FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE ITUVERAVA
FACULDADE DE FILOSOFIA CIÊNCIAS E LETRAS
DANIELA CLÁUDIA SPERANDIR CARDOSO
HISTORIOGRAFIA E CANGAÇO: UMA ANÁLISE INTRODUTÓRIA
ITUVERAVA
2014
DABIELA CLÁUDIA SPERANDIR CARDOSO
HISTORIOGRAFIA E CANGAÇO: UMA ANÁLISE INTRODUTÓRIA
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Fundação Educacional de
Ituverava, Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras da para obtenção do título de
Licenciatura em História.
Orientador: Prof. Ms. Felipe Ziotti Narita
ITUVERAVA
2014
DANIELA CLÁUDIA SPERANDIR CARDOSO
HISTORIOGRAFIA E CANGAÇO: UMA ANÁLISE INTRODUTÓRIA
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Fundação Educacional de
Ituverava, Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras da para obtenção do título de
Licenciatura em História.
Ituverava, ____de __________________ de _______.
Orientador (a): _________________________________________
Nome do orientador (a)
Examinador (a):_________________________________________
Nome do examinador (a)
Examinador (a):_________________________________________
Nome do examinador (a)
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho principalmente aos meus pais Irene e Aparecido, que me deram
todo o apoio para que eu conseguisse fazer uma faculdade, a todos da minha família, a todos
meus amigos e ao meu namorado Fernando, que sempre estiveram do meu lado me apoiando
e ajudando nos momentos difíceis e também nos momentos de vitórias que tive no decorrer
do curso.
Dedico também aos meus professores, que são os melhores que existem, agradeço pela
paciência, pelo dom que têm de ensinar, e pela oportunidade que tive de ter mais
conhecimentos a partir de seus ensinamentos, seja educativo ou ensinamentos de vida, que
esses grandes mestres tem a oferecer.
AGRADECIMENTOS
Muito Obrigada,
Ao meu orientador, Felipe Ziotti Narita, pela competência e sabedoria, pelo apoio,
paciência e pela disponibilidade que teve.
Aos professores que, toda vez que pedi alguma orientação, sempre estavam dispostos a
me ajudar em tudo que precisei. Ana Maria, que me ajudou na escolha do tema; o professor
Felipe, que foi excelente orientador e professor muito sábio e atencioso; o professor Marco
Antônio (Marcão), que além de coordenador do curso é um grande professor; os professores
Wesley, Sandro, Marcio, Márcia, Aparecida Helena e Célia, que tanto contribuíram e
ajudaram para o crescimento educacional e profissional de toda a nossa turma.
E a todos que participaram do PIBID, quero aproveitar a oportunidade para agradecer
ao professor Antônio Marco que me possibilitou esta maravilhosa experiência, no qual pude
ter a certeza que é esta a profissão que escolhi o de ser professora, e obrigada a todos que
colaboram com o projeto PIBID, e que sempre continuem dando esta maravilhosa
oportunidade para os alunos.
Meu muito obrigada a todos os funcionários da instituição, que estão sempre nos
auxiliando no que precisarmos.
A todos os colegas de sala, que são muito mais que amigos, que me acompanharam
nesta linda caminhada de três anos, e os quais me ensinaram grandes aprendizados que levarei
para toda a vida.
E a todos que de forma direta ou indireta colaboraram por eu estar aqui, concluindo
meu trabalho.
Enfim, obrigada mãe e pai, por terem me proporcionado uma família linda e por
terem me criado sob princípios de ética e moral, me mostrando que sem estudos e sem um
objetivo de vida não chegamos a lugar algum. Obrigada a todos que passaram na minha vida e
que deixaram grandes aprendizados.
“O historiador se vale de uma serie de fontes que incluem desde
documentos oficiais, até noticias na imprensa ou mesmo coisas
aparentemente inesperadas como o rótulo de um remédio. Tudo
depende do tipo e do tema de sua pesquisa”.
Bóris Fausto
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo investigar a forma como o cangaço é discutido por autores e
cientistas sociais que estudam e analisam o movimento, visando ressaltar os principais pontos
para o entendimento da formação destes grupos. O trabalho destaca e analisa a história do
Brasil nos primeiros anos após a queda da monarquia e o início da Primeira República
(“República Velha”), momento com vários acontecimentos importantes na vida política,
econômica e social. Com a formação de movimentos sociais como Canudos e o cangaço, em
contexto de forte influência dos latifundiários, vale ressaltar principalmente o coronelismo na
região do nordeste brasileiro, onde tais eventos ocorriam. O presente trabalho analisa e discute
algumas interpretações sobre a “República Velha” à luz do coronelismo e principalmente do
cangaço. Os resultados das pesquisas mostraram diversas faces do cangaço, situando o
movimento como elemento fundamental para as análises e discussões do Brasil republicano.
Palavras-chave: História do Brasil; Historiografia; República Velha; Coronelismo; Cangaço.
SUMMARY
This work aims to investigate the form of banditry as is discussed by authors and scientists
who study and analyze the historiography of the highwaymen, aiming to highlight the points
that occurred in the formation of these groups. The paper highlights and analyzes the history
of Brazil in the early years after the fall of the monarchy the beginning of the old republic,
which had several important events in political, economic and social life. Forming social
movements as the war Straws and banditry, which have a strong influence of the landowners,
particularly highlighting the Colonels in the Brazilian Northeast region, where the revolt
happened Straws and acted the bandits. This paper analyzes and discusses the main works of
the old republic, the Colonels, the revolt of straws and especially Cangaço. Research results
showed the faces of the highwaymen, and how was the life of these groups, that some authors
were considered only groups of banditry, and had not any outcome in social movements, and
other authors cangaço was seen as fanaticism and heroism, to the northeastern hinterland.
Keywords: History of Brazil; historiography; Old Republic; coronelismo; Cangaço
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA NO BRASIL........................................... 17
FIGURA 2 BANDEIRA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRAZIL ....................................... 21
FIGURA 3: MARECHAL DEODORO DA FONSECAERRO!
INDICADOR
NÃO
DEFINIDO.
FIGURA 4: MARECHAL FLORIANO PEIXOTO, O “MARECHAL DE FERRO”. .......... 24
FIGURA 5 PRUDENTE DE MORAIS ( PARTIDO REPUBLICANO FEDERAL ) 15/11/1894 A 15/11/1998 ......................................................................................................... 28
FIGURA 6: CAMPOS SALES (PARTIDO REPUBLICANO PAULISTA )- 15/11/1898 A
15/11/1902 ................................................................................................................................ 30
FIGURA 7: LAMPIÃO EM JUAZEIRO DO NORTE VISITA A PADFRE CÍCERO ......... 45
FIGURA 8: LAMPIÃO E MARIA BONITA ......................................................................... 46
FIGURA 9: CHEFES DE VOLANTES QUE ENFRENTARAM E MATARAM O BANDO
DE LAMPIÃO.......................................................................................................................... 47
FIGURA 10: CABEÇAS DE CANGACEIROS DEGOLADOS: EMBAIXO, ISOLADA, A
DE LAMPIÃO: LOGO ACIMA, A DE MARIA BONITAERRO!
DEFINIDO.
INDICADOR
NÃO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 11
1
A QUEDA DA MONARQUIA ............................................................................. 13
1.1 Contextualização: o governo provisório (1889-1891) ........................................ 17
1.2 A primeira constituição da república (1891)...................................................... 21
1.3 Os governos de Deodoro da Fonseca (1889-1891) e Floriano Peixoto (1891-1894)
........................................................................................................................................ 22
2 CORONELISMO E ESTRUTURA POLÍTICA DA PRIMEIRA REPÚBLICA 25
2.1 O coronelismo na república oligárquica............................................................... 31
2.2 Revoltas Sociais: Antônio Conselheiro e revolta de Canudos ............................ 34
3 O CANGAÇO COMO BANDITISMO SOCIAL ................................................... 37
3.1 Cangaço: Fanatismo versus Heroísmo ................................................................. 40
3.2 Cangaço como revolta social.................................................................................. 43
3.3 Lampião e Maria Bonita ........................................................................................ 45
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 50
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 52
ANEXOS ....................................................................................................................... 55
11
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo fazer uma análise introdutória da historiografia
produzida sobre o cangaço no contexto da “República Velha”.
Durante o final do século XIX e início do século XX, o Brasil passava por uma
transição muito importante representada pela queda da monarquia e pelo início da República.
Com esta transição, houve vários acontecimentos que representaram marcos muito
importantes na história do Brasil.
Proclamada a República no Brasil, o país passou por mudanças na vida política e
econômica. Além disso, houve vários movimentos sociais, como a revolta de Canudos e a
formação dos grupos de cangaceiros no Nordeste. Movimentos que devem ser situados em um
contexto político com forte influência dos “coronéis” na região.
A partir da análise de tais mudanças a partir da Proclamação da República, em 1889, o
trabalho tem por objetivo mostrar uma breve apresentação da formação da República Velha,
mostrando a influência que os coronéis tiveram na formação de grupos e movimento sociais
como a revolta de Canudos e principalmente os grupos de cangaço. Nesse sentido,
discutiremos de que forma alguns autores do campo das ciências sociais (sobretudo a
historiografia e a sociologia) produziram interpretações que permitem um entendimento e
uma contextualização do cangaço.
O primeiro capítulo faz uma breve contextualização do que foi a República Velha, que
foi formada a partir do golpe republicano de 1889. Como analisaremos, a República foi
administrada, nos primeiros anos, pelos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto (a
chamada “República da Espada”, entre 1889 e 1894) e posteriormente pela política dos
presidentes civis, focalizando maior destaque para Prudente de Morais (1894-1898) e Campos
Sales (1898-1902).
O segundo capítulo traz questões sobre o coronelismo, os grandes latifundiários, com
enfoque para a vida no nordeste brasileiro. Trata-se de uma região que, sob a influência dos
coronéis, conheceu diversas revoltas sociais, dentre as quais podemos destacar, por exemplo,
a guerra de Canudos e o os grupos do cangaço. Este capítulo oferece uma contextualização do
cangaço a partir de parâmetros teóricos apontados pela historiografia.
12
O terceiro capítulo discute de forma específica o papel do cangaço na República
brasileira. Nesse sentido, discutiremos como era a vida nos grupos do cangaço, exibindo o
surgimento daqueles grupos e enfatizando, sobretudo, as visões historiográficas dos autores
que os estudam. A justificativa deste trabalho, portanto, é analisar a história do cangaço em
três fases: o cangaço como banditismo social, o cangaço como fanatismo e heroísmo e o
cangaço como movimento social.
O tema do cangaço é discutido para autores como uma certa duvida do que realmente
eles buscavam ao aterrorizar a população do Nordeste brasileiro, este trabalho como dito
acima mostra o cangaço em três visões diferentes, cada uma ressaltando o que os autores
interpretavam o que seria o cangaço.
O principal objetivo deste trabalho é focar a visão sobre o cangaço especificando
como se deu o surgimento destes grupos e como foi a vida dos cangaceiros, o que influencioos nessa vida nômade que eles levavam e sobretudo as origens destes povos, e ainda o
trabalho enfatiza um pouco sobre uns dos grupos que foi grande sucesso inspirando livros,
contos de cordéis e até novelas, cantigas e minisséries, que é os cangaceiros Lampião e Maria
Bonita.
O tema do cangaço é importante para o estudo da República, porque estes grupos eram
considerados bandidos, bandoleiros que faziam justiças com as próprias mãos. Além disso,
para uma parte da população nordestina os cangaceiros eram vistos como heróis do sertão. Por
outro lado, para outros, os bandos eram vistos como malfeitores que aterrorizavam a
população nordestina, sem nenhum objetivo, apenas com o intuito de tirar proveito próprio,
participando da história como um mero acontecimento que não trouxe frutos significativos.
O presente trabalho pode ser classificado como uma pesquisa bibliográfica, que tem
por objetivo analisar as interpretações de autores que falam sobre a história do Brasil,
situando o cangaço em um contexto traçado por algumas interpretações historiográficas já
tradicionais – dialogando sempre com as pesquisas mais recentes. Para tanto, vale ressaltar
autores como Caio Prado Junior, Bóris Fasto, José Murilo de Carvalho, Raymundo Faoro,
Felipe Ziotti Narita, Antônio Marco Ventura Martins, entre outros autores nomes importantes
para a compreensão dos temas e conceitos que seguem no decorrer do presente trabalho.
13
1
A QUEDA DA MONARQUIA
O fim da monarquia se deu por diversos fatores, tais como o movimento republicano,
o militarismo, a abolição da escravatura e os conflitos entre Estado imperial e Igreja Católica
(COSTA, 1999). A monarquia, assim, entrava em crise por causa da insatisfação de camadas
da população e dos movimentos republicanos, que traziam consigo novas mudanças na
política – além de um novo jeito de governo no país, lutando ainda por um novo regime, a
Republica. A abolição da escravatura também agravou ainda mais o regime monárquico, pois
os grandes senhores do café na época utilizavam a mão-de-obra escrava, de forma que a
abolição dos escravos sem dúvida provocou grande prejuízo para esses senhores.
Apesar das questões religiosas e do problema da mão-de-obra, o historiador Boris
Fausto (1996) afirma que foi sobretudo o militarismo o principal fator para a queda final da
monarquia. No contexto da crise monárquica e da proclamação da República, Oliveira
Vianna, analisando a situação a atuação do partido Republicano, conclui que até 15 de
novembro de 1889 os centros de propaganda republicana não tinham conseguido dar a seu
ideal uma irradiação capaz de precipitar do trono do velho monarca. Foi preciso uma outra
força para se chegar à república: e essa força foi o exército (apud COSTA, 1999). Para o autor
José Murilo de Carvalho (1995), havia três correntes que disputavam a definição da natureza
do novo regime:

O liberalismo à Americana (inspirado, sobretudo, nos Estados Unidos e na Revolução
Americana de 1776): corrente composta por indivíduos autônomos, cujos interesses
eram compatibilizados pela mão invisível do mercado, ou seja, cabia ao governo
interferir o menos possível na vida dos cidadãos.

O jacobinismo à francesa (1789): havia a idealização da democracia clássica,
utilizando a utopia da democracia direta, do governo por intermédio da participação
direta de todos os cidadãos na vida política.

O positivismo (Auguste Comte) a republica era ai vista dentro de uma perspectiva
mais ampla que postulava uma futura idade de ouro em que os seres humanos se
realizariam plenamente no seio de uma humanidade mitificada pela ciência e por um
Estado forte.
Segundo Fausto (1996), “o positivismo é uma corrente de pensamento cujos princípios
básicos foram formulados por Auguste Comte (1798-1857). Comte considerava ser a ditadura
14
republicana a melhor forma de governo para as condições de sua época. Opunha-se assim a
Republica liberal, que se baseia na ideia de soberania popular, sendo o poder exercido em
nome do povo através de um mandato”.
Portanto, eram essas as ideias dos pensadores históricos para o fim da monarquia, e o
começo de um novo regime a republica que traria consigo novas perspectivas para os
cidadãos. Segundo o autor Boris Fausto (1996),
O fim do regime monárquico resultou de uma serie de fatores cujo peso não é o
mesmo. Duas forças, de características muitos diversas, deveria ser ressaltada em
primeiro lugar: O exercito e um setor expressivo da burguesia cafeeira de são Paulo,
organizado politicamente no PRP. O episodio de 15 de novembro resultou da
iniciativa quase exclusiva do exercito, que deu um pequeno, mas decisivo empurrão
para apressar a queda da monarquia.
Conforme a citação acima, já havia ocorrendo vários desentendimentos entre governo,
estados e oficiais do exército.
Um dos mais expressivos atritos ocorreu quando em 1884 o tenente coronel
Madureira, oficial de prestigio e amigo do imperador convidou um dos jangadeiros
que havia participado da luta pela libertação dos escravos no ceara a visitar a Escola
de Tiro no Rio Janeiro, da qual era comandante. O oficial foi punido com a sua
transferência para o Rio Grande do Sul. Aí publicou no jornal republicano, A
federação, um artigo, narrando o episodio do Ceara que acirrou os ânimos. O
ministro de guerra assinou então uma ordem em que proibia militares de discutir
pela imprensa questões políticas ou da corporação. Os oficiais sediados no Rio
Grande do Sul realizaram uma grande reunião em Porto Alegre, protestando contra a
proibição do ministro. Deodoro da Fonseca na presidência da Província do Rio
Grande do Sul recusou-se a punir os oficiais, sendo chamado ao Rio de Janeiro.
Afinal, surgiu uma formula conciliatória, favorável aos militares. Revogou-se a
proibição e o gabinete foi censurado pelo Congresso.
Nessa altura em 1887, os oficiais organizaram o Clube Militar como associação
permanente para defender seus interesses sendo marechal Deodoro eleito presidente,
Deodoro solicitou ao ministro da guerra que o exercito não fosse mais obrigado a
caçar escravos fugidos. Isso aconteceu na pratica apesar da recusa do ministro em
atender ao pedido. A insatisfação militar e a propaganda republicana cresciam
quando , em junho de 1889, o imperador convidou um liberal -o visconde de Ouro
Preto- para formar novo gabinete. Ouro Preto propôs uma serie de reformas, mas
contribuiu para acender os ânimos ao nomear para a presidência do RS Silveira
Martins, inimigo pessoal de Deodoro. A 11 de novembro de 1889, figuras civis e
militares como Rui Barbosa, Benjamim Constant, Aristides Lobo e Quintino
Bocaiuva, reuniram-se com marechal Deodoro, tratando de convencê-lo a lidera um
movimento contra o regime. A participação de Deodoro era importante como figura
conservadora e de prestigio no exercito. Ele resistia por ser amigo do imperador e
não gostar da presença de paisanos na conspiração. O problema lhe parecia de
ordem militar. Mas uma serie de boatos espalhados pelos jovens militares falando da
prisão de Deodoro, da redução dos efetivos ou mesmo da extinção do exército, levou
15
Deodoro a decidir-se pelo menos a derrubar Ouro Preto. (FAUSTO, 1996, p.233234).
Carvalho (1995, p. 39), em argumento semelhante ao exposto acima por Boris Fausto,
indica o contexto de enfraquecimento do regime monárquico:
Exerceram também influência decisiva no desencadeamento do movimento as
noticias inventadas no dia pelo major Solón sobre a prisão de Deodoro e Benjamin,
e os boatos de que a tropa de São Cristovão seria atacada pela Guarda Nacional, pela
Guarda Negra e pela policia. De fato Ouro Preto decidira reorganizar a Guarda
Nacional e fortalecer a policia como contrapeso a indisciplina do exercito, mas era
certamente falso que pretendesse reduzir o contingente do exercito, ou mesmo
extingui-lo, como se disse a Deodoro. A cada noticia dessas trazidas pelos jovens
oficiais, Deodoro explodia: Não permitirei isso! Assestaria a artilharia, levaria os
sete ministros à praça publica e me entregarei depois ao povo para julgar-me! Até
mesmo Floriano Peixoto pode ter sido levado a não defender a Monarquia por
razoes corporativas. É conhecida sua resposta a Deodoro quando este o sondou
sobre o movimento: “Se a coisa é contra os casacas, lá tenho minha espingarda
velha”. Deodoro menciona também outra manifestação de Floriano em que este,
pegando num botão da farda, dissera: “Seu Manuel, a monarquia é inimiga disto. Se
for para derrubá-la estarei pronto”.
A partir das análises de Boris Fausto e de José Murilo de Carvalho é possível perceber
que o entendimento do golpe republicano de 1889 não deve ficar restrito à figura do marechal
Deodoro da Fonseca. É preciso inseri-lo em um contexto mais amplo, em que a ascensão da
república brasileira ocorria a partir do próprio desgaste da monarquia. Assim, armado o golpe
dos republicanos na manhã de 15 de novembro de 1889, Deodoro marchou com sua tropa
para o ministério da guerra, onde se encontravam os monarquistas. Deodoro proclamou a
republica após a derrubada do Ministério de Ouro Preto – ato ocorrido sem a presença dos
civis, contando apenas com uma tropa de militares jovens.
Num relato que ficou famoso, Aristides da Silveira Lobo, jornalista e ministro do
primeiro governo republicano, expressou a ausência popular no dia 15 de novembro de 1889.
Ele conta que, no dia em que foi proclamada a República, o povo assistiu a tudo
“bestializado”, supondo que estivesse vendo, talvez, uma parada militar. Com a saúde
bastante debilitada e com o regime monárquico enfrentando sua pior crise política, D. Pedro II
e a Família Imperial, retornando de Petrópolis e sabendo dos acontecimentos na cidade do Rio
de Janeiro, partiriam para o exílio na Europa. Segundo Emília Viotti da Costa (1999),
16
O movimento de 15 de novembro não tinha inicialmente nenhum intuito
republicano, apenas visava a derrubada do ministério. Fora essa a intenção tanto de
pelotas quanto de Deodoro. Não estava nos planos destronar o imperador, a quem
todos veneravam. A corrente republicana nunca passara de uma minoria no exercito.
Constituía-se de uma pequena fração erudita, composta de jovens que gastavam o
seu ardor belicioso ganhando batalhas napoleônicas dentro das salas de aula e
estratégias e movendo sobre a cartografia da mapoteca da escola e os seus exércitos
vigorosos. Os jovens militares eram positivistas e republicanos e sobre eles atuava o
fascínio de Benjamim Constant.
Portanto, o golpe de 15 de novembro de 1889 foi aceito, sem nenhuma guerra. Estava
proclamada a república no Brasil. Ainda segundo Costa (1999),
O movimento do golpe republicano resultou da conjugação de três forças: uma
parcela do exercito, fazendeiros do Oeste Paulista e representantes das classes
medias urbanas que, para a obtenção dos seus desígnios, contaram indiretamente
com o desprestígio da monarquia e o enfraquecimento das oligarquias tradicionais.
Momentaneamente unidas em torno do ideal republicano, conservavam, entretanto,
profundas divergências, que desde logo se evidenciaram na organização do novo
regime, quando as contradições eclodiram em numerosos conflitos, abalando a
estabilidade dos primeiros anos da república.
Os anos seguintes à proclamação da república, apesar das intensas mudanças políticas,
não representaram qualquer “revolução” na vida dos trabalhadores. As condições econômicas
do país, por exemplo, pioraram logo de partida, com uma grave crise afetando a nascente
República.
17
Figura 1: Proclamação da República no Brasil
I - A figura feminina empunhando a bandeira representa a nova república brasileira, instaurada através do golpe
militar de 15 de novembro. Disponível em: <http://mestresdahistoria.blogspot.com>.
1.1 Contextualização: o governo provisório (1889-1891)
Depois de proclamada a República, e com a saída do Imperador, formou-se então o
Governo Provisório (1889-1891). Este governo era liderado pelos grupos que derrubaram o
poder da monarquia. Encabeçado pelo marechal Deodoro da Fonseca (chefe do novo
governo), o grupo contava com apoio de militares, cafeicultores e profissionais liberais
(CARVALHO, 1995).
Os primeiros anos da republica foram conturbados, pois não havia um projeto
totalmente claro se como seria conduzido o novo regime. Nesse sentido, Costa (1999, p. 489)
afirma que
18
Monarquistas não aceitavam a ideia de republica, e criticavam os militares dizendo
que a republica foi instaurada sem o conhecimento do povo, e afirmavam que a
proclamação da republica não passava de um levante militar alheio à vontade do
povo. Uma simples parada militar substituíra esse regime por outro instável, incapaz
de garantir a segurança e a ordem ou de promover equilíbrio econômico e financeiro
e, que além de tudo, restringia a liberdade individual.
Como dizia Rui Barbosa, ministro da fazenda do Governo Provisório, era necessário
dar uma forma constitucional ao país para garantir o reconhecimento da República e a
obtenção de créditos no exterior para tentar contornar a crise econômica. Dentre as primeiras
providências tomadas pelo governo provisório, destacam-se:

Instituição do federalismo – as províncias imperiais foram transformadas em estadosmembros da federação; com isso, teriam maior autonomia administrativa em relação
ao governo federal, cuja sede recebeu o nome de distrito federal, situado no Rio de
Janeiro.

Separação entre Igreja e Estado – foi extinto o regime do padroado, por meio do qual o
estado controlava a igreja católica no país, e o catolicismo deixou de ser a religião
oficial do Estado. Em consequência, foram criados o registro civil de nascimento e o
casamento civil. Até então, só havia a certidão de batismo, e as pessoas casavam-se na
igreja.

Criação de novos símbolos nacionais para substituir os símbolos da Monarquia – foi
criada, por exemplo, uma nova bandeira nacional, com o lema “Ordem e Progresso”
(sugerido pelo ministro da Guerra, Benjamim Constant). O lema teve sua origem no
pensador francês Auguste Comte (1798-1857), que pregava “o amor por princípio, a
ordem por base e o progresso por fim”.

Promulgação da lei da grande naturalização com a intenção de amenizar o sentimento
antilusitano de boa parte da população brasileira urbana, foi decretada, em dezembro
de 1889, uma lei que declarava cidadãos brasileiros os estrangeiros residentes no
Brasil. Quem não quisesse ser naturalizado brasileiro deveria manifestar-se no órgão
competente. Esse sentimento antilusitano provinha, sobretudo dos brasileiros das
camadas mais pobres da população que sentiam explorados pelos imigrantes
portugueses, os quais controlavam boa parte do comercio e dos imóveis de aluguel
especialmente os cortiços.
19
Segundo o historiador Carvalho (1995),
Também houve entre nós batalha de símbolos e alegorias, parte integrante das
batalhas ideológicas e politicas. Tratava-se da batalha em torno da imagem de um
novo regime, cuja finalidade era atingir o imaginário popular para recria-lo dentro de
valores republicanos. A elaboração de um imaginário é parte integrante da
legitimação de qualquer regime politico. É por meio do imaginário que se podem
atingir não só a cabeça, mas, de modo especial, o coração, isto é as aspirações, os
medos e as esperanças de um povo.
Além dos atritos políticos, o Governo Provisório tentou lidar com uma grave crise
econômica: foi o chamado “encilhamento”, uma reforma financeira executada pelo ministro
da fazenda Rui Barbosa. Esta reforma financeira tinha por objetivo estimular o crescimento
econômico, principalmente na área da indústria. Segundo Fausto, “encilhamento” era o local
onde são dados os últimos retoques nos cavalos de corrida antes de disputarem os páreos. Por
analogia, a palavra teria sido aplicada à disputa entre as ações das empresas na Bolsa do Rio
de Janeiro, trazendo em si a ideia de jogatina.
Conforme aponta Ventura (1996, p. 281),
A politica financeira dos ministros da Fazenda do marechal Deodoro da Fonseca,
Rui Barbosa e Barão de Lucena, provocou uma euforia especulativa, chamada de
encilhamento, em analogia à preparação dos cavalos antes da corrida. Rui Barbosa
autorizou, em 17 de janeiro de 1890, os bancos privados a emitirem dinheiro, dando
inicio a uma serie de decretos que foi modificando ao longo de sua gestão. As
medidas trouxeram inflação galopante, desconhecida no pais desde a década de
1820, com desvalorização da moeda, especulação com títulos e papéis, abertura e
fechamento de empresas fantasmas. Diversos contemporâneos de Rui criticaram o
decreto como um ato escandaloso de favorecimento às empresas do Conselheiro
Mayrink, que recebia não só os privilégios bancários como inúmeras facilidades
para negócios com terras públicas e contratos de construção. O banco de Mayrink
passou a ostentar, a partir do final de 1890, o nome muito significativo de Banco da
República...
Lima (2000) afirma que Rui Barbosa baixou vários decretos com o objetivo de
aumentar a oferta de moeda e facilitar a criação de sociedades anônimas. A medida mais
importante foi a que deu a alguns bancos a faculdade de emitir moeda – política que,
desencadeada sem controle efetivo do Estado republicano, agravaria ainda mais o problema
financeiro da República. Dessa forma,
20
No episódio, conhecido como "encilhamento", Rui aumentou o volume de dinheiro
disponível na praça. Seu intuito, oficialmente, era fortalecer o comércio e a nascente
indústria, criando empregos que absorveriam a mão-de-obra recém-liberta da
escravidão. Muito pouco desse dinheiro, no entanto, foi canalizado para essas
atividades. A maior parte foi para a especulação desenfreada, promovida pelos
antigos senhores de escravos. Estes últimos foram os grandes beneficiários da
situação. Tiveram acesso fácil ao crédito e ainda lucraram com a desvalorização da
moeda, que possibilitou a exportação de seus excedentes agrícolas. Enquanto isso, a
economia do país ia para o buraco. O episódio é emblemático da figura de Rui
Barbosa. Ele pode ter sido, como quer Lamounier, um homem de idéias brilhantes.
O estudo de Murilo de Carvalho demonstra, no entanto, que ele é também precursor
de uma estirpe de governantes que perdura até hoje: aqueles que posam de
modernos, que embalam suas idéias num discurso encantador, mas que na prática
política revelam-se tão arcaicos quanto seus predecessores.
Prado Júnior (1998, p. 218) afirma que:
Os primeiros anos que seguem imediatamente à proclamação da República serão dos
mais graves da história das finanças brasileiras. A implantação do novo regime não
encontrou oposição nem resistência aberta sérias. Mas a grande transformação
política e administrativa que operou não se estabilizará e normalizará senão depois
de muitos anos de lutas e agitações. Do império unitário o Brasil passou
bruscamente com a República para uma federação largamente descentralizada que
entregou às antigas Províncias, agora Estados, uma considerável autonomia
administrativa, financeira e até política.
Tais historiadores entram em acordo quando dizem que o encilhamento era uma ideia
até boa, pois com a república eles teriam de dar uma posição, ou seja, mostrar que a republica
resolveria os problemas econômicos – por isso, a monarquia não teria sido derrubada em vão.
O encilhamento traria novas perspectivas de vida para os trabalhadores, de mofo que a
republica carregaria a ideia de um regime em que a indústria e a prosperidade reinavam. No
entanto, o encilhamento teve seu fim pressionado Rui Barbosa, quando este demitiu-se do
cargo em 1891. Segundo Fausto (1996), “veio à crise com a derrubada do preço das ações, a
falência de estabelecimentos bancários e empresas. O valor da moeda brasileira cotado em
relação à libra inglesa começou a despencar”.
21
1.2 A primeira Constituição da República (1891)
Segundo Fausto (1996), uma comissão de cinco pessoas foi encarregada de redigir um
projeto de Constituição, submetido depois a profunda revisão por parte de Rui Barbosa. A
seguir, o projeto foi encaminhado para a apreciação da Assembleia Constituinte, que, após
muitas discussões e emendas, promulgou o texto a 24 de fevereiro de 1891.
Figura 2 Bandeira dos Estados Unidos do Brasil
Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/YvZ51TlvUZ8/Tv5gKIMshPI/AAAAAAAABHM/F4xoc0p_d98/s1600/A%20primeira%20Bandeira%20dos%2
0Estados%20Unidos%20do%20Brasil.pngl>.
O Brasil então passaria a ser chamado República dos Estados Unidos do Brasil, tendo
sua constituição influenciada pela constituição norte-americana. Promulgada em 24 de
fevereiro de 1891,1 a nova Constituição, em alguns dos seus principais pontos, estabelecia:
separação entre Igreja e Estado, formação de uma República federativa, voto restrito aos
alfabetizados e organização de três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Portanto,
conforme o esquema proposto por José Murilo de Carvalho (1987, p. 163-164), a Constituição
de 1891 estabelecia:

Governo e estado – o Brasil adotou a forma de governo republicana, com
sistema presidencialista. O presidente da republica tornou-se chefe de governo
e de estado, auxiliado por ministros. O estado passou a ser federalista, ou seja,
1
Trechos da Constituição de 1891 seguem na seção “Anexo” deste trabalho.
22
as antigas províncias do Império foram transformadas em estados membros,
ganhando autonomia para eleger seu governador e seus deputados estaduais.
Cada estado teria uma Constituição própria, que, entretanto, não poderia
contrariar as normas da Constituição federal.

Divisão dos poderes – o Estado brasileiro passou a ter três poderes
independentes: Executivo, exercido pelo presidente da republica e pelos
ministros do estado; Legislativo, exercido pelo congresso nacional, composto
da câmara dos deputados e do senado federal; e Judiciário, cujo órgão máximo
é o Supremo Tribunal Federal.

Voto – o direito de voto foi garantido aos brasileiros maiores de 21 anos,
executando-se analfabetos, mendigos, soldados, religiosos. As mulheres
também não podiam votar. O voto era aberto, ou seja, os eleitores eram
obrigados a revelar publicamente em que candidato votava o que permitia aos
grandes fazendeiros pressioná-los na hora da votação.
Como analisa o historiador Carvalho (1987, p. 149):
Na capital da República, a cidade do Rio de Janeiro, os acontecimentos políticos as
representações em que o povo comum aparecia como expectador ou, no máximo,
como figurante. Sem os caminhos da participação politica, o povo do Rio de Janeiro
concentrou suas atividades social nos bairros, nas associações nas igrejas, nas festas
religiosas, nas rodas de capoeira etc. Foram o futebol, o samba e o carnaval que
deram ao Rio de Janeiro uma comunidade de sentimentos, por cima e além das
grandes diferenças sociais que sobreviveram e ainda sobrevivem. Negros livres, exescravos, imigrantes, proletários e classe media encontram aos poucos um terreno
comum de auto-reconhecimento que não lhes eram propiciados pela política.
Portanto era esta a forma como foi instaurada a Constituição da República. Muitos dos
seus elementos, inclusive, ajudariam a estabilizar o novo regime, tendo validade até os dias de
hoje (como a divisão dos três poderes, por exemplo).
1.3 Os governos de Deodoro da Fonseca (1889-1891) e Floriano Peixoto (1891-1894)
Elaborada a constituição de 1891, o Congresso nacional teria de eleger o primeiro
presidente e o vice-presidente da República dos Estados Unidos do Brasil. Com o apoio dos
23
militares, Deodoro da Fonseca se candidatou à presidência, tendo como vice o almirante
Eduardo Wanden Kolk, enfrentando a oligarquia cafeeira de São Paulo, com Prudente de
Morais, e o vice Marechal Floriano Peixoto. Deodoro da Fonseca vence as eleições para
presidente, e Floriano Peixoto vence para o cargo de vice.
Figura 3: Marechal Deodoro da Fonseca
Disponível em: <http://histoblogsu.blogspot.com.br/2009_06_14_archive.html >.
Segundo Fausto (1996), a vitória de Deodoro se deu pela margem de 129 votos contra
97, atribuídos ao paulista Prudente de Morais, que contou não só com os votos de
congressistas dos grandes Estados, como também dos “florianistas”. O governo constitucional
de Deodoro da Fonseca foi muito conflituoso, lidando com um clima de total instabilidade
para governar. Sem o apoio dos cafeicultores de São Paulo, que tinham vários representantes
no Congresso Nacional, Deodoro possuía vários atritos com o poder Legislativo.
Assim, não conseguindo lidar com a forte oposição do Congresso, Deodoro decide
fechá-lo e prender seus principais líderes, em um ato de autoritarismo e de claro desrespeito
pela Constituição. Conforme Fausto (1996)
Deodoro entrou em choque com o Congresso e atraiu suspeitas ao substituir o
ministério, que vinha do governo provisório, por outro sob o comando de um
tradicional político monárquico o barão de Lucena. Juntos tentaram reforçar o Poder
Executivo, tendo como modelo o extinto Poder Moderador. A 3 de novembro de
1891, Deodoro fechou o Congresso, prometendo para o futuro novas eleições e uma
revisão da Constituição.
Deodoro sofreu forte opressão do congresso em razão de seu grande autoritarismo:
frente a isso, as Forças Armadas e alguns membros da Marinha organizaram um golpe que
24
ficou conhecido como “Primeira Revolta da Armada”, explodindo quando trabalhadores da
Estrada de Ferro Central do Brasil entraram em greve e a marinha, liderados por Custódio
José de Melo, ameaçaram bombardear a cidade do Rio de Janeiro. Isto implicou a renúncia de
Deodoro da presidência no dia 23 de novembro de 1891, assumindo o cargo o vice Floriano
Peixoto.
Afirma Ventura (1991):
Após a vitória do contragolpe, Floriano enviou o então coronel Solon a São Paulo
para depor o governo estadual que apoiara o golpe de Deodoro. Floriano chegou a
convidar Euclides para ocupar cargo politico, mas este recusou a oferta, pedindo
apenas o que a lei previa para os recém formados da escola superior de guerra: um
estagio na estrada de ferro central do Brasil.
Figura 4: Marechal Floriano Peixoto, o “Marechal de Ferro”.
Disponível em: <http://histoblogsu.blogspot.com.br/2009_06_14_archive.html>.
O governo de Floriano Peixoto (1891-1894), com a ajuda das forças políticas paulistas
e das Forças Armadas, foi marcado por um período autoritário que ficou conhecido por sua
firmeza e habilidade políticas. Além disso, a própria figura de Floriano Peixoto despertava
certo apelo popular, representando uma espécie de nacionalismo (“florianismo”). Segundo
Fausto (1996), Floriano “tinha em mente construir um governo estável, centralizado,
vagamente nacionalista, baseado, sobretudo no exercito e na mocidade das escolas civis e
militares”. Seu governo foi muito popular, voltado sobretudo para agradar o povo, de modo
que Floriano reduziu a taxa de impostos, criou moradias populares – a isto podemos chamar
de certo “paternalismo”, já que encarava a política como uma espécie de “presente” do
governo para as necessidades da população.
25
O governo de Floriano também foi conturbado, pois grupos opositores a seu mandato
defendiam a convocação de novas eleições presidenciais. Com a deposição dos políticos que
apoiavam Deodoro da Fonseca, acontecia um impasse político, sendo que Deodoro renunciara
após nove meses de governo e o vice só poderia assumir se o presidente governasse por dois
anos. No entanto, Floriano resistia às oposições com grande poder e autonomia: ficaria
conhecido, portanto, como “Marechal de Ferro”.
Contudo, os generais revoltados enviaram ao presidente uma carta manifesto, onde
eles questionam a legitimidade do governo de Floriano. Tal reação fez com que Floriano
punisse os militares, pondo-os na reserva da Força Armada. Essa reação fez com que os
militares liderassem a Segunda Revolta da Armada, ameaçando novamente um bombardeio
sobre a cidade do Rio de Janeiro, caso não houvesse novas eleições.
Enquanto isso, no Rio grande do Sul surgiu um violento conflito entre dois grupos
políticos: era a chamada Revolução Federalista, opondo o Partido Republicano RioGrandense (PRR) e o Partido Federalista. Boris Fausto (1996, p. 255) explica que
Opunham-se de um lado, os republicanos históricos adeptos do positivismo,
organizados no PRR, e de outro lado, os liberais. Em março de 1892, estes fundaram
o Partido Federalista, aclamando seu Líder Silveira Martins, prestigiosa figura do
Partido Liberal no império. O partido defendia a revogação da Constituição estadual
baseada nas ideias positivistas e a instauração de um governo parlamentar. A
constituição previa a concentração de poderes no Executivo, ficando o Legislativo
encarregado apenas de aprova a legislação financeira. Afirma ainda que a Guerra
civil entre os dois grupos, conhecida como Revolução Federalista, começou em
fevereiro de 1893 e só terminou mais de dois anos e meio depois, já na presidência
de Prudente de Morais. A luta foi implacável, dela resultando milhares de mortos.
Esta revolução terminou em agosto de 1895, com a vitória dos republicanos
positivistas, durante o governo de Prudente de Morais, que foi eleito a presidente em março de
1894. O governo dos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto ficou conhecido
como “Republica da Espada” (1889-1894), pois foi um período em que a República foi
governada de forma autoritária por militares.
2. CORONELISMO E ESTRUTURA POLÍTICA DA PRIMEIRA REPÚBLICA
O termo coronelismo surgiu no Brasil na época do Império, a partir da deposição de D.
Pedro I, em 1831, e a formação da Guarda Nacional, criada em 1831 no Período Regencial,
26
com objetivo de garantir a segurança, manter a ordem do país, defender a constituição, a
liberdade, a independência e a integridade do império (MARTINS, 2004). Somente poderiam
usufruir da Guarda Nacional os cidadãos com renda anual superior a 200 mil réis nas zonas
urbanas e 100 mil réis nas zonas rurais. Com isso somente quem tinha posses e recursos para
assumir custos como uniformes e armas utilizadas poderia ser integrante da Guarda Nacional.
Martins (2004, p. 121) afirma que há pelo menos três posições distintas sobre os
motivos da criação das milícias no Brasil e o papel por ela desempenhado:
A primeira entende a Guarda Nacional como instrumento político-militar das classes
dominantes. A milícia é apresentada como força anti-exercito, para sustentar
militarmente a estrutura econômica do país, fundada no latifúndio e na mão de obra
escrava. A segunda posição enfatizou a estreita relação existente no processo de
força civil paramilitar para milícia eleiçoeira, a serviço do conservadorismo político
brasileiro. A terceira posição interpretou a Guarda como elemento reforçador do
poder local. Este aspecto não está totalmente ausente nas interpretações anteriores.
No entanto, a ênfase com que é tratada pelos autores indica uma contradição entre os
fins para os quais foi criada e reorganizada a milícia e a forma como se apresentou
nos municípios. O controle da guarda nos municípios, apesar de todo o empenho
centralizador do governo, permanecia nas mãos das autoridades locais, o mesmo
ocorrendo para a qualificação do serviço da ativa e da reserva, e principalmente para
uma qualificação política.
Os governos das Regências (1831-1840) colocaram então os postos militares a venda e
os proprietários adquiriram os títulos de tenente, capitão, tenente-coronel e coronel da Guarda
Nacional. No entanto, o coronel, que tinha esse posto por ter posses e recursos, passou a ser
visto como um homem poderoso, de distinta posição social, de forma que os representantes
desta dominação social eram os coronéis e os seus subordinados estavam junto à população
mais pobre.
Tinha mais poderes os que se beneficiavam de grandes extensões de terras, conforme
Martins (2004). Assim, segundo este historiador, “é corrente na historiografia brasileira que as
elites nacionais desenvolveram estratégias de poder local, seja pela presença nos quadros
administrativos do governo, e por casamentos consanguíneos, prole numerosa, e poder
econômico. Esses fatores permitiram a construção de uma rede de poder que atuou
efetivamente nas comunidades.”
Portanto, foi assim que surgiram os poderes locais na estrutura política brasileira desde
a época do Império. Com a formação da Guarda Nacional, os mandões locais (base do
coronelismo do período republicano) estavam espalhados por várias províncias e regiões:
contudo, foi apenas durante a Primeira República (“República Velha”), com a dominação
27
política das oligarquias (governo nas mãos de poucos) e o sistema representativo (votos), que
o coronelismo ganhou muita força, atuando principalmente sobre as camadas mais pobres da
população. Segundo o Dicionário de Conceitos Históricos, o conceito de oligarquia remete
aos filósofos gregos, especialmente Platão e Sócrates:
A palavra oligarquia indica, em primeiro lugar, uma forma de governo. O termo vem
do grego e significa o governo de poucos. Em sua obra A republica, Platão definiu a
oligarquia como uma forma de governo que se opunha ao bom governo. A
oligarquia era para Platão, o governo dos ricos, ávidos por poder e dinheiro. Mas,
dessa definição a palavra foi gradativamente ganhando conotação mais social e
passou a designar também um grupo, uma elite detentora do poder politico e
econômico. Ainda para Aristóteles “definiu a oligarquia como uma das três formas
de governos possíveis, com a monarquia o governo de um e a democracia o governo
de muitos” (2010, p. 316).
O poder dos coronéis não se estabelecia apenas na concessão de patentes pela Guarda
Nacional: apenas se consolidava, conforme salienta Rêgo (2008, p. 70):
O coronelismo e a Guarda Nacional são geralmente apresentados como faces da
mesma moeda, em razão da intensidade de suas relações. O fato de pertencer a essa
instituição era assim uma forma de legitimação formal do prestígio do coronel, mas
não se constituía na origem de seu poder. Nesse sentido, sua extinção em 1918 foi
de pouca relevância para o coronelismo como fenômeno sociopolítico, já que, a
partir de então, os coronéis tornaram-se chefes de fato e não somente de direito,
autoproclamados ou aclamados pela comunidade.
Na visão historiográfica do autor Leal, em seu livro Coronelismo, enxada e voto,
notamos que
O vocábulo “coronelismo”, introduzido desde muito em nossa língua com acepção
particular, de que resultou ser registrado como “brasileirismo” nos léxicos
aparecidos do lado de cá do Atlântico, deve incontestavelmente a remota origem do
seu sentido translato aos autênticos ou falsos “coronéis” da extinta Guarda Nacional.
Com efeito, além dos que realmente ocupava nela tal posto, o tratamento de
“coronel” começou desde logo a ser dado pelos sertanejos a todo e qualquer chefe
político, a todo e qualquer potentado (LEAL, 1997, p.289).
Mesmo com a extinção da Guarda Nacional em 1918, o título de coronel passou a ser
atribuído aos grandes proprietários de terras. Afirma Oliveira que
28
A origem do coronelismo remonta ao inicio da republica e sua correspondente
ampliação do direito de voto previsto na Constituição de 1891. Subitamente, as
massas rurais, que ainda então compunha a quase totalidade da população brasileira,
passaram a formalmente ter o direito de escolher, através do voto, todos os
ocupantes de cargos eletivo do país. Contudo, sua subordinação e dependência face
aos grandes proprietários de terra significaria um enorme aumento do poder politico
destes, na medida em que podiam controlar – mediante uma serie de práticas
repressivas e paternalistas – o destino desses votos para os candidatos identificados
com o pacto de poder estabelecido a partir da República (OLIVEIRA, 2012, p. 68).
O período de 1894 até 1930 é marcado pelo governo dos cafeicultores, contando
também com grande força dos coronéis, que abusavam do uso do poder sobre as populações
mais pobres. O primeiro presidente civil foi o Prudente de Morais, que governou entre 1894 e
1898. Seu governo ilustrou a forte presença de latifundiários. Logo de início herdou m
governo com grandes crises econômicas e revoltas de florianistas contra a oligarquia civil
cafeeira. Prudente de Morais procurava atender aos anseios da classe oligárquica cafeeira, que
apoiavam o seu governo. Por isso, seu governo foi um marco para a consolidação da ordem
oligárquica, com um governo de civis na jovem República.
Conforme Carvalho (2011, p. 156), o presidente civil Prudente de Morais teve seu
governo perturbado por conflitos com diversos partidos e com o Congresso. Processo
tumultuado, também, por revoltas militares e populares, de modo que o presidente sofreu uma
tentativa de assassinato. Deixou o país à beira da falência financeira.
Figura 5: Prudente de Morais ( Partido Republicano Federal ) - 15/11/1894 a 15/11/1998
Disponível em <http://www.pictime.com.br/pessoas/presidentes-do-brasil>.
29
Logo depois, com a ajuda de Morais assume a presidência Manuel Ferraz de Campos
Sales, que governou no período de 1898-1902. Para Carvalho (2011, p. 156), Campos Sales,
“partidário do republicanismo do manifesto, seu objetivo era anular a influencia, para ele
deletéria dos dissidentes republicanos, a quem se referia como puritanos. O paulista Campos
Sales, eleito presidente em 1898, fez um governo impopular, durante o qual consertou as
finanças e montou um sistema politico que nada tinha a ver com os sonhos da propaganda,
mas que estabilizou o regime e lhe deu mais trinta anos de vida.”
O autor ressalta ainda que “ele criou um engenhoso mecanismo, a que chamou politica
dos estados, pelo qual o presidente da republica se entendia com os governadores no sentido
de formar um congresso governista. A ideia era simples e realista. Ele sabia que no Brasil o
governo do povo, pelo povoe para o povo era uma utopia” (CARVALHO, 2011).
Logo de início o seu governo foi marcado por crises econômicas acumuladas desde os
governos anteriores: nesse contexto, a alta da inflação e a queda nos preços do café, que era
principal atividade econômica, obrigaram o governo a negociar auxílios econômicas externos
por meio do chamado funding loan. Segundo Arnaldo Fazolli Filho (1977), funding loan era
um acordo através do qual foi realizado um empréstimo no valor de dez milhões de libras,
tendo como garantia a renda das alfandegas do Rio de Janeiro e as outras alfandegas nacionais
como possíveis subsidiarias. Ou seja, o governo brasileiro deveria começar a retirar uma
grande quantia de papel moeda de circulação, iniciando assim um drástico processo de
desinflação. Ficaram suspensas as cobranças de juros sobre o novo empréstimo por um
período de três anos e amortização da divida propriamente dita só processaria a partir de
1911, num prazo de 63 anos, contando da data do acordo que foi 1898.
Afirma ainda Fazolli Filho (1977, 243) que esta política de valorização retirou de
circulação a quantidade de papel moeda estipulada pelo funding loan e depositou-a em bancos
alemães e ingleses do Rio de Janeiro. Posteriormente, este dinheiro foi queimado. Os
impostos foram elevados e então foram criados o imposto de renda e os impostos de selo e
consumo.
Porém Campos Sales investiu nas exportações de mercadorias como café, borracha, e
algodão, e em seu governo foi consolidada a “política dos governadores”, sistema que era
baseado na troca de favores, no qual os governadores de estados davam seu apoio ao governo
federal, ajudando a eleger deputados e senadores de plena confiança do presidente, que dava
em retribuição verbas para o seus estados e apoio aos aliados políticos. Esta política estava
baseada na ligação de coronéis aos governadores, com um grande sistema de fraudes. Seu
30
governo terminou com grande estima por parte da elite cafeeira. A respeito da politica dos
gvernadores, o historiador Francisco Iglésias (1985, p. 32) escreveu:
O presidente da republica entende-se com os dos estados; autoridade federal apoia as
dos estados, nomeando os funcionários federais ante a indicação ou aprovação dos
estados; estes apoiam o governo central, através do voto de suas bancadas do senado
e na câmara. O resultado é a conciliação pelo alto, sem audiência do povo, fato
comum na pratica de então com leis eleitorais impróprias e com fraude.
Em contrapartida, afirma Lopez (1983, p. 47):
Durante o mandato de Campos Sales, o governo federal, para fazer face ao extremo
federalismo vigente, (...) resolveu estabelecer acordos políticos com os governos
estaduais, a fim de garantir a formação de Congressos dóceis às diretrizes
presidenciais (...). Esta foi a chamada „Politica dos Governadores‟: os governadores
se responsabilizariam pela escolha de bons deputados e bons senadores nas eleições,
a partir de acordos om chefes políticos locais, isto é , os coronéis- latifundiários,
manipuladores do voto e da frágil vontade do povo camponês.
Figura 6: Campos Sales (Partido Republicano Paulista )- 15/11/1898 a 15/11/1902
Disponível em: <http://www.pictime.com.br/pessoas/presidentes-do-brasil>.
Como discutimos em capítulo anterior, a proclamação da República em 1889 foi
seguida por um contexto de grande instabilidade econômica, social e política. Golpes de
Estado, guerras civis e crises políticas marcaram os primeiros governos da República. Com a
31
queda do Império, os problemas da República tinham um caráter muito político. Como
argumenta o pesquisador Renato Lessa (2000),
Quem governava localmente era o poder privado. É o que Raimundo Faoro, de
maneira magistral, chamará de “distribuição natural do poder”, ou seja, manda quem
manda, e não quem exerce o governo. O governo não existe. É o fazendeiro, é o
farmacêutico lá, é o coronel da guarda nacional acolá. O País, de fato, era governado
por esse tipo de gente, em virtude da baixíssima capacidade de estruturação
governamental. Com a passagem do Império para a República, desaparecem as
amarrações macropolíticas que juntavam o Imperador, o Poder Moderador, os
Estados e os partidos, e fica a distribuição natural do poder. Depois da Proclamação
da República, em cada Estado do País, três, quatro, cinco, seis, sete facções vão-se
digladiar para tentar definir quem controla os Estados. Essa fragmentação
multiplica-se no plano local. Isso também acontecia nos municípios.
A partir do governo Campos Sales, as revoltas e crises políticas que agitavam os
primeiros governos republicanos (Deodoro, Floriano e Prudente de Morais) estavam
acalmadas. Com o entendimento entre o poder central e as oligarquias regionais, um quadro
político mais estável estava desenhado para a República brasileira. Este entendimento, como
discutiremos a seguir, estava vinculado à dominação política das oligarquias e ao
coronelismo, bases do poder na Primeira República.
2.1 O coronelismo na República Oligárquica
A política republicana era controlada pelas oligarquias, que apoiavam os coronéis, os
grandes fazendeiros ricos com muitas influências, exercendo o seu poder sobre os municípios,
principalmente nas áreas rurais. Eram os coronéis que comandavam as eleições: como não
havia voto secreto, a maioria dos coronéis sempre usava seus capangas para ameaçarem a
população, ou seja, uma população que não tinham muitas posses (geralmente a camada mais
pobre da sociedade).
Os coronéis, para conseguirem os seus objetivos (sua perpetuação no poder e ter seus
candidatos sempre apoiados nas eleições), utilizavam-se de todos os meios, como falsificação
de títulos, violação das urnas, conseguiam votos de pessoas falecidas, prestavam favores a
comunidade mais pobre, muitas vezes em troca de comida, roupa, ou dinheiro, garantia de
proteção, entre outros meios de corrupção. Conforme Oliveira (2012, p. 70),
32
Já na fase de alistamento dos eleitores, as autoridades locais tinham a possibilidade
de fazer constar do eleitorado pessoas já falecidas, analfabetos, com documentação
comprobatória de idade falsa, etc. O decisivo era garantir o alistamento como
eleitores do maior contingente possível de simpatizantes ou dependentes seus ao
mesmo tempo em que criavam todas as dificuldades possíveis e imagináveis para
obstaculizar ou impedir o alistamento de eleitores de seus adversários. O voto não
era secreto e as mesas eleitorais tanto podiam coagir o eleitor a votar no candidato
do coronel local quanto falsificar o resultado da eleição. Ficaram famosas nesse
período expressões como “eleição a bico de pena”, quando os mesários
simplesmente dispensavam a presença dos eleitores e eles mesmos preenchiam os
votos, os livros de registros e as atas eleitorais, “curral eleitoral”, “ou voto de
cabresto”, que designavam a condução sob coação ou suborno em bloco dos
eleitores a seção eleitoral.
De acordo com o historiador Edgard Carone, o poder dos coronéis adquiriu uma
dimensão sem precedentes na história republicana. Sobre os coronéis, ele afirma:
Socialmente o coronel exerce uma série de funções que o fazem temido e obedecido
(...). Aos agregados, ele dispensa favores; dá-lhes terras, tira-os da cadeia e ajuda-os
quando doentes; em compensação exige fidelidade, serviços, permanência infinita
em suas terras, participação nos grupos armados, etc. Aos familiares e amigos ele
distribui empregos públicos, empresta dinheiro, obtém credito; protege-os das
autoridades policiais e jurídicas, ajuda-os a fugir dos compromissos fiscais dos
estados, etc. É o juiz, pois obrigatoriamente é ouvido a respeito de questões de terras
e até de casos de fugas de moças solteiras. (CARONE, 1988, p. 106).
Em confirmação à escrita acima, a autora Oliveira (2012, p. 69) afirma ainda que a
importância do coronel variava conforme o número de eleitores que podia controlar, o grau de
idealidade destes aos candidatos que decidisse apoiar e os compromissos que estabelecesse
com outros coronéis de importância superior à sua. Afirma ainda que se o coronel oferecia
proteção as populações residentes na área de influência, também exigia obediência. A autora
ressalta que o coronel se manifestava tanto na indicação de pessoas para ocuparem postos na
burocracia municipal, quanto na capacidade de negociar a aplicação de verbas estaduais em
obras de interesse público em seu município.
O domínio dos coronéis era muito grande principalmente pelo fato de um coronel ser
conhecido por dominar grandes extensões de terras. O domínio sobre a terra significava uma
importante base de concentração de poder na formação política brasileira. Discutindo com a
abordagem de Weffort; Narita (2013) indica que:
33
Do processo sociopolítico mais amplo da conquista, o autor deriva toda uma forma
social do “mando” e do “poder”, sintetizando um arco cronológico bastante extenso
e complexo da história brasileira: para o autor, essa estrutura social foi projetada, em
tempos mais recentes, sobre a “aristocracia” imperial e o “coronelismo” da
República Velha. Nessa expansão da perspectiva cronológica, Weffort perde as
mediações que marcam o exercício do poder político em diferentes contextos da
história brasileira (Império e República, no caso): sacrifica, por assim dizer, a
complexidade dos matizes, em prol da ênfase sobre uma forma mais geral do próprio
exercício social da política.
.
Isso implicava o clientelismo, designado assim, pois era a pratica dos coronéis de doar
cargos públicos a quem lhes prestasse fidelidade e os apadrinhasse para que eles sempre
estivessem no poder. Os coronéis buscavam subordinados que executassem os seus desejos,
dirigindo-se principalmente sobre a população mais pobre. Eles faziam das pessoas fantoches
que representavam tudo que os coronéis desejavam. Vale ressaltar que uma região do Brasil
onde este fenômeno era marcante é a região Nordeste.
Como escrito acima, os coronéis tinham os seus subordinados, que ajudavam a
ameaçar e coagir a população a fazer o que o coronel quisesse: eram os “jagunços”. Em um
fenômeno muito conhecido no Nordeste brasileiro, o cangaço, o poder dos coronéis muitas
vezes estava vinculado aos bandos de cangaceiros ou grupos armados. Em alguns casos, esses
grupos eram contratados para prestarem serviços aos grandes coronéis e para lutarem a mando
dos seus senhores contra outros coronéis inimigos. Como discutiremos melhor o cangaço
mais adiante, agora pretendemos exemplificar alguns casos mais relevantes do coronelismo na
República brasileira.
Foi na região nordeste que a participação do famoso “padim” Cícero, o “coronel de
batina”, assim chamado na região nordeste, especificamente em Juazeiro do Norte (Ceará).
Dono de grandes extensões de terra e criação de gados, padre Cicero era ligado à família
Accioly, uma das principais forças políticas do estado. Conforme relata Cardoso (2006, p.
205), em 1912, o presidente Hermes da Fonseca tirou do cargo o então governador, que era
Nogueira Accioly, e pôs em seu ugar Franco Rabelo, pessoa de sua confiança. O novo
governador tirou a prefeitura de Juazeiro do Norte das mãos de padre Cicero. Em 1913, o
religioso liderou uma guerra civil para depor Rabelo do poder, com a ajuda dos coronéis,
jagunços e dos cangaceiros, saindo vitorioso, voltando novamente ao poder a família Accioly.
Portanto, o “padim” Cícero tinha grande influência sobre toda a população. Seus
seguidores consideram-no o padre milagreiro: diz a tradição popular, inclusive, que durante
uma missa, padre Cícero deu hóstia a uma religiosa, e a hóstia teria ficado cheia de sangue de
Cristo, sendo considerado padre milagreiro. De qualquer forma, as lutas movidas por padre
34
Cícero contra as intervenções do governo republicano na região demonstram claramente a
força e a influência das oligarquias e do coronelismo.
2.2 REVOLTAS SOCIAIS : ANTÔNIO CONSELHEIRO E REVOLTA DE CANUDOS
No final do século XIX e início do século XX, as pessoas que viviam no sertão
nordestino viviam em condições precárias e enfrentavam inúmeras dificuldades. As grandes
propriedades e os latifundiários não empregavam toda a mão de obra disponível, o que
resultava em desemprego da maior parte da população nordestina. Quando havia necessidade
de trabalhadores, os coronéis iam às chamadas feiras de trabalhadores e escolhiam os mais
fortes e sadios. Além de ganharem uma miséria quando terminava o trabalho, estes eram
dispensados voltando novamente a condição de miséria. A revolta que daria origem a uma
verdadeira guerra em Canudos, no interior da Bahia em 1896, era expressão direta desse
cenário socioeconômico. A revolta de Canudos foi um movimento messiânico, ou seja, a
crença de um grupo de pessoas em um líder político-religioso (NEGRÃO, 2001) – crença
alimentada pela necessidade de busca de esperanças de uma vida melhor, sobretudo por parte
de pessoas castigadas pelo sofrimento do cotidiano e pela miséria do povo.
Sob a liderança de Antônio Conselheiro, o povo do sertão nordestino pode fazer algo
para tentar mudar sua visão de mundo. Antônio Conselheiro era um líder religioso, com ideias
que revolucionaram o povo nordestino: ele discordava de mudanças feitas na República,
sendo identificado por seus adversários como um monarquista e religioso fanático. Conforme
Cotrin (2010, p. 96), Antônio Conselheiro era um andante das terras nordestinas que um dia
chegou a uma fazenda abandonada: essa localidade se chamava Canudos e foi nessa fazenda
que Conselheiro deu início à formação de sua cidade santa:
Muitas pessoas se mudaram para canudos, ex-escravos, vaqueiros, sertanejos sem
terra, homens mulheres, entre outros, eles eram perseguidos pelos coronéis e
policias. O povoado de canudos acabou por se tornar muito populoso, mais ou
menos 20 e 30 mil habitantes. O modo de vida da população de Canudos era
conforme as leis de Conselheiro, praticava-se o sistema comunitário, em que as
colheitas, rebanhos e o fruto do trabalho eram repartidos, não havia cobrança de
tributos, era proibida a prostituição e a venda de bebidas alcóolicas. No entanto o
35
povoado tinha normas próprias, representando uma alternativa de sociedade para os
sertanejos que fugiam da dominação dos coronéis da região.
Conselheiro era considerado uma ameaça tanto para os coronéis, quanto para a Igreja
Católica: para os coronéis, porque estes ficaram com medo de Conselheiro conseguir grandes
extensões de terras e propriedades e para a igreja católica por desviar fieis daquela instituição.
Conforme Marques (2005, p. 123), houve três ataques de força dos coronéis e do governo
para acabar com o povoado de Canudos. Porém, em 5 de outubro de 1897, os habitantes do
arraial de Canudos foram massacrados. Para o escritor Euclides da Cunha, correspondente do
jornal O Estado de São Paulo que fez a cobertura dos acontecimentos, os quais foram
registrados em seu livro Os Sertões, Canudos foi antes de tudo uma grande revolta social.
Em relação a estrutura econômico social de Canudos, o jornalista Júlio Chiavenato
(1989, p. 101-102) observou:
A notícia ocorreu pelos sertões. Fazendas e vilas despovoavam-se porque em belo
monte havia descido o céu. Não tinha policia do governo e o trabalho era igual pra
todos. Não se pagavam impostos e bastava levantar casa onde o conselheiro
indicasse. Toda a produção era distribuída de acordo com a necessidade de cada um.
Nunca houve roubo. Nunca houve opressão. Todos eram livres e iguais. Todos
trabalhavam. E rezavam, dando graças ao Senhor Bom Jesus, Canudos teve 35 mil
habitantes. De longe, parecia um presépio; as casas amontoavam-se,
desordenadamente. Só havia uma rua e, no inicio, a primeira igreja, onde
Conselheiro pregava. Para destruir Canudos o exercito brasileiro perdeu 5 mil
soldados, (...) A matança foi apresentada ao povo do Brasil como um ato de
saneamento contra as forças do atraso, do fanatismo .
Facó (1976, p. 117) observa que Canudos, além de ter sido uma expressão da miséria e
da dominação política dos coronéis no sertão, representou também uma luta por condições
sociais diferentes:
A verdade é que os habitantes de Canudos viviam uma vida muito dura, tinham que
ser homens práticos e em contato direto com a realidade que os esmagava, para
cuidarem somente da alma, da salvação no céu, como se tentava fazer crer. A vida
exigia que fossem homens frios e implacáveis com o inimigo, para poderem lutar
com vantagem pela própria sobrevivência. E assim foi. Não só morriam,
combatendo o inimigo peito a peito, mas enfrentavam as forças armadas enviadas
para ataca-los com o objetivo de exterminá-los. Desafiavam-nas impávidos:- Avança
fraqueza do governo! Era o seu grito de guerra.
36
No entanto, não se pode considerar o movimento social como monarquista, como o
julgaram os jacobinos e militares do Partido republicano Federal, Canudos, antes de tudo, era
produto da miséria e do analfabetismo, conforme Euclides da Cunha, então correspondente do
Estado de São Paulo, afirmou numa serie de artigos que mais tarde serviriam para sua obra
máxima- “Os Sertões”, segundo Fazoli Filho (1977, p. 242).
37
3. O CANGAÇO COMO BANDITISMO SOCIAL
O cangaço surgiu no século XIX, no contexto da transição do Império para a
República. Neste capítulo discutiremos de que forma os vários estudiosos que pesquisam
sobre o tema construíram análises a respeito.
Talvez os cangaceiros tenham sido formados como grupo quando alguém era expulso
de um lugar onde vivera há muito tempo, ou era humilhado frente à sociedade em que vivia,
ou tinha suas famílias desonradas. Os diversos autores e vertentes historiográficas apontam
que são vários os fatores que contribuíram para a formação deste grupo. Em argumentação a
esta proposta, Chiavenato (1990) argumenta que os cangaceiros são bandoleiros, bandidos,
afirmando:
Alguém era expulso da terra onde vivia havia anos; outro via a filha ser raptada e
engravidada pelos coronéis e seus protegidos; outro ainda – a suprema humilhação
para o nordestino – receba uma ou outra, onde batiam-lhe na cara quebrando sua
“hombria”. A esses só restava a vingança. E sequer uma vingança social, que os
colocaria contra seus inimigos de fato. Era uma vingança cega, que só podia ser
cumprida se eles se pusessem a serviço do ofensor, praticando atos de valentia para
recuperar sua “macheza”. Naturalmente, não tinham percepção disso: bastava-lhes
matar e agredir para recuperar a hombridade. Tornavam-se valentes, reconquistavam
a honra. Eram respeitados por sua gente como vitoriosos, passando da ignominia a
uma existência gloriosa. Ingênua ou maliciosamente, muitos atribuem a entrada para
o cangaço a simples revolta individual.
O autor afirma ainda que são muitos os equívocos sacramentados como verdades
explicando a origem do cangaço. O trabalho da historiografia, nesse sentido, é buscar os
fundamentos sociopolíticos e econômicos que enquadram o entendimento do cangaço como
manifestação social.
Para o historiador Hobsbawm (1976), “o banditismo consiste em dois esquemas
fundamentais para o fenômeno: o meio rural enquanto ambiente propício à origem e atuação
dos bandos; e a constatação deste meio social como necessariamente pré-capitalista.” A
sugestão do autor é de que o banditismo social possa ser interpretado mais como um
mecanismo de articulação para o protesto social, alicerçado no meio rural, do que apenas
tumultos cotidianos.
O que levou à formação de grupos de bandoleiros nos sertões foi a obediência aos
senhores coronéis, a seca e a falta de alimentos que atacavam os sertões durante o século XIX.
38
Todos esses elementos foram relevantes para que se formassem no nordeste grupos de
banditismo.
Em afirmação a esta passagem, Chiavenato (1990) defende que:
Os cangaceiros eram uma classe potencialmente revolucionaria, mas não eram
revolucionários: sequer contestavam o sistema a não ser através de seu
comportamento criminoso. Os cangaceiros vinham de um povo apático, quase
abúlico, que sofria diante de uma realidade esmagadora, e que via na seca e não no
latifúndio mono- exportador- a origem de sua desgraça. Não tinham tradição de luta
social; não sabiam reivindicar.
Muitos historiadores, antropólogos e pesquisadores no campo das ciências sociais
estudam estes fenômenos típicos do sertão nordestino brasileiro. O banditismo certamente
ocorria em outras regiões do Brasil, porém é no sertão do nordeste que este fenômeno se
destacou, por causa de grandes matanças que ocorriam e pela intensidade como aconteciam os
fatos narrados pelos historiadores. O historiador Raymundo Faoro relata de maneira muito
relevante o que ocorria no sertão:
Sob a teia das eleições mantidas por amor de preconceitos construídos sobre o
liberalismo adulterado, agitavam-se grupos sociais autônomos, não atendidos nas
respostas do sistema. As elites, presas as suas raízes de classe, não eram flexíveis,
dúcteis para se sobrepor aos dissídios, ordenando e dirigindo os conflitos. A plebe
rural, abandonada e desajustada no quadro institucional, refugia-se no messianismo
e no cangaceirismo, em protesto difuso e sem alvo. Contra esse fermento
anarquizante, a república pune vinga e reprime, com os instrumentos de suas
oligarquias e de seus coronéis. (FAORO, 2001 p. 737- 738).
Nota-se ainda que o banditismo mostra como o coronelismo influenciou na formação
de grupos bandoleiros, principalmente por boicotarem as urnas impedindo assim que
houvesse uma democracia civilizada. Os coroneis abusavam do poder e mal se importavam
com a pobreza do sertão. Esses podem ser alguns dos principais motivos para que as pessoas
se refugiarem na fé, com o messianismo, e na vida fácil do roubo para suprir necessidades e
garantir a sobrevivência.
Em outro relato onde o banditismo está associado à influência dos coronéis, afirma
Chiavenato que:
39
Os primeiros bandidos ao conquistarem o poder econômico e politico já não
sujavam as mãos: financiavam o crime, pagando jagunços e bandoleiros para
reprimir as populações rurais. Ao mesmo tempo, limpavam suas arvores
genealógicas, legalizando o roubo. Bandeirantes transformaram-se em heróis;
matadores tornaram-se barões; ladrões de terra viraram coronéis. (CHIAVENATO,
1990 p. 8)
Menezes (1970 p. 78) afirma também que “entrementes, no interior, o cangaço evoluiu
para novas formas. Já não e apenas a “brigada de choque” das rivalidades entre grandes
famílias disputando o predomínio politico, disfarçando-se nas atrapias dos coronéis.”
No entanto os cangaceiros vão virando grupos autônomos que se viram nos sertões da
caatinga e já não necessitam tanto dos coronéis para se fazerem homens respeitados. Eles
perceberam que poderiam conseguir isso por si só.
Afirma ainda Menezes (1970) que
Nas ultimas décadas, já nos começos da república as condições sociais vão
mudando. Não desaparecem tais formas de cangaço. Mas passam a segundo plano.
Tornam-se forças autônomas, que por uma espécie de cissiparidade social, se
desligam do feudo e iniciam a luta por conta própria, contra a propriedade, contra a
ordem social, muitas vezes discretamente apoiados por coiteiros travestidos em
chefes políticos.
Nesse sentido, Chiavenato (1990, p. 17) defende que:
O cangaceiro lutava pela mera sobrevivência. Era perigoso, não só para suas vitimas
como para a estrutura falida do Nordeste. Seus atos degeneravam em simples
banditismo. Precisava usar de toda a astúcia para sobreviver, porque era caçado
como elemento desestabilizador da ordem. Sem produzir, vivendo do roubo numa
sociedade paupérrima, onde os poderosos tinham grande capacidade de retaliação,
necessitava aliar-se ao mais forte. Dependia do coiteiro: aquele que o escondia e o
abastecia de alimento e arma. Em geral os coiteiros eram prepostos dos coronéis. A
partir dessa aliança, o cangaço transformou-se de revola espontânea em banditismo
de controle social.
Portanto, era assim a vida do cangaço: para muitos eram bandidos, vistos como
marginais pelos sertões nordestinos. O cangaço era composto por grupos autônomos, que
tinham como padrinhos os senhores coronéis, e os coiteiros da fazenda que os ajudavam
dando-lhes lugar para dormirem, dando-lhes munições. Em troca disso, eles prestavam-lhes
favores como expulsar pessoas das fazendas sobre as quais os coronéis ou coiteiros estavam
40
de olho. Os grupos, assim, faziam algazarras e arruaças pelo sertão, roubavam pessoas,
matavam, cometiam adultérios com mulheres, entre outros atos. Assim era o cangaço visto
como banditismo.
3.1 CANGAÇO: FANATISMO VERSUS HEROÍSMO
Como citado nos textos acima, o cangaço para muitos era visto como forma de
banditismo, composto por grupos de malfeitores que roubavam e matavam sem nenhum
objetivo de melhorias. Porém, para outros o cangaço é visto como um ato de heroísmo, tanto
que em livros didáticos ou em literaturas de cordéis o cangaço é chamado “Robin Hood do
sertão”. Essa imagem ambígua dos grupos é notada pelas pesquisas de cientistas sociais sobre
a própria literatura de cordel: Narita; Fonseca (2007) analisam as representações do mal em
folhetos de cordel que abordam justamente o tema do cangaço. No caso de Lampião, por
exemplo,
Trata-se de uma figura bastante controvertida nas suas representações nos folhetos,
que se desdobram sob diversas imagens: ora visto como um produto das injustiças
sociais, ora como um dos assassinos mais cruéis que já existiu. De forma geral, o
fenômeno do banditismo – ao qual o cangaço e seus bandos estão diretamente
ligados – não é condenado pelo poeta popular, que não poucas vezes refere-se aos
grandes cangaceiros – Lampião, Antônio Silvino e Jesuíno Brilhante – como
verdadeiros “heróis do sertão”, que se posicionam contra as elites – vide alguns
folhetos escritos por grandes autores, tais como Francisco das Chagas Batista,
Antônio Francisco Silva, José Camelo e Francisco Alves Martins.
Em uma passagem muito curiosa do livro de Menezes (1970, p. 79), o autor descreve
como eram os cangaceiros e como diversos estudos provam que os cangaceiros não tinham
anormalidades para serem considerados bandidos sanguinários:
Os grupos de cangaceiros não apresentam características antropológicas que possam
induzir e enquadra-las em categorias criminológicas, como seria do sabor de escolas
e doutrinas defendidas, no mais das vezes, literariamente. Em abono de nossa
opinião esta o testemunho de Artur Ramos, que realizou exame pericial em varios
homens do cangaço, quando medico legista em Alagoas. Estudou o cangaceiro
41
Volta- Seca e alguns outros famanezes da predação criminosa. Sua conclusão foi de
encontra-se em faces de indivíduos normais. Antropologicamente normais.
Menezes (1970) afirma ainda que:
Não se trata de um bando de tarados, lombrosianamente predispostos ao crime. Do
contrario seriamos levados a estender o juízo a imensa maioria dos componentes da
plebe rural. Se não organizam grande exercito é por causa da mobilidade extrema e
da dificuldade de munição, que lhe é contrabandeada por vias ardilosas, convindo ao
governo abrir sindicância honesta e apurar os que lucram nessa atividade.
O cangaço teria se formado como decorrência de vários fatores naturais e sociais da
região. As secas que atacavam a região do nordeste, a falta de elementos naturais em
abundância, precária distribuição de alimentos, concentração de terras e do poder político:
fatores que obrigavam, como discutimos em capítulo anterior, esses povos a formarem grupos
messiânicos de fé (Canudos) e grupos de cangaço.
O autor Facó (2009, p. 34) enfatiza bem esta situação na passagem do livro
Cangaceiros e fanáticos, um dos clássicos da historiografia sobre o tema:
Cria-se no Nordeste uma espécie de nomadismo permanente, que as secas só fazem
aumentar e dar características mais trágicas. É então que se juntam, ante o flagelo,
reúnem-se nos caminhos para as longas jornadas em busca de pão e agua. Jamais
haviam tido laços estreitos de solidariedade, isolados em choupanas perdidas nos
ermos, a enormes distancias umas das outras. A seca expulsa-os e congrega-os. O
acicate para sua unidade é a fome. Ficavam então até mesmo sem recursos da
economia seminatural. A seca mata-lhes a criação, queima-lhes a roça e não lhes
resta sequer agua barrenta da cacimba rasa, cavada com a enxada, junto ao casebre.
Contra a fome e a miséria aumentam com a seca manifestam-se dois tipos de reação
da parte dos pobres do campo: a formação de grupos de cangaceiros que lutam de
armas nas mãos, assaltando fazendas, saqueando comboios e armazéns de viveres
nas próprias cidades e vilas; a formação d seitas de místicos- fanáticos em torno de
um beato ou conselheiro, para implorar dadivas aos céus e remir os pecados, que
seriam as causas de sua desgraça.
Para que o cangaço tenha surgido, vários fatores eram necessários. Como afirmou o
autor Facó (2009), o que ocasionava estes grupos nômades que lutavam com armas nas mãos
42
eram as secas e a falta de alimentos que levavam os povos dos sertões a formarem grupos
messiânicos ou grupos que roubavam para sobreviver. Portanto, os cangaceiros não agiam de
má fé, tanto que para esta justificativa o autor Euclides da Cunha, no livro Os Sertões,
discutindo problemas que envolviam a própria estrutura social da região, afirma: “se a terra é
para ele inacessível, ou quando possui uma nesga de chão vê-se atenazado elo domínio do
latifúndio oceânico, devorador de todas as suas energias, monopolizador de todos os
privilégios, ditador das piores torpezas, que fazer, senão revoltar-se? Pega em armas, sem
objetivos claros, sem rumos certos, apenas para sobreviver no meio que é o seu.”
O território do nordeste também facilitava a vida do cangaço, pois não havia estradas,
nem meio de transportes adequados, e os cangaceiros conheciam a caatinga do nordeste como
a palma das mãos, isto facilitava as andanças nos sertões, os esconderijos.
Pesquisadores e autores como Facó dizem que o cangaço teria esse fanatismo forte em
função das condições enfrentadas pelo Nordeste. Dentre essas condições, podemos destacar
principalmente a injustiça social, o analfabetismo, as condições precárias de um povo sofrido
que muitas vezes era fonte de serviços quase escravocratas e ainda não tinha sequer alimentos
em quantidade adequada.
Então, o cangaço seria uma forma de fazer justiça com as próprias mãos. O cangaço
seria uma forma de chamar atenção do governo para que estas desigualdades desaparecessem.
Daí a forma dos cangaceiros serem vistos por alguns como os heróis dos sertões nordestinos.
Facó (2009, p. 43) afirma que o surgimento e o incremento do cangaço são as
primeiras manifestações da ruína e da decadência do latifúndio semifeudal, de que também é
resultante. Naquela sociedade primitiva, com aspectos semibárbaros, em que o poder do
grande proprietário era incontrastável, até mesmo uma forma de rebelião primaria, como era o
cangaceirismo, representava um passo à frente para a emancipação dos pobres do campo.
43
3.2 CANGAÇO COMO REVOLTA SOCIAL
Há ainda no século XXI muitos assuntos a serem tratados no que se refere ao
cangaceiro. Será que estes grupos buscavam justiças, ou será mesmo que eram apenas
bandoleiros preocupados apenas em aterrorizar a população, ou ainda será que o
cangaceirismo foi um movimento social que trouxe benefícios relevantes para a população
nordestina da época? Foram grupos que pensavam que estava fazendo um movimento social,
para a busca de uma democracia não existente no sertão brasileiro durante a República Velha?
Tais perguntas nos fazem refletir até hoje. O cangaço foi mesmo um movimento social
que trouxe perspectivas para o sertão. Abaixo, o autor Chiavenato faz uma referência a estas
perguntas:
Basicamente para sublinhar que o banditismo de controle social é uma pratica do
poder, outrora encoberta, hoje nem tanto. Para demonstrar que certos mitos
históricos servem para camuflar a atuação criminosa das nossas elites. E
principalmente, porque este trabalho tentara reforçar o conceito de que o cangaço é
um fenômeno derivado dos interesses do poder. Também, e não menos importante,
há o fato de que, da mesma forma que a historiografia conservadora consagra seus
heróis, mitificando-os, existem aqueles que, idealística ou descuidadamente,
contribuem para construir certos mitos populares. Um deles, pouco contestado e
nunca sepultado, é de que o cangaço foi um movimento popular do sertanejo contra
o sistema. Ao contrário, conforme esboça-se na genealogia dos bandidos populares,
os cangaceiros foram estimulados e mantidos por grupos de latifundiários, para
assegurar o domínio no campo e controlar a população sertaneja.
(CHIAVENATO,1990 p. 15)
Em Cangaceiros e fanáticos, Facó (2009) escreveu que o cangaço surge como um
passo à frente para a emancipação dos pobres do campo e estava longe, porém, como querem
alguns, de representar um movimento social totalmente organizado. Para o autor, o cangaço é
a expressão de uma ruptura no sistema, condicionada pelos fatores que a geraram.
No entanto, Facó ainda afirma que os cangaceiros vão, sim, ser um movimento social
reconhecido no sertão, apesar de sua organização um pouco precária. Marcello André Militão
(2007) considera que
44
Para Facó, ainda que os camponeses não tivessem objetivos claros de suas ações nos
bandos de cangaceiros e/ou religiosos, estes movimentos representavam o momento
de enfrentamento e resistência ao poder do latifúndio. Por isso, a luta heroica do
sertanejo para sua sobrevivência vai ser resgatada pela produção cultural marxista,
pois os movimentos de rebeldia do passado situavam-se como precursores de uma
tradição revolucionária. E, neste sentido, o cangaceiro tornar-se-á um problema da
história contemporânea e reconhecido, muitas vezes, como herói e mito político na
luta contra os males do latifúndio.
Portanto, o cangaço teve o seu lado como um herói o Robin Hood, que roubava dos
ricos para dar aos pobres, teve o seu lado bandido que eram apenas grupos que não geravam
proteção a população, apenas bagunçavam sem ao menos saber o porquê de estarem
organizando esse movimento.
No entanto, para o historiador Chiavenato, o cangaço é considerado como uma chacina
na historiografia brasileira, não representando uma “luta de classes”, mas sim um mero acidente na
história. Militão (2007), analisando a contribuição historiográfica de Hobsbawm para as
análises do cangaço, afirma que:
A análise de Hobsbawm baseia-se na existência de três tipos de bandidos: o bandido
nobre, como Robin Hood; os guerrilheiros primitivos; e o vingador. Estas formas
diferem segundo as regiões em que o banditismo social se desenvolveu, e que não
devem ser confundidas com as práticas de comunidades que têm no crime uma
forma de vida não diretamente relacionada com a transição para o capitalismo. Se os
bandidos alcançam uma certa notoriedade, isto se deve à influência de alguns
fatores, como as crises políticas e econômicas da região, as estruturas do poder local
e o poder dos proprietários.
Para Hobsbawm e Facó, esse movimento teve grande relevância na historiografia
brasileira, sendo que o cangaço teria ido em busca de seus objetivos melhorando a vida no
Nordeste, em busca de chamar a atenção do governo para que a precariedade sumisse dando
espaço para a democracia que não existia no sertão nordestino.
45
3.3 LAMPIÃO E MARIA BONITA
O cangaço foi um fenômeno sobre o qual historiadores procuram razões até os dias
atuais. Eram considerados bandidos e baderneiros para alguns e para outros os heróis dos
sertões. Segundo o autor Olivieri (1998, p. 9), “esses bandidos independentes receberam o
nome de cangaceiros. A palavra se origina de canga, o conjunto de arreios que amarram o boi
ao carro, esses bandoleiros usavam espingardas a tiracolo ou com as correias cruzadas no
peito, lembrando a canga do boi”.
Afirma o autor Olivieri (1998) que o período em que essa forma de banditismo
imperou no sertão nordestino se estendeu do início do século, quando Antônio Silvino se
firmou na chefia de um grupo de cangaceiros, até cerca de 1940, quando foi morto o
cangaceiro Corisco, já no contexto dos governos de Getúlio Vargas (1930-1945).
Houve vários grupos do cangaço, mas o mais conhecido é o cangaço de Antônio
Silvino e o de Virgulino Ferreira da Silva o Lampião e Maria Bonita, que lideraram o
principal bando de cangaceiros do nordeste.
Figura 7: Lampião em Juazeiro do Norte visita a padfre Cícero
Disponível em http://4.bp.blogspot.com/_l9OVTXgoMQ/TNcsXlAm9TI/AAAAAAAAFfk/CiwYIEoM_oQ/s1600/lampiao-1.jpg
Acesso em: 09/11/2014.
46
Existiam também os grupos de cangaceiros onde o bando era contratado pelos
coronéis e outros grupos independentes, livres dos coronéis e agiam por todo o estado do
nordeste.
O cangaço nada mais é que uma “quadrilha”, bandos de homens que andavam
armados roubando de fazendas a cidades, atacando fazendeiros ou políticos, em busca de
dinheiro ou atacavam por vinganças, ou até mesmo por injustiças feitas por parte dos
coronéis.
Os cangaceiros viviam uma vida nômade, sem moradia fixa, espalhando terror nos
locais por onde passavam. Dormiam em acampamentos no meio do mato, ou arrumavam
pousos em fazendas ou casas de pessoas que lhes ajudavam. O cangaço despertava
sentimentos que iam de medo e fúria das pessoas a um sentimento de grande admiração por
esses bandos.
Há quem diga que o cangaço comandado por Lampião durou entre os anos de 1917 até
1938. Lampião agia contra populações, fazendeiros e coronéis: é um fenômeno que tem muito
a ver com o coronelismo, pois a ideia de ter grandes extensões de terras começou com o
coronelismo e o cangaço era aliados dos coronéis. Foi em um acampamento, conforme
Olivieri (1998), onde Lampião se apaixonara por Maria Bonita. Esta era casada com um
sapateiro, seu pai era dono de uma pequena propriedade e coiteiro, nome dado a quem
auxiliava cangaceiros do Bando de Lampião. Maria não se dava bem com o marido, e foi sua
mãe quem disse a Lampião da admiração que Maria tinha por ele. Foi então que Maria decide
entra na vida do cangaço e participava em todos os ataques com Lampião.
Figura 8: Lampião e Maria Bonita
Disponível em:
<http://2.bp.blogspot.com/BqH_Teb7MS8/UVeLxLFpEXI/AAAAAAAAEwA/YUjYFjsIuFQ/s1600/urlrtr.jpg>.
Acesso em: 09/11/2014.
47
Tanto que a historia de Lampião e Maria Bonita é apresentada em novelas e
principalmente em literaturas de cordel. Até os dias de hoje, portanto, as figuras dos
cangaceiros alimentam a cultura popular no nordeste. Conforme apontam as pesquisas de
Narita e Fonseca (2007),
Nesse sentido, os folhetos de cordel exploram bastante a vida de Lampião: das suas
andanças até a sua morte, um rastro de pavor, mesclado com medo e mistério, cerca
sua imagem. Da confusão entre o personagem de um movimento fundamental na
história do Brasil e suas histórias presentes no imaginário popular nordestino, fixa-se
um mito.
Figura 9: Chefes de volantes que enfrentaram e mataram o bando de Lampião
Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/_l9OVTXgoMQ/TMAm3Ydf_nI/AAAAAAAAFY4/gToODqynqlo/s400/Joao_Bezerrag>.
Acesso em: 09/11/2014.
Depois de tantos ataques, vitórias e derrotas, foi na região de Sergipe, em Angicos,
que Lampião e seu bando foram pegos de surpresa por chefes de volantes que enfrentaram o
bando e os mataram. José Lucena, Ferreira de Melo, João Bezerra e Teodoreto Camargo
invadiram o bando com rifles e metralhadoras, matando os cangaceiros de 40 cangaceiros,
como relata o autor Olivieri (1998). Onze morreram, inclusive Lampião e Maria Bonita. Esse
acontecimento se deu na madrugada do dia 28 de julho de 1938.
Os cadáveres foram degolados e os armamentos e todas as posses que se encontravam
com o bando foi dividido entre os que os mataram. Suas cabeças foram levadas para Salvador,
48
onde ficaram expostas por mais de 30 anos no Museu Nina Rodrigues, e em 1968 foram
finalmente sepultadas, conforme relata Olivieri (1998, p. 33).
Figura 10: Cabeças de cangaceiros degolados: embaixo, isolada, a de Lampião: logo acima, a
de Maria Bonita.
Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a2/Degola_de_Lampi%C3%A3o_MB.jpg>
Acesso em: 09/11/2014.
Uma vez que os cangaceiros eram temidos, os pobres que apoiavam seus rivais (no
caso dos coronéis), ou apoiavam coronéis inimigos e a polícia (no caso dos cangaceiros),
eram cruelmente martirizados quando apanhados. Sanguinárias ou não, as façanhas dos
cangaceiros tem sido fonte de inspiração para, além da já citada literatura de cordel, letras de
músicas, cinema, teatro etc. Vários filmes e livros trataram do tema, como O cangaceiro, de
Lima de Barreto; O baile perfumado, de Lírio Ferreira e Paulo Calas; Corisco e Dadá, de
Rosemberg Cariry.
Depois da morte de Lampião, alguns cangaceiros pararam com a vida bandida e, no
seu relato, Olivieri (1998), diz que Corisco, amigo de Lampião, não estava em Angico no dia
da morte do rei do cangaço. Corisco, o diabo Louro, jurou vingança a quem matou Lampião,
logo cumpriu a promessa matou um dos supostos delatores junto com toda sua família,
degolo-os e mandou para o prefeito da cidade.
Corisco continuou com o cangaço até em 1940, quando morreu em um tiroteio com a
polícia. Depois disso essa forma de banditismo se extinguiu na região nordeste. Nota-se ainda
que, de acordo com a historiografia e as pesquisas sociais aqui discutidas, o cangaço pode ser
definido em três ramos: o cangaço como banditismo, o cangaço como fanatismo e o cangaço
como uma revolta social.
49
Oliveira afirma no livro Lampião, Cangaço e Nordeste que todos nós, de alguma
forma, nos deixamos fascinar pela figura e pela escura legenda do maior de todos os
cangaceiros. Ainda diz que
Os piores monstros são os pretensos civilizados que praticam atos com todos os
requintes de selvageria. Esses sim, vivem imersos na civilização do asfalto e são
criminosos natos. Museu nenhum comportaria suas cabeças, porque existem em
número considerável. Lampião, porem, era um rude guerrilheiro, um gênio em
estratégia, inteligência e astucia. Infelizmente, não foi capturado vivo, para provar
que seria recuperado. Um homem do seu tipo surge de cem em cem anos.
(OLIVEIRA,1970 p. 14)
2
2
Segue em anexo a literatura de cordel
50
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A trajetória do cangaço foi analisada por importantes intérpretes da História do Brasil,
desde os trabalhos já “clássicos” (FACÓ, FAORO etc.) até os analistas contemporâneos. Para
um melhor entendimento deste fenômeno, o trabalho foi divido em uma breve
contextualização da República Velha, apresentando os acontecimentos na vida política,
econômica e social. Em seguida, o coronelismo foi focalizado principalmente na região
nordeste, onde os coronéis tiveram forte influência para a formação das revoltas sociais, como
a revolta de Canudos, com o Antônio Conselheiro, e a formação do grupo de cangaceiros, que
vai desde Antônio Silvino a Lampião e Maria Bonita.
Assim, a análise do cangaço pode ser subdividida em três visões historiográficas:

A primeira fala sobre o cangaço como banditismo social, no qual os cangaceiros não
eram grupos revolucionários, atuando apenas por questões econômicas ocorridas
principalmente no sertão nordestino. Tais questões, como a seca que afetava
diretamente a população nordestina, desencadeavam vários fatores como a fome,
desemprego e miséria. Foi neste contexto que os cangaceiros sofreram forte influência
dos coronéis e dos coiteiros.

A segunda visão revela o cangaço como forma de fanatismo e heroísmo, trazendo
consigo a sede de se fazer justiça, chamando a atenção do Estado para que o sertão
represente uma forma de “democracia” para todos. Para os nordestinos, o cangaço era
uma forma de heroísmo, considerado como o “Robin Hood” dos sertões, que lutavam
pela igualdade para todos. A literatura nordestina teve forte influência do cangaço,
tanto que este é fonte para a literatura de cordel e literatura infantil, enfatizando,
principalmente, o cangaço na figura dos heróis “românticos” Lampião e Maria Bonita.

A terceira visão mostra o cangaço como uma revolta social, que para autores citados
no trabalho nada contribui para a democracia que buscavam, pois para estes os
cangaceiros eram apenas um grupo que se aproveitava da situação para tirar proveito
próprio, se passando por justiceiros, causando terror na população e roubando a
população por maldade. Estas questões geram perguntas que nos deixam pensando:
será mesmo que estes grupos eram justiceiros ou apenas buscavam ganhar prestígio
matando, saqueando e roubando a população por maldade?
51
Será mesmo que o cangaço trouxe resultados positivos de justiças e melhorias para a
vida do sertão nordestino ou foi apenas um movimento social trágico na história do Brasil? A
história em si traz perguntas, pois a história é subjetiva.
Tais perguntas enfatizadas no decorrer do trabalho mostram versões sobre o cangaço.
Elas mostram que estes grupos trazem a ideia de “coitadinhos”, que iam em busca de justiças
com as próprias mãos, já que na época a justiça não era feita perante as leis. Mostram a figura
do cangaço como heróis do sertão, trazendo um romance na história de Lampião e Maria
Bonita.
No entanto, o cangaço, para quem o estuda, traz uma ideia de que este grupo foi uma
mera passagem pela história, não trazendo formas de justiças, e sim bandidos que agiam
totalmente fora da lei. Existe também a ideia de que os cangaceiros não sabiam o que estavam
fazendo, pois a maioria não tinha estudos e a seca os prejudicava muito, tornando o nordeste
um ambiente propício aos roubos.
Há muitas controvérsias sobre o assunto, mas com certeza vale a pena discutir o tema,
já que o cangaço é uma importante manifestação para análise e entendimento dos movimentos
sociais e políticos que ocorreram na história do Brasil. O estudo permite entender melhor a
cultura do sertão nordestino, de modo que a fantástica história do cangaço revela faces ocultas
que merecem ser investigadas.
Apesar de os cangaceiros apresentarem o lado de apenas bandidos, bandoleiros,
grupos de malfeitores, este grupo nos deixou uma enorme riqueza na nossa literatura. Este
trabalho nos leva a ter vontade de instigar mais sobre fatos ocorridos no sertão nordestino nos
incita a curiosidade de saber o que levava esses grupos a praticar a vida nômade por tantos
anos. O trabalho, enfim, discute o movimento do cangaço para analisar algumas abordagens e
temas importantes para o entendimento da própria trajetória política e social da República
brasileira no início do século XX.
52
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição de 1891. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1824-1899/constituicao-35081-24-fevereiro1891-532699-publicacaooriginal-15017-pl.html>. Acesso em: 29 set. 2014.
CARDOSO, O.P. História Hoje. São Paulo: Ática, 2006.
CARVALHO, J.M.de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. 2. Ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
______. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a república que não foi. São Paulo: Companhia
das Letras, 1987.
______. República, democracia e federalismo Brasil (1870-1891). Varia História, Belo
Horizonte, v. 27, n. 45, 2011. Rio de Janeiro 2011, Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/vh/v27n45/v27n45a07.pdf >. Acesso em: 24 out. 2014.
CHIAVENATO, J.J.. As lutas do povo brasileiro: do descobrimento a Canudos. 2. ed. São
Paulo: Moderna, 1989.
______. Cangaço: a força do coronel. São Paulo: Brasiliense, 1990
COTRIM, G.. Historia Global: Brasil e Geral: Volume 3. São Paulo: Saraiva, 2010.
COSTA, E.V.da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 7. Ed. São Paulo:
Editora UNESP, 1999.
FACÓ, R. Cangaceiros e fanáticos. 4. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.
______. Cangaceiros e Fanáticos: gênese e lutas. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009.
FAORO, R.. Os donos do poder: formação do patronato politico brasileiro. 3. Ed. rev. São
Paulo: Globo, 2001.
FAUSTO, B. Historia do Brasil. 4. Ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1996.
FAZOLI FILHO, A.. História do Brasil: 2º grau. São Paulo: Ed. do Brasil, 1977.
HOBSBAWM, E.. Bandidos. Trad. Donaldson Magalhães Garschagen. Rio de Janeiro:
Forense, 1976.
HOLANDA, S.B.de. O Brasil republicano: sociedade e instituição (1889-1930). Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. V. 9.
IGLÉSIAS, F.. Constituintes e Constituições Brasileiras. São Paulo: Brasiliense, 1985.
53
LIMA, J.G.de. O balcão da águia baiana. Revista Veja, São Paulo, 6 set. 2000. Disponível
em: <http://veja.abril.com.br/060900/p_154.html>. Acesso em: 02 Out. 2014
LEAL V.N.. CORONELISMO, ENXADA E VOTO, o município e o regime representativo
no Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997
LESSA, R.. A invenção republicana. Cadernos da Escola do Legislativo, Belo Horizonte, v.
5, 2000. Disponível em:
<https://www.academia.edu/3378964/A_inven%C3%A7%C3%A3o_republicana>. Acesso
em: 22 out. 2014.
LOPEZ, L.R.. História do Brasil Contemporâneo. 2. Ed. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1983.
MARTINS, A.M.V.. Um Império a constituir, uma ordem a consolidar: elites políticas e
Estado no sertão. Franca: Ribeirão Gráfica e Editora, 2004.
MENEZES, D.. O outro Nordeste: ensaio sobre a evolução social e politica do nordeste da
civilização do couro e suas implicações históricas nos problemas gerais. Rio de Janeiro:
Artenova, 1970.
MILITÃO, M.A.. Porque Virgulino tornou-se Lampião. Monografia (Trabalho de
Conclusão de Curso) – Graduação em História, Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
2007. Disponível em:
<http://www.historia.ufpr.br/monografias/2007/2_sem_2007/resumos/marcello_andre_militao
.pdf>. Acesso em: 09/11/2014.
NARITA, F.Z.. As heranças Ibéricas revisitadas. Revista Aedos (UFRGS), Porto Alegre, v.
5, n. 13, 2013. Disponível em:
<http://seer.ufrgs.br/index.php/aedos/article/view/40358/28053>. Acesso em: 28 out. 2014.
NARITA, F.Z.; FONSECA, G.A.. As representações do mal na literatura de cordel. In:
SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA E CIÊNCIA DA RELIGIÃO, n. 2, 2007.
Anais do II Simpósio Internacional de Teologia e Ciência da Religião. Belo Horizonte:
PUC-MG, 2007.
NEGRÃO, L.N.. Revisitando o messianismo no Brasil. Revista Brasileira de Ciências
Sociais, São Paulo, v. 16, 2001. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v16n46/a06v1646.pdf>. Acesso em: 22 out. 2014.
OLIVEIRA, A.L.de. Lampião, Cangaço e Nordeste. Rio de Janeiro, 1970.
OLIVEIRA, D.de. História do Brasil: política e economia. Curitiba: InterSaberes, 2012.
(Série Aspectos da História do Brasil).
OLIVIERI, A.C.. O Cangaço: guerras e revoluções brasileiras. 3 Ed. São Paulo: Editora
Ática, 1998.
PRADO JUNIOR, C.. História econômica do Brasil. 43 Ed. São Paulo: Brasiliense, 1998.
54
QUEIROZ, M.I.P. de. História do Cangaço. São Paulo: Global, 1982.
RÊGO, A.H.do. Família e Coronelismo no Brasil: uma história de poder. São Paulo: Girafa
Editora, 2008.
SILVA, K.V.. Dicionário de Conceitos Históricos. 3. Ed. São Paulo: Contexto, 2010.
VENTURA R.. Euclides da Cunha e a República. Estudos Avançados, São Paulo, v. 10,
1996. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/eav/article/viewFile/8928/10480>. Acesso em: 29 set. 2014.
55
ANEXOS
ANEXO 1 – Constituição de 1891
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRAZIL
TITULO PRIMEIRO
Da organização federal
Disposições Preliminares
Art. 1º A Nação Brazileira adopta como fórma de governo, sob o regimen representativo, a
Republica Federativa proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitue-se, por união
perpetua e indissoluvel das suas antigas provincias, em Estados Unidos do Brazil.
Art. 2º Cada uma das antigas provincias formará um Estado, e o antigo municipio neutro
constituirá o Districto Federal, continuando a ser a capital da União, emquanto não se der
execução ao disposto no artigo seguinte.
Art. 3º Fica pertencendo á União, no planalto central da Republica, uma zona de 14.400
kilometros quadrados, que será opportunamente demarcada, para nella estabelecer-se a futura
Capital Federal.
Paragraphounico. Effectuada a mudança da Capital, o actualDistricto Federal passará a
constituir um Estado.
Art. 4º Os Estados podem encorporar-se entre si, subdividir-se, ou desmembrar-se, para se
annexar a outros, ou formar novos Estados, mediante acquiescencia das respectivas
assembléas legislativas, em duas sessões annuaessuccessivas, e approvação do Congresso
Nacional.
1º Impostos sobre a importação de procedencia estrangeira;
2º Direitos de entrada, sahida e estada de navios, sendo livre o commercio de cabotagem ás
mercadorias nacionaes, bem como ás estrangeiras que já tenham pago imposto de importação;
Art. 15. São orgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciario,
harmonicos e independentes entre si.
Art. 16. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, com a sancção do
Presidente da Republica.
56
§1º O Congresso Nacional compõe-se de dous ramos: a Camara dos Deputados e o
Senado.
§ 2º A eleição para senadores e deputados far-se-ha simultaneamente em todo o paiz.
§ 3º Ninguempóde ser, ao mesmo tempo, deputado e senador.
SECÇÃO
DO PODER EXECUTIVO
CAPITULO I
DO PRESIDENTE E DO VICE-PRESIDENTE
Art.41. Exerce o Poder Executivo o Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil,
como chefe electivo da Nação.
§ 1º Substitue o Presidente, no caso de impedimento, e succede-lhe, no de falta, o VicePresidente, eleito simultaneamente com elle.
§ 2º No impedimento, ou falta do Vice-Presidente, serão successivamente chamados á
Presidencia o Vice-Presidente do Senado, o Presidente da Camara e o do Supremo Tribunal
Federal.
SECÇÃO III
DO PODER JUDICIARIO
Art. 55. O Poder Judiciario da União terá por orgãos um Supremo Tribunal Federal, com
séde na Capital da Republica, e tantos juizes e tribunaesfederaes, distribuidos pelo paiz,
quantos o Congresso crear.
Art. 56. O Supremo Tribunal Federal compor-se-ha de quinze juizes, nomeados na fórma
do art. 48, n. 12, dentre os cidadãos de notavel saber e reputação, elegiveis para o Senado.
Art. 57. Os juizesfederaes são vitalicios e perderão o cargo unicamente por sentença
judicial.
§ 1º Os seus vencimentos serão determinados por lei e não poderão ser diminuidos.
§ 2º O Senado julgará os membros do Supremo Tribunal Federal nos crimes de
responsabilidade, e este os juizesfederaes inferiores.
I - Processar e julgar originaria e privativamente:
a) o Presidente da Republica nos crimes communs e os Ministros de Estado nos casos do
art. 52;
b) os ministros diplomaticos, nos crimes communs e nos de responsabilidade;
c)as causas e conflictos entre a União e os Estados, ou entre estes uns com os outros;
57
d) os litígios e as reclamações entre nações estrangeiras e a União ou os Estados;
e) os conflictos das juizes ou TribunaesFederaes entre si, ou entre estes e os dos Estados,
assim como os dos juizes e tribunaes de um Estado com os juizes e tribunaes de outro Estado.
TITULO IV
Dos cidadãos brazileiros
SECÇÃO 1
DAS QUALIDADES DO CIDADÃO BRAZILEIRO
Art. 70. São eleitores os cidadãos maiores de 21 annos, que se alistarem na fórma da lei.
§ 1º Não podem alistar-se eleitores para as eleições federaes, ou para as dos Estados:
1º Os mendigos
2º Os analphabetos;
3º As praças de pret, exceptuando os alumnos das escolas militares de ensino superior;
4º Os religiosos de ordens monasticas. companhias, congregações, ou communidades de
qualquer denominação, sujeitas a voto de obediencia, regra, ou estatuto, que importe a
renuncia da liberdade individual.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao91.htm>
ANEXO 2
O amor cangaceiro de Lampião e Maria Bonita
Autor: Vicente Campos Filho
Foi Virgulino Ferreira, Da silva, O Lampião, Flechado pelo cupido, Que atingiu seu coração
Quando viu Maria Bonita, Entregou-se a paixão. Ele, filho de José, E a mãe chamava Maria.
O sitio Passagem das pedras em vila Bela, onde um dia. Destinado a ser famoso, Virgulino
nasceria. Isso em mil, oitocentos e noventa e sete, em julho no dia sete do mês Nasceu para
fazer barulho. Vaqueiro desde menino demonstrava seu orgulho.
58
Ela fora registrada Maria Gomes de Oliveira. Nascida em mil, novecentos e onze, dessa
maneira No dia 08 de março pra se tornar cangaceira. Ela casou-se bem cedo, ainda na
adolescência, mas com as brigas com o marido Já não tinha paciência, cada vez que eles
brigavam separavam a residência. Foi depois que aconteceu , um dos desentendimentos com o
marido, que Maria num desses raros momentos, encontrou Lampião que ativou seus
pensamentos.
E pensava é lampião!, que chegou sem alarido, ele é como eu pensava. Bravo, forte e
destemido, se me desse a garupa eu deixava esse marido. Isso foi em santa Brígida no
nordeste da Bahia. O sol já tava se pondo, no finalzinho do dia. E aconteceu o encontro de
Lampião com Maria. O marido dela tinha o oficio de sapateiro. Havia feito alpargata a mando
de um coiteiro. E devia entrega-la ao famoso cangaceiro. Lampião entrou na casa do sapateiro
José, pegou aquela alpargata experimentou no pé. Mas ficou observando, os olhares da
mulher. Lampião ficou olhando e achou ela bonita E ela com olhar flecheiro, que qualquer
homem se agita, ficou o tempo inteirinho, soltando laços de fita
E aquele cangaceiro, que causou tanto terror, aos que detinham o poder, espalhando morte e
dor. Não conseguiu resistir, caiu no laço do amor. Isso em mil, novecentos e trinta, e Lampião
Com poucos dias depois, de despertada a paixão. Levou Maria dali, na garupa do alazão.
Ela partiu orgulhosa, e sem nenhum embaraço, pois deixara o marido e aquele grande passo,
fez. Dela a primeira fêmea a entrar para o cangaço. Partiu para acompanhar o homem que
admirava. Pela forma de viver, pela vida que levava. Descobriu que há muitos anos com
certeza já o amava.
Sempre conheceu a historia do famoso Virgulino. Que se tornou Lampião, mudando o seu
destino. Depois de ser perseguido, por tal de Zé Saturnino. A perseguição foi tanta, que
culminou com a morte. Do seu velho pai que era trabalhador muito forte. Virgulino e seus
irmãos mudaram assim seu norte.
Logo nas primeiras lutas, no meio da escuridão. Seu rifle cuspindo bala provocava um clarão
Por isso seu apelido ficou sendo Lampião. Era essa a historia que Maria conhecia
Por isso que o seu orgulho foi grande naquele dia, acompanhar Lampião era tudo que ela
queria. Maria Bonita foi sempre fiel ao seu lado. Era a única a chegar perto, quando ele estava
irado. Conversava com jeitinho só para vê-lo acalmado.
59
Entre assaltos a fazendas, e a pequenas cidades. Entre lutas com volantes, e outras
calamidades. A santinha ficou gravida em quatro oportunidades. Somente na quarta vez a
barriga segurou, dona Rosinha a parteira. Lampião ali chamou debaixo dum umbuzeiro o
parto realizou. A filha de Lampião com a Maria Bonita, os seus pais em concordância. Deram
o nome de Expedita, mas não podiam cria-la naquela vida maldita.
Por isso que a menina, por eles não foi criada, a filha dos cangaceiros. Precisava ser adotada,
por família mais comum, pra melhor ser educada. E foi Severo Mamede homem bom sem
valentias, cuja mulher tinha tido filha naqueles dias. Quem adotou Expedita, trabalhava em
vacarias, e Lampião com Maria, seguiram pela caatinga, sob o sol do semiárido, onde a agua
na moringa. É tão rara quanto o som do pingo que a chuva pinga.
E no dia 28 de julho, em mil novecentos e trinta, de madrugada. Os cangaceiros sonolentos
não perceberam a chegada dos policiais sedentos. Foi na fazenda Angicos, lá no sertão
sergipano, a volante chegou cedo. Pra não ter nenhum engano, todos estavam dormindo, sob
as barracas de pano. Poucos minutos depois, da batalha iniciada. Lampião e seu bando, teve a
vida terminada. Maria Bonita foi ainda em vida decepada.
Foi o fim da aventura e também da união. Desse casal tão famoso, que percorreu o sertão o
fim do amor cangaceiro de Santinha e Lampião. Muitas vezes justiceiros, muitas vezes
assaltantes, para uns eram dois bravos para outros dois errantes. Mas um casal destemido,
assim nunca se viu antes.
Download

DANIELA CLÁUDIA - Fundação Educacional de Ituverava