Revista de Sociologia e Política
ISSN: 0104-4478
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Universidade Federal do Paraná
Brasil
Fonseca Monteiro, Cristiano
EMPRESÁRIOS E AÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS REFORMAS PARA O MERCADO: O
CASO DA AVIAÇÃO COMERCIAL
Revista de Sociologia e Política, vol. 16, núm. Supl., agosto, 2008, pp. 159-180
Universidade Federal do Paraná
Curitiba, Brasil
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=23811703012
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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, NÚMERO SUPLEMENTAR: 159-180 AGO. 2008
EMPRESÁRIOS E AÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO
DAS REFORMAS PARA O MERCADO:
1
O CASO DA AVIAÇÃO COMERCIAL
Cristiano Fonseca Monteiro
RESUMO
O artigo aborda as transformações no estilo de atuação política do empresariado do setor de aviação
comercial no Brasil, analisando o padrão dos períodos anteriores e posteriores às reformas para o mercado. Especialmente a partir dos anos 1960, os empresários constituíram um padrão de atuação de natureza
bastante particularista, marcado por uma relação direta com a burocracia estatal responsável pelo controle da atividade (o Departamento de Aviação Civil, ligado ao Ministério da Aeronáutica). Essa aproximação permitiu que os empresários desfrutassem de uma situação de mercado privilegiada, em um modelo
regulatório voltado para as estabilidades financeira e operacional das poucas empresas existentes. Com a
redemocratização, esse modelo passou a ser crescentemente desafiado. As políticas de combate à inflação,
o questionamento do controle exercido pelos militares sobre o setor, o retorno dos trabalhadores à cena
política, assim como a chegada ao poder de uma elite tecnocrática disposta a extinguir as conexões entre
Estado e agentes econômicos, obrigaram os empresários a redefinir as suas estratégias. Assim, são analisados diferentes momentos da atuação empresarial na década de 1990 e nos primeiros anos do novo século,
procurando mostrar como o novo ambiente, marcado pela incerteza política e pela crise econômica, abre
espaço para posturas menos particularistas, acenando para questões como a competitividade das empresas
e a maior abertura a fóruns públicos de interlocução, apostando mesmo no diálogo com trabalhadores e
outros atores sociais.
PALAVRAS-CHAVE: empresários; ação política; aviação comercial brasileira; reformas para o mercado.
I. INTRODUÇÃO
Este artigo aborda o tema da ação política dos
empresários da aviação comercial, com ênfase nas
mudanças no seu estilo de atuação a partir da
implementação das políticas de retraimento do
Estado e insulamento das autoridades econômicas que caracterizaram o contexto das reformas
para o mercado. Verifica-se uma forte identidade
desses empresários com o modelo de regulação
que marcou o período entre as décadas de 1960 e
1980, de forma que as reformas implementadas
entre os anos 1990 e início da década de 2000
representaram um enorme desafio para esses atores.
A história do desenvolvimento da aviação comercial brasileira reproduziu de forma emblemática
1 Este artigo baseia-se em parte dos resultados de minha
tese de doutorado (MONTEIRO, 2004) e contou com a
contribuição dos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política, a quem agradeço.
Recebido em 16 de julho de 2007.
Aprovado em 20 de novembro de 2007.
o padrão de articulação entre Estado e mercado
que caracterizou o ciclo do nacionaldesenvolvimentismo, tendo sido marcada, especialmente a partir da década de 1960, por uma
forte intervenção estatal permeada por estreitos
laços unindo autoridades governamentais e empresas aéreas. Nesse sentido, a ação política do
empresariado se deu, em boa medida, pelo acesso
individualizado às autoridades responsáveis pelo
controle da atividade, organizadas no Ministério
da Aeronáutica e no Departamento de Aviação Civil (DAC), acesso este do qual estavam excluídos
trabalhadores e outros atores capazes de desafiar
o status quo. Por outro lado, merece destaque a
facilidade dos empresários de se aproximar dos
demais ocupantes de postos-chave do poder público, usuários freqüentes do transporte aéreo.
Entre a redemocratização e o início dos anos
1990, o caráter fechado da gestão do transporte
aéreo foi crescentemente questionado, embora os
empresários permanecessem desfrutando de um
bom espaço de manobra em suas estratégias de
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EMPRESÁRIOS E AÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS REFORMAS PARA O MERCADO
aproximação direta com os centros de poder. Tal
quadro, ainda que sujeito a alterações pontuais,
sustentar-se-ia até o mandato de Itamar Franco
(1992-1994). Foi com a posse de Fernando
Henrique Cardoso (1995) que chegou ao poder
uma elite tecnocrática fortemente comprometida
com a desconstrução dos mecanismos de intervenção e da negociação política sobre a ordem
econômica que marcaram o modelo anterior. Assim, foram sendo eliminados os acessos desses
empresários aos atores-chave da gestão econômica, atores esses que seriam dotados de crescente poder vis-à-vis as demais autoridades, inclusive as aeronáuticas. Por outro lado, o ambiente de maior competição e a crescente percepção de que lhes era necessário garantir melhores
condições estruturais (envolvendo questões de
infra-estrutura, tributação, desburocratização e
outras) para fazer frente ao novo cenário favoreceu uma renovação na postura dos empresários
em suas estratégias de ação política.
Tal renovação envolveu a diversificação das
formas de atuação, com uma maior disposição para
a ação coletiva, tendo o Sindicato Nacional das
Empresas Aéreas (SNEA) sido um importante
veículo da atuação empresarial a partir do momento em que os vínculos tradicionais de caráter
individualizado se mostraram insuficientes ou ineficazes. Por outro lado, há que se destacar o investimento em estratégias mais condizentes com
uma cultura política democrática. Mesmo que por
vezes tenham-no feito por simples falta de alternativas, os empresários investiram em espaços
públicos de vocalização das demandas (Congresso, internet, meios de comunicação), assim como
estiveram mais abertos à interlocução com o conjunto da sociedade, buscando parcerias com entidades civis (universidades, associações) e dialogando de forma mais aberta inclusive com os sindicatos de trabalhadores2.
O impacto das reformas liberalizantes e do reforço do estilo insulado de gestão econômica sobre a atuação política dos empresários tem sido
2 O estabelecimento de um canal mais aberto de diálogo
entre empresários e trabalhadores da aviação comercial,
rompendo com décadas de hostilidade e desconfiança de
parte a parte, também dependeu de uma maior predisposição dos sindicatos a uma atuação de perfil mais negociador
e institucional. Essa mudança nas estratégias de ação política dos sindicatos de trabalhadores foi analisada em
Monteiro (2006).
160
objeto de investigação de diversos estudos, alguns
deles discutidos na próxima seção. Este artigo visa
preencher uma lacuna nesses estudos ao enfocar
os empresários de um setor importante da economia brasileira que ainda não foi estudado3. O fato
de o setor ser constituído por poucas empresas,
tendo sido considerado estratégico dentro do projeto de desenvolvimento do país ao longo do século XX, faz desse caso um objeto privilegiado
para a reconstituição dos padrões de relacionamento entre Estado e mercado no período anterior às reformas e, por isso, um caso revelador das
mudanças que as reformas vieram trazer nessa
relação.
A hipótese deste trabalho é que o setor aéreo
reproduz a tendência geral das mudanças já
identificadas em estudos recentes (cf., por exemplo, Diniz e Boschi (2004), discutido a seguir),
embora as características específicas do setor
imprimam um movimento próprio a essas mudanças.
Este artigo divide-se em seis seções, além desta
introdução. Na seção seguinte é feito um breve
balanço dos estudos sobre a ação política dos
empresários no Brasil, procurando identificar na
literatura algumas das mudanças que vêm marcando seu estilo de atuação a partir dos anos 1990.
A terceira seção apresenta uma análise do estilo
tradicional de atuação do empresariado da aviação
3 A importância do transporte aéreo dentro da economia
brasileira foi objeto de estudo recente (MACEDO, 2007),
no qual são avaliados uma série de indicadores relativos à
influência recíproca entre o setor aéreo e outros setores da
economia, ao peso da atividade na qualidade dos empregos
gerados e ao consumo do serviço por faixa de renda. Dentre
os dados apresentados, destacam-se: o setor é um
estimulador de outros setores (para cada R$1,00 de aumento na prestação de serviços de transporte aéreo, o impacto é de R$2,03 na economia como um todo); gera postos de trabalho mais qualificados, embora em menor número que outros setores (para cada R$ 1 milhão de produção
adicional no setor, cria-se R$ 308 mil de rendimentos diretos e indiretos, enquanto para o resto da economia o valor
é de R$ 273 mil); a participação no valor adicionado é de
57% para os trabalhadores e 43% para o capital, contra
46% e 54%, respectivamente, na economia brasileira como
um todo; por fim, o consumo no setor é altamente concentrado na faixa de renda alta (92%, contra 49% na economia
como um todo). A participação do setor aéreo na economia
brasileira representou 0,63% do produto interno bruto (PIB)
em 2003 (conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)), tendo subido para 0,86% em
2007, a partir de dados preliminares do SNEA.
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comercial entre as décadas de 1960 e 1980. A seção seguinte aborda o contexto dos governos
Fernando Collor e Itamar Franco (1990-1994),
quando é empreendida uma primeira onda de “reformas para o mercado”. A quinta seção é dedicada
ao primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), quando se dá o
aprofundamento do processo de liberalização. Na
sexta seção analisa-se o segundo mandato de
Fernando Henrique (1999-2002), quando o conjunto do setor se vê em mais uma grave crise, no
seio da qual se discute uma agenda orientada para
a busca de soluções para o conjunto das empresas, rompendo com o padrão particularista vigente até o início do ciclo das reformas. Uma última
seção traz algumas conclusões e questões a serem retomadas em futuros estudos.
II. EMPRESARIADO E AÇÃO POLÍTICA NO
BRASIL: UM BREVE BALANÇO
O padrão de atuação política do empresariado
brasileiro foi um dos principais focos do debate
sobre a modernização e o desenvolvimento econômico brasileiro na segunda metade do século
XX. Tema de especial interesse nesse debate foi a
capacidade dos empresários de assumir a liderança do processo de mudança, constituindo-se como
um ator coletivo com condições de impor os seus
interesses diante dos demais atores sociais,
notadamente as elites agrárias, a burocracia estatal (civil e militar) e os trabalhadores. Merece destaque a divisão entre os estudos nos quais os empresários são vistos como politicamente fracos,
incapazes de se organizar e, portanto, como atores políticos pouco expressivos; e aqueles que
identificam, a despeito da dificuldade de agir coletivamente e de conduzir projetos de mais ampla
envergadura, capacidade de ação política e influência nas mudanças em curso por parte da elite
empresarial.
Trabalhos como os de Ianni (1965), Cardoso
(1972) e Martins (1968) fazem parte da primeira
corrente. Mesmo fazendo referências a iniciativas concretas das entidades representativas e dos
empresários individualmente, a ênfase é colocada
em forças estruturais que estariam em operação
no desenvolvimento do capitalismo brasileiro entre os anos 1950 e 1960. Assim, a mudança obedeceria à dinâmica do capital, em sua vinculação
ao capitalismo internacional e a uma “necessidade” virtual de modernização da economia local para
sua reprodução ampliada. Diante de tais forças,
os empresários são representados como acuados,
assumindo um papel de coadjuvantes do Estado e
do capital internacional e, ao mesmo tempo, temerosos de confrontar esses atores sob o risco
de que outras forças sociais – os trabalhadores,
por exemplo – fizessem avançar as mudanças para
além do que seria desejável do ponto de vista de
seus interesses de classe. Os interesses, contudo,
são percebidos a partir da própria análise estrutural e não dos movimentos e posições expressas
pelos atores. Assim, o diagnóstico da pouca capacidade de ação coletiva ou de liderança no processo político aparece quase que como uma
conseqüência da própria abordagem.
Uma ruptura com esta perspectiva viria com
os trabalhos publicados a partir do final da década
de setenta, procurando privilegiar a perspectiva
da ação (DINIZ, 1978; BOSCHI, 1979;
VELASCO E CRUZ, 1995; LEOPOLDI, 2000).
Nestes trabalhos, os interesses são reconhecidos
a partir do que os empresários efetivamente realizaram em termos de vocalização de demandas, de
iniciativas no campo político e de conquistas, ainda que limitadas, em termos de fazer avançar seus
pontos de vista. Assim, são abordados temas como
a atuação dos empresários em órgãos ministeriais
e conselhos vinculados ao poder público, o desenvolvimento e a busca de identidade das entidades empresariais entre o modelo corporativo e as
associações paralelas, assim como a visão e as
iniciativas desses atores em relação a diferentes
facetas do processo em curso, tais como a presença do Estado na economia, a relação com a
classe trabalhadora e o papel do capital externo.
Ao privilegiar a capacidade de ação do
empresariado, esses autores não desconheceram
as limitações estruturais à sua capacidade de ação.
Assim, mesmo nos estudos mais focados na perspectiva da ação, a tendência ao particularismo,
privilegiando questões regionais, setoriais ou até
mesmo específicas de algumas empresas, em detrimento de questões mais abrangentes e de longo
prazo, fazem parte da caracterização histórica da
atuação política dos empresários, influenciando
suas estratégias de intervenção e sua forma de
relacionamento com o poder público e a sociedade (cf. SCHNEIDER, 1995). Esse padrão seria,
em parte, herança da inserção no sistema político
oficial pela via do corporativismo, marcada por
diversas experiências autoritárias, em parte fruto
da própria dinâmica de fragmentação da burocra-
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EMPRESÁRIOS E AÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS REFORMAS PARA O MERCADO
cia estatal, ela própria destituída de uma coerência organizacional mais sólida4. A ausência dos
trabalhadores nas principais instâncias governamentais de debate e deliberação ligadas à política
industrial ao longo do ciclo do nacionaldesenvolvimentismo acentuou ainda mais esse traço, sintetizado por Diniz (2000, p. 82): “Historicamente, o empresariado brasileiro revelou, ao
longo das diferentes fases da industrialização
substitutiva de importações, grande dificuldade
para formular plataformas de maior amplitude
capazes de transcender seus interesses mais específicos. Configurou-se como um ator político
destituído de percepção de longo alcance e de visão de conjunto, o que teve, certamente, alguma
relação com o fato de ter surgido e amadurecido
sob regimes autoritários. [...] Desenvolvendo uma
visão restrita e particularista, bem como uma prática de maximização de ganhos imediatos, os empresários revelaram fraca disponibilidade e reduzida abertura para o enfrentamento das questões
sociais ligadas à redução da desigualdade na distribuição da riqueza e no acesso aos benefícios
gerados pelo desenvolvimento econômico. Sempre que vinham à tona, sob o impacto de movimentos de base popular, as reformas sociais seriam percebidas predominantemente sob a ótica do
aumento dos custos das atividades empresariais
e, portanto, como mal a ser evitado ou ameaça a
ser debelada”.
No contexto da redemocratização, quando a
pauta político-econômica se deslocava da ênfase
no desenvolvimento nacional para a inserção do
país no processo de globalização, novamente o
estilo particularista de ação não permitiu ao
empresariado estar à frente de um projeto mais
amplo para a sociedade brasileira. Ao contrário,
nos primeiros anos da Nova República a adesão
genérica a uma ideologia liberalizante contrastou
com uma postura política mais uma vez marcada
pela dificuldade em transcender os interesses mais
4 Esse é, com efeito, o cerne do argumento da “abordagem
integrada” proposta por Boschi (1979) em sua análise sobre o relacionamento entre as elites industriais e os governos militares. Para o autor, a ação política dos empresários
só pode ser compreendida em sua articulação com o aparato institucional que o poder público coloca à disposição
dos atores, não fazendo sentido, dessa forma, cobrar-lhes
um padrão de atuação pré-concebido como o mais adequado à consecução de seus objetivos ou interesses, esses também entendidos de forma pré-concebida.
162
imediatos5, persistindo as demandas por protecionismo e políticas de incentivo setorial6, levando ao
reforço de uma imagem negativa das empresas e
dos empresários brasileiros perante a sociedade7.
Não obstante, estudos apresentados no início
dos anos 1990 dariam conta do surgimento no
cenário político nacional de novas entidades empresariais não corporativas, voltadas para o tratamento de questões trans-setoriais e, eventualmente,
pretendendo formular e propor projetos de mais
longo alcance para a sociedade brasileira. Entre
elas, destacam-se o Pensamento Nacional das
Bases Empresariais (PNBE), o Instituto de Estu5 Nesse sentido, ver o trabalho de Minella (1994) sobre os
empresários do setor financeiro. O autor chama atenção
para a heterogeneidade de interesses no interior do próprio
setor, com demandas divergentes entre os grandes grupos
financeiros e os de menor porte. Por outro lado, o setor é
percebido de forma eminentemente negativa pelo restante
do empresariado, num contexto de inflação alta que rendia
aos bancos lucros extraordinários. O autor chama atenção
ainda para a indisposição dos empresários do setor em
aceitar uma dinâmica de negociação e conflito com os trabalhadores, que ele lembra ser uma condição inevitável num
sistema capitalista.
6 Ver o estudo de Canosa (1998) sobre a Firjan. Com o
sugestivo título Todas as fatias e a cereja também, a autora
aponta a contradição entre um discurso empresarial tradicionalmente marcado pela crítica ao Estado
(“intervencionista”; “burocrático”), e a reivindicação, num
contexto de crise macro-econômica no Brasil e esvaziamento industrial no estado do Rio de Janeiro, por políticas
de incentivo por parte do poder público. Na sua relação
com os trabalhadores, a entidade os reconhece como
interlocutores no sentido limitado a uma “parceria” em que
se buscava negociar a eliminação de direitos trabalhistas
consagrados, sem maiores contrapartidas em termos de concessões por parte da classe empresarial.
7 Como mostram Diniz e Boschi em estudo mais recente,
as lideranças empresariais reconhecem que a sociedade
mantém uma visão negativa sobre os empresários brasileiros, “percebidos como uma categoria interessada exclusivamente na defesa de seus próprios negócios, cobrando do
Estado benesses e proteção, sempre nostálgica do
paternalismo típico do antigo modelo” (DINIZ & BOSCHI,
2004, p. 138). Os autores registram ainda que os próprios
empresários acabam projetando uma auto-imagem pouco
favorável, “embora com tintas mais suaves […]. Caracterizando-se como um grupo fraco, sem prestígio, passivo e
acomodado ou, ainda, sem coesão e sem unidade, envolvido na luta cotidiana pela sobrevivência da empresa, procurando impedir ou pelo menos adiar o colapso sempre iminente, o empresário brasileiro revelar-se-ia incapaz de reverter a visão negativa apontada anteriormente” (idem, p.
139).
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dos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) e
os Institutos Liberais (DINIZ & BOSCHI, 1993;
GROS, 2003). Apesar do aspecto inovador de
suas propostas, essas experiências tiveram alcance político limitado, levando Diniz e Boschi a questionarem a pertinência de se falar sobre um “novo
empresariado” naquele contexto (DINIZ &
BOSCHI, 1993, p. 129-130)8.
Os mesmos autores vão perceber tendências
sensivelmente distintas em trabalho mais recente
(DINIZ & BOSCHI, 2004), retratando uma orientação mais consistente no sentido de novas configurações do empresariado enquanto ator político.
Abordando o tema da representação de interesses,
o referido estudo confirma a perda de visibilidade
de entidades como o PNBE e o IEDI, mas identifica uma renovação das entidades do sistema
corporativo como a CNI e a FIESP. Tais entidades
têm investido na formação de quadros técnicos, na
assessoria às empresas e na produção de informações sobre o setor industrial, revelando a busca de
uma maior qualificação da sua intervenção.
Em paralelo, surgem novos movimentos como
a Ação Empresarial, pretendendo ampliar o espaço de atuação dos setores econômicos, e tendo
como alvo o Congresso Nacional9. Da mesma
forma, surgem entidades como a Organização
Nacional da Indústria de Petróleo (ONIP), englobando os agentes ligados à cadeia produtiva petrolífera (Petrobrás, empresas privadas, entidades
de classe e órgãos governamentais), com o objetivo de aumentar a cooperação entre os diferentes
segmentos da atividade. No caso dessa entidade,
Diniz e Boschi salientam que o foco da atuação
está em órgãos-chave do Poder Executivo, como
o Banco Central, o Bndes e a própria Agência Nacional do Petróleo (idem, p. 86).
8 O estudo de Gomes e Guimarães (1999) sobre o PNBE,
por exemplo, mostra que a entidade perdeu fôlego com a
chegada de Fernando Henrique à presidência, uma vez que
esse governo teria levado adiante a maior parte das bandeiras da entidade.
9 Na relação com o Estado, os autores mencionam a
reorientação da atuação do empresariado para o Legislativo,
face à prioridade assumida pelo Poder Executivo em relação ao cenário transnacional e à estabilidade econômica.
Além da maior predisposição dos empresários a concorrer
a postos eleitorais, ganhou relevo a pressão política via
lobbies, atividade que veio a ser crescentemente percebida
como legítima, ainda que não regulamentada (cf. DINIZ &
BOSCHI, 2004, especialmente o capítulo 3).
Apesar de identificar tendências potencialmente
negativas em sua avaliação da transição do
corporativismo da “Era Vargas” para um modelo
fragmentado de representação de interesses do
contexto das reformas neoliberais10, os autores
chamam atenção para alguns aspectos positivos
das tendências identificadas, como a capacidade
de recomposição e a flexibilidade do empresariado.
Quanto às novas organizações, “trata-se de iniciativas inovadoras que tendem a tornar mais dinâmico o complexo organizacional do empresariado
industrial. Representam a busca de formas de ação
capazes de contornar a heterogeneidade, as
clivagens e as divisões internas, mobilizando interesses mais gerais e procurando articular formas
concertadas de atuação” (idem, p. 89).
O caráter flexível e mais voltado para a ação
coletiva, por um lado, e a tendência à articulação
em torno de temas mais abrangentes, por outro,
sugerem a possibilidade da emergência de um novo
estilo de atuação da classe empresarial, rompendo
com alguns de seus traços mais conservadores.
O fato de se tratar de um fenômeno em desenvolvimento, fruto de mudanças também recentes no
ambiente político e econômico de atuação desses
agentes, reforça o caráter ainda ambivalente dessas tendências11.
10 Nesse sentido, os autores falam de uma certa “america-
nização” das relações público-privado, na qual os lobbies
ganhariam ascendência como forma de interação sobre outros mecanismos institucionais.
11 Assim, não é fortuito que um esforço recente de siste-
matização do conjunto de estudos sobre o empresariado
brasileiro (MANCUSO, 2006) tenha identificado o que o
autor chama de duas “ondas” de estudos que propõem
interpretações divergentes sobre esse ator, ambas cronologicamente situadas entre as décadas de 1990 e 2000. Uma
primeira “onda” daria ênfase ao peso do modelo
corporativista no seio do qual a classe empresarial se constituiu historicamente no Brasil e no qual teria faltado uma
organização de cúpula englobando todos os segmentos do
empresariado. Essa falta teria lhe restringido a capacidade
de articulação em torno de propostas mais abrangentes e
explicaria sua tendência ao particularismo. Uma segunda
“onda” daria relevo às mudanças no ambiente de atuação
dos empresários, notadamente em função dos novos padrões de competitividade e das dificuldades impostas pelo
chamado “custo Brasil”, o que teria fortalecido os movimentos mais abertos à ação coletiva e a questões
intersetoriais. Procuro incorporar neste trabalho ambas as
dimensões (o path dependance do corporativismo e as escolhas estratégicas num contexto de desafios e incerteza), o
que justifica a (in)definição do fenômeno em análise como
ambivalente.
163
EMPRESÁRIOS E AÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS REFORMAS PARA O MERCADO
A seção seguinte é dedicada à análise da ação
política do empresariado da aviação comercial
entre as décadas de 1960 e início de 2000, dando
destaque aos diferentes ambientes políticos e aos
desafios ou oportunidades que cada um deles coloca para esse ator.
pos estrangeiros. O empreendimento, no entanto,
teve fôlego curto e a empresa chegou perto da
falência. Para continuar operando, passou às mãos
do estado de São Paulo, tornando-se a mais importante empresa estatal da história da aviação
comercial brasileira.
III. A AÇÃO POLÍTICA DOS EMPRESÁRIOS
DA AVIAÇÃO COMERCIAL ANTES DAS
REFORMAS
O fim da Segunda Guerra Mundial marcaria a
consolidação do aparato institucional da atividade
aeronáutica, tanto no plano internacional quanto
no doméstico. Foi criada uma autoridade aeronáutica internacional (Organização de Aviação Civil Internacional (OACI)), uma entidade congregando as empresas aéreas (International Air
Transport Association (IATA)) e um conjunto de
regras para a exploração do transporte aéreo entre países (Convenção de Chicago e os acordos
bilaterais, tendo como marco o Acordo de Bermuda, entre Estados Unidos e Inglaterra). No Brasil, ainda em 1941, deu-se a criação do Ministério
da Aeronáutica, incorporando à sua estrutura a
Diretoria de Aeronáutica Civil (DAC), que até então estivera subordinado ao Ministério de Viação e
Obras Públicas. A mudança seria motivada pelo
fortalecimento entre os militares da Aeronáutica
engajados à doutrina do “Poder Aéreo Unificado”,
segundo a qual a aviação comercial deveria ser
trazida para o âmbito da política de segurança nacional, portanto, devendo o seu controle ser prerrogativa dos militares. Além disso, a existência de
um sistema único, englobando o controle do espaço aéreo, fiscalização das empresas, certificação
das aeronaves e dos profissionais, entre outros
aspectos, significaria um melhor aproveitamento
dos recursos.
A atividade aeronáutica começou a ser explorada comercialmente entre as décadas de 1910 e
1920. O uso do avião na Primeira Guerra Mundial
fez que a atividade fosse reconhecida como elemento estratégico na disputa militar, inclusive no
seu segmento civil. Essa disputa repercutiu na
constituição das primeiras linhas aéreas comerciais no Brasil, ao final da década de 1920, todas
ligadas direta ou indiretamente às grandes potências mundiais. O governo alemão esteve por trás
da criação da Varig, empresa cujo primeiro avião
e seus tripulantes e mecânicos foram fornecidos
pelo grupo Kondor Syndikat, criado para vender
e eventualmente operar aeronaves de produção
alemã na América Latina. Após alguns meses operando em conjunto com a Varig, o grupo germânico
decidiu constituir uma empresa própria no Brasil,
batizada de Sindicato Condor, que por sua vez seria
rebatizado como Cruzeiro do Sul na década de
1940. Uma terceira empresa criada nesses anos
iniciais, e que se tornaria a mais importante da
aviação comercial brasileira entre as décadas de
1930 e 1960, foi a Panair do Brasil, subsidiária da
norte-americana Pan American Airlines.
No âmbito nacional, também foram importantes uma série de atores vinculados ao poder público e a grupos privados. Além do apoio logístico e
tecnológico do governo alemão, a criação da Varig
dependeu do suporte das lideranças empresariais
e políticas do Rio Grande do Sul. O fundador da
empresa, Otto Ernst Meyer, articulou uma ampla
rede de apoio junto à comunidade de negócios local, que subscreveu o lote de ações iniciais, e conseguiu o compromisso do governo gaúcho no
sentido de obter isenções fiscais e subvenções para
a empresa. Quando o Kondor Syndikat deixou a
participação na Varig para criar uma linha aérea
própria, foi preciso que o governo gaúcho financiasse a aquisição de aeronaves, tornando-se o seu
principal sócio. Por sua vez, a criação da Vasp, no
início da década de 1930, foi uma iniciativa de
empresários paulistas, sem a participação de gru-
164
Consistente com a proposta de uma “abordagem integrada” para a compreensão do padrão de
atuação política dos empresários no Brasil (cf.
BOSCHI, 1979)12, pode-se afirmar que o estilo
de atuação dos empresários do setor aéreo que
iria se conformar nas décadas anteriores ao ciclo
das “reformas para o mercado” esteve intimamente
atrelado ao próprio modelo de gestão da aviação
comercial implementado pelos militares. As características desse modelo revelariam seus contornos mais nítidos na virada para a década de
1960. Neste período o setor aéreo viveu uma grave crise, sucedendo o surto de crescimento do
período posterior à II Guerra Mundial, no qual se
dera a expansão dos serviços aéreos para mais de
12 Ver a nota 3.
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300 localidades em todo o território brasileiro (ver
a Tabela 1). Com o avanço tecnológico,
notadamente o surgimento de aviões maiores e
mais caros, muitas das rotas exploradas durante
o período posterior à guerra se tornaram inviáveis,
levando a uma redução no número de empresas
em atividade e de localidades atendidas, com a
concentração dos serviços nas rotas mais rentáveis. Uma sucessão de acidentes com aeronaves
das principais empresas brasileiras reforçaria a
percepção de que algo de errado acontecia no setor 13 .
Pressionadas pela criação de duas Comissões
Parlamentares de Inquérito (CPIs) e por um amplo movimento de trabalhadores pela criação de
uma estatal de transporte aéreo (a “Aerobrás”),
as autoridades aeronáuticas tomaram a iniciativa
de convocar as empresas aéreas e outros setores
governamentais para discutir propostas para a crise
do transporte aéreo. Foi a partir desses encontros, chamados de Conferência Nacional de Aviação Civil (Conac), que se estabeleceram os princípios que norteariam a política de aviação comercial nas décadas seguintes.
Os dois primeiros encontros (1961 e 1963)
consolidaram a percepção de que a atividade vinha se desenvolvendo em bases muito liberalizadas, carecendo de um maior envolvimento do
poder público. Por outro lado, enfatizou-se a defesa da manutenção do modelo predominantemente
privado de exploração dos serviços, com a conseqüente desaprovação à criação da “Aerobrás”,
ao mesmo tempo em que se frisou o “repúdio ao
monopólio”. A Conac de 1968, já no contexto da
ditadura militar, confirmaria essas posições e afirmaria como principais diretrizes da política de
aviação comercial a “realidade tarifária” e a “competição controlada”14, que tornariam o mercado
aéreo altamente regulamentado, mas também bastante seguro para as poucas empresas em operação. O banimento das lideranças sindicais pela ditadura completaria o cenário favorável.
TABELA 1 – VARIAÇÃO DO NÚMERO DE CIDADES
QUE RECEBEM SERVIÇO AÉREO COMERCIAL E NÚMERO DE EMPRESAS
TRANSPORTADORAS (1930 A 1977)
FONTES: Panair do Brasil e Guia Aeronáutico (apud
ANDERSON, 1979).
NOTA: o número máximo de cidades servidas foi de 344,
alcançado em 1957.
Tendo a Varig como empresa-líder e Vasp (única estatal), Transbrasil e Cruzeiro do Sul como
coadjuvantes, o setor de aviação comercial assistiu a um período de alta lucratividade e crescimento ao longo dos anos 1970 (ver tabelas 2 e 3).
A política de realidade tarifária garantia a rentabilidade das operações, ainda que os preços (rigidamente controlados, sendo praticamente vetada a
oferta de descontos) fossem altos, limitando o
acesso ao transporte aéreo às classes de maior
poder aquisitivo. Nesse cenário, as empresas estavam protegidas de uma concorrência mais intensa e tinham uma demanda assegurada. Do ponto
13 Para uma visão acadêmica sobre esse período, ver o
trabalho da historiadora C. Fay (2001). Para uma versão
“engajada”, do ponto de vista dos trabalhadores, ver o trabalho do Comandante A. Pereira (1986). Uma versão oficial, do ponto de vista das autoridades aeronáuticas, encontra-se em Ribeiro (2001).
14 A primeira significava que as tarifas deveriam refletir os
custos das empresas, de forma que o serviço aéreo fosse
plenamente custeado pelos usuários (ao contrário da política de subsídios até então vigente). As tarifas seriam definidas pelo DAC, a partir de uma planilha de custos informada pelas próprias empresas. A segunda visava evitar a
concentração da competição em rotas e horários “nobres” e
o abandono de rotas menos rentáveis, porém necessárias à
integração nacional. Além do problema da integração nacional, a oferta muito superior à demanda levaria ao desperdício de combustível e ao mau aproveitamento de aeronaves, pessoal etc., já que ao concorrerem em rotas e horários
comuns, as empresas voavam muitas vezes com baixo aproveitamento. A partir de então, a exploração dos serviços
dependeria sempre da existência de uma determinada demanda, em função da qual as empresas seriam autorizadas
pelo DAC a operar as rotas.
165
EMPRESÁRIOS E AÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS REFORMAS PARA O MERCADO
de vista político, beneficiavam-se dos laços estreitos com as autoridades aeronáuticas, em um
círculo virtualmente imune a qualquer forma de
escrutínio público.
TABELA 2 – EVOLUÇÃO DA RELAÇÃO PASSAGEIROS POR QUILÔMETRO (DOMÉSTICA E INTERNACIONAL)
E PARTICIPAÇÃO DO BRASIL NO TRÁFEGO MUNDIAL (1970 A 2000; ANOS SELECINADOS)
FONTES: para o Brasil, anuários estatísticos do DAC (vários anos); para o tráfego internacional: Estadísticas mundiales
de aviación civil, da OACI (vários anos) (apud INSTITUTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 2002).
TABELA 3 – RESULTADOS OPERACIONAIS DA
INDÚSTRIA, LINHAS DOMÉSTICAS E
INTERNACIONAIS (1968-1978)
FONTE: anuários estatísticos do DAC (vários anos).
NOTA: valores calculados em milhares de cruzeiros (CR$
1 000), a preços constantes de 1978.
Essa situação seria desafiada, em diferentes
frentes, a partir da redemocratização. Um dos pilares do modelo vigente, a “realidade tarifária”,
entraria em conflito com a prioridade às políticas
de estabilização econômica que marcaram essa
fase, já que a autorização para os reajustes nem
sempre acompanhava o ritmo crescente da inflação. Da mesma forma, o perfil elitista do mercado, consistente com o padrão de desenvolvimen-
166
to concentrador de renda legado pelos militares,
seria criticado pela opinião pública, que questionava as altas tarifas. O apelo das políticas
liberalizantes adotadas internacionalmente, por sua
vez, reforçaria a percepção negativa da intensa
regulamentação15. Por fim, a re-emergência dos
trabalhadores como atores políticos de peso, na
esteira da renovação do movimento sindical que
marcou os anos 1980, ajudaria a compor um cenário político bem menos estável para o interesse
das empresas.
Quanto à tensão entre a “realidade tarifária” e
as políticas de combate à inflação, uma análise
dos jornais do período é capaz de revelar a disputa entre empresas (em estreita articulação com as
autoridades aeronáuticas) e a área econômica em
torno da concessão de reajustes. Em junho de
1985, por exemplo, o jornal O Globo noticiou que
um pedido de reajuste de 31,17% feito pelo Ministério da Aeronáutica havia sido inicialmente
negado pelo órgão responsável – o Conselho
Interministerial de Preços (CIP). Diante da negativa, os militares teriam pressionado o órgão, con-
15 Especificamente em relação à aviação comercial, vale
ressaltar a deregulation norte-americana, implementada a
partir de 1978, à qual era atribuído um grande barateamento
das tarifas, popularizando o transporte aéreo naquele país.
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, NÚMERO SUPLEMENTAR: 159-180 AGO. 2008
seguindo o atendimento do pleito (TARIFAS AÉREAS SOBEM, 1985).
O primeiro grande revés sofrido pelas empresas em relação aos reajustes se daria no ano seguinte, com o congelamento de tarifas decorrente
da implementação do Plano Cruzado. O congelamento, em março de 1986, se daria às vésperas
da data prevista para a concessão de um reajuste
de 30%, que ficou suspenso. A partir de então, a
concessão de reajustes deixou de ser prerrogativa
do DAC e passou à jurisdição das autoridades econômicas. Em parte devido ao forte aumento da
demanda ao longo daquele ano, beneficiando as
empresas, estas aguardariam até o final de 1986
para pressionar o governo pela concessão do aumento (VARIG QUER AUMENTO, 1986). Apesar do apoio dos militares, dessa vez elas teriam
de aguardar até março do ano seguinte para ter o
pleito atendido, completando um ano de tarifas
congeladas. No entanto, a Secretaria de Abastecimento e Preço (SEAP) concederia o reajuste em
percentual inferior ao demandado, sob o argumento de que as transportadoras deveriam repassar
aos consumidores parte dos ganhos obtidos com
o aumento do número de passageiros após o Plano Cruzado (SEAP AUTORIZA AUMENTO,
1987).
Duas matérias publicadas pela Gazeta Mercantil
em dezembro de 1989 dão novamente uma mostra da perda de poder de barganha das empresas
aéreas no que diz respeito aos reajustes. A primeira relata a entrega de um relatório do Sindicato
Nacional das Empresas Aeroviárias ao DAC, alegando uma defasagem de 30% em relação à inflação entre janeiro e setembro de 1989, com um
prejuízo acumulado pelas operadoras das linhas
domésticas de US$ 42 milhões (EMPRESAS
VOLTAM A TER PREJUÍZO, 1989). A segunda
apresenta mais alguns dados sobre as perdas do
setor, além de atestar a mobilização das autoridades aeronáuticas em prol das empresas, com a
participação do DAC em uma audiência na Câmara dos Deputados em que seus representantes
defenderam a volta ao órgão da jurisdição sobre
os reajustes tarifários, sob o argumento de que as
empresas vinham sendo prejudicadas pela política vigente (RELATÓRIO APONTA 30%, 1989).
Como destacado anteriormente, o retorno dos
trabalhadores à arena política com o fim da ditadura militar também representaria um desafio potencial à posição das empresas. Um dos traços da
dinâmica política até o golpe de 1964 foi a grande
desconfiança e hostilidade entre empresários e autoridades aeronáuticas, de um lado, e representantes sindicais dos trabalhadores, de outro. As
tensões, que os anos de ditadura militar haviam
suprimido, voltaram à tona já por ocasião da Constituinte, na qual os trabalhadores defenderam a
criação de um órgão civil em substituição ao DAC
no controle da atividade aeronáutica não-militar.
A campanha do “Pássaro Civil”, como ficou
conhecida, teve como resposta uma intensa pressão por parte dos militares da Aeronáutica e dos
dirigentes empresariais junto ao Congresso em
defesa da manutenção do sistema sob a já citada
doutrina do “Poder Aéreo Unificado”, retomando
o argumento da otimização de recursos e da segurança nacional. Apesar da mobilização dos sindicatos e do apoio eventualmente recebido de algumas lideranças políticas, a pressão das empresas e da Aeronáutica fez que a proposta fosse vetada.
Uma última fonte de instabilidade no setor viria da disputa, entre as próprias empresas, em torno
da exploração das rotas internacionais. A exclusividade desfrutada pela Varig na exploração desse
segmento, conquistada graças à habilidade com
que seus dirigentes se articularam aos diferentes
ocupantes do governo federal entre a década de
1950 e 1960 (cf. MONTEIRO, 2000, cap. 3),
seria questionada pelas demais empresas. Vasp e
Transbrasil pretendiam participar do mercado internacional, sob o argumento de que essas linhas,
cujas tarifas eram protegidas da inflação por serem cotadas em dólar, garantiriam maior estabilidade ao negócio16. A próxima seção irá apresentar os desdobramentos dessas questões, durante
o governo de Fernando Collor, dando início ao
longo ciclo das reformas para o mercado na aviação comercial.
IV. O PRIMEIRO CICLO DAS REFORMAS
(1990-1994)
Com a eleição de Fernando Collor, entra na
agenda da aviação comercial o debate sobre um
16 A IV Conac, ocorrida em 1986, foi marcada pelo
contencioso entre Varig, de um lado, e Transbrasil e Vasp,
de outro, a respeito do “fim do monopólio” da companhia
gaúcha sobre as rotas internacionais. As autoridades aeronáuticas, por sua vez, deixaram a questão em aberto, limitando-se à criação de um grupo de trabalho para tratar do
tema (cf. IV PDSAC, 1988, p. 33ss.; O Globo, 1.out.1986).
167
EMPRESÁRIOS E AÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS REFORMAS PARA O MERCADO
conjunto de reformas liberalizantes, podendo-se
identificar nos seus principais atores uma postura
em tese favorável à maior liberalização, porém na
prática cautelosa quanto à extensão das mudanças. Assim, pode-se falar que a atuação política
do empresariado, em sintonia com as autoridades
aeronáuticas, foi marcada por um jogo de “resistência e adesão” à agenda das reformas. Destoando (pelo menos inicialmente) do estilo predominante, este primeiro ciclo é marcado pelo estilo
agressivo do empresário Wagner Canhedo, que
arrematou a Vasp no leilão de privatização da companhia, ocorrido em 1990. Com efeito, a Vasp
privatizada seria o foco irradiador de um conjunto
de transformações na dinâmica do setor, pretendendo incorporar – não sem ambigüidades – o
ideário da modernização econômica que as reformas para o mercado estariam inaugurando.
Como mencionado anteriormente, a participação na exploração das rotas internacionais (especialmente para o mercado norte-americano) era
objeto de interesse da Vasp e da Transbrasil, e a
oportunidade de entrar nesse mercado viria por
ocasião da renovação do Acordo de Transporte
Aéreo Internacional entre Brasil e Estados Unidos, assinado em março de 1989 e aprovado pelo
Congresso Nacional em dezembro de 1991. Já na
tramitação do projeto, a Vasp mostrou sua disposição em defender uma liberalização radical do
transporte aéreo, contrastando com os demais
dirigentes empresariais. O acordo assinado originalmente previa que a Transbrasil exploraria as
rotas para a costa leste norte-americana, e a Vasp
para a costa oeste, enquanto a Varig manteria sua
participação em ambas as regiões. Essas restrições também seriam impostas às empresas norteamericanas.
Em entrevista ao Jornal do Commercio, o então Presidente do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (SNEA), Walterson Caravajal (ligado ao grupo Varig), expressaria uma posição
cautelosa em relação à abertura da exploração das
rotas para os Estados Unidos, lembrando os riscos que poderia representar para as empresas brasileiras o aumento da competição com as norteamericanas. Dando o tom da postura da Varig e
da “média” do setor, o dirigente afirma: “No caso
do Brasil, vemos com alguma preocupação a designação tríplice. Não porque possa prejudicar a
bandeira, mas porque sempre gera reciprocidade.
Com a designação de três empresas brasileiras para
168
operarem os Estados Unidos, virão três americanas e, geralmente, vêm as de maior poder. [...]
Que isso (o novo acordo) representa grande dificuldade não há dúvida, porque as empresas que
virão, seja a United ou a Delta, qualquer uma delas é pelo menos seis vezes maior do que a Varig.
É como disputar um peso galo com um peso pesado” (CARAVAJAL, 1991).
A despeito dessa posição, um aditivo chegou a
ser acrescentado pelos governos brasileiro e norteamericano flexibilizando ainda mais o acordo, eliminando as restrições previstas inicialmente quanto às operações nas costas leste e oeste, o que atendia o interesse da Vasp. O Congresso, no entanto,
vetou o referido aditivo, e no momento da aprovação do acordo, a empresa paulista não deixaria de
expressar sua contrariedade, conforme matéria citando o porta-voz da companhia paulista: “Respeitamos a decisão dos parlamentares, mas a Vasp é
contra monopólios e a favor da livre-competição”
(ACORDO AÉREO É APROVADO, 1991).
A disposição liberalizante de Canhedo ganharia
um acento ainda mais radical nas operações domésticas. Aproveitando-se do clima favorável à
idéia de maior competição, a Vasp protagonizou
no ano seguinte à sua privatização uma intensa
luta para ampliar sua participação nos vôos nacionais, demarcando uma mudança radical na cultura do setor, acusado de ser um dos que melhor
representavam o modelo fechado, “cartorial”, dentro da economia brasileira. Assim, a empresa investiu na oferta de tarifas com descontos e na
ampliação de rotas, oferecendo vôos em horários
coincidentes com suas concorrentes, contrariando o padrão vigente de “competição controlada”.
A Transbrasil e a Varig inicialmente recorreriam
ao DAC, denunciando a Vasp por “práticas desleais”, que estariam desestabilizando uma atividade
sobre a qual seus novos dirigentes tinham pouco
conhecimento. Wagner Canhedo, por sua vez,
defendeu-se por meio de entrevistas e artigos publicados na imprensa, argumentando que a Varig
e a Transbrasil não estariam habituadas a um ambiente de competição. A Vasp estaria introduzindo
a competição no mercado, e por isso “incomodava” as congêneres. Em entrevista ao Jornal do
Brasil, Canhedo afirmaria: “Nós já deixamos claro, desde que compramos a VASP, que chegamos
para agredir o mercado” (CANHEDO, 1991).
Ao se lançar em uma ambiciosa estratégia de
competição, Canhedo alegava ter intenção de mu-
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, NÚMERO SUPLEMENTAR: 159-180 AGO. 2008
dar o perfil elitista do transporte aéreo, voltado
para os segmentos de mais alto poder aquisitivo.
A estratégia, no entanto, teria curta duração, já
que na virada do primeiro para o segundo semestre de 1991, a imprensa começaria a publicar uma
seqüência de reportagens revelando que a empresa paulista se encontrava inadimplente junto a
prestadores de serviços e havia deixado de honrar
o pagamento das parcelas de sua dívida externa,
assumida pelo grupo comprador da Vasp e
avalizada pelo governo federal. A partir de então,
além do impacto da retração no conjunto do mercado, a Vasp se veria politicamente pressionada
pelo governo e pela Assembléia Legislativa de São
Paulo, pelo Congresso Nacional e pelos sindicatos de trabalhadores.
Frente a esse quadro, Canhedo poria fim à
agressividade com que assumiu a companhia
paulista apresentando um pedido de trégua, que
se desdobraria numa tentativa de entendimento
com a Transbrasil com vistas à implementação de
um acordo operacional, revertendo a estratégia
agressiva do primeiro semestre de 199117. Cogitou-se da criação de uma holding para controlar
as operações das duas empresas, batizada de “SP
Air” e, embora a união não se tenha concretizado,
a Vasp abandonaria a condição de “desafiadora”
para tornar-se vítima, junto com as demais empresas, de um longo ciclo de crise na aviação comercial brasileira.
Com efeito, o ano de 1992 foi marcado pelo
recrudescimento da crise, influenciada pelas perdas do setor aéreo em nível mundial e por uma
aguda retração econômica em nível nacional. Entra em pauta, nesse momento, a criação de uma
Câmara Setorial, iniciativa que vinha sendo
implementada em outros setores, com destaque
para o automotivo. No entanto, a preocupação com
os rumos do mercado e a existência de um ambiente favorável à busca negociada de soluções para
a crise esbarrariam na indisposição dos empresários (mais uma vez em sintonia com as autoridades aeronáuticas) em aceitar algumas propostas
centrais para o funcionamento da Câmara, como
a realização de um diagnóstico independente. Da
mesma forma, esses atores se oporiam a compartilhar informações sobre o setor,
desqualificando o próprio sentido do fórum, que
se limitou a algumas reuniões sem resultados18.
A crise se abrandaria em 1993, voltando de
forma mais intensa em 1994, quando a Varig deixaria de honrar uma série de compromissos com
arrendadores de aeronaves e anunciaria um corte
significativo de pessoal. Diante desse quadro, a
Varig manteve-se fiel ao estilo tradicional de atuação política, pressionando o governo federal por
ajuda financeira, que eventualmente seria concedida por intermédio do Bndes. Nessa oportunidade, os trabalhadores retomaram a proposta da
Câmara Setorial, sob o argumento de que esse
seria o fórum adequado no qual deveria ser discutida – publicamente, com todos os atores interessados – a liberação de recursos, que ademais não
poderiam ser aplicados num programa de saneamento envolvendo demissões, como estava previsto.
Apesar da pressão dos trabalhadores, a Câmara novamente não seria capaz de avançar em um
diagnóstico e em uma discussão mais amplos sobre as soluções para a crise. Eventualmente, o
Bndes faria o aporte dos recursos e as empresas
18 Nesse sentido, um representante dos trabalhadores na
17 A postura de empresário modernizador eventualmente
seria posta em dúvida pela CPI da Vasp, que levantou uma
série de indícios de que Wagner Canhedo teria sido favorecido no leilão de privatização, com o envolvimento de Paulo César Farias e da própria Ministra da Economia, Zélia
Cardoso de Mello. Assim, fica evidente que o estilo agressivo e pretensamente modernizador que Canhedo tentou
transmitir à opinião pública tinha por trás de si elos com o
grandioso esquema de corrupção que levaria à destituição
de Fernando Collor. Ao invés do empresário ousado e disposto a correr riscos, Canhedo se revelou um típico representante do modelo tradicional de empresário dependente
do Estado, lastreado por favorecimentos, que o discurso
modernizante de Collor afirmava pretender superar. Ver, a
respeito, Salomão (1993).
Câmara fez o seguinte relato: “conseguimos, via Itamar
Franco, conseguimos viabilizar a Câmara Setorial. Mas, foi
via Itamar Franco, que era nacionalista... mas, com nenhuma aceitação da parte do DAC. Apesar de ser um órgão, um
departamento do Ministério da Aeronáutica, portanto, subordinado ao governo, à Presidência da República, não
mostrou a menor vontade de ajudar essa discussão. A mesma coisa em relação às empresas aéreas. Tinha uma relação
extremamente fraternal, com o próprio DAC, e que resolvia as coisas por lá mesmo, às portas fechadas etc., então,
foi uma Câmara de curto fôlego. Primeiro, porque o pressuposto de uma Câmara Setorial é fazer um diagnóstico do
Setor. E o DAC e as empresas achavam que não tinha que
fazer diagnóstico nenhum, porque eles já conheciam o diagnóstico do setor, e tinham condição de resolver os problemas do setor com as próprias pernas” (TOLEDO, 2004).
169
EMPRESÁRIOS E AÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS REFORMAS PARA O MERCADO
manteriam o programa de demissões. Com o
reaquecimento da economia após a implementação
do Plano Real, o tema da crise seria temporariamente superado, ao passo que com a eleição de
Fernando Henrique Cardoso, a agenda das reformas seria vigorosamente retomada, desafiando as
empresas e levando os empresários à busca de
novas estratégias de atuação, como será discutido a seguir.
V. CONSOLIDAÇÃO DAS REFORMAS E CRISE NA AVIAÇÃO COM FERNANDO HENRIQUE CARDOSO (1995-1998)
O revigoramento da agenda das reformas
liberalizantes, com a eleição de Fernando Henrique
Cardoso, encontraria na aviação comercial um
campo ainda marcado pela resistência dos empresários e das autoridades aeronáuticas. Nesse
momento, em que a sintonia entre esses atores
permanecia forte, o núcleo do Executivo começaria um ciclo de enfrentamento com os interesses do setor, percebido como expressão do modelo tradicional que o governo pretendia
desconstruir, em prol do fortalecimento de uma
economia de mercado.
O primeiro contencioso se daria em fins de
1995, quando as empresas aéreas solicitaram às
autoridades o primeiro reajuste depois da implantação do Plano Real. As autoridades econômicas
aproveitaram essa oportunidade para questionar a
proibição, conforme antiga portaria do DAC, de
concessão de descontos às passagens adquiridas
por órgãos públicos (FAZENDA NEGA REAJUSTE, 1995)19. O enfrentamento se tornaria mais
acirrado entre os anos de 1996 e 1997, quando
surgem sucessivas denúncias contra as empresas
aéreas, acusadas de formação de cartel e prática
de tarifas abusivas. Não só as empresas, como o
próprio DAC, seriam alvo de investigações por
parte das autoridades econômicas sob o argumento
de que a concorrência era insuficiente no setor.
Nesse período, começou a ganhar corpo a proposta de abertura do mercado doméstico às empresas estrangeiras, a qual teria eco dentro do
governo em áreas como o Turismo, em articulação com lideranças políticas da região Nordeste,
19 O reajuste só viria a ser concedido em meados do ano
seguinte, após gestões dos dirigentes empresariais junto ao
próprio Ministro da Fazenda, Pedro Malan, e após o DAC
comprometer-se a revogar a referida portaria (PASSAGENS
AÉREAS SOBEM 14%, 1996).
170
chegando ao poder Legislativo (EMBRATUR
QUER AUMENTAR, 1997).
A partir do segundo semestre de 1997, o tema
das tarifas aéreas foi colocado entre as prioridades do Poder Executivo, e a Presidência da República instituiu um grupo de trabalho visando
aprofundar a abertura do setor. Comandado pelo
chefe do gabinete civil, Clóvis Carvalho, o grupo
teve também a participação das autoridades econômicas (SDE, SEAE e CADE), além de setores
governamentais diretamente interessados na abertura, como a Embratur. Confirmando o estilo avesso à aproximação entre o poder público e grupos
privados característico daquele governo, as empresas não foram convidadas a participar dos trabalhos (CÉU DE BRIGADEIRO PARA TODOS,
1997).
De forma a responder à pressão do Executivo, que incluía a discussão sobre a criação de uma
agência reguladora civil para o transporte aéreo
em substituição ao DAC, a principal estratégia das
empresas seria a indicação do Brigadeiro Mauro
Gandra, ex-Diretor do DAC e que passara pelo
Ministério da Aeronáutica do próprio governo
Fernando Henrique, para a presidência do SNEA20.
A despeito da resistência de empresários e autoridades, a pressão do Poder Executivo alcançaria resultados concretos a partir do final de 1997
à medida que cresceu a ameaça de abertura do
mercado às empresas estrangeiras, somada à eventual retirada do controle da Aeronáutica sobre o
setor. A resposta do DAC foi um incremento na
flexibilização das regras relativas aos preços das
passagens, acompanhada pelas empresas, ao longo de 1998, por meio da mais acirrada “guerra
20 O jornal O Globo fez as seguintes considerações sobre
o assunto: “Sem que o presidente Fernando Henrique Cardoso perceba, uma contra-ofensiva ao projeto de
desmilitarização do Departamento de Aviação Civil (DAC)
está sendo montada dentro do Ministério da Aeronáutica.
O ministro Lélio Lobo, que é contra o projeto do presidente de transformar o DAC em uma Agência Nacional de
Aviação Civil, já recebeu o apoio formal das maiores empresas aéreas do país, unidas por um medo comum: a entrada de empresas estrangeiras no emergente mercado brasileiro. No início de dezembro, o lobby contrário à reforma
do DAC ganha o reforço do Brigadeiro Mauro Gandra, exMinistro da Aeronáutica, que irá assumir a presidência do
Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (SNEA)”
(EX-MINISTRO DA AERONÁUTICA COMANDARÁ,
1997).
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, NÚMERO SUPLEMENTAR: 159-180 AGO. 2008
tarifária” vivida pelo mercado ao longo dos anos
199021. O incremento no número de usuários e a
redução nos preços, no entanto, teriam curta duração. Ao final daquele ano, o conjunto das empresas sofreu forte retração em seus resultados, a
despeito do forte aumento no número de passa-
geiros transportados (ver as tabelas 4 e 5). A desvalorização cambial ocorrida logo no início do
segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso
acentuaria as perdas, mudando radicalmente o
cenário do transporte aéreo brasileiro, como se
verá na próxima seção.
TABELA 4 – EVOLUÇÃO DO TRÁFEGO AÉREO BRASILEIRO DOMÉSTICO E INTERNACIONAL (1990-2002)
FONTES: anuários estatísticos do DAC (2000; 2002).
NOTA: * Em 2000 foi mudada a metodologia, com a incorporação do segmento regional às estatísticas do segmento
doméstico, alterando a base de dados.
TABELA 5 – LUCRATIVIDADE DA INDÚSTRIA (1990-2002; EM %)
FONTES: anuários estatísticos do DAC (vários anos).
NOTA: * Em 2000, o DAC reuniu as empresas de aviação regional ao grupo das empresas domésticas, alterando em parte
a base de comparação, mas não a tendência geral
21 Desde meados do segundo semestre de 1997, as empre-
sas deram início a promoções, cujo sentido foi muito além
da mera concorrência, assumindo um caráter eminentemen-
te político, que pode ser auferido no lançamento de
uma campanha da Varig, na qual a transportadora
passaria a oferecer descontos de 40% em todos os
vôos. Segundo o jornal O Globo: “A Varig lançará
171
EMPRESÁRIOS E AÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS REFORMAS PARA O MERCADO
VI. O SEGUNDO MANDATO DE FERNANDO
HENRIQUE CARDOSO (1999-2002): O DEBATE EM TORNO DA CRISE E DA CRIAÇÃO DA ANAC
O aquecimento do setor aéreo e a onda de descontos ao longo de 1998 dariam lugar a uma grave crise provocada pela desvalorização do real frente ao dólar em janeiro de 1999. As empresas viram seus custos – na maior parte cotados na moeda
norte-americana – aumentarem vertiginosamente, enquanto o conjunto da economia sofreria forte retração. Diante desse quadro, as empresas
optaram por limitar a oferta de descontos, enxugar rotas (diminuindo o número de aeronaves e,
eventualmente, de pessoal), e de certa forma
retornar ao foco nos usuários de mais alto poder
aquisitivo. Por outro lado, o eixo da atuação política do empresariado sairia do jogo de “resistência e adesão” às reformas para o debate em torno
da crise, seu diagnóstico e possíveis soluções.
Vale acrescentar que, ao contrário do primeiro
mandato de Fernando Henrique Cardoso, marcado por um amplo consenso em torno da política
econômica de estabilização, o segundo termo viria a abrir espaço para opiniões dissidentes no interior do governo e em sua base de sustentação.
hoje seu programa, em grande estilo. Numa audiência com
o ministro da Indústria, Comércio e Turismo, Francisco
Dornelles, e o presidente da Embratur, Caio de Carvalho, a
empresa anunciará um desconto de 40% para todos os
trechos do país servidos pela Varig e a Rio-Sul” (VARIG
DARÁ DESCONTOS, 1997). Em fins de 1997, a Varig
lançaria o programa “Voa Brasil”, oferecendo tarifas com
50% de descontos em vôos noturnos para algumas das
principais capitais brasileiras. Vasp, Transbrasil e Tam acompanhariam a onda de descontos. A esse respeito, o mesmo
jornal O Globo fez o seguinte comentário: “As companhias aéreas estão se antecipando à iniciativa do governo de
incentivar a maior concorrência no setor. Ainda nesse verão
deverão ser anunciadas medidas para estimular o turismo
interno e, ao mesmo tempo, dar os primeiros passos em
direção à desregulamentação dos serviços de transporte
aéreo. [...] As empresas estão preocupadas com a iniciativa
do governo de liberalizar os serviços de transporte aéreo.
Recentemente, o presidente do sindicato que representa as
companhias, Brigadeiro Mauro Gandra (ex-Ministro da Aeronáutica), advertiu que a desregulamentação programada
pelo governo deve ser feita com cuidado, para não prejudicar as companhias já instaladas no país. Isto porque está
nos planos da Câmara de Infra-estrutura da Presidência da
República a maior abertura a empresas estrangeiras da exploração de serviços no espaço aéreo brasileiro” (TARIFA
AÉREA A PREÇO, 1997).
172
As dissidências eventualmente se transformaram
em polêmicas, como a que opôs os favoráveis à
criação de políticas “desenvolvimentistas” (áreas
como Desenvolvimento, Transportes e Turismo)
e aqueles favoráveis à manutenção do foco nas
políticas de estabilização, chamados de
“monetaristas” (concentrados na área econômica).
Tal inflexão permitiria que tentativas de se
implementar medidas com algum envolvimento do
poder público na atividade econômica – financiamentos e isenções fiscais, por exemplo – fossem
ensaiadas. No que diz respeito ao setor aéreo, uma
prova de que uma postura menos ligada à visão
“monetarista” poderia ganhar espaço foi a discussão, a partir de abril de 1999, de um programa de
ajuda financeira para as empresas, logo apelidado
de “Proar”. Sob coordenação da Casa Civil, o programa envolveria ainda os ministérios da Fazenda
e da Defesa e o Comando da Aeronáutica, com o
objetivo, nunca realizado, de se criar um fundo
para auxiliar as empresas, diante do quadro geral
de endividamento (cf. o informativo Dia a Dia
(1999).
Nesse contexto, percebe-se uma clara inflexão
na estratégia dos empresários do setor, atribuindo
um novo papel ao SNEA, que, tendo à frente o
Brigadeiro Mauro Gandra, voltou a sua atuação
para a renovação da imagem das companhias aéreas frente à sociedade. Uma das maiores preocupações da entidade no período pareceu estar
ligada à busca de legitimidade para os pleitos das
empresas. Elas eram recorrentemente criticadas
pelas tarifas consideradas elevadas, por problemas de atraso dos vôos, extravio de bagagens,
além da preocupação com os acidentes. Muitas
dessas queixas, levadas à Justiça ou a órgãos de
defesa do consumidor, contribuíam para a formação de uma imagem negativa das empresas junto à opinião pública.
Nesse sentido, o SNEA investiu na construção
de canais de interlocução próprios até então
inexistentes – como o seu portal eletrônico e a
publicação de um informativo mensal – e na maior presença em outros meios de comunicação,
como a televisão e a imprensa escrita. Da mesma
forma, o SNEA incrementou sua participação em
fóruns oficiais e alternativos, ligados ou não à
aviação. Do ponto de vista da intervenção política
propriamente dita, a adesão quase automática às
políticas governamentais de outros tempos daria
lugar a um discurso crescentemente crítico em
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, NÚMERO SUPLEMENTAR: 159-180 AGO. 2008
relação ao governo. O discurso pró-mercado, por
sua vez, não desapareceria, mas ao seu lado ressurgiriam valores como a “soberania nacional” e
o “significado estratégico da aviação”, lastreando
as demandas empresariais por melhores condições
de competitividade.
O editorial do primeiro Informativo SNEA,
publicação criada em 1999, revelou essa estratégia, ao destacar algumas ações por parte da nova
diretoria: “a inauguração da nova sede, em outubro de 1997, e a eleição de um Diretor-Presidente
(Mauro Gandra) com disponibilidade integral de
seu tempo dedicado ao Órgão têm proporcionado
maior projeção do Sindicato, seja por meio do uso
das modernas instalações por parte das empresas
associadas, seja por maior exposição na mídia.
Este segundo fato deve-se à adoção pela Diretoria
de duas medidas de caráter relevante – a criação da
Comissão de Segurança de Vôo e de uma Assessoria de Comunicação. [...] As duas áreas têm o objetivo de melhor informar e esclarecer a opinião
pública sobre os fatos da Aviação Civil, alvo de atenções, incompreensões e de cerrado bombardeio de
órgãos governamentais, associações de vítimas,
Ministério Público, Procons [Delegacias de Defesa
do Consumidor], e principalmente, meios de comunicação” (INFORMATIVO SNEA, 1999a).
O SNEA também procurou articular-se a outros setores do governo, como a área de Turismo, tradicional crítica dos altos preços das tarifas
aéreas no Brasil. A entidade tornou-se membro do
Conselho Consultivo do Turismo Nacional, instituído pela Embratur (INFORMATIVO SNEA,
1999b, p. 3) e participou pela primeira vez da Feira Anual da Associação Brasileira de Agentes de
Viagens (INFORMATIVO SNEA, 1999c; 1999d).
Como já assinalado, todas essas estratégias
seriam importantes para a atuação da entidade no
que diz respeito ao problema da crise do setor.
Primeiramente, seria preciso demonstrar que a
situação das empresas não era resultado de má
gestão, mas de um conjunto de fatores de natureza estrutural afetando o mercado como um todo.
Em segundo lugar, seria preciso convencer as
autoridades de que as empresas brasileiras mereciam um tratamento diferenciado, que se traduziria na reavaliação de uma série de medidas tributárias e administrativas que garantissem condições
de competitividade às empresas brasileiras.
Segundo o argumento dos empresários, os
sucessivos prejuízos teriam como uma de suas
causas imediatas o desequilíbrio entre o aumento
dos custos ocorrido com as seguidas desvalorizações do real a partir de janeiro de 1999 e o rígido controle sobre os reajustes tarifários, conforme definido pelas autoridades aeronáuticas e econômicas. Dessa forma, uma das principais demandas naquele contexto diria respeito à liberalização
plena das tarifas. Além da liberação quanto aos
preços mínimos, vigente desde 1998, os empresários cobravam do governo a liberação aos tetos, o que segundo eles eventualmente permitiria
a oferta de descontos maiores, graças à utilização
dos sistemas de gerenciamento de preços (yield
management). Com esses sistemas, os empresários alegavam ser capazes de oferecer um conjunto de tarifas mais amplo, com descontos maiores, mesmo que as tarifas máximas eventualmente
fossem majoradas (A palavra do Presidente,
1999b).
O quadro de incerteza caracterizado pelo
desequilíbrio entre os custos crescentes e as tarifas controladas pelas autoridades econômicas se
tornaria ainda mais dramático para as empresas
brasileiras com o fortalecimento, já mencionado
anteriormente, da proposta de abertura do mercado brasileiro às empresas estrangeiras. Assim,
valores como a “soberania nacional” e o caráter
“estratégico” da aviação permeariam o discurso
dos empresários, eventualmente levando à percepção da globalização como uma ameaça ao país.
Sob essa ótica, os dirigentes empresariais defenderiam a legitimidade do apoio às empresas brasileiras e ressaltariam o risco de perda de controle
sobre a atividade na falta de medidas capazes de
sanar a crise. Mais uma vez, o assunto é abordado por Mauro Gandra: “A recuperação plena desta ‘aeronave’ [aviação nacional] dependerá, sobretudo, da habilidade de seus Comandantes [Direção das empresas] e também das imprescindíveis medidas governamentais para o setor, tanto
de ordem conjuntural como de ordem estrutural.
[...] Se nada mudar, o que teremos será a inevitável substituição de nossa querida ‘aeronave’ por
uma vistosa ‘aeronave’ estrangeira [absorção de
nossas empresas aéreas por empresas internacionais] com as indesejáveis conseqüências da perda
de soberania sobre mais um setor estratégico nacional” (A palavra do Presidente, 1999a).
A consideração de que a sobrevivência das
empresas aéreas nacionais fosse uma questão de
soberania nacional abriria espaço para as demandas por medidas concretas de apoio. Essas de-
173
EMPRESÁRIOS E AÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS REFORMAS PARA O MERCADO
mandas se concentrariam, sobretudo, na diminuição das taxas e impostos incidentes sobre a aviação comercial. Os empresários argumentavam que
a falta de competitividade seria resultado do ambiente hostil em que operavam, e que apenas uma
redução nos custos – via redução na carga tributária – geraria os ganhos de competitividade necessários. Esses argumentos apareceram, por
exemplo, no seguinte trecho: “O fator que mais
onera as empresas nacionais de transporte aéreo
chama-se custo Brasil, cujos principais componentes são a estrutura tributária de impostos cumulativos, impostos em cascata, excesso de taxações, de burocracia, de ingerência governamental. Anacrônicos em qualquer lugar do mundo que
se pretenda competitivo e globalizado, tais problemas têm sido altamente nocivos às finanças das
empresas e à imagem pública do setor. [...] ‘Apesar de as empresas se esforçarem para oferecer
preços mais acessíveis e competitivos, a opinião
pública é sempre levada a acreditar que tarifas
eventualmente menos palatáveis são resultado de
má administração, de falta de concorrência ou
mesmo de ganância empresarial’, desabafa o Presidente do SNEA, Brigadeiro Mauro Gandra. [...]
Enquanto outros países procuram criar um ambiente que propicie vantagens competitivas às suas
empresas, o Brasil, pelo contrário, faz as empresas nacionais colecionarem desvantagens competitivas. ‘Não tenho dúvida nenhuma [de] que, do
ponto de vista da produção nacional, é absolutamente impossível ser competitivo com a estrutura tributária que aí está’, afirma” (A palavra do
Presidente, 2000)22.
Transbrasil – operavam rotas para os Estados
Unidos, que representava um importante mercado para cada uma delas. Ao mesmo tempo, quatro grandes empresas norte-americanas – United
Airlines, American Airlines, Delta e Continental –
estavam autorizadas a voar para o Brasil. A diferença de escala entre as quatro grandes brasileiras
e as quatro norte-americanas, somada à menor
carga tributária incidente sobre as estrangeiras,
foi destacada pelos empresários em várias oportunidades, dando-se ênfase também ao fato das
empresas brasileiras terem perdido sistematicamente participação no mercado entre Brasil e Estados Unidos: “Perdemos mercado em razão de
imensas limitações comparativas, tanto em termos
de escala quanto de estrutura de custos, favoráveis às empresas norte-americanas. Para elas, o
mercado brasileiro representa apenas 3% do seu
mercado internacional. Em nosso caso, entretanto, o mercado para os EUA equivale a quase 50%.
Quanto à estrutura de custos, as vantagens para
as americanas não são menores. [...] O Brasil precisa assegurar a isonomia tributária e financeira
às empresas aéreas nacionais, o que não significa, de forma alguma, defesa de subsídios. Basta
removermos os obstáculos daquilo que se
convencionou chamar de custo Brasil. Somente
assim teremos competição justa” (INFORMATIVO SNEA, 2000a).
22 Em entrevista à revista Aeromagazine, Gandra afirma-
Os empresários do setor também destacaram
que as empresas aéreas sofriam, além dos impostos comuns às demais atividades econômicas (Imposto de Renda, Imposto sobre Serviços (ISS),
Contribuição para o Financiamento da Seguridade
Social (Cofins), Contribuição Provisória sobre
Movimentações Financeiras (CPMF) e os custos
trabalhistas), um conjunto de tributações específicas que consideravam indevidas, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre a venda de passagens, as
alíquotas desse imposto sobre o combustível, a
cobrança sobre o pagamento de leasing e os adicionais sobre as tarifas aeroportuárias.
ria ainda: “A carga tributária das empresas aéreas brasileiras, por exemplo, é da ordem de 34,8% contra 7,5% das
norte-americanas e 16% das européias. Aqui mesmo na
América do Sul, por exemplo, a carga tributária é de 18%
no Chile e chega a 21% na Argentina, valores bem menores
do que os praticados no Brasil” (GANDRA, 2000, p. 45).
Além da incidência de impostos, custos diretos como o
financiamento e o seguro das aeronaves também foram citados como extremamente desfavoráveis às empresas nacionais.
A cobrança de ICMS sobre as passagens não
caberia, segundo os empresários, uma vez que se
tratava de um imposto estadual cobrado sobre uma
atividade que não utilizaria nenhum serviço deste
ente federativo. Ao contrário, seriam os estados
os beneficiários da atividade aeronáutica, dado o
seu impacto positivo sobre a sua atividade econômica. Mauro Gandra mencionou o tema em en-
A “desvantagem competitiva” em relação às
empresas estrangeiras, notadamente as norte-americanas, já teria causado considerável prejuízo ao
setor, de acordo com dados apresentados pelos
dirigentes empresariais. Em 1999, as quatro grandes empresas brasileiras – Varig, TAM, Vasp e
174
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, NÚMERO SUPLEMENTAR: 159-180 AGO. 2008
trevista à Aeromagazine: “Antes da aprovação da
Constituição de 1988, a aviação ficava isenta de
muitos impostos. Não havia, por exemplo, a incidência do ICMS. Até porque é um imposto que é
pago por um serviço realizado dentro de uma área
do estado, em que ele, naturalmente, tem uma série
de obrigações com aquelas empresas. Mas na aviação, de um modo geral, o estado não tem nenhuma obrigação com as empresas. Os aeroportos
são federais. Quando estão sob a administração
dos estados, é por convênio. O espaço aéreo é
federal, o Registro Aeronáutico Brasileiro (uma
espécie de Detran do ar) também é federal. Por
isso, costumo dizer que a única intervenção que
não é federal no transporte aéreo, e também não é
estadual, mas sim do município, é a via de acesso
que leva o usuário ao aeroporto. Infelizmente, a
Constituição de 1988 deu margem para que esse
tipo de cobrança acontecesse” (GANDRA, 2000,
p. 47)23.
Os empresários deram destaque, ainda, ao
Adicional de Tarifa Aeroportuária (Ataero), um
acréscimo de 50% sobre o valor de todas as taxas
normalmente cobradas das empresas em suas
operações (pouso, permanência e comunicações
aeronáuticas, por exemplo). O adicional foi criado em 1989, com base numa sobretaxa similar
criada para financiar a modernização dos portos
(o ATP). Ao contrário do adicional dos portos,
que foi gradativamente reduzido, o adicional dos
aeroportos manteve-se ao longo dos anos, como
relatou George Ermakoff, que assumiu a presidência do SNEA nesse período: “Em 1993, a Lei
de Modernização dos Portos reduziu o ATP, que
23 Ainda em relação ao ICMS, havia a queixa em relação à
alíquota do imposto cobrado sobre o combustível de aviação. O então presidente da TAM, Rolim Amaro, afirmou
sobre o assunto: “Falava há pouco do fato de os estados,
com a Constituição de 1988, taxarem as empresas aéreas.
O que aconteceu nos diversos estados? Todos os estados
brasileiros taxaram 25% sobre os combustíveis. O avião e
as empresas aéreas são setores de energia intensiva. Quando se abastece um 747, um 767 ou um Airbus, consome-se
100 ou 200 mil litros de combustível, o que significa dizer
que, a cada vez que abastecemos, pagamos para o estado
60, 70 mil litros de combustível, todas as noites, por avião.
Houve estados brasileiros que aumentaram a taxa de 25
para 30% – 38% no estado do Rio. Com isso, ninguém
mais abastecia no Rio de Janeiro, mas em outros aeroportos, como em São Paulo ou Brasília. Todos sabem que um
avião carregado de combustível consome mais. Apesar disso, a empresa economiza pagando uma taxa menor, mas o
Brasil paga a conta” (AMARO, 1999).
era o semelhante dos portos, para 40%. Nós continuamos com 50%. Em 1994, reduziu para 30%.
Nós continuamos com 50%. Em 1995, reduziu
para 20%. Continuamos com 50%. Em 1996 o
ATP foi extinto, e nós continuamos pagando o
Ataero. E, só para que os senhores saibam, até
hoje já pagamos algo em torno de 4 bilhões de
reais de Ataero” (ERMAKOFF, 2001, p. 18)24.
George Ermakoff substitui Mauro Gandra em
outubro de 2000 na Presidência do SNEA, e sob
sua liderança, a estratégia da entidade sofreria uma
nova reorientação, no sentido de uma menor ênfase na publicabilidade das ações, para atuar mais
diretamente sobre as arenas institucionais de negociação. Tal reorientação seria consistente com
o perfil do novo dirigente, que durante a gestão de
Gandra fôra Secretário de Relações Governamentais e, trabalhando no grupo Varig, havia atuado
como Diretor Regional em Brasília25. Essa nova
estratégia está relacionada à migração do foco da
dinâmica política do setor do Rio de Janeiro para
Brasília, mudança que revelaria a perda relativa de
importância do DAC, sediado na capital
fluminense, e o maior peso dado às instâncias mais
altas do poder Executivo e ao próprio Congresso,
para onde se canalizariam parte das iniciativas dos
empresários26.
A orientação de Ermakoff no sentido de se
aproximar das autoridades se revelaria, por exem24 Ermakoff criticaria na mesma oportunidade a falta de
transparência na aplicação dos recursos, assim como a
indefinição nos critérios de aplicação ao afirmar que o adicional “destina[-se] à Infraero para expansão e construção
de aeroportos e proteção de vôo. Entretanto, até hoje nunca recebemos nenhum relatório do emprego do Ataero. Não
conhecemos seu emprego, não sabemos o custo. Como o
sistema de controle de tráfego aéreo no Brasil é compartilhado (pela aviação civil e militar), não sabemos se estamos
pagando pelo sistema de controle de tráfego aéreo ou se
eventualmente estamos pagando parte do sistema de defesa. Então, há uma série de coisas que ainda precisariam ser
estudadas com relação ao Ataero” (ERMAKOFF, 1999, p.
53).
25 A mudança de foco em relação à gestão de Gandra se
explicitaria também na descontinuidade da publicação do
informativo, cujo último número é lançado em fevereiro de
2001. Daí em diante são lançados apenas alguns informativos avulsos, sem periodicidade definida.
26 A cerimônia de posse de Ermakoff, realizada na Câmara
de Deputados em Brasília e não no Rio de Janeiro, onde
fica a sede do SNEA, parece confirmar a aludida mudança
(INFORMATIVO SNEA, 2000, p. 2).
175
EMPRESÁRIOS E AÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS REFORMAS PARA O MERCADO
plo, no relato sobre um encontro com o Ministro
da Fazenda, Pedro Malan, mencionado no último
número do Informativo SNEA: “O Presidente do
SNEA foi recebido pelo Ministro da Fazenda, Pedro
Malan, na sede regional do Ministério, no Rio de
Janeiro, em 19 de janeiro. O principal assunto em
pauta foi a competitividade das empresas aéreas
brasileiras. [...] O Ministro sugeriu a criação de
um fórum de competitividade para o setor, no
âmbito do Ministério do Desenvolvimento. O
fórum funcionaria nos [sic] moldes do que já ocorre com outros segmentos da economia, como telecomunicações e eletroeletrônicos” (INFORMATIVO SNEA, 2001).
Apesar da receptividade de uma das figuraschave da área econômica, os pontos de divergência entre empresariado e governo eram muitos,
de forma que a aproximação que havia marcado
esses dois atores no passado daria espaço a uma
percepção cada vez mais negativa, por parte dos
empresários, em relação ao governo. Essa percepção aparece no seguinte trecho, em que o Presidente do SNEA, George Ermakoff, fala sobre a
situação das empresas: “Das empresas aéreas falam em má administração, falam em um monte de
asneiras, as pessoas de fora que não conhecem o
setor. Eu credito única e exclusivamente ao governo, ao governo brasileiro a situação das empresas aéreas. Não existe essa questão de má administração, nessa escala. Então, a não ser que
fosse aqui um bando de loucos rasgando dinheiro. Mas nessa escala não existe. Então, todos os
problemas que as empresas aéreas viveram, viveram em função dos desmandos do próprio governo federal. [...] Modéstia à parte, nós entendemos muito mais do setor do que eles. E os caras
acham que... vem uns caras lá de ‘nariz em pé’,
que estudam lá não sei em que faculdade. Acha
que não pode ter proteção aqui, não pode ter proteção ali. São todos com a cabeça de outro lugar.
Quer dizer, eles não estão enxergando a realidade
brasileira” (ERMAKOFF, 2004)27.
27 Vale citar outro trecho da entrevista, em que Ermakoff
reforça a percepção negativa em relação ao governo, mais
especificamente em relação às autoridades econômicas, apesar das boas relações com o Ministro da Fazenda, Pedro
Malan: “Eu sempre me dei muito bem com o Malan. O
problema do Malan é que a equipe econômica... o Ministro, logicamente, tem que se basear no que dizem seus
assessores. A equipe econômica era completamente liberalizada ou neoliberal, o que você quiser chamar. E é aquilo
que eu te digo: o tal do Dr. Considera, por exemplo, que era
176
As tensões entre empresários da aviação comercial e o núcleo do governo Fernando
Henrique teriam uma rodada final com o envio
ao Congresso do projeto de lei criando a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), em fins
de 2000. O projeto foi concebido por um grupo
formado por membros da Casa Civil, Defesa e
Infraero, novamente sem a participação dos
empresários. A falta de espaço para a participação desses atores foi criticada por todos eles ao
longo dos depoimentos prestados nas audiências públicas realizadas ao longo de 2001, no
âmbito da comissão parlamentar encarregada de
apreciar o projeto. Pode-se perceber, nesse
momento, um claro afastamento das empresas
em relação às próprias autoridades aeronáuticas, que fizeram parte do grupo representando
o Ministério da Defesa.
Por outro lado, a dedicação dos empresários
aos trabalhos da comissão, individualmente e por
meio do SNEA, mostra a importância que esses
atores passaram a atribuir àquele espaço de negociação. Com efeito, a atuação dos dirigentes do
SNEA e das empresas levou a uma série de mudanças no projeto de lei original, especialmente
nos itens relativos ao modelo de concessão para a
exploração das linhas aéreas28. Por conta das mudanças introduzidas no substitutivo apresentado
pelo relator da comissão, fruto de mais de seis
meses de debates, o poder Executivo exerceria
sua prerrogativa de retirar o projeto de tramitação,
reforçando a postura de confronto com os empresários.
O fechamento do espaço de negociação com
o governo teve como contrapartida a abertura
uma ‘pedrinha no sapato’. O Considera foi um dos mentores
dessa liberalização. Quer dizer, eu sou a favor da
liberalização, eu não sou contra a liberalização. Eu acho que
a economia de mercado é boa. Desde que você coloque todo
mundo do mesmo jeito. É a mesma coisa que você fazer
uma corrida, deixar um cara dez dias sem comer, e outros
saírem ‘zero quilômetro’. Não tem condição, entendeu?
Então tem que resolver as mazelas do próprio governo
antes, para depois permitir que as empresas concorram
livremente” (ERMAKOFF, 2004).
28 Dentre outros aspectos, os empresários se manifesta-
ram radicalmente contra a proposta de cobrança (via licitação) pela concessão de linhas na forma como constava no
projeto e em relação aos prazos previstos para a concessão. Esse tema é explorado em Monteiro (2004, cap. 6).
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, NÚMERO SUPLEMENTAR: 159-180 AGO. 2008
para o diálogo com outros atores, notadamente
os sindicatos de trabalhadores29. Os representantes dos trabalhadores do transporte aéreo foram críticos não só da forma como o projeto
original foi preparado pelo governo, mas também das propostas que representavam aumento
dos custos para as empresas. Assim, Ermakoff
faria a seguinte avaliação sobre a relação com os
sindicalistas: “Por incrível que pareça, pela primeira vez, nós nos unimos. Porque o pensamento dos trabalhadores era muito semelhante ao
nosso. O setor estava ‘ao Deus dará’. E, nós,
efetivamente, nos unimos aos trabalhadores no
sentido de trabalhar pela ANAC. [...] Tanto o sindicato dos aeronautas com dos aeroviários. Todo
mundo trabalhou, e coeso, para a ANAC, em favor da ANAC” (idem).
O ciclo de doze anos de implementação das
reformas para o mercado se encerrou com o conjunto do setor em crise. O racionamento de energia em 2001, sucedido pelos atentados terroristas
de 11 de setembro, tornariam a situação ainda mais
problemática para todas as empresas. Políticas
mais afinadas com o interesse dessas, com o apoio
de setores “desenvolvimentistas” do governo, encontrariam algum espaço apenas ao final do mandato de Fernando Henrique Cardoso. Nesse período foi criado um Fórum de Competitividade para
o setor aéreo, no interior do qual seriam discutidas e eventualmente concretizadas medidas pontuais de desburocratização e desoneração, as quais
– ainda que de forma incompleta – atenderiam às
demandas dos empresários. Mesmo assim, uma
das companhias tradicionais do setor, a
Transbrasil, pararia de voar em dezembro de 2001,
a Vasp passaria por vários momentos de quase
paralisação e a Varig, ainda líder do setor, chega-
29 Um dos marcos desse novo padrão de relacionamento
entre empresários e trabalhadores pode ser considerada a
publicação, na primeira página do Informativo SNEA (n. 8,
maio de 1999) de um artigo do então presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Luiz Fernando Collares, em
que o líder sindical defende a criação de um fórum (em
moldes semelhantes ao das antigas Câmaras Setoriais) para
discutir saídas para a crise do setor. O artigo veio acompanhado de um outro, em que Mauro Gandra apoiava a proposta dos trabalhadores, numa postura bastante diversa
daquela que prevalecera até o início da década.
ria ao final de 2002 correndo o risco de enfrentar
o mesmo destino30.
VII. CONCLUSÕES
A análise da atuação política dos dirigentes
empresariais da aviação comercial brasileira ao
longo do período mostra que houve uma mudança importante em seu padrão de ação em relação
ao contexto anterior às reformas. O acesso privilegiado às instâncias decisórias do poder público
e a estabilidade e segurança proporcionadas pelas
políticas de “realidade tarifária” e “competição
controlada” patrocinadas pelo DAC deram lugar a
um ambiente de incerteza, com a perda relativa de
poder das autoridades aeronáuticas, o fechamento dos espaços de interlocução junto ao núcleo do
Executivo e um ambiente de crescente competição e ameaça de abertura externa. A crise econômica em geral, e do setor em particular, tornou as
empresas ainda mais vulneráveis, tendo de enfrentar a pressão por redução nas tarifas ao mesmo
tempo em que tinham que lidar com custos elevados (financiamento, aquisição de aeronaves, tributos), sem falar da imagem negativa perante a
opinião pública. Diante desse quadro, os empresários do setor procuraram diversificar suas estratégias políticas e, ainda que por força das circunstâncias ou puro pragmatismo, abrir-se para
espaços públicos de interlocução, ampliando seus
canais junto à sociedade, inclusive aos representantes dos trabalhadores.
No plano mais geral, a trajetória dos empresários da aviação comercial enquanto atores políticos
não é muito diversa da trajetória do conjunto do
empresariado, discutida na seção II. Uma tradição
de ação política particularista até os anos 1980, em
íntima aliança com as autoridades aeronáuticas,
repercutindo ainda nos primeiros anos após o início do ciclo das reformas para o mercado, e finalmente – diante das pressões do ambiente econômico e o fechamento dos mecanismos tradicionais de
acesso ao Executivo – uma diversificação das formas de atuação, com foco em temas mais
abrangentes como a busca de competitividade e o
investimento em espaços públicos de interlocução.
30 A continuação das atividades da Varig foi possível, em
parte, graças à intervenção do Ministro do Desenvolvimento, Sérgio Amaral, que pressionou os credores públicos – Banco do Brasil, Petrobrás, entre outros – a não
executar as dívidas da transportadora (GOVERNO DÁ
FÔLEGO, 2002).
177
EMPRESÁRIOS E AÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS REFORMAS PARA O MERCADO
O caráter ainda em amadurecimento desse movimento, levando à sua (in)definição como
ambivalente, aparece, por exemplo, quando o SNEA
opera um retraimento relativo da esfera pública com
a eleição de George Ermakoff. A descontinuidade
da publicação de seu informativo é um sintoma
importante desse movimento.
Se por um lado o legado das reformas para o
mercado até o fim do período analisado foi de
crise econômica, é importante ressaltar que do
ponto de vista político parece ter havido algum
ganho no que diz respeito ao amadurecimento
democrático de seus principais atores. Uma questão a ser levantada para uma pesquisa futura diz
respeito à forma como a atuação política desses
atores se consolidaria diante do novo cenário,
advindo com a eleição de Luís Ignácio Lula da
Silva, em 2002. O novo Presidente viria reivindicar não só o resgate de um modelo de desenvolvimento com maior envolvimento do Estado, como
a retomada de mecanismos institucionais de
interlocução entre o poder público e os agentes
econômicos.
Desse novo cenário dependem pontos importantes nos quais as reformas do setor não avançaram, como no caso da transferência do controle
da aviação civil para um órgão também civil, em
substituição ao DAC. A falta de um novo arcabouço
institucional, vale dizer, foi apontada pelos empresários como um dos fatores responsáveis pela
crise. A forma como o novo governo veio a conduzir esse processo é uma questão que deve ser
explorada, especialmente a partir do momento em
que o setor passou a ganhar destaque nos meios
de comunicação e na agenda pública diante de dois
gravíssimos acidentes e do episódio do “apagão
aéreo”. Tanto o novo cenário de crise quanto a
necessidade de levar adiante a análise do padrão
de atuação política desse segmento empresarial
justificam uma nova rodada de investigação.
Cristiano Fonseca Monteiro ([email protected]) é Doutor em Sociologia pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ) e Professor Adjunto do Departamento de Administração, Escola de Ciências
Humanas e Sociais, Pólo Universitário de Volta Redonda, da Universidade Federal Fluminense (UFF).
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Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 19.dez.
180
ENTREPRENEURS AND POLITICAL ACTION IN THE CONTEXT OF MARKET
REFORMS: THE CASE OF COMMERCIAL AVIATION
Cristiano Fonseca Monteiro
ABSTRACT: This article looks at the transformations in styles of political action regarding
entrepreneurs of the commercial aviation sector in Brazil, analyzing patterns for periods before and
after market reform. Particularly as of the 1960s, entrepreneurs established a pattern of action that
was peculiarly linked to their particular interests, marked as it was by their direct relationship with
the state bureaucracy responsible for control of their sphere of activities (the Department of Civil
Aviation, linked to the Ministry of Aeronautics). These connections enabled entrepreneurs to enjoy
a privileged market situation linked to a regulatory model geared toward the financial and operational
stability of the few existing companies. With re-democratization, this model was faced with increasing
challenges. Policies to combat inflation, questioning of military control over the sector, the working
classes’ return to the political scenario, as well as the coming to power of a technocratic elite that
was interested in extinguishing the connections between the State and economic agents obliged
entrepreneurs to redefine their strategies. In this vein, we analyze different moments in entrepreneurial
action over the decade of the 1990s and the first years of the new century, seeking to demonstrate
how the new environment, marked by political uncertainty and economic crisis, made room for
positions that are less focused on particular interests and gestured toward issues such as firms’
competitiveness and greater opening up toward public forums for interlocution, placing higher stakes
on dialog with workers and other social actors.
KEYWORDS: entrepreneurs ; political action ; Brazilian commercial aviation ; market reform.
ENTREPRENEURS ET ACTION POLITIQUE DANS LE CONTEXTE DES RÉFORMES POUR
LE MARCHÉ : LE CAS DE L’AVIATION COMMERCIALE
Cristiano Fonseca Monteiro
L’article aborde les transformations dans le type d’intervention politique des entrepreneurs du secteur
de l’aviation commerciale au Brésil, en analysant le modèle des périodes antérieures et postérieures
aux réformes pour le marché. Surtout à partir des années 1960, les entrepreneurs ont bâti un modèle
d’intervention assez particulariste, caractérisé par une relation directe avec la bureaucratie d’état
responsable du contrôle de cette activité - le Département d’Aviation Civil, lié au Ministère de
l’Armée de l’air. Ce rapprochement a permis que les entrepreneurs jouissent d’une situation de
marché privilégiée, dans un modèle régulatoire consacré à la stabilité financière et opérationnelle de
quelques sociétés. Avec la rédémocratisation, ce modèle commence à être de plus en plus mis en
question. Les actions politiques pour enrayer l’inflation, la mise en question du contrôle exercé par
les militaires sur le secteur, le retour des travailleurs à la scène politique, ainsi que l’arrivée au
pouvoir d’une élite technocrate désirant la fin des connexions entre État et agents économiques, ont
obligé les entrepreneurs à redéfinir leurs stratégies. Ainsi, de différents moments d’action des
entreprises dans les années 1990 et dans les premières années du nouveau siècle sont analysés, et
on cherche à présenter comment le nouveau environnement, caractérisé par l’incertitude politique et
par la crise économique, favorise des conduites moins particularistes, annonçant les questions comme
celle de la compétitivité des entreprises et une plus grande ouverture à des forums publics d’interlocution,
en pariant vraiment pour le dialogue avec les salariés et les autres acteurs sociaux.
MOTS-CLÉS : entrepreneurs ; action politique ; aviation commerciale brésilienne ; réformes pour
le marché.
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