceitos que constituíram um novo processo de pensar
os problemas das cidades e regiões partindo de diagnósticos -levantando dados de forma
empírica, e prognósticos - comparando estes dados sob o ponto de vista das condições urbanas.
Essas expressões que seguramente se manifestam na obra de Baltar, caracterizam uma
metodologia particular ligada as correntes de pensamento difundidas na Europa e EUA, revelam
outras formas de compreensão das cidades brasileiras (e outra vertente do urbanismo moderno
no Brasil); e, configuram uma nova disciplina: de um lado, por sua pretensão científica, e de outro,
por sua intenção de controlar e prever o futuro das cidades, sobretudo quando se produzem
mudanças importantes na estrutura de algumas cidades brasileiras, com o surgimento da
dimensão metropolitana.
Por último (mas não menos importante), cabe ressaltar a atuação de Baltar como professor, visto
que, além de muito respeitado pelos alunos, foi o único responsável durante muitos anos (mais de
vinte) pela formação da parte referente ao urbanismo na Escola de Belas Artes do Recife. Somese a isso, o fato do Curso de Arquitetura, sendo um dos mais antigos do Brasil, ter sido durante
muito tempo; junto com o da Bahia, o responsável único pela formação dos arquitetos do norte e
nordeste do país.15
Resgatar essa experiência, que abre muitos caminhos, significa preencher uma lacuna na
historiografia do urbanismo brasileiro e uma oportunidade de nos aproximarmos da influente figura
de Baltar, sua vida profissional, suas realizações e seus projetos (pouco divulgados e alguns até
desconhecidos) .
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BALTAR, Antônio Bezerra. Diretrizes de um Plano Regional para o Recife. Tese de concurso
para o provimento da cadeira de Urbanismo e Arquitetura Paisagística na Escola de Belas-Artes
da Universidade do Recife. Recife, 1951.
___. Espaço Regional e Planejamento. Separata dos arquivos da Universidade da Bahia, Escola
de Belas Artes. Vol II 1954 – 1955.
BARRETO, Sônia Marques da Cunha. Maestro sem Orquestra. Um estudo de ideologia do
arquiteto no Brasil. 1820-1950. Tese de mestrado, CMS/PIMES/UFPE, Recife, 1983.
C.f. CEPUR. Centro de Estudos de Planejamento Urbano e Regional. Planejamento físico,
diretrizes. Cidade de Juripiranga – PB. Recife: imprensa universitária, 1967
GUSMÃO FILHO, Jaime de A. [org]. Pelópidas. O homem e a obra. Recife: Ed. Universitária da
UFPE, 2005.
HERBST, Hélio. Aspectos do debate cultural dos anos 50: a participação nordestina nas
bienais paulistanas e a constituição de novos conceitos de modernidade. Recife: Anais do 1º
Seminário Docomomo Norte Nordeste, 2006.
LEBRET. L.-J. Estudo sobre desenvolvimento e implantação de indústrias, interessando a
Pernambuco e ao Nordeste. (série planificação econômica). Recife, 2ª. edição. Revista do
CONDEPE, 1954.
15
BARRETO, Sônia Marques da Cunha. Maestro sem Orquestra. Um estudo de ideologia do arquiteto no Brasil. 18201950. Tese de mestrado, CMS/PIMES/UFPE, Recife, 1983. p.19
7
MONTENEGRO, Antônio Torres, SIQUEIRA, Antônio Jorge, AGUIAR, Antônio Carlos M. (org).
Engenheiros do tempo. Memórias da escola de engenharia de Pernambuco. Série Documentos.
Recife: Editora Universitária,1995
MOREIRA, Fernando Diniz, MACEDO, Sílvia. A Obra de Antônio Baltar no Recife. In: Anais do
V Seminário Nacional de História da Cidade e do Urbanismo. Campinas: novembro, 1998.
OUTTES, J. Op. cit. p. 43. Baltar participou como representante do Clube de Engenharia durante
dezoito anos.
PONTUAL, Virgínia. Uma cidade e dois prefeitos: narrativas do Recife das décadas de 1930 a
1950. Recife: editora da UFPE, 2001
___. O percurso do prefeito Pelópidas Silveira: ideais disperdiçados?. In: GUSMÃO FILHO, Jaime
de A. [org]. Pelópidas.
The Architectural Review, mar 1944. Foto Kidder Smith.
TRINDADE, Isabella, DORNELAS CÂMARA, Andréa, DORNELAS CÂMARA, Mariana. A
pesquisa urbano-regional no Brasil a partir do surgimento da Sagmacs e a aproximação
com o Movimento Economia e Humanismo. In: NÓBREGA, Maria de Lourdes Carneiro da
Cunha. Arquitetura e Urbanismo. Recife, Prazer de Ler, 2010. P. 115 a 128.
8
Download

Prelúdio Modernista: o papel do engenheiro Antônio Bezerra Baltar