ID: 54914275 20-07-2014 Tiragem: 34442 Pág: 30 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 27,41 x 31,96 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 3 Há uma investigação aos destroços do MH17, mas por enquanto só no papel Rebeldes separatistas controlam a área e acompanham os especialistas da OSCE para todos os lados. Habitantes da região levam destroços e ninguém sabe ao certo onde estão as caixas negras ALEXANDER KHUDOTEPLY/AFP Ucrânia Alexandre Martins Já todos vimos as imagens em notícias na televisão, em filmes ou em documentários. Após a queda de um avião, toda a área é isolada e os especialistas em desastres aéreos analisam os destroços ao pormenor, como peças de um gigantesco puzzle que vai sendo completado até se transformar numa reconstituição daquilo que realmente aconteceu. No caso do voo MH17 da Malaysia Airlines, que se despenhou na Ucrânia, aparentemente abatido por um míssil, o cenário é diferente — enquanto especialistas da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), equipados com coletes à prova de bala, são escoltados por dezenas de separatistas pró-russos armados, mulheres equipadas com chinelos, roupa de dormir e vestidos com alegres arranjos florais são vistas a passear livremente por entre o que restou do Boeing 777. Com ou sem investigação independente internacional, o ministro dos Transportes da Malásia já tem uma certeza: “A integridade da área foi comprometida, e há indicações de que não foram preservados indícios fundamentais. As interferências no local do desastre põem em risco a investigação”, afirmou Liow Tiong Lai, em conferência de imprensa. O ministro evitou apontar o dedo aos rebeldes separatistas, mas as entrelinhas das declarações de muitos líderes internacionais são por estes dias tão claras que ninguém corre o risco de errar na interpretação: o Presidente dos EUA, Barack Obama, disse que o avião foi abatido por um míssil terra-ar, lançado de uma área controlada por “separatistas apoiados pela Rússia”. O resto, o 2+2=4, foi traduzido por Obama numa frase: “Não sabemos ainda ao certo o que aconteceu, mas começamos a tirar algumas conclusões dada a natureza do disparo que foi feito.” Depois de os líderes separatistas terem dado a entender que iriam permitir um acesso livre à área por onde estão espalhados os destroços e os corpos das vítimas, houve um recuo a partir do momento em que os peritos chegaram ao terreno. “Temos de trabalhar com rapidez para ver o que se passa em relação As imagens que chegam da Ucrânia mostram habitantes da região a passearem por entre os destroços do Boeing 777 à segurança na área, ao estado dos corpos, aos destroços, e também às caixas negras”, disse ao The Washington Post um dos funcionários da OSCE, não identificado. Em Kiev, as autoridades locais foram mais longe, acusando “os terroristas liderados pela Rússia” (a forma como as autoridades de Kiev se referem aos combatentes separatistas pró-russos) de estarem a “obstruir o início da investigação”. Pior do que isso — acusou o Governo ucraniano —, os rebeldes “levaram 38 corpos para a morgue de Donetsk, onde ‘especialistas’ com sotaque russo disseram que iriam fazer autópsias”. “Os terroristas estão também a tentar fazer chegar ao local equipamento de transporte para remover os destroços do avião para a Rússia”, acusaram as autoridades de Kiev. A Ucrânia acusou desde o primeiro momento os rebeldes separatistas de terem abatido o avião, mas agora diz ter provas de que os homens que activaram o sistema de mísseis são de nacionalidade russa. “Temos provas conclusivas de que este acto terrorista foi perpetrado com a ajuda da Federação Russa. Temos a certeza de que a equipa que opera este sistema é composta por cidadãos russos”, afirmou o responsável pelos serviços secretos do país, Vitali Nada. Rebeldes chamam russos Do outro lado surgem acusações em direcção a Kiev. O homem que se apresenta como primeiro-ministro da autoproclamada República Popular de Donetsk, Alexander Borodai, desmentiu a acusação de que os seus homens estão a revolver a área do desastre, e acusou o Governo ucraniano de estar a atrasar a chegada ao local de especialistas. Apesar disso, não põe de parte a hipótese de começar a remover os corpos. “Corpos de pessoas inocentes estão à mercê do calor. Reservamo-nos o direito de iniciar a remoção dos corpos se este atraso continuar. Pedimos à Federação Russa que nos ajude e que envie peritos.” As grandes questões continuam em aberto, e quanto mais tempo passar, mais tempo demorará a ser encontrada uma resposta: quem disparou o míssil, e por que razão foi disparado contra um avião civil. Se foi abatido com um míssil do sistema terra-ar Buk (um sofisticado sistema de fabrico russo, usado também pelas forças ucranianas), seria expectável que o operador tivesse informação para distinguir um avião comercial de um militar, já que emitem sinais diferentes. Por isso, escreve o especialista em tecnologia Brian Fung no The Washington Post, só há duas possibilidades, partindo do princípio de que o míssil foi disparado pelos separatistas: “Ou os rebeldes quiseram abater um avião comercial, ou apenas receberam treino para operar os controlos, mas não sabiam distinguir entre os códigos [emitidos pelos diferentes tipos de aviões].” Como a decisão de abater um avião comercial parece não beneficiar os separatistas, Fung inclina-se para a segunda hipótese, porque a presença do sistema Buk é uma relativa novidade no terreno. Sejam quais forem os desenvolvimentos nos próximos dias, o ministro dos Transportes da Malásia lembrou que não é apenas o conflito que está em jogo. É preciso “descobrir quem abateu o voo MH17”. “Queremos justiça”, exigiu. Ver Ponto de Vista, pág. 35 ID: 54914275 20-07-2014 Tiragem: 34442 Pág: 31 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 27,28 x 31,53 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 2 de 3 “Os políticos russos encaram estes separatistas como seus agentes” Stephen Saideman Universidade de Carleton Estão os “homens de verde” de Putin à solta no Leste da Ucrânia? João Ruela Ribeiro Desde que os primeiros “homens de verde” — como são chamados os separatistas pró-russos — apareceram na Ucrânia que as suas origens e acções têm sido disputadas. O Ocidente afirma serem controlados pela Rússia e responsabiliza-os pela queda do MH17. Publicamente, o Governo russo negou desde a primeira hora qualquer influência sobre os comandos que tomaram o poder na Crimeia e, posteriormente, avançaram para várias cidades do Leste da Ucrânia, onde têm travado batalhas com as forças leais a Kiev. A imprensa russa costuma catalogar estes grupos como de “autodefesa”, mas, no terreno, acumulam-se provas que apontam para uma interferência do Kremlin. Se ao início os rebeldes apareciam armados apenas com metralhadoras Kalashnikov comuns, à medida que o conflito se estendeu começaram a surgir armas mais recentes e sofisticadas de fabrico russo. No mês passado, o Governo ucraniano afirmou que vários tanques russos atravessaram a fronteira, algo que acabou por se tornar comum nas últimas semanas, de acordo com The New York Times. Para além do fornecimento de armas e veículos, algumas das principais figuras têm ligações muito próximas ao Kremlin. É o caso de Igor Girkin, também conhecido como Strelkov, que é o líder militar da autoproclamada República Popular de Donetsk. Girkin é cidadão russo, serviu na Chechénia e é suspeito de trabalhar para os serviços secretos militares russos, os GRU. A versão do Kremlin é a de que se trata de um ex-funcionário dos Serviços de Segurança Federais russos. Alexei Borodai, o primeiro-ministro da RPD, é, tal como Strelkov, cidadão russo que se diz ter envolvido no conflito ucraniano de forma privada. Fora da cúpula que lidera os rebeldes são muitos os oficiais identificados como cidadãos russos. No entanto, os últimos tempos têm evidenciado um certo afastamento entre Moscovo e os rebeldes, deixando transparecer que, por um lado, a Rússia pretende distanciar-se das acções no terreno e, por outro, que os próprios separatistas estão longe de ser apenas marionetes. A percepção de que Moscovo tem um controlo total sobre os rebeldes é afastada por Alexander Nekrasov, um antigo conselheiro do Kremlin. “Não é tão simples assim”, disse esta semana à BBC. “Há vários grupos que têm as suas próprias agendas e abastecimentos de armas”, explicou. A estratégia de travar uma espécie de guerra por procuração, como lhe chama Stephen Saideman, da Universidade de Carleton, tem vantagens óbvias para Vladimir Putin. “Podem não ser inteiramente uma criação russa e não são totalmente compostos por pessoal russo, mas é óbvio que os políticos russos encaram estes separatistas como seus agentes para pressionar e desestabilizar o Governo ucraniano”, explica. Sem nunca assumir que é do Kremlin que vêm as ordens, o Presidente russo poderá sempre utilizar o argumento de que não interveio no território ucraniano — lógica que sempre usou — não correndo o risco de poder ser acusado de desrespeitar o direito internacional. Por outro lado, este tipo de subterfúgio traz alguns riscos para o terreno. Ao contrário de um exército regular, deixa de existir uma hierarquia fixa e a cadeia de comandos é Dois acidentes em quatro meses e a sobrevivência da Malaysia Airlines está em risco mais facilmente desrespeitada. Medidas punitivas como despromoções ou julgamentos não são possíveis e, em caso de uma quebra entre quem controla e quem está no terreno, as ofensivas podem tornar-se imprevisíveis. Tudo indica que a Rússia terá “perdido o controlo sobre os separatistas no Leste”, nota ao PÚBLICO Maria Raquel Freire, especialista em Relações Internacionais. Moscovo, por seu turno, parece ter suavizado alguma da retórica utilizada em relação ao poder de Kiev, especialmente após as eleições presidenciais de 25 de Maio. Apesar de continuar a não reconhecer o Governo e a considerar o derrube de Viktor Ianukovich como um golpe de estado, Putin mostrou-se favorável, pelo menos, à abertura de linhas de comunicação com Petro Poroshenko, o Presidente eleito, chegando mesmo a discutir um cessar-fogo. Para a docente da Universidade de Coimbra, “a Rússia já conseguiu o que queria da crise na Ucrânia, com a integração da Crimeia”. A própria relação com os comandos rebeldes foi particularmente diferente da postura que Moscovo adoptou no caso da Crimeia. A rapidez com que o Governo russo reconheceu e colocou em marcha a integração da península contrasta com a ausência total desse cenário nos discursos oficiais em relação ao Leste da Ucrânia. DOMINIQUE FAGET/AFP Alexei Borodai , o “primeiro-ministro” separatista, é russo Raquel Almeida Correia Longe de se recompor do embate causado pelo desaparecimento do voo MH370, a 8 de Março, a Malaysia Airlines parece ter definitivamente entrado em rota de crise. A companhia, detida maioritariamente pelo Estado, está a ser castigada a todos os níveis pelos dois acidentes que protagonizou no curto espaço de quatro meses. Os cenários de auxílio financeiro e de venda a privados estão em cima da mesa. Na sexta-feira, assim que a bolsa da Malásia abriu, as acções da transportadora aérea caíram a pique, atingindo uma queda máxima de 17% e encerrando com uma perda de 11%. Uma tendência que, apesar de mais vincada, segue o movimento das acções da empresa desde o desaparecimento do voo que ligava Kuala Lumpur a Pequim, com 239 pessoas a bordo. A maior perda, do ponto de vista financeiro, é sentida directamente nos bolsos dos contribuintes do país, visto que o Estado detém 69% do capital da companhia de aviação. Mas o impacte para os cofres públicos da Malásia pode não ficar por aqui: especula-se sobre um eventual auxílio financeiro, como já aconteceu no passado, aliás. O cenário de desmantelamento da transportadora, com a posterior venda a privados dos activos rentáveis, também é referido por alguns especialistas na imprensa internacional. Um acidente, especialmente um que seja fatal, é o que de pior pode acontecer a uma companhia de aviação. Dois acidentes mortais, num espaço tão curto de tempo, levam a crer que a empresa terá muitas dificuldades a reerguer-se. Até porque, tanto o desaparecimento do MH370 — meses de buscas e investigações foram inconclusivos, não se sabe onde caiu o avião nem o motivo do despenhamento —, como o presumível abate do MH17 no Leste da Ucrância estão envoltos num enredo muito particular e estão entre os piores da história da aviação comercial. A tudo isto soma-se o facto de, mesmo antes dos desastres, a Malaysia Airlines já se apresentar como uma transportadora aérea em dificuldades, com anos consecutivos de prejuízos e uma aparente apatia face às investidas da concorrência. Desde 2012 que tinha em marcha um plano de reestruturação, que levou a profundos ajustes na oferta. Os últimos resultados conhecidos, já depois do desaparecimento do voo MH370, mostraram um agravamento das perdas da companhia, que no primeiro trimestre deste ano registou um resultado líquido negativo de 137,4 milhões de dólares (cerca de 101,6 milhões de euros) — um agravamento de quase 60% face ao mesmo período de 2013. Há dois anos a companhia pôs em marcha um plano de reestruturação que levou a ajustes na oferta Apesar de a empresa ter apostado numa estratégia agressiva de preços para manter o tráfego, os dados da procura comprovam os inevitáveis impactos do acidente de Março. Dois meses depois, e num momento em que a indústria está a crescer (especialmente em regiões como a Ásia), o número de passageiros caiu 4%, o que correspondeu à perda de quase 55 mil clientes. Outro factor vai pesar no futuro da Malaysia Airlines: as eventuais indemnizações que poderá ter de pagar aos familiares dos passageiros do voo que se despenhou na Ucrânia na quinta-feira. Confirmando-se que o MH17 foi abatido, a aeronave estará protegida pelo seguro, mas não parece claro que assim seja no que diz respeito às pessoas que seguiam a bordo. E, neste momento, a companhia está a pagar a factura do desaparecimento de Março, já que, depois de ter oferecido compensações de cinco mil dólares, foi obrigada a subir a fasquia para 50 mil. ID: 54914275 20-07-2014 Vários obstáculos à investigação aos destroços do MH17 Habitantes da região levam destroços do voo MH17 da Malaysia Airlines e ninguém sabe ao certo onde estão as caixas negras p30/31 e 35 Tiragem: 34442 Pág: 1 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 11,05 x 4,90 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 3 de 3