Mestrado Integrado em Medicina Veterinária
Ciências Veterinárias
Complexo Colangite Felino
Catarina Susana Almeida de Oliveira Esteves
Orientadora:
Professora Doutora Maria João Miranda Pires
Co-orientador:
Doutor Luís Fonte Montenegro
UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO
VILA REAL, 2010
Mestrado Integrado em Medicina Veterinária
Ciências Veterinárias
Complexo Colangite Felino
Catarina Susana Almeida de Oliveira Esteves
Orientadora:
Professora Doutora Maria João Miranda Pires
Co-orientador:
Doutor Luís Fonte Montenegro
UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO
VILA REAL, 2010
Complexo colangite felino
2010
Resumo
O complexo colangite é uma doença hepática comum em felinos, representando a
segunda maior causa de doença hepática nos mesmos. Caracteriza-se por uma inflamação do
tracto biliar que, em alguns gatos, pode também estender-se ao parênquima hepático envolvente.
Esta doença é subdividida em três formas: colangite neutrofílica; colangite linfocítica; e
colangite crónica associada a tremátodes hepáticos. A doença inflamatória hepática pode ocorrer
concomitantemente à inflamação intestinal e à pancreatite, podendo esta situação estar
relacionada com particularidades anatómicas da espécie felina. Pode ser feito um diagnóstico
presuntivo com base nos sinais clínicos, perfil hematológico, bioquímico, análise de urina e
imagiologia. No entanto, apenas a biopsia hepática permite um diagnóstico definitivo de
colangite. O tratamento tem diferenças para cada forma da doença e, o prognóstico depende
muito, do tratamento instituído e da resposta ao mesmo.
Ao longo do estágio curricular realizado no Hospital Veterinário Montenegro, foram
observados vários tipos de patologias hepáticas nos felinos, sendo o complexo colangite felino a
mais frequente. Durante este período foram acompanhados 5 casos clínicos de colangite felina,
dos quais apenas dois são apresentados neste trabalho, tendo sido analisados em termos de
diagnóstico, tratamento e acompanhamento.
Palavras-chave: Felinos; doença hepática; complexo colangite.
I
Complexo colangite felino
2010
Abstract
Cholangitis complex is an hepatic disease that has been regarded as common in felines
and represents the second major cause of hepatic illness. It’s characterized by a biliary tract
inflammation that in some cases can also be extended to the hepatic surrounding parenchyma. It
is subdivided in three forms which include: neutrophilic cholangitis; lymphocytic cholangitis;
and chronic cholangitis due to liver flukes. The inflammatory hepatic disease may occur
concomitantly with intestinal inflammation and pancreatitis. This situation can be related with
anatomic particularities of felines. It can be made a presumptive diagnostic over the clinical
signs, haematological and biochemical profiles, urinalysis and imagiology, but only the hepatic
biopsy may hold a final diagnostic of cholangitis. For each form of the disease there are
variations in the treatment applied, and the prognosis depends on the treatment used and the
response to it.
During the internship performed at the Hospital Veterinário Montenegro, many types of
hepatic diseases were observed. The second most frequent was feline cholangitis complex. Along
the internship, there were five clinical cases of feline cholangitis, and two of those will be
analyzed on this paperwork, in terms of diagnosis, treatment and monitoring, in order to
understand and interpret each one of them.
Key-words: Felines; liver disease; cholangitis complex
II
Complexo colangite felino
2010
Índice geral
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
1
1 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
5
1.1- FISIOLOGIA DO SISTEMA HEPÁTICO FELINO
1.1.1- O FÍGADO
1.2.1- PARTICULARIDADES DOS FELINOS
1.3- DOENÇAS HEPATOBILIARES DOS FELINOS
1.4- O COMPLEXO COLANGITE FELINO
1.4.1- ETIOLOGIA E PATOGENIA
1.4.1.1- Colangite neutrofílica
1.4.1.2-Colangite linfocítica
1.4.1.3-Colangite crónica associada a tremátodes hepáticos
1.4.2- DIAGNÓSTICO
1.4.2.1-Sinais clínicos
1.4.2.2- Exames complementares
1.4.2.2.1-Hematologia
1.4.2.2.2-Bioquimica sanguínea
1.4.2.2.3- Provas de coagulação
1.4.2.2.4- Análise de urina
1.4.2.3-Imagiologia
1.4.2.3.1- Radiografia
1.4.2.3.2- Ecografia
1.4.2.3- Cintigrafia hepatobiliar
1.4.2.4- Paracentese abdominal
1.4.2.5-Serologia ou PCR
1.4.2.6- Exame coprológico
1.4.2.7-Outros
1.4.2.8-Citologia
1.4.2.8.1-Citologia de aspirados por agulha fina
1.4.2.9- Biopsia hepática
1.4.2.9.1-Biopsia percutânea
1.4.2.9.2- Biopsia por laparotomia exploratória
1.4.2.9.3-Biopsia por laparoscopia assistida
1.4.2.9.4- Colheita de bílis
1.4.4-TRATAMENTO
1.4.4.1-Antibioterapia
1.4.4.1.1-Colangite neutrofílica
1.4.4.1.2-Colangite linfocítica
1.4.4.2-Corticoterapia
III
5
5
5
6
6
7
7
10
12
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14
16
16
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21
22
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23
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24
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25
25
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1.4.4.2.1-Colangite neutrofílica
1.4.4.2.2-Colangite linfocítica
1.4.4.3-Fluidoterapia intravenosa e suplementação de electrólitos
1.4.4.4- Ácido ursodesoxicólico
1.4.4.5-Anti-oxidantes
1.4.4.5.1-S-adenosil-metionina
1.4.4.5.2-Vitamina E
1.4.4.5.3-Silimarina
1.4.4.6-Vitamina K
1.4.4.7-Lactulose
1.4.4.8-Colchicina
1.4.4.9-Diuréticos
1.4.4.10-Anti-eméticos
1.4.4.11-Praziquantel
1.4.4.12-Suporte nutricional
1.4.4.13-Estimuladores de apetite
1.4.4.14-Colocação de tubo de alimentação
1.4.4.15-Tratamento cirúrgico
1.4.4.16-Paracentese abdominal
1.4.4.17-Resposta ao tratamento
1.4.5- PROGNÓSTICO
1.4.6-COLANGITE ESCLEROSANTE
25
25
26
26
27
27
27
27
27
27
28
28
28
28
28
29
29
29
30
30
30
31
2- OBJECTIVOS
32
3- CASOS CLÍNICOS
33
3.1- INTRODUÇÃO
33
3.2- PETIT CHAT
3.2.1- IDENTIFICAÇÃO
3.2.2- HISTÓRIA CLÍNICA
3.2.3- EXAME FÍSICO
3.2.5- DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
3.2.4- EXAMES COMPLEMENTARES
3.2.4.1.2- Hemograma
3.2.4.1.1- Bioquímica sanguínea
3.2.4.1.3- Teste FIV/FeLV
3.2.4.2- Ecografia
3.2.5- DIAGNÓSTICO PRESUNTIVO
3.2.6- INTERNAMENTO E TRATAMENTO
3.2.7- ACOMPANHAMENTO
3.3- CARLOTA
3.3.1- IDENTIFICAÇÃO
35
35
35
36
36
36
36
37
37
38
38
38
38
38
38
IV
Complexo colangite felino
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3.3.2- HISTÓRIA CLÍNICA
3.3.3- EXAME FÍSICO
3.3.4- DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
3.3.5- EXAMES COMPLEMENTARES
3.3.5.1.1-Hemograma
3.3.5.1.2- Bioquímica sanguínea
3.3.5.1.3- Teste FIV/FELV
3.3.5.1.4-Exame coprológico
3.3.5.2- Ecografia
3.3.6- DIAGNÓSTICO PRESUNTIVO
3.3.7- INTERNAMENTO E TRATAMENTO
3.3.8- ACOMPANHAMENTO
39
39
39
39
40
40
40
41
41
42
42
43
4- DISCUSSÃO
44
5- CONCLUSÃO
50
6 - BIBLIOGRAFIA
51
Índice de figuras
Figura 1- Relação anatómica entre o pâncreas, o ducto biliar comum e o duodeno no gato
5
Figura 2- Imagem histológica de um gato com colangite neutrofilica
10
Figura 3- Imagem histológica de colangite linfocítica
11
Figura 4- Imagem histológica de colangite crónica associada a tremátodes hepáticos
13
Figura 5- Imagem ecográfica da vesícula biliar com um cálculo
18
Figura 6- Imagem ecográfica da vesícula biliar num gato com colangite neutrofílica
18
Figura 7- Liquido ascítico num gato com colangite
19
V
Complexo colangite felino
2010
Figura 8- Biopsia hepática por laparoscopia
22
Figura 9- Colheita de bílis por via percutânea sob orientação ecográfica
23
Figura 10- Gato ictérico com tubo de alimentação nasoesofágico
29
Figura 11- Frequência das doenças observadas nos gatos no HVM
33
Figura 12- Frequência das doenças hepáticas felinas observadas no HVM
33
Figura 13- Sexo dos gatos observados com colangite
34
Figura 14- Idade dos gatos observados com colangite
34
Figura 15- Raça dos gatos observados com colangite
35
Figura 11- Mucosas oculares ictéricas
36
Figura 12- Realização de ecografia
41
Figura 13- Aspiração hepática por agulha fina guiada ecográficamente
41
Figura 14- Realização de citologia hepática
42
Índice de tabelas
Tabela 1- Bactérias associadas à ocorrência de colangite neutrofílica
9
Tabela 2- Sinais clínicos observados nas diferentes formas do complexo colangite
15
VI
Complexo colangite felino
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Tabela 3- Dose, frequência e vias de administração dos diferentes antibióticos usados no 25
tratamento de colangite neutrofílica
Tabela 4- Hemograma do Petit Chat
37
Tabela 5- Bioquímica sanguínea do Petit Chat
37
Tabela 6- Hemograma da Carlota
40
Tabela 7- Bioquímica sanguínea da Carlota
40
VII
Complexo colangite felino
2010
Lista de siglas e abreviaturas
ABT: ácidos biliares totais
ALT: alanina aminotransferase
AST: aspartato aminotransferase
BID: duas vezes ao dia
⁰C: graus Célsius
CC: complexo colangite
CCTH: colangite crónica associada a tremátodes hepáticos
CL: colangite linfocítica
cm: centímetro
CN: colangite neutrofílica
CP: comunicações portossistémicas
DII: doença intestinal inflamatória
FA: fosfatase alcalina
FeLV: vírus da leucemia felina
FIV: vírus da imunodeficiência felina
g: grama
GGT: gama-glutamiltransferase
h: horas
HCl: ácido clorídrico
HVM: Hospital Veterinário Montenegro
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Complexo colangite felino
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IgA: imunoglobulina A
IM: intramuscular
IV: intravenoso
LH: lípidose hepática
Kg: quilograma
mg: miligrama
MHCII: Complexo principal de histocompatibilidade II
min: minutos
ml: mililitro
mm: milímetro
OBE: obstrução biliar extrahepática
PIF: peritonite infecciosa felina
PO: via oral
QID: quatro vezes ao dia
SC: subcutâneo
SID: uma vez ao dia
TID: três vezes ao dia
TLI: imunoreactividade da tripsina (“Trypsin-like-immunoreactivity”)
TP: tempo de protrombina
TTPa: tempo de tromboplastina parcial activada
SAMe: s-adenosil-metionina
2
Complexo colangite felino
2010
AUDC: ácido ursodesoxicólico
UI: unidades internacionais
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Complexo colangite felino
2010
Agradecimentos
Agradeço a todos aqueles que me apoiaram durante a realização deste trabalho,
nomeadamente os meus pais, irmãos e amigos. O seu apoio foi fundamental.
Agradeço também ao Dr. Luís Montenegro e a toda a equipa de médicos, enfermeiros e
estagiários do Hospital Veterinário Montenegro, pelo apoio, aprendizagem, conhecimento e
experiência de vida que me proporcionaram, bem como, pela paciência, amizade e simpatia de
todos.
Agradeço à professora Maria João Pires pelo apoio e dedicação. A sua ajuda foi
fundamental.
4
Complexo colangite felino
2010
1 – Revisão Bibliográfica
1.1- Fisiologia do sistema hepático felino
1.1.1- O fígado
O fígado é um órgão essencial que desempenha um papel central em vários processos,
incluindo no metabolismo: hormonal; dos hidratos de carbono; dos lípidos; das vitaminas; e das
proteínas, sendo também o local onde é sintetizada a albumina. Apresenta também funções de
destoxificação, de excreção, imunológicas, digestivas, hematológicas, de armazenamento e de
coagulação. Tem um papel importante no sistema mononuclear fagocítico pois as células de
Küpffer, que revestem os sinusóides hepáticos, impedem a absorção sistémica de bactérias e
antigénios de origem gastrointestinal que possam ter escapado ao tecido linfóide associado
(Watson, 2005).
1.2.1- Particularidades dos felinos
Os
gatos
algumas
possuem
particularidades
anatómicas e fisiológicas que
são
importantes
para
a
abordagem e compreensão das
doenças hepáticas dos felinos.
Nestes
animais,
o
ducto
pancreático maior une-se ao
ducto biliar comum antes da sua
entrada no duodeno (Figura 1), o
que
pode
justificar
a
coexistência
frequente
de
Figura 1- Relação anatómica entre o pâncreas, o ducto biliar comum e o
duodeno no gato (Adaptado de Watson e Bunch, 2009)
pancreatite e doença hepatobiliar no gato (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010). Apresentam
também uma deficiência relativa de glucuroniltransferase, reduzindo a sua capacidade para
metabolizar alguns fármacos e toxinas. Nesta espécie não está descrita uma isoenzima da
fosfatase alcalina (FA) induzida pelos corticosteróides. O fígado felino tem também
particularidades no que diz respeito ao metabolismo proteico, pois utiliza uma quantidade
5
Complexo colangite felino
2010
elevada de proteínas na gliconeogénese hepática e não consegue sintetizar quantidades
suficientes de arginina, taurina e carnitina. Assim, tornam-se aminoácidos essenciais para os
gatos. No que diz respeito ao metabolismo lipídico, os gatos são particularmente susceptíveis a
desenvolverem lípidose hepática (Watson, 2005).
1.3- Doenças hepatobiliares dos felinos
As doenças hepatobiliares mais comuns no gato incluem a lípidose hepática (LH) e as
diferentes formas do complexo colangite felino. No entanto, existem outras doenças que afectam
o fígado felino tais como: As doenças infecciosas nomeadamente a peritonite infecciosa felina;
as doenças por protozoários como a toxoplasmose; as doenças bacterianas como a bartonellose;
as hepatotoxicoses particularmente associadas a fármacos; as neoplasias primárias ou
secundárias; as alterações vasculares como as comunicações portossistémicas (CP); e a
amiloidose (Watson, 2005; Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
De todas as doenças hepáticas que podem afectar o gato vamos apenas desenvolver o
complexo colangite felino por ser tema deste trabalho.
1.4- O complexo colangite felino
O complexo colangite felino é considerado a 2ª doença hepática mais comum no gato
depois da LH (Weiss et al., 2001; Harvey e Greeffydd-Jones, 2010). Nos países em que a LH é
menos comum, tal como no Reino Unido, o complexo colangite felino pode representar a doença
hepática mais comum (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
No cão, as doenças do sistema biliar são relativamente raras, e as verdadeiras doenças
hepáticas, como a hepatite, são frequentes. Pelo contrário, o gato apresenta predominantemente
doenças do tracto biliar com excepção da LH, pelo que as doenças inflamatórias hepáticas do
gato são, de facto, doenças biliares (Rothuizen, 2005). A colangite refere-se a uma inflamação do
tracto biliar que, em alguns gatos, pode também estender-se ao parênquima hepático envolvente
(Gagne et al., 1996; Watson e Bunch, 2009). Assim, o primeiro local onde se desenvolve a
doença é o sistema biliar e, se o parênquima for afectado, é apenas considerado secundário e
confinado à área portal. Portanto, estes processos inflamatórios deveriam ser chamados de
colangite e não de hepatite ou colangiohepatite (Rothuizen, 2005). Por isso, o termo
“colangite/colangiohepatite felina” é considerado controverso. (Marks, 2008).
6
Complexo colangite felino
2010
Esta doença foi sendo reclassificada histologicamente ao longo do tempo. Em 1996,
Gagne et al. descreveram dois grandes tipos de doença inflamatória hepática: a colangiohepatite
e a hepatite portal linfocítica. A colangiohepatite dividia-se em duas formas, uma aguda
(supurativa) e outra crónica (não supurativa ou mista). Em 2003, foi proposto um esquema de
classificação simplificado pelo grupo de pesquisa e padronização de doenças hepáticas e
patologia da associação veterinária mundial de animais de companhia (WSAVA). Nesta nova
classificação, o termo “colangiohepatite” foi substituído por “colangite” e, de acordo com esta,
são reconhecidas três formas de colangite (Brain et al., 2006; Van den Ingh T et al., 2006;
Watson e Bunch, 2009; Harvey e Greeffydd-Jones, 2010):

Colangite neutrofílica (CN)

Colangite linfocítica (CL)

Colangite crónica associada a tremátodes hepáticos (CCTH) (Rothuizen, 2005; Brain et
al., 2006)
O termo “neutrofílica” é usado em substituição ao “supurativa” pois a formação de pus não
está sempre presente. A CN pode ser subdividida nas formas aguda e crónica (Brain et al., 2006).
O termo “triadite felina” tem sido usado para descrever a síndrome em que a colangite, a
pancreatite e a doença intestinal inflamatória (DII) são concorrentes. A pancreatite tem sido
descrita na maioria dos casos relatados, de colangite (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010). Num
estudo retrospectivo realizado por Weiss et al. (1996), foi identificada em 50% de 78 casos de
colangite. A DII tem sido reconhecida mais recentemente como sendo coexistente com colangite,
tendo sido diagnosticada em 83% dos 78 gatos com colangite no estudo referido anteriormente
(Weiss et al., 1996).
Outras doenças frequentemente associadas a colangite são: a obstrução biliar extrahepática
(OBE); a colelitíase; a colecistite; as neoplasias; as infecções bacterianas crónicas noutros
órgãos; a toxoplasmose; a peritonite infecciosa felina (PIF); e o vírus da leucemia felina (FeLV)
(Edwards, 2004).
1.4.1- Etiologia e patogenia
1.4.1.1- Colangite neutrofílica
A CN, anteriormente denominada de colangite supurativa, colangite/colangiohepatite
exsudativa ou colangite/colangiohepatite aguda (Watson e Bunch, 2009), é a forma de colangite
7
Complexo colangite felino
2010
mais comum no gato (Van den Ingh T et al., 2006; Center, 2009) e ocorre mais frequentemente
em gatos jovens ou de meia-idade (idade média de 5,7 anos) (Cox, 2006). Segundo Harvey e
Greeffydd-Jones (2010) não há qualquer predisposição racial ou sexual para esta doença. Porém
Zamokas et al. (2008) sugere que os machos são mais afectados do que as fêmeas, e os gatos
Europeu comum, seguidos dos de raça Siamesa, Persa, Russian blue e Exóticos (por ordem
decrescente de frequência) são os mais afectados independentemente da forma de colangite. Os
gatos com CN apresentam normalmente uma doença aguda e grave (Marks, 2008).
Pensa-se que a colangite neutrofílica resulte de uma infecção ascendente do tracto biliar,
com origem no intestino delgado (Watson e Bunch, 2009; Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
Podem ser isoladas bactérias a partir da bílis de gatos afectados e, é geralmente obtida uma
população mista composta por bactérias comuns da flora intestinal (Harvey e Greeffydd-Jones,
2010). Num estudo realizado por Edwards (2004), são descritos alguns dos microorganismos
mais frequentemente encontrados em culturas de bílis e do tecido hepático de gatos com CN
(tabela 1). Ocasionalmente também pode estar presente Salmonella spp. (Watson et al). Espécies
de Helicobacter spp. foram investigadas como possível causa ou ligação à colangite felina, mas
não há provas consistentes sobre o papel deste microorganismo nesta doença (Simpson, 2006).
Num estudo realizado por Greiter-Wilke et al. (2006) foi identificada Helicobacter spp. em 2 dos
32 gatos com colangite e num gato, do total de 17 saudáveis que serviram de grupo controlo
(Greiter-Wilke et al., 2006). Neste mesmo estudo foi possível também, observar que as
sequências de DNA das espécies de Helicobacter spp. encontradas no fígado, são consistentes
com as identificadas no intestino e na bílis de gatos, bem como, em doenças hepatobiliares
noutras espécies (homens e roedores) (Greiter-Wilke et al., 2006; Simpson, 2006). Contudo,
ainda são necessários estudos prospectivos para elucidar sobre o papel da Helicobacter spp. na
colangite felina (Simpson, 2006).
8
Complexo colangite felino
2010
Tabela 1- Bactérias associadas à ocorrência de CN (Adaptado de Edwards, 2004)
Microorganismos isolados da bílis ou tecido hepático de gatos com CN

Escherichia Coli

Actinomyces spp

Clostridiums spp

Fusobacterium spp

Bacteroides spp

Staphylococcus spp

α-Hemolytic Streptococcus spp
As alterações congénitas ou adquiridas do sistema biliar, incluindo as anomalias
anatómicas da vesícula biliar e do ducto biliar comum ou a colelitíase, podem predispor ao
desenvolvimento de colangite (Marks, 2008). A infecção ascendente a partir do intestino delgado
parece ser também um factor importante no desenvolvimento de pancreatite (Jergens, 2006;
Harvey e Greeffydd-Jones, 2010). Como já foi referido, os ductos pancreático e biliar unem-se
antes de entrar no duodeno o que pode levar ao desenvolvimento de pancreatite e CN
concorrentes. É possível que a presença de DII possa predispor à infecção ascendente. A
colecistite pode ocorrer também concorrentemente ou em separado (Harvey e Greeffydd-Jones,
2010).
A característica dominante na CN é a evidência de um infiltrado, constituído
principalmente por neutrófilos, embora possam também aparecer linfócitos ou plasmócitos
(Figura 2). Estas células invadem o lúmen e o epitélio dos ductos biliares. Em casos agudos pode
haver edema e a inflamação pode estender-se ao tracto portal. Em casos mais graves, pode
estender-se até ao parênquima hepático envolvente (Rothuizen, 2005) podendo ocorrer necrose
dos hepatócitos nas áreas periportais (Marks, 2008). As células dos ductos biliares sofrem
necrose e degeneração com picnose, variações no aspecto do núcleo e vacuolização do
citoplasma. A extensão da fibrose é variável e provavelmente reflecte a duração ou o estádio da
doença. Ocasionalmente pode desenvolver-se um abcesso hepático associado (Harvey, 2009).
9
Complexo colangite felino
2010
Figura 2- Imagem histológica de um gato com colangite neutrofílica. Presença de neutrófilos no lúmen do
ducto biliar e alguns linfócitos e plasmócitos no tecido portal (Adaptado de Van den Ingh et al., 2006).
A CN pode ser dividida em duas formas, uma aguda e outra crónica. Na forma crónica há
a presença de um infiltrado inflamatório misto nas áreas portais, constituído por neutrófilos,
linfócitos e plasmócitos (Marks, 2008) e por vezes, existência de fibrose e proliferação dos
ductos biliares (Watson e Bunch, 2009).
Podem surgir complicações associadas a CN, como o espessamento da bílis e colelitíase
que podem causar obstrução biliar parcial ou completa e devem ser tratadas antes da colangite
estar controlada ou resolvida.
1.4.1.2-Colangite linfocítica
A CL, anteriormente denominada de colangiohepatite linfocítica, hepatite portal
linfocítica e colangite não supurativa, é mais frequente em gatos jovens ou de meia-idade, mas
que tendem a ser mais velhos que os gatos com CN (idade media de 9 anos) (Cox, 2006). Há
uma certa predisposição em gatos de raça Persa (Rothuizen, 2005; Harvey e Greeffydd-Jones,
2010), e segundo Harvey e Greeffydd-Jones (2010), não existe qualquer predisposição sexual.
Na CL os linfócitos são predominantemente células CD3-T positivas, embora possam ser
observadas algumas células B. Estão também presentes plasmócitos IgA-positivos em pequeno
número e ocorre um aumento da expressão do complexo principal de histocomptibilidade II
10
Complexo colangite felino
2010
(MHCII). Assim, a natureza do infiltrado sugere que um mecanismo imunomediado possa
desempenhar um papel na patogénese desta patologia do fígado (Day, 1998).
Outros estudos sugerem uma possível etiologia infecciosa tal como Helicobacter spp.
(Boomkens et al., 2004; Greiter-Wilke et al., 2006) ou Bartonella spp (Kordick et al., 1999),
porém são precisas mais evidências para confirmar o papel destes microorganismos na etiologia
da CL.
Ao contrário da CN, é uma doença progressiva crónica que pode evoluir para cirrose
biliar ou mesmo causar a morte do animal (Washabau, 2010). É caracterizada pela infiltração das
áreas portais com pequenos linfócitos, mas ocasionalmente podem ser observadas também
plasmócitos e eosinófilos (Figura 3). As alterações da árvore biliar são evidentes, com
proliferação dos ductos biliares e por vezes, alterações inflamatórias nas paredes dos mesmos,
que afectam particularmente os ductos biliares maiores (Figura 3). Estes tornam-se
irregularmente distendidos, com paredes espessadas, mas normalmente, permanecem
desobstruídos. O ducto biliar comum que em condições normais mede 2 mm pode atingir os 3
cm de diâmetro (Rothuizen, 2005). Contudo, normalmente, não há degeneração epitelial ou
infiltrado inflamatório no lúmen dos ductos biliares. A fibrose está presente numa extensão
variável e pode ser grave em casos muito crónicos. Inicialmente há um padrão septal ou
monolobular distinto, com fibrose em ponte entre as áreas portais (Rothuizen, 2005; Harvey e
Greeffydd-Jones, 2010).
Figura 3- Imagem histológica de colangite linfocítica. Infiltração de linfócitos na área portal e proliferação
dos ductos biliares (Adaptado de Van den Ingh et al., 2006).
11
Complexo colangite felino
2010
Tem sido referido que a CL e a CN possam ser parte da mesma síndrome, representando
a CL uma fase crónica da CN. É identificado, em alguns casos, um infiltrado inflamatório misto,
representando uma progressão de CN para uma forma mais crónica, mas Harvey et al. (2009)
acreditam que esta seja distinta da CL. Alguns pontos-chave sugerem que a CL representa uma
síndrome distinta (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010):

Nenhuma evidência sugere que os gatos diagnosticados com CL tiveram episódios
anteriores de doença hepática, ou que os gatos com CN apresentam um maior risco de
desenvolver CL (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010);

Um infiltrado inflamatório é encontrado nos ductos biliares de gatos com CN, mas não
em gatos com CL (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010);

A pancreatite concorrente é comum em gatos com CN, mas não é usual em gatos com CL
(Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
Os dois últimos pontos implicam uma infecção ascendente na patogénese da CN, mas
nenhuma evidência sugere que isto tenha um papel no desenvolvimento da CL (Harvey e
Greeffydd-Jones, 2010).
1.4.1.3-Colangite crónica associada a tremátodes hepáticos
Existem muitos tremátodes que podem causar uma inflamação crónica dos ductos biliares
do gato que são regularmente observados em áreas endémicas (Europa, América, Ásia e Sibéria)
como Metorchis albidus, Opisthorchis felineus (German, 2009; Harvey e Greeffydd-Jones,
2010), Platynosomum spp. e ocasionalmente Amphimerus pseudofelineus e Metametorchis
intermedius (Watson e Bunch, 2009). Os tremátodes requerem dois hospedeiros intermediários
que podem ser os caracóis, os répteis, os peixes e os anfíbios, dependendo da espécie. O gato é o
hospedeiro principal e é infestado pela ingestão de metacercárias presentes no segundo
hospedeiro intermediário. Os parasitas imaturos migram a partir do intestino para o fígado
através dos ductos biliares e tornam-se adultos em 8-10 semanas (Watson e Bunch, 2009).
Histologicamente, os ductos biliares apresentam-se grandes e dilatados com projecções
papilares e proliferados, havendo também a presença de fibrose portal e periductal (Figura 4).
Pode ser observado um infiltrado inflamatório misto no interior dos ductos biliares e nas áreas
portais, constituído por linfócitos, plasmócitos, neutrófilos e eosinófilos (Rothuizen, 2005; Van
den Ingh et al., 2006). Os eosinófilos podem estar ausentes nos estados mais avançados da
12
Complexo colangite felino
2010
doença e os tremátodes e os ovos podem não ser observados na histologia (Van den Ingh et al.,
2006; Watson e Bunch, 2009).
Figura 4- Imagem histológica de colangite crónica associada a tremátodes hepáticos. Há proliferação dos
ducto biliar e fibrose periductal marcada (Adaptado de Van den Ingh et al., 2006).
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Complexo colangite felino
2010
1.4.2- Diagnóstico
O diagnóstico de colangite felina é realizado através da história clínica, do exame físico,
com observação dos sinais clínicos relacionados com a doença (os quais na maioria das vezes
são inespecíficos), dos exames laboratoriais (hemograma, bioquímica sanguínea e análise de
urina) e da imagiologia (radiografia e ecografia). Porém, o diagnóstico definitivo só é
conseguido com a realização de uma biopsia hepática (Edwards, 2004; Watson e Bunch, 2009).
Na colangite associada a tremátodes hepáticos, o diagnóstico é feito a partir dos dados
obtidos na história clínica, combinada com a observação de tremátodes ou dos seus ovos nas
fezes e na bílis ou através da realização de biopsia hepática (Carreira et al., 2008; Watson e
Bunch, 2009). Num caso observado por Carreira et al. (2008), as análises laboratoriais, a
ecografia e a biopsia hepática realizadas, não foram suficientes na detecção de Platynosomum
fastosum, sendo apenas detectada a sua presença através da análise de bílis colhida na necrópsia.
1.4.2.1-Sinais clínicos
Os gatos com CN estão usualmente anorécticos, com piréxia, letargia, prostração,
podendo ocorrer outros sinais como o vómito (presente em mais de 50% dos gatos) (Edwards,
2004), e a diarreia (menos comum) (Marks, 2008). A icterícia e a hepatomegalia podem ser
observadas, contudo, são pouco frequentes. Pode haver evidência de dor abdominal
inclusivamente à palpação quando está presente uma doença hepática obstrutiva secundária
(Edwards, 2004). Daniel et al. (2010) detectaram também a presença de manifestações
dermatológicas em gatos com colangite. A duração dos sinais clínicos é curta, normalmente
menos de uma semana (Edwards, 2004) (Tabela 2).
Em gatos com CL a progressão da doença é muitas vezes tão lenta que pode ir de seis
semanas até anos (Rothuizen, 2005). O proprietário poderá apenas reconhecer os sinais clínicos
num estado avançado da doença. Em contraste com a CN, os gatos com CL poderão não parecer
doentes. Os sinais clínicos mais comuns são o vómito e a icterícia, e por vezes piréxia, embora
seja pouco frequente (Edwards, 2004; Cox, 2006). O apetite é muitas vezes mantido e, em alguns
casos, há uma polifagia notável. Pode haver perda de peso grave, contudo, é possível que seja
mantida uma condição corporal razoável (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010). A hepatomegalia
pode ser detectada por palpação abdominal e em alguns casos é bastante evidente (Harvey e
Greeffydd-Jones, 2010). A icterícia e hepatomegalia são observadas com mais frequência na CL
devido à natureza persistente da doença (Cox, 2006) (Tabela 2).
14
Complexo colangite felino
2010
Nesta forma de colangite, é comum haver um aumento generalizado dos gânglios
linfáticos, sendo mais aparente à palpação dos gânglios superficiais, mas pode também envolver
os gânglios mesentéricos. A encefalopatia hepática, a ascíte e as hemorragias, não são sinais
comuns, a menos que, esteja presente uma doença hepática grave num estágio final (Edwards,
2004; Harvey e Greeffydd-Jones, 2010) (Tabela 2).
Os gatos com infestações moderadas por tremátodes hepáticos permanecem
assintomáticos, contudo, infestações maiores podem estar associadas a doença grave e muitas
vezes fatal. Nestes casos, os sinais clínicos são tipicamente os de icterícia pós-hepática
combinada com doença inflamatória hepática (icterícia, anorexia, depressão, perda de peso e
letargia). A diarreia e o vómito têm sido descritos em casos clínicos, mas não ocorrem em casos
induzidos experimentalmente. Os gatos afectados podem também apresentar hepatomegalia e
ascíte (Watson e Bunch, 2009) (Tabela2).
Tabela 2- Sinais clínicos observados nas diferentes formas do complexo colangite (Adaptado de Edwards,
2004; Cox, 2006; Marks, 2008; Watson e Bunch, 2009; Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
Sinais clínicos
CL
CN
CCTH
Anorexia
Presente
Presente
Presente
Ascíte
Presente num estágio final
Ausente
Variável
Caquéxia
Presente
Variável
Presente
Depressão
Presente
Presente
Presente
Desidratação
Presente
Presente
Presente
Diarreia
Presente
Variável
Variável
Dor abdominal
Variável
Presente
Ausente
Encefalopatia hepática
Presente num estágio final
Ausente
Ausente
Febre
Variável
Presente
Ausente
Hepatomegalia
Presente
Variável
Variável
Icterícia
Presente
Variável
Presente
Letargia
Variável
Presente
Presente
Vómitos
Presente
Presente
Variável
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Complexo colangite felino
2010
1.4.2.2- Exames complementares
1.4.2.2.1-Hematologia
Em gatos com CN a alteração mais comum no hemograma é a leucocitose por neutrofilia
com desvio à esquerda. Na CL é frequente observar-se linfocitose, no entanto também é possível
encontrar-se uma neutrofilia ligeira e uma anemia moderada não regenerativa (Marks, 2008). Na
CCTH a eosinofilia pode ser observada em casos graves mas é inconsistente (Watson e Bunch,
2009).
1.4.2.2.2-Bioquimica sanguínea
As alterações mais consistentes a nível laboratorial na CN são o aumento da actividade
sérica de alanina aminotransferase (ALT) e da concentração sérica de bilirrubina. A actividade
sérica de aspartato aminotransferase (AST) e das enzimas de colestase, a fosfatase alcalina (FA)
e a gama-glutamiltransferase (GGT) estão normalmente, mas nem sempre, aumentadas. Alguns
gatos com colangite têm a actividade sérica das enzimas hepáticas normais (Harvey e GreeffyddJones, 2010).
Na CL há um aumento da actividade sérica das enzimas hepáticas (ALT, FA, GGT) que
pode ser bastante elevado (Edwards, 2004; Harvey e Greeffydd-Jones, 2010). A concentração
sérica de bilirrubina pode estar aumentada (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010), bem como a
concentração sérica de gama-globulinas (hiperglobulinemia) (Watson e Bunch, 2009; Harvey e
Greeffydd-Jones, 2010). É possível, por vezes, observar-se hiperglicemia (Marks, 2008).
Na CCTH observa-se um aumento da actividade sérica das enzimas hepáticas típicas de
colestase (FA e GGT). A actividade da ALT e AST e a concentração sérica de bilirubina estão
particularmente elevadas, porém, a actividade da FA está muitas vezes apenas moderadamente
elevada (Watson e Bunch, 2009).
A doença hepatobiliar pode causar alterações na circulação enterohepática de ácidos
biliares, o que resulta num aumento da sua concentração sérica total. A concentração sérica de
ácidos biliares totais (ABT) é determinada após 12 horas de jejum, depois das quais o animal é
alimentado, sendo medida novamente 2 horas após a refeição. Em situações de colangite há
normalmente um aumento da concentração sérica de ABT em jejum ou pós-prandial, ou ambos
(Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
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Complexo colangite felino
2010
1.4.2.2.3- Provas de coagulação
É possível que ocorra uma diminuição da síntese hepática de factores de coagulação e
deficiência em vitamina K, reflectindo-se em tempos de coagulação prolongados e no aumento
dos níveis de proteínas induzidas pela deficiência ou antagonismo de vitamina K (PIVKA). A
determinação dos níveis de PIVKA é mais sensível para detectar coagulopatias do que os testes
usados rotineiramente como o tempo de protrombina (TP) e o tempo de tromboplastina parcial
activada (TTPa) (Center et al., 2000).
1.4.2.2.4- Análise de urina
A bilirrubinuria é frequente em animais com doença hepatobiliar. Um gato saudável não
apresenta bilirrubinuria pois o limiar renal para a bilirrubina é muito maior do que no cão, sendo
assim, sugere sempre a presença de doenças hepatobiliares ou hemolíticas (Watson e Bunch,
2009; Webster, 2010).
1.4.2.3-Imagiologia
1.4.2.3.1- Radiografia
Na radiografia abdominal pode ser observada hepatomegalia e ascite porém, não são
específicas pois podem estar presentes em várias outras doenças hepáticas. Podem ser
identificados também cálculos, apresentando-se como uma opacidade circular no abdómen
cranial direito (Edwards, 2004).
1.4.2.3.2- Ecografia
A ecografia abdominal pode ajudar na diferenciação de doença hepática focal e difusa. É
útil na determinação do local de biopsia no caso de se usar a técnica percutânea, permite aceder
ao sistema biliar e aos vasos portais e detectar OBE, incluindo cálculos, neoplasias, pancreatite e
inflamação intestinal (Edwards, 2004). Muitos gatos com colangite não têm alterações
detectáveis do parênquima, nem alterações da ecogenicidade (Newell et al., 1998).
A colelitíase é vista ocasionalmente em casos de CN. Não se sabe ainda se constitui o
problema primário que leva à CN, ou se, pelo contrário, a CN predispõe a colelitíase. Na
ecografia os cálculos causam sombra acústica, o que pode ajudar no diagnóstico de cálculos
translúcidos (Figura 5). Contudo, o espessamento de bílis, as massas neoplásicas e as
inflamatórias podem ter uma aparência semelhante (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
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Complexo colangite felino
2010
Figura 5- Vesícula biliar com um cálculo (Adaptado de Edwards, 2004)
Em situações crónicas, na ecografia o tracto biliar pode aparecer dilatado. Em situações
agudas de CN, pode não haver dilatação do tracto biliar visível na ecografia (Watson e Bunch,
2009). Normalmente, há evidência de dilatação da vesícula biliar, podendo haver espessamento
da sua parede (parede > 1mm) como resultado do edema e inflamação, e dilatação do ducto biliar
comum que, geralmente, tem um diâmetro de 2-4mm, podendo neste caso ser superior a 5mm
(Figura 6).
A dilatação da vesícula biliar e do ducto biliar comum ocorrem como resultado da
colecistite ou obstrução biliar (Marks, 2008; Harvey e Greeffydd-Jones, 2010). Pode haver uma
ecogenicidade heterogénea geral do fígado, podendo apresentar uma textura nodular (Watson e
Bunch, 2009). Ocasionalmente, o fígado pode aparecer hiperecoico (German, 2009).
Figura 6- Ecografia de vesícula biliar num gato com CN. A parede da vesícula está espessada (GBW) e há um
aglomerado ecogénico de bílis (ES) (Adaptado de German, 2009).
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Complexo colangite felino
2010
Em situações de CL, a ecografia, em alguns casos, revela dilatação do tracto biliar
(Watson e Bunch, 2009), do ducto biliar comum e da vesícula biliar (Watson e Bunch, 2009). O
fígado pode apresentar ecogenicidade heterogénea com margens irregulares (Harvey e
Greeffydd-Jones, 2010), mas, se ocorrer cirrose extensiva poderá ter uma aparência hiperecoica
(Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
Na colangite associada a tremátodes hepáticos, a ecografia revela alterações típicas de
doença do tracto biliar, como dilatação dos ductos biliares.
1.4.2.3- Cintigrafia hepatobiliar
A cintigrafia hepatobiliar é uma forma não invasiva de diferenciar doenças obstrutivas de
não obstrutivas. Um estudo realizado por Newell et al. (1996), sugere que a cintigrafia pode ser
usada para avaliar a gravidade da doença hepatobiliar em gatos. No entanto, noutro estudo
realizado por estes autores, foi possível concluir que este é um teste pouco sensível para as
alterações hepatobiliares estruturais (Newell et al., 2001). Para a realização desta técnica é
utilizado o isótopo técnetio-99m, o qual é incorporado num radiofármaco específico para o
estudo planeado. Depois de uma administração endovenosa do radiofármaco, as imagens
cintigráficas são feitas sequencialmente em 3 horas para determinar se o isótopo foi captado pelo
hepatócito e excretado no tracto biliar e intestino (Watson e Bunch, 2009). Por ser necessário
pessoal especializado para realizar esta técnica, não é correntemente usada na prática veterinária
(Edwards, 2004).
1.4.2.4- Paracentese abdominal
Na CL se o líquido ascítico estiver presente, a paracentese abdominal vai revelar um
líquido límpido a amarelado, geralmente espesso, com elevado conteúdo de proteína, na sua
maioria globulina (Figura 7). O conteúdo em termos de células é normalmente baixo, com uma
mistura não específica de células inflamatórias (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
Figura 7- Liquido ascítico num gato com
colangite (Fotografia gentilmente cedida
pelo HVM)
19
Complexo colangite felino
2010
1.4.2.5-Serologia ou PCR
Deve ser considerada a serologia ou PCR para Bartonella spp., contudo, a importância
deste microorganismo ainda não é clara (Watson e Bunch, 2009).
1.4.2.6- Exame coprológico
Os ovos de tremátodes hepáticos podem ser encontrados nas fezes, usando o método de
sedimentação formalina-éter. A presença de ovos é esporádica porque estes não estão presentes
se a infestação tiver resultado numa obstrução biliar completa. A forma mais eficaz de encontrar
ovos e tremátodes é nos aspirados de bílis (Carreia, et al., 2008; Watson e Bunch, 2009).
1.4.2.7-Outros
O hipertiroidismo é uma causa comum do aumento da actividade sérica da ALT e da FA.
Assim, devem ser determinados os níveis de tiroxina (T4) total e livre, em gatos com 7 ou mais
anos de idade (Marks, 2008).
É importante fazer a pesquisa de doenças virais (FIV, FeLV e PIF) e de outros
microorganismos como Toxoplasma gondii pois, já foram referidos como causas de doença
hepática em gatos (Edwards, 2004).
Devem ser realizadas provas para detectar a presença de pancreatite concorrente como a
da imunoreactividade da tripsina (TLI: Trypsin-like-immunoreactivity) (Watson e Bunch, 2009).
1.4.2.8-Citologia
1.4.2.8.1-Citologia de aspirados por agulha fina
A aspiração por agulha fina é o método menos invasivo para colher amostras de bílis e
parênquima hepático (Marks, 2008), podendo ser usada para identificar o tipo de infiltrado
presente, mas não permite o acesso à arquitectura do fígado, localização do infiltrado, nem ao
padrão de fibrose. Os aspirados por agulha fina podem também ser submetidos a isolamento
bacteriano (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
Mesmo sendo pouco invasivo há risco de hemorragia pelo que, devem ser realizadas
provas de coagulação e deve ser administrada vitamina K como prevenção (German, 2009).
20
Complexo colangite felino
2010
Os aspirados por agulha fina podem também ser realizados sem orientação ecográfica, no
entanto, esta orientação é preferível para aceder à área de interesse e evitar os vasos sanguíneos
bem como o tracto biliar (Watson, 2005).
1.4.2.9- Biopsia hepática
A biopsia hepática é necessária para confirmar o diagnóstico de colangite (Taboada,
2005; Harvey e Greeffydd-Jones, 2010). Várias técnicas podem ser usadas para obter biopsias
apropriadas para o exame histopatológico e também para a realização de culturas bacterianas. É
muito importante avaliar o perfil de coagulação antes de se realizar a biopsia visto que, os
tempos de coagulação podem estar aumentados em gatos com doença hepática. Quando há
suspeita de coagulopatias deve ser administrada vitamina K antes da realização da biopsia
(0,5mg/kg de vitamina K1 SQ ou IM BID por 3 dias) (Watson e Bunch, 2009).
1.4.2.9.1-Biopsia percutânea
Este tipo de biopsia pode ser obtido usando uma agulha apropriada. As mais usadas são
as agulhas Tru-Cut® ou Jamshidi Menghini® (Watson e Bunch, 2009). Este tipo de biopsia é
útil em gatos com doença grave e geriátricos nos quais a laparotomia exploratória está contraindicada. Contudo, deve ter-se atenção à interpretação dos resultados pois, as amostras são
relativamente pequenas e pode não conseguir fazer-se um diagnóstico correcto (German, 2009).
A veracidade do diagnóstico das amostras obtidas por agulha Tru-cut® tem sido questionada.
Num estudo realizado por Cole et al. (2002) as biopsias obtidas por agulha Tru-cut® foram
comparadas com as obtidas por biopsia em cunha. Nas biopsias com agulha Tru-cut® de 18g o
diagnóstico foi muitas vezes diferente do obtido pelo outro tipo de biopsia. O diagnóstico
realizado com amostras maiores obtidas com agulhas Tru-Cut® de 14g pode ser mais preciso.
Deve ser usada a orientação ecográfica para encontrar a posição certa da agulha de biopsia e
evitar a vasos sanguíneos hepáticos (German, 2009).
Este tipo de biopsia é menos invasiva do que as efectuadas por laparotomia ou
laparoscopia, mas pode ser necessária sedação profunda ou mesmo anestesia geral (Watson,
2005).
O uso de aparelhos de biopsia automáticos deve ser evitado devido à elevada taxa de
mortalidade observada nos gatos, resultante do aumento do tónus vagal e do choque. O sistema
semi-automático é preferível (Proot e Rothuizen, 2006).
21
Complexo colangite felino
2010
A biopsia com agulha Tru-cut® pode também ser realizada sem orientação ecográfica em
casos em que há uma hepatomegalia generalizada ou se o operador tem a certeza sobre a correcta
orientação da agulha (Watson e Bunch, 2009).
1.4.2.9.2- Biopsia por laparotomia exploratória
A laparotomia exploratória permite uma visualização directa do fígado e da árvore biliar,
fornecendo a amostra ideal para a análise histopatológica (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
Este tipo de biopsia permite também aceder a outros órgãos que possam estar afectados, visto
poder existir pancreatite ou doença intestinal concorrente. Permite também um maior controlo
hemostático bem como a obtenção de biopsias maiores e a escolha da área para se realizar a
mesma (German, 2009). A patência do ducto biliar pode também ser estabelecida aplicando um
pouco de pressão na vesícula biliar (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010). Porém, este tipo de
intervenção torna-se difícil num animal debilitado, com poder de cicatrização reduzido, e com
uma potencial coagulopatia. A concentração sérica de proteínas deve ser monitorizada no
período pós-operatório, pois a hipoproteinemia pode complicar a cicatrização. Deve ter-se em
atenção o peso corporal e a distensão abdominal dado o risco de desenvolver peritonite (German,
2009).
1.4.2.9.3-Biopsia por laparoscopia assistida
Este tipo de biopsia torna-se menos invasivo do que a laparotomia exploratória,
permitindo na mesma o exame directo do fígado e do tracto biliar. Contudo, a biopsia de
múltiplos órgãos através desta técnica pode ser difícil e requer perícia técnica e equipamento
próprio (German, 2009) (Figura 8).
Figura 8- Biopsia hepática por
laparoscopia. (Adaptado de Watson e
Bunch, 2009)
22
Complexo colangite felino
2010
1.4.2.9.4- Colheita de bílis
Podem ser obtidas cuidadosamente amostras de bílis para cultura bacteriana da vesícula
biliar durante a laparotomia ou laparoscopia ou sob orientação ecográfica (Figura 9) (Edwards,
2004; Watson e Bunch, 2009). Há um risco de contaminação abdominal com bílis e peritonite,
particularmente se a parede da vesícula biliar está desvitalizada e/ou se existir uma grande
pressão sobre ela (Edwards, 2004; Watson e Bunch, 2009). Nestes casos, pode ser mais seguro
obter a amostra de bílis por laparotomia e não por orientação ecográfica (Watson e Bunch,
2009). Neste último caso uma anestesia geral é recomendada para prevenir o movimento
enquanto a agulha está na vesícula biliar. Este movimento aumenta o risco de contaminação
abdominal com bílis (Watson e Bunch, 2009). A agulha deve ser colocada na vesícula através do
parênquima hepático por forma a reduzir o risco anteriormente referido. O animal deve ser
monitorizado cuidadosamente para a detecção de algum tipo de contaminação abdominal ou
peritonite (Watson e Bunch, 2009). A avaliação citológica imediata de um esfregaço de bílis vai
confirmar a presença e o tipo de infiltrado (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
O tratamento com antibióticos bem como as propriedades bactericidas da bílis podem
levar ao aparecimento de culturas negativas da mesma (Edwards, 2004).
Figura 9- Colheita de bílis por via percutânea
sob orientação ecográfica (Adaptado de
Edwards, 2004).
23
Complexo colangite felino
2010
1.4.4-Tratamento
1.4.4.1-Antibioterapia
1.4.4.1.1-Colangite neutrofílica
O tratamento antibiótico é a prioridade para a CN (Tabela 3). A escolha do antibiótico
deve idealmente ser baseada nos resultados dos testes de sensibilidade e da cultura de bílis,
citologia de fígado, biopsias de fígado e cálculos (Weiss et al., 2001; Marks, 2008). O tratamento
com antibióticos deve ser iniciado antes dos resultados da cultura bacteriológica e antibiograma
estarem disponíveis. Neste caso, o antibiótico seleccionado deve apresentar as características
seguintes: ser de largo espectro; ser bactericida; ser excretado na bílis na sua forma activa,
atingindo níveis terapêuticos na bílis; não requerer metabolismo hepático; e ser activo contra
coliformes intestinais aeróbios e anaeróbios (Weiss et al., 2001). As tetraciclinas, as
fluroquinolonas, a eritromicina e o cloranfenicol, são excretados na bilis na forma activa,
contudo têm efeitos adversos.
Os antibióticos de primeira escolha são a ampicilina, a amoxicilina combinada com ácido
clavulânico ou as cefalosporinas. São antibióticos de largo espectro, efectivos contra bactérias
gram – e gram + e são bem tolerados pelos gatos. Estes fármacos podem ser combinados com o
metronidazol para aumentar o espectro de acção a anaeróbios e a mais coliformes (Harvey e
Greeffydd-Jones, 2010). O metronidazol tem também alguma actividade anti-oxidante (Weiss et
al., 2001; Hall, 2005). Pelo facto de ser metabolizado no fígado, deve administrar-se uma dose
menor se estiver presente uma doença hepática grave (Center, 2009). O tratamento antibiótico
deve ser mantido durante pelo menos 4-6 semanas (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010), podendo
estender-se por 3 meses ou mais (Edwards, 2004).
A resistência antibiótica pode ocorrer sendo o efeito secundário mais nocivo. Os
parâmetros bioquímicos que se encontravam alterados e o leucograma devem ser monitorizados
(Edwards, 2004).
24
Complexo colangite felino
2010
Tabela 3- Dose, frequência e vias de administração dos diferentes antibióticos usados no tratamento de CN
(Edwards, 2004 ; Allen et al., 2005).
Antibiótico
Dose
Tetraciclina
25-50 mg/Kg TID a QID, PO
Ampicilina
10-20 mg/Kg TID a QID, IV, IM ou SC
Amoxicilina
11-22 mg/Kg BID a TID, IM, SC ou PO
Cefazolina
20-35 mg/Kg TID a QID, IM, IV ou SC
Cefalexina
20-40 mg/Kg BID a TID, PO
Enrofloxacina
5 mg/Kg SID, IV, SC ou PO
Eritromicina
10-20 mg/Kg TID, PO
Cloranfenicol
50 mg/Kg BID, PO, IM, IV ou SC
Metronidazol
7,5-10 mg/Kg BID, PO ou IV
1.4.4.1.2-Colangite linfocítica
A terapia antibiótica é uma escolha sensata, no mínimo numa fase inicial do tratamento
até ser eliminada a hipótese de uma etiologia infecciosa (Watson e Bunch, 2009).
1.4.4.2-Corticoterapia
1.4.4.2.1-Colangite neutrofílica
A utilização de corticosteróides na CN aguda pode ter benefícios em alguns casos quando
usada em doses anti-inflamatórias por pequenos períodos (prednisolona 0,5- 1 mg/Kg, SID),
facilitando o fluxo de bílis através da redução da inflamação do tracto biliar e reduzindo o
desenvolvimento de fibrose (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
1.4.4.2.2-Colangite linfocítica
Os corticosteróides são usados no tratamento de CL para contrariar as lesões
imunomediadas do fígado (Watson e Bunch, 2009). Vários autores recomendam a utilização de
doses imunossupressoras de corticosteróides, contudo, não levam à resolução total dos sinais
clínicos e pode haver recorrências (Watson e Bunch, 2009), mesmo com a administração de
doses elevadas, durante um período de tempo prolongado (Rothuizen, 2005).
Deve ser administrada inicialmente uma dose imunosupressora de prednisolona (2.2-4
mg/Kg cada 24h). Esta dose é reduzida lentamente para um regime de dias alternados (1-2
mg/Kg cada 48h), que é mantido a longo termo. Um método frequentemente usado é a
25
Complexo colangite felino
2010
administração inicial de 2 mg/Kg, BID durante duas semanas, de seguida esta é reduzida da
seguinte forma: 2 mg/Kg SID durante duas semanas; 1mg/Kg SID durante duas semanas; e 1
mg/Kg cada 48h durante 4 semanas. A actividade sérica das enzimas hepáticas deve ser
monitorizada antes de cada redução da dose. Esta deve ser reduzida apenas se tiver ocorrido
alguma melhoria nos sinais clínicos e uma diminuição significativa da actividade sérica da ALT
e da FA. A utilização de doses baixas (0,5 mg/Kg cada 48 h) pode ser suficiente para a
manutenção a longo termo. O tratamento prolongado com corticosteróides é bem tolerado pela
maioria dos gatos e os efeitos adversos são normalmente mínimos (Weiss et al., 2001).
Outros agentes imunosupressores são ocasionalmente usados, como por exemplo, a
ciclosporina, o clorambucilo, o metotrexato e a ciclofosfamida (Harvey e Greeffydd-Jones,
2010).
O metotrexato tem sido combinado com a prednisolona em gatos que não respondem ao
tratamento apenas com a segunda. É recomendada uma dose de 0,4 mg/gato dividida em 3 doses,
administradas em 24h, que deve ser repetida cada 7-10 dias. A contagem total de leucócitos deve
ser monitorizada e o tratamento deve ser descontinuado se essa contagem descer abaixo dos
3000/ l, pois o metotrexato tem um potencial mielossupressor moderado (Weiss et al., 2001).
1.4.4.3-Fluidoterapia intravenosa e suplementação de electrólitos
Alguns gatos com doença grave podem necessitar de hospitalização para fluidoterapia
intravenosa, com o objectivo de se reporem os fluidos e os electrólitos perdidos pelo animal
devido ao vómito e à diarreia (Watson e Bunch, 2009).
A escolha do fluido e suplementos deve ser baseada nos perfis electrolíticos. Os
cristalóides devem ser usados para rehidratação e suporte num período inicial. Se o gato
apresentar uma doença hepática mais avançada ou se desenvolveu cirrose, pode haver uma
hipoproteinemia (hipoalbuminemia). Nestes casos o tratamento com colóides está recomendado
em doses de 20 ml/Kg SID (German, 2009).
1.4.4.4- Ácido ursodesoxicólico
O ácido ursodesoxicólico (AUDC) é um ácido biliar hidrofílico que tem propriedades
hepatoprotectoras, pois leva à alteração da composição da “pool” de ácidos biliares, reduzindo a
quantidade de ácidos biliares hidrofóbicos que tem efeitos tóxicos nas membranas
hepatocelulares.
Este
ácido
biliar
tem
também
propriedades
anti-inflamatórias,
imunomoduladoras, antifibróticas (Hall, 2008; Marks, 2008) e coleréticas, reduzindo a
26
Complexo colangite felino
2010
viscosidade da bílis e melhorando o fluxo biliar. (Weiss et al., 2001; Pires e Colaço, 2004;
Rothuizen, 2005; German, 2009). É usado numa dose de 10-15 mg/Kg PO, SID (Marks, 2008).
Os coleréticos estão apenas indicados se não estiver presente OBE (Rothuizen, 2005).
1.4.4.5-Anti-oxidantes
1.4.4.5.1-S-adenosil-metionina
Mais recentemente, a S-adenosil-metionina (SAMe) tem sido usada no tratamento de
gatos com doença hepática (Center, 2006). Um dos benefícios é a restauração dos níveis de
glutationa, um importante antioxidante que se encontra diminuído em situações de doença
hepática (Weiss et al., 2001). Outro benefício é o facto de levar ao aumento dos níveis de
cisteína e taurina, que são necessários na conjugação dos ácidos biliares e têm um efeito
citoprotector (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010). A dose que deve ser usada é de 50 mg (< 5 Kg)
a 100 mg (>10 Kg) uma vez por dia (German, 2009) ou 18 mg/Kg, SID, PO ( Allen et al., 2005).
Os efeitos adversos são raros, mas pode surgir anorexia, vómito, letargia e agitação (Center,
2006).
1.4.4.5.2-Vitamina E
É um antioxidante que previne ou diminui a peroxidação lipídica nos hepatócitos. É
usada numa dose de 10-100 UI/Kg, SID (Marks, 2008).
1.4.4.5.3-Silimarina
A silimarina é uma substancia activa extraída a partir do cardo de leite (Silybum
marianum), que exerce um efeito hepatoprotector através do aumento dos níveis intracelulares de
superóxido dismutase, ajudando na diminuição da formação de radicais livres de oxigénio
(German, 2009).
1.4.4.6-Vitamina K
A suplementação com vitamina K está indicada quando são identificadas coagulopatias,
particularmente antes de qualquer biopsia e procedimento cirúrgico. É usada uma dose de 5
mg/gato, IM, cada 1-2 dias (Marks, 2008). A resposta ao tratamento pode ser controlada pela
monitorização dos níveis de PIVKA e dos tempos de coagulação, que regressam aos seus valores
normais em alguns dias (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
1.4.4.7-Lactulose
A encefalopatia hepática é pouco comum em gatos com doenças hepáticas adquiridas,
mas pode ser controlada administrando lactulose numa dose de 0,5-1 ml/Kg TID, PO com ou
27
Complexo colangite felino
2010
sem adição de antibióticos entéricos como neomicina numa dose de 20 mg/Kg BID a TID, PO
(Marks, 2008).
1.4.4.8-Colchicina
A colchicina pode ser usada numa dose de 0,03 mg/kg SID, para combater a fibrose,
contudo não há nenhuma prova que confirme o efeito benéfico (Harvey e Greeffydd-Jones,
2010).
1.4.4.9-Diuréticos
Os diuréticos da ança como a furosemida (1-2 mg/kg duas vezes ao dia) combinada com
uma dieta restrita em sal, podem ser úteis em ascítes ligeiras. Os diuréticos poupadores de
potássio (por exemplo a espironolactona) e as enzimas de conversão da angiotensina (por
exemplo o enalapril) são agentes alternativos para tratar a ascíte (Harvey e Greeffydd-Jones,
2010).
1.4.4.10-Anti-eméticos
Os anti-eméticos estão indicados no caso de gatos com náuseas e vómitos. O citrato de
maropitant tem sido testado em gatos, sendo recomendada uma dose de 1 mg/Kg, SID, por via
SC. Contudo, como o fármaco é metabolizado no fígado e tem um tempo de semi-vida
prolongado em animais com colangite, é aconselhável usar metade da dose. Uma infusão
contínua de metaclopramida (1-2 mg/Kg/24h) pode também ter benefícios. Mais recentemente, a
mirtazipina, um anti-depressivo adrenérgico e serotonérgico tem sido sugerido pelo seu efeito
anti-emético e estimulador de apetite. É usado numa dose de 3,75 mg por gato, PO, cada 72h. A
dose deve ser reduzida cerca de 30% em gatos com compromisso hepático ou renal. A pressão
arterial deve ser monitorizada já que pode causar hipertensão arterial (German, 2009).
1.4.4.11-Praziquantel
O tratamento ideal e mais efectivo para os tremátodes hepáticos felinos, permanece
controverso. O tratamento mais recomendado é o praziquantel na dose de 20 mg/kg,
administrado por via oral ou subcutânea cada 24h durante 3 dias (German, 2009; Watson e
Bunch, 2009).
1.4.4.12-Suporte nutricional
O suporte nutricional é um aspecto muito importante no tratamento de colangite. Está
indicado um aporte calórico total de 80-100 kcal/Kg/dia. A suplementação proteica é importante,
devendo ser utilizadas dietas ricas ou com teor moderado de proteína (30-40% de matéria seca).
28
Complexo colangite felino
2010
Deve apenas mudar-se para uma dieta com baixo teor em proteína no caso de haver presença de
encefalopatia hepática (Taboada, 2005). É importante que se tenha uma atenção especial na
alimentação de gatos anorécticos para prevenir o desenvolvimento de LH concorrente. Uma dieta
rica em proteínas elaborada para doentes críticos, é muito mais apropriada nestes animais do que
uma dieta hepática restrita em proteína (Watson e Bunch, 2009).
1.4.4.13-Estimuladores de apetite
Os estimuladores de apetite devem ser usados apenas quando o gato estiver estabilizado.
A ciproheptadina é um anti-histaminico com efeitos antagónicos da serotonina. A dose
recomendada é de 0,1-0,5 mg/Kg, PO, BID a TID, levando aproximadamente 3 dias a alcançar a
dose terapêutica. Podem surgir efeitos secundários como a letargia e a agitação (German, 2009).
1.4.4.14-Colocação de tubo de alimentação
A colocação de um tubo de alimentação pode
ser necessária no caso de anorexia prolongada. Um
gato que está anoréctico há 3 dias, necessita de
suplementação nutricional. Se o gato se apresenta com
náuseas, os estimuladores de apetite não vão ser
efectivos, sendo preferível colocar um tubo de
alimentação até a doença começar a resolver-se e
depois usar estimuladores de apetite antes da remoção
do
tubo
(German,
2009).
São
usados
tubos Figura 10- Gato ictérico com tubo de
alimentação nasoesofágico (Adaptado de
nasoesofágicos ou aplicados por esofagostomia ou German, 2009).
gastrostomia, que podem ser colocados cirurgicamente
ou percutaneamente via técnicas endoscópicas ou cegas (Taboada, 2005) (Figura 10).
1.4.4.15-Tratamento cirúrgico
A colecistectomia pode ser necessária em alguns casos para remover a bílis espessa,
devendo ser seguido por uma lavagem e ”flushing”, podendo ser necessária a canulação da
papila duodenal. Se for identificada uma obstrução completa do fluxo biliar na laparotomia, a
colecistoduodenostomia ou colecistojejunostomia são indicadas para restabelecer o fluxo biliar.
A taxa de mortalidade peri e pós-operatória em gatos que sofreram intervenção cirúrgica é
elevada. O tratamento cirúrgico requer sempre uma terapia antibiótica baseada em cultura e
testes de sensibilidade (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
29
Complexo colangite felino
2010
1.4.4.16-Paracentese abdominal
Se a ascíte for grave e se está a causar dispneia devido à pressão que exerce sobre o
diafragma, a drenagem por paracentese abdominal está indicada (Harvey e Greeffydd-Jones,
2010).
1.4.4.17-Resposta ao tratamento
A resposta ao tratamento deve ser monitorizada através da realização de um hemograma e
de bioquímica sanguínea. Os aumentos persistentes da actividade sérica da ALT, da FA e da
concentração sérica de bilirrubina total, sugerem que o tratamento não é adequado (Weiss et al.,
2001).
1.4.5- Prognóstico
Colangite neutrofílica
Na opinião de Harvey e Greeffydd-Jones (2010) o prognóstico é geralmente bom. Os
gatos com frequência recuperam completamente se forem tratados na fase inicial da doença e de
forma apropriada. Alguns casos recorrem em pouco tempo depois do tratamento inicial, sendo
este risco reduzido se for assegurado um tratamento antibiótico prolongado, preferencialmente
seleccionado com base numa cultura e testes de sensibilidade. O prognóstico para gatos que
requerem intervenção cirúrgica para restabelecer o fluxo de bílis, é muito mais reservado. A
presença simultânea de pancreatite e DII, complica o prognóstico e a escolha do tratamento
(Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
Pensa-se que a forma mais crónica de CN possa representar uma persistência a longo
prazo de uma infecção de baixo grau em gatos não tratados ou parcialmente tratados (Watson e
Bunch, 2009).
Colangite linfocitica
A informação acerca do prognóstico de gatos com CL é limitado mas a maioria dos casos
responde bem ao tratamento. Segundo Harvey e Greeffydd-Jones (2010), o prognóstico é melhor
em gatos com icterícia do que nos que apresentam ascíte. Em alguns casos a CL pode resolver-se
espontaneamente. Alguns gatos precisam de tratamentos repetidos com prednisolona ou de ser
mantidos a longo prazo com baixas doses. A resposta ao tratamento é baseada na resolução dos
sinais clínicos, na monitorização dos resultados das biopsias hepáticas e nas características
30
Complexo colangite felino
2010
laboratoriais (particularmente enzimas hepáticas e ácidos biliares) (Harvey e Greeffydd-Jones,
2010).
Colangite crónica associada a tremátodes hepáticos
Na colangite crónica associada a tremátodes hepáticos, o prognóstico é geralmente bom
(Rothuizen, 2005). A gravidade da doença associada parece depender da carga parasitária e da
resposta individual, pelo que o prognostico é reservado em gatos com doença grave (Watson e
Bunch, 2009).
1.4.6-Colangite esclerosante
A colangite esclerosante ou cirrose biliar é caracterizada histologicamente por fibrose
proliferativa difusa das paredes dos ductos biliares, propagando-se aos lobos hepáticos, alterando
a sua arquitectura e circulação. Em muitos casos pode representar um estágio final de doença
crónica do tracto biliar: normalmente obstrução completa ou infestação crónica grave por
tremátodes hepáticos. É muito pouco comum a CN e a CL progredirem para colangite
esclerosante no gato. Os gatos afectados apresentam-se com os típicos sinais clínicos de doença
crónica do tracto biliar. Podem também desenvolver hipertensão crónica portal, com o resultante
desenvolvimento de ascíte, ulceração gastrointestinal, CP adquiridas e encefalopatia hepática. A
colangite esclerosante é diagnosticada por biopsia hepática. Nos gatos com colangite
esclerosante, pode ser visualizada hepatomegalia na radiografia, o que se presume ser o reflexo
da dilatação do tracto biliar e da fibrose peri-biliar. O tratamento é de suporte, tratando-se apenas
os sinais clínicos de hipertensão portal (Watson e Bunch, 2009).
31
Complexo colangite felino
2010
2- Objectivos
O objectivo geral deste trabalho foi o de consolidar os conhecimentos adquiridos durante
a realização do Mestrado Integrado em Medicina Veterinária sobre o complexo colangite felino.
Para isso, foram estabelecidos objectivos mais específicos, nomeadamente no acompanhamento:

De todos os procedimentos clínicos e meios complementares necessários ao
diagnóstico de colangite;

Do tratamento médico;

Da evolução dos casos observados durante o estágio.
32
Complexo colangite felino
2010
3- Casos clínicos
3.1- Introdução
Durante o estágio realizado no Hospital Veterinário Montenegro entre Setembro de 2009
e Fevereiro de 2010 foram observados diferentes tipos de doenças nos gatos. Na figura 11 estão
representados os tipos de doenças de acordo com a respectiva frequência.
11%
Doenças cardíacas
6%
Doenças do sistema urinário
25%
Doenças gastrointestinais
8%
Doenças infécto-contagiosas
2%
2%
5%
Doenças neoplásicas
16%
Traumatismos
Doenças reprodutivas
7%
Doenças respiratórias
8%
10%
Doenças parasitárias
Doenças dermatológicas
Doenças hepáticas
Figura 11- Frequência das doenças mais observadas nos gatos no HVM
De uma forma mais específica foi também possível ter uma perspectiva das doenças
hepáticas mais frequentemente observadas. Como é possível observar na figura 12 as doenças
mais frequentes foram a LH (38%) e o complexo colangite felino (24%).
Lipidose hepática
4% 8%
Complexo colangite
38%
15%
Neoplasia hepatobiliar
11%
Hepatopatia toxica e
induzida por drogas
24%
Comunicações
portossistémicas e
encefalopatia hepática
Obstrução biliar
extrahepatica
Figura 12- Frequência das doenças hepáticas felinas observadas no HVM
33
Complexo colangite felino
2010
Dos 5 casos observados (24%), 3 dos gatos eram machos e 2 eram fêmeas (Figura 13).
.
40%
60%
Machos
Fêmeas
Figura 13- Sexo dos gatos com colangite.
No que diz respeito à idade, dois dos animais tinham 5 anos, um 2 anos, um 11 anos e um
15 anos, sendo portanto, maioritariamente jovens ou de meia idade (Figura 14).
20%
40%
[0 a 5]
]5 a 10]
40%
]10 a 15]
Figura 14- Idade dos gatos com colangite.
34
Complexo colangite felino
2010
Em relação à raça, dois dos animais eram Siameses e três Europeu comum (Figura 15).
40%
Siamês
60%
Europeu
comum
Figura 15- Raça dos gatos com colangite.
Nos 5 casos de colangite observados ao longo do estágio o diagnóstico foi realizado
tendo em conta a identificação do animal, os sinais clínicos obtidos durante a realização da
anamnese e do exame físico, e os exames complementares, nomeadamente o hemograma, o
esfregaço sanguíneo, a bioquímica sanguínea, os testes FIV/FeLV, o exame coprológico, a
ecografia e a citologia hepática. Apesar de terem sido observados 5 casos clínicos de colangite,
seguidamente vão ser apresentados apenas 2, uma vez que, são os que se apresentam melhor
documentados e os que mais me motivaram no seu acompanhamento.
3.2- Petit Chat
3.2.1- Identificação
O Petit Chat é um Felino do sexo masculino, não castrado, de raça siamesa, com 15 anos
de idade e com 2,200Kg de peso vivo.
3.2.2- História clínica
O Petit Chat foi levado à consulta pelo seu proprietário por apresentar perda de peso,
anorexia e vómitos há uma semana. Era um gato vacinado há menos de um ano contra a
rinotraqueíte, o calicivirus e a panleucopenia felina e desparasitado internamente com
milbemicina oxima e praziquantel (Milbemax®) há menos de 4 meses e externamente com
imidacloprida (Advantage®). O animal vivia numa habitação no Porto sem acesso ao exterior,
sem contacto com outros animais, lixos, plantas ou qualquer tipo de tóxico. Comia dieta
35
Complexo colangite felino
2010
comercial seca para gatos adultos e tinha livre acesso a água. Segundo o proprietário, a urina e as
fezes do animal eram normais.
Foi pela primeira vez ao Hospital Veterinário Montenegro há cerca de 1 mês por se
apresentar mais apático e a vocalizar mais baixo. O exame físico apresentava-se normal e foram
novamente efectuadas análises gerais que se apresentavam também normais, tendo-lhe sido
prescrito um estimulante de apetite e suplemento concentrado de vitaminas e minerais (Nutriplus gel®). Nunca foi submetido a cirurgia.
3.2.3- Exame físico

Apatia e Prostração.

Condição corporal: caquéctico.

Temperatura rectal: 38 ⁰C, tónus anal normal e
sem evidência de fezes, parasitas ou sangue no
termómetro.

Frequência cardíaca: normal.

Pulso: forte, regular, rítmico e simétrico.

Frequência respiratória: normal com movimentos
respiratórios do tipo costoabdominal e com
profundidade normal.
Figura 16- Mucosas oculares ictéricas
(Fotografia gentilmente cedida pelo HVM).

Mucosas ocular e oral ictéricas (Figura 16).

Tempo de repleção capilar < 2 segundos.

Grau de desidratação: 5%.

Palpação de gânglios linfáticos: gânglios linfáticos mandibulares, pré-escapulares e
popliteos palpáveis com dimensões, consistência e mobilidade normais.

Palpação abdominal: não manifestou dor nem desconforto.
3.2.5- Diagnóstico diferencial
Os principais diagnósticos diferenciais foram: neoplasias hepáticas; anemia hemolítica;
LH; complexo colangite; pancreatite; OBE; toxoplasmose; PIF; FeLV.
3.2.4- Exames complementares
3.2.4.1.2- Hemograma
No hemograma observou-se a presença de uma leucocitose por neutrofilia (Tabela 4).
36
Complexo colangite felino
2010
Tabela 4 -Hemograma do Petit Chat
Parâmetro
Valor
Valor normal
Eritrocitos (mill/µl)
5,68
4-9
Hematocrito (%)
29,3
24-45
Hemoglobina (g/dl)
9,6
9,5-15
VCM (fl)
51,6
35,5-55
HCM (pg)
16,9
16-24
CMHC (g/dl)
32,7
28-40
RDW (%)
14,5
10-14
Leucócitos (mil/µl)
21,3
5-18
Neutrófilos (mil/µl)
16,23
3-13
Linfócitos (x10 /µl)
1,61
1,2-9
Monócitos (mil/µl)
0,22
0-0,7
4
3.2.4.1.1- Bioquímica sanguínea
Na bioquímica sanguínea constatou-se que os valores da actividade sérica das enzimas
ALT, FA e GGT apresentavam-se bastante aumentados. A concentração sérica de bilirrubina
total também se apresentava aumentada bem como as proteínas totais (aumento de globulinas)
(Tabela 5).
Tabela 5 - Bioquimica sanguinea do Petit Chat
Parâmetro
Valor
Valor normal
Glucose (mg/dl)
87
70-110
Ureia (mg/dl)
60
32-81
Creatinina (mg/dl)
1
0,8-1,8
Proteinas T. (g/dl)
10
5,8-8,4
Albumina (g/dl)
2,8
2-4
Globulinas (g/dl)
7,2
1,5-5
Relação Albumina/Globulina (Relação A/G)
0,3888
Bilirrubina T. (mg/dl)
7,3
0,1-0,5
ALT (U/L)
738
<72
FA (U/L)
2058
32-155
GGT (U/L)
98
<10
3.2.4.1.3- Teste FIV/FeLV
Negativo
37
Complexo colangite felino
2010
3.2.4.2- Ecografia
Na ecografia verificou-se um aumento da ecogenicidade hepática, com ductos biliares
distendidos e tortuosos, e área pancreática com diminuição da ecogenicidade.
3.2.5- Diagnóstico presuntivo
O Petit Chat apresentava perda de peso, perda de apetite, vómito, icterícia, apatia e
prostração. Os exames laboratoriais revelaram aumento da actividade sérica das enzimas
hepáticas (ALT, FA e GGT) bem como da concentração sérica de bilirrubina total (Harvey e
Greeffydd-Jones, 2010) e de globulinas. Verificou-se também leucocitose por neutrofilia. Na
ecografia observaram-se os ductos biliares distendidos e tortuosos, e a vesícula biliar com parede
espessada (Watson e Bunch, 2009; Harvey e Greeffydd-Jones, 2010). Segundo o que foi referido
na bibliografia, estes dados são compatíveis com uma colangite. A presença de
hiperglobulinemia que se verificou pode ser observada em casos de colangite linfocítica, pelo
que se fez o diagnóstico presuntivo de colangite linfocítica.
3.2.6- Internamento e Tratamento
O Petit Chat foi internado para fluidoterapia (1000 ml de Lactato de Ringer) uma vez que
se apresentava desidratado. Durante o internamento foi alimentado com l/d felino. Teve alta ao
fim de dois dias e foi-lhe prescrita amoxicilina (Clamoxyl® 250 mg) na dose de 22 mg/Kg, BID,
PO, famotidina (Lasa-10®) na dose de 1 mg/Kg SID, PO e SAMe (Denosyl®90mg) na dose de
18 mg/Kg SID, PO e foi recomendada ração l/d felino da Hill’s®. O tratamento foi realizado
durante um mês.
3.2.7- Acompanhamento
O Petit Chat voltou ao Hospital para ser reavaliado passado um mês, o proprietário
referiu que já não vomitava e já comia melhor. No exame físico foi possível comprovar que as
mucosas já não se apresentavam ictéricas e foram realizadas novas análises, que se revelaram
normais.
3.3- Carlota
3.3.1- Identificação
A Carlota é um felino do sexo feminino, de raça siamesa, não castrada, com 5 anos de
idade e 4Kg de peso vivo.
38
Complexo colangite felino
2010
3.3.2- História clínica
A Carlota foi levada á consulta por apresentar diarreia líquida e tremores musculares há 3
dias. Era uma gata não vacinada nem desparasitada interna ou externamente, tinha sido
encontrada na rua há 15 dias. Após ter sido acolhida em Oliveira de Azeméis deixou de ter
acesso ao exterior e também não tinha acesso ao lixo, plantas ou a qualquer tipo de tóxico.
Comia dieta comercial húmida de qualidade razoável e tinha livre acesso a água. Já se tinha
apresentado ao hospital há 13 dias com história de diarreia amarela líquida tendo tido alta com
amoxicilina (clamoxyl®250mg) (11-22 mg/Kg) 0,9 ml, BID, PO e albendazol (Zentel®200mg)
na dose de 25 mg/Kg BID, PO para desparasitação interna e ração i/d felino da Hill’s®.
3.3.3- Exame físico

Prostração.

Condição corporal: normal.

Temperatura rectal: 39,9 ⁰C, tónus anal normal e sem evidência de fezes, parasitas ou
sangue no termómetro.

Frequência cardíaca: normal.

Pulso: forte, regular, rítmico e simétrico.

Frequência respiratória: normal com movimentos respiratórios do tipo costoabdominal e
com profundidade normal.

Mucosas ocular e oral ictéricas.

Tempo de repleção capilar < 2 segundos.

Animal hidratado.

Palpação de gânglios linfáticos: gânglios linfáticos mandibulares, pré-escapulares e
popliteos palpáveis com dimensões, consistência e mobilidade normais.

Palpação abdominal: manifestou um pouco de dor ou desconforto.
3.3.4- Diagnóstico diferencial
Os principais diagnósticos diferenciais considerados foram: FeLV; PIF; toxoplasmose;
anemia hemolítica; LH; complexo colangite; pancreatite; OBE.
3.3.5- Exames complementares
39
Complexo colangite felino
2010
3.3.5.1.1-Hemograma
No hemograma verificou-se uma leucocitose por neutofilia, e trombocitopenia.
Tabela 6- Hemograma da Carlota
Parâmetro
Valor
Valor normal
Eritrocitos (mill/µl)
6,65
4-9
Hematocrito (%)
33,6
24-45
Hemoglobina (g/dl)
10,8
9,5-15
VCM (fl)
50,4
35,5-55
HCM (pg)
16,1
16-24
CCMH (g/dl)
32,1
28-40
Leucócitos (mil/µl)
42,14
5-18
Neutrófilos (mil/µl)
33,2
3-13
Linfócitos (x104/µl)
7,8
1,2-9
Monócitos (mil/µl)
0,22
0-0,7
Plaquetas( mil/µl)
106
120-500
Esfregaço sanguíneo
Verificou-se a presença de alguns agregados plaquetários, mais de 1000 neutrófilos em
banda/µl, e sinais de toxicidade (ligeira basofilia e alguns corpos de Döhle). Portanto, este
animal apresentava uma leucocitose por neutrofilia com desvio à esquerda.
3.3.5.1.2- Bioquímica sanguínea
Na bioquímica sanguínea verificou-se um aumento da actividade sérica da ALT e da
GGT e da concentração sérica de bilirrubina total.
Tabela 7- Bioquimica sanguinea da Carlota
Parâmetro
Valor
Valor normal
Ureia (mg/dl)
33
32-81
Creatinina (mg/dl)
1
0,8-1,8
Bilirrubina T. (mg/dl)
2,1
0,1-0,5
ALT (U/L)
565
<72
FA (U/L)
149
32-155
GGT (U/L)
12
<10
3.3.5.1.3- Teste FIV/FELV
Negativo.
40
Complexo colangite felino
2010
3.3.5.1.4-Exame coprológico
Negativo
3.3.5.2- Ecografia
A ecografia revela um aumento da ecogenicidade do fígado e ductos biliares distendidos
e tortuosos e espessamento da parede da vesícula biliar (Figura 17).
Figura17- Realização de ecografia (Fotografia gentilmente cedida por HVM).
3.3.5.3- Citologia hepática
A citologia por aspiração com agulha fina guiada ecográficamente revelou um aumento
moderado de células inflamatórias, sendo predominantemente neutrófilos (Figuras 18 e 19).
Figura 18- Aspiração hepática por agulha fina guiada ecográficamente (Fotografia gentilmente cedida pelo
HVM).
41
Complexo colangite felino
2010
Figura 19- Realização de citologia hepática (Fotografia gentilmente cedida pelo HVM).
3.3.6- Diagnóstico presuntivo
A Carlota apresentava diarreia, prostração, dor abdominal e icterícia, sinais clínicos
comuns em casos de colangite. Os exames laboratoriais também revelaram aumento da
actividade da ALT, da concentração sérica de bilirrubina total e leucocitose por neutrofilia,
característicos desta doença. Na ecografia o aumento da ecogenicidade do fígado e ductos
biliares distendidos e tortuosos, são também sugestivos de colangite. A leucocitose por
neutrofilia com desvio à esquerda, é comum em situações de colangite neutrofílica e a citologia
hepática confirma a presença de um processo inflamatório no fígado, com aumento moderado de
células inflamatórias, na sua maioria neutrófilos. Assim, realizou-se o diagnóstico presuntivo de
colangite neutrofílica.
3.3.7- Internamento e Tratamento
A Carlota foi internada para receber tratamento endovenoso com metronidazol
(metronidazol Iv Braun®) na dose de 7,5 mg/Kg SID, IV numa taxa de 0,2 ml/min durante 30
minutos, enrofloxacina (Baytril5%®) na dose de 5 mg/Kg SID, IV e com ampicilina
(Hiperbiotico®) na dose de 10 mg/Kg TID, IV. Foi medicado também com SAMe (Denosyl®)
na dose de 18 mg/Kg SID, PO.
Passados dois dias, realizaram-se novas análises sanguíneas e, na bioquímica sanguínea,
verificou-se que a actividade sérica de ALT continuava aumentada bem como, a concentração
sérica de bilirrubina total. No hemograma verificou-se leucocitose por neutrofilia e
trombocitopenia.
Dois dias depois, realizaram-se novamente análises sanguíneas. Na bioquímica,
verificou-se que a actividade sérica da ALT e a concentração sérica de bilirrubina ainda se
42
Complexo colangite felino
2010
mantinham aumentadas. No hemograma, verificou-se que se mantinha a leucocitose por
neutrofilia e trombocitopenia.
A Carlota esteve 5 dias sem defecar até fazer diarreia pastosa, mas no dia seguinte já
comeu com apetite, no entanto continuava com fezes moles e amarelas. Fizeram-se novamente
análises sanguíneas, nas quais o hemograma se revelou igual, mas, na bioquímica, já não se
verificava o aumento da actividade sérica de ALT nem da concentração sérica de bilirrubina
total.
Acrescentou-se à medicação diária amoxicilina trihidratada + ácido clavulânico
(Noroclav®) na dose de 11 mg/Kg BID, PO. Ao fim de dois dias, alterou-se a medicação para:
amoxicilina + ácido clavulânico, metronidazol, SAMe e Fembendazol na dose de 100 mg/Kg +
Praziquantel na dose de 5 mg/Kg, PO (Panacur®). Continuou com diarreia pastosa e, mais uma
vez, realizaram-se análises sanguíneas que revelavam as mesmas alterações em termos de
hemograma. Além disso, revelavam também os níveis séricos de folatos aumentados e de
cobalamina diminuídos. Teve alta com metronidazol (Flagyl® 250 mg), amoxicilina + ácido
clavulânico e SAMe, todos na respectiva dose referida anteriormente. A medicação foi mantida
durante 6 semanas. Foi também recomendada ração intestinal da Royal Canin®.
3.3.8- Acompanhamento
Ao fim de 14 dias a proprietária referiu telefonicamente que a Carlota tinha voltado a
fazer diarreia líquida, pelo que foi feito um novo controlo dos valores das actividades séricas das
enzimas hepáticas que se apresentavam normais, mas o hemograma ainda apresentava uma
leucocitose ligeira. Após um mês voltou ao hospital. A proprietária referiu que já fazia fezes
normais há 15 dias. Voltou-se a realizar hemograma que, desta vez, se revelou normal. Foi
aconselhado à proprietária continuar a dar-lhe ração intestinal da Royal Canin®.
43
Complexo colangite felino
2010
4- Discussão
Durante o estágio realizado no Hospital Veterinário Montenegro foi possível ter uma
perspectiva das doenças hepáticas que foram mais frequentemente observadas. Verificou-se que
o complexo colangite foi a segunda doença hepática felina mais frequente no HVM entre
Setembro de 2009 e Fevereiro de 2010. De facto, esta doença é o segundo tipo de doença
hepática mais comum no gato, sendo a primeira a LH (Weiss et al., 2001; Harvey e GreeffyddJones, 2010), pelo que tem um relativo grau de importância na clínica médica de felinos.
Durante este período, surgiram 5 casos de colangite felina, 3 em machos e 2 em fêmeas,
tendo-se por isso confirmado a tendência para esta doença ocorrer mais em machos do que em
fêmeas (Zamokas et al., 2008). No que diz respeito à idade, seria de esperar que os animais
afectados fossem jovens ou de meia – idade, com idade média de 5,7 anos no caso de colangite
neutrofílica ou de 9 anos no caso de colangite linfocítica (Cox, 2006). Apenas 3 dos gatos se
apresentavam dentro desta faixa etária. Em termos de raça, dois dos animais eram Siameses e,
três, Europeu comum. De facto há um estudo realizado por Zamokas et al. (2008), que indica
que os animais Europeu comum, seguidos dos de raça Siamesa, Perça, Russian blue e Exóticos
(por ordem decrescente de frequência) são os mais afectados.
Uma vez que foram abordados anteriormente apenas dois casos clínicos, tendo sido
associado a cada um, uma forma diferente de colangite, estes vão ser discutidos de seguida,
acerca dos sinais clínicos, diagnósticos diferenciais, exames complementares, tratamento e
acompanhamento.
Sinais clínicos
O Petit Chat apresentava perda de peso, perda de apetite, vómito, icterícia, apatia e
prostração. Na CL pode surgir perda de peso, no entanto, em alguns casos é mantida uma
condição corporal razoável (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010). O vómito (Edwards, 2004) e a
icterícia são sinais clínicos comuns (Cox, 2006). Ao contrário do que acontece com este gato,
muitas vezes, nesta forma de colangite o apetite mantém-se, podendo haver polifagia. Os
animais, por vezes, não apresentam sinais clínicos, sendo apenas perceptíveis num estado
avançado da doença (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
A Carlota apresentava diarreia, prostração, piréxia, dor abdominal e ictericia. Na CN os
animais encontram-se muitas vezes, prostrados e com piréxia, porém a diarreia, a icterícia e a dor
abdominal são sinais clínicos pouco comuns. A dor abdonimal pode estar presente quando há
44
Complexo colangite felino
2010
uma doença hepática obstrutiva secundária, no entanto, não foi detectada qualquer obstrução na
ecografia (Edwards, 2004).
Diagnósticos diferenciais
Surgiram outras suspeitas de diagnóstico referidas anteriormente que foram sendo
eliminadas. Na LH, apesar dos sinais clínicos serem semelhantes aos apresentados pelos dois
gatos, os valores de GGT estariam normais ou moderadamente aumentados, enquanto os de FA
estariam marcadamente aumentados (Webster, 2010). Na ecografia não surgiriam as alterações
observadas como: ductos biliares distendidos e tortuosos, vesícula biliar distendida e com a
parede espessada.
Na obstrução biliar extra-hepática o aumento de GGT é semelhante ou maior do que o da
FA, o que não se verifica em nenhum dos casos (Watson e Bunch, 2009). O aspecto ecográfico é
também semelhante, pois nesta doença vê-se na ecografia a vesícula biliar e ductos biliares
próximais à obstrução, distendidos e tortuosos (Watson e Bunch, 2009), no entanto, não são
típicos desta doença o espessamento da parede da vesícula biliar, neutrofilia e trombocitopenia
observadas nestes gatos.
As neoplasias hepáticas são um importante diagnóstico diferencial para o Petit Chat pelo
facto de ser um animal mais velho (15 anos), contudo, não revelariam o aspecto ecográfico
visualizado.
As anemias hemolíticas foram consideradas como diagnóstico diferencial devido à
presença de icterícia, mas foram excluídas com base nos resultados do hemograma, uma vez que
não se verificaram sinais de anemia.
Realizou-se um teste FIV/FeLV nos dois animais, devido à existência de icterícia
(FeLV) e de hiperglobulinemia no Petit Chat (FIV e FeLV), e de icterícia, de febre, de
trombocitopenia e de diarreia na Carlota (FIV e FeLV), os quais deram negativos. Era pouco
provável que se tratasse de FeLV no caso do Petit Chat pelo facto de ser um animal sem acesso à
rua. Porém, no caso da Carlota, esta hipótese era mais provável, visto ser um animal
abandonado.
Os sinais clínicos observados nos dois gatos e a hiperglobulinemia no caso do Petit Chat
vieram reforçar a importância de PIF como diagnóstico diferencial. Contudo, nesta doença
surgem outro tipo de sinais: sinais oculares; efusão pleural ou abdominal; dilatação gradual do
45
Complexo colangite felino
2010
abdómen e leucopenia, dependendo da fase da doença. Uma diferenciação adequada pode
depender de uma investigação histopatologica (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010). A
toxoplasmose, apresenta também outro tipo de sinais: sinais oculares e hipoalbuminemia, o que
não se observa nestes gatos (Dubey, 2005). As evidências ecográficas também não levam a crer
que se trate de PIF ou toxoplasmose. No caso da Carlota a suspeita era maior pois como já foi
referido trata-se de um animal de rua.
As doenças parasitárias também parecem pouco prováveis no caso da Carlota pois foi
desparasitada e o exame coprológico deu negativo. Uma vez que não foi vacinada e apresentava
diarreia e dor abdominal também se poderia suspeitar de panleucopenia felina, porém não
causaria icterícia, aumento das enzimas hepáticas, nem as alterações ecográficas observadas.
Há uma diminuição da ecogenicidade na área pancreática, e sinais clínicos sugestivos de
pancreatite no Petit Chat. No caso da Carlota, a presença de valores de folatos aumentados e
cobalamina diminuídos pode sugerir a presença de DII. De facto, muitas vezes verifica-se a
existência de DII, pancreatite e colangite concorrentes (Weiss et al., 1996; Margie, 2008). A DII
poderia ter sido detectada através de endoscopia ou biopsia intestinal. Para averiguar a presença
de pancreatite poderia ter-se realizado a determinação da actividade sérica de amilase e lipase,
embora pouco sensíveis e específicas, ou uma prova como a TLI (Margie, 2008).
Exames complementares
A alteração mais comum no hemograma em casos de CN, é a presença de leucocitose por
neutrofilia (Marks, 2008), o que se observa no caso da Carlota. Na CL pode observar-se
linfocitose e ligeira neutrofilia (Marks, 2008). A linfocitose não se verifica no caso do Petit Chat,
mas verifica-se uma ligeira neutrofilia.
No que diz respeito à bioquímica sanguínea, na CL, há normalmente um aumento da
actividade sérica das enzimas hepáticas que, pode ser bastante elevado (Edwards, 2004; Harvey e
Greeffydd-Jones, 2010), um aumento da concentração sérica de bilirrubina total (Harvey e
Greeffydd-Jones, 2010) e das gama-globulinas ( Watson e Bunch, 2009). Verifica-se, no caso do
Petit Chat, um grande aumento da actividade sérica da ALT, da FA e da GGT, um aumento da
concentração de bilirrubina e das globulinas no soro. Tem sido observado um aumento policlonal
de gama-globulinas em 50% dos gatos com colangite crónica, e esta hiperglobulinemia pode
estar associada a imunoreactividade sistémica aumentada devido a um processamento anormal
46
Complexo colangite felino
2010
de antigénios portais pelas células de Kupffer, ou secundaria à produção de autoanticorpos
(Webster, 2010).
Na CN, as alterações mais consistentes na bioquímica sanguínea são o aumento da
actividade sérica de ALT e da concentração sérica de bilirrubina total ((Harvey e GreeffyddJones, 2010), o que se verifica no caso da Carlota.
Para além das alterações das actividades séricas das enzimas hepáticas e da concentração
sérica de bilirrubina, a Carlota revelava também níveis séricos de folatos aumentados e de
cobalamina dimuidos. Muitas espécies bacterianas sintetizam folatos e pensa-se que um
sobrecrescimento bacteriano possa levar a aumentos significativos da concentração sérica dos
mesmos. Este sobrecrescimento bacteriano, pode estar associado a DII (German, 2008) que é
muitas vezes concorrente com colangite (Weiss et al., 1996). Por outro lado, a insuficiência
pancreática exócrina frequentemente leva à deficiência em cobalamina e a um aumento do
número de bactérias no intestino delgado que vão competir pela cobalamina disponível, o que
causa, muitas vezes, uma diminuição da sua concentração sérica (Steiner, 2008). A IPE pode
estar associada a pancreatite, uma doença que concorre frequentemente com a colangite (Weiss
et al., 1996). Portanto, neste caso podemos estar na presença de uma “triadite felina” em que a
DII, a pancreatite e a colangite são concorrentes (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
Realizou-se um exame coprológico apenas à Carlota, o qual deu negativo. Os ovos de
tremátodes podem ser encontrados nas fezes, usando o método de sedimentação formalina-éter.
Contudo, a presença de ovos é esporádica porque não vão estar presentes se a infestação tiver
resultado numa completa obstrução biliar. A forma mais eficaz de encontrar ovos e tremátodes é
nos aspirados de bílis (Carreira et al., 2008; Watson e Bunch, 2009).
A citologia hepática foi apenas realizada no caso da Carlota. Foi feita a partir de aspirado
por agulha fina, que é o método menos invasivo para colher amostras de bílis e parênquima
hepático (Marks, 2008), podendo ser usadas para identificar o tipo de infiltrado presente, mas
não permite o acesso à histopatologia do fígado, à localização do infiltrado nem ao padrão de
fibrose (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010). Nestes dois casos a realização de biopsia hepática
teria sido importante para estabelecer um diagnóstico definitivo.
Nas ecografias realizadas nos dois animais foi possível observar um aumento da
ecogenicidade hepática e os ductos biliares distendidos e tortuosos. Na ecografia da Carlota
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Complexo colangite felino
2010
também se observou um espessamento da parede da vesícula biliar. Este espessamento está
descrito em casos de CN (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
Outros meios de diagnóstico poderiam ter sido realizados tais como a análise de urina, a
determinação das concentrações séricas de ácidos biliares, a radiografia e a colheita de bílis para
cultura e citologia.
Tratamento e acompanhamento
No tratamento dos dois gatos foram utilizados antibióticos. Na colangite, a terapia
antibiótica é importante numa fase inicial da doença em que ainda não se tenha descartado a
hipótese de etiologia infecciosa (Watson e Bunch, 2009) O Petit Chat foi tratado com
amoxicilina, e a carlota com metronidazol, enrofloxacina, ampicilina e, mais tarde também com
amoxicilina + ácido clavulânico. Todos estes antibióticos são de largo espectro, bactericidas,
excretados na bílis na sua forma activa atingindo nesta níveis terapêuticos, não requerem
metabolismo hepático para activação e excreção, tendo as características necessárias para a sua
utilização de forma empírica, uma vez que não se realizou cultura ou testes de sensibilidade
(Weiss et al., 2001; Harvey e Greeffydd-Jones, 2010). As fluoroquinolonas costumam,
juntamente com a amoxicilina, ser combinadas com metronidazol para actividade adicional
contra anaeróbios (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010). No entanto, a enrofloxacina deve ser
evitada nos gatos devida à toxicidade associada, que pode resultar em degeneração da retina. A
ampicilina é um antibiótico de largo espectro, efectivo contra bactérias gram – e gram + e bem
tolerado pelos gatos, podendo também ser combinada com o metronidazol para aumentar o
espectro de acção a anaeróbios e a mais coliformes (Weiss et al., 2001).
No caso da Carlota também havia suspeitas de DII, e a utilização de metronidazol (10-20
mg/Kg BID) também funciona para o tratamento desta doença, sendo um dos antibióticos mais
utilizados. Também poderia ter sido feita a suplementação com cobalamina (150-250 g/gato uma
vez por semana durante 6 semanas) (German, 2009).
Na CN a prednisolona pode ser administrada em doses anti-inflamatórias com o objectivo
de facilitar o fluxo de bílis, através da redução da inflamação do tracto biliar, e reduzir o
desenvolvimento de fibrose (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010), portanto no tratamento da
Carlota poderia ter sido incluído este corticosteróide. No caso do Petit Chat poderia ter sido
administrada, inicialmente, uma dose imunosupressora de prednisolona (2.2-4 mg/Kg cada 24h),
como está recomendado na bibliografia (Weiss et al., 2001).
48
Complexo colangite felino
2010
O Petit Chat foi internado para fazer fluidoterapia, nomeadamente com lactato de Ringer,
uma vez que apresentava uma desidratação de cerca de 5%. Alguns gatos com quadros graves de
colangite podem necessitar de hospitalização para fluidoterapia intravenosa, com o objectivo de
se reporem os fluidos e os electrólitos perdidos pelo animal devido ao vómito e à diarreia
(Watson e Bunch, 2009). A Carlota foi igualmente internada, porém não necessitou do suporte
de fluidoterapia uma vez que se apresentava hidratada.
A SAMe foi utilizada em ambos os tratamentos, pois tem efeitos antioxidantes uma vez
que repõe os níveis de glutationa, e aumenta os níveis de taurina e cisteina que ajudam na
conjugação dos ácidos biliares e têm efeitos citoprotectores (German, 2009). O AUDC, também
teria sido importante no tratamento dos dois gatos, pois tem propriedades hepatoprotectoras uma
vez que leva à alteração da composição da “pool” de ácidos biliares reduzindo a proporção de
ácidos biliares hidrofóbicos que têm efeitos tóxicos nas membranas hepatocelulares. Tem ainda
propriedades anti-inflamatórias, imunomoduladoras, antifibróticas (Marks, 2008), e coleréticas,
reduzindo a viscosidade da bílis e melhorando o fluxo biliar. (Pires e Colaço, 2004). A
metoclopramida faria sentido no tratamento do Petit Chat, pois é um anti-emético utilizado em
gatos com colangite (Allen et al., 2005; German, 2009).
O Petit Chat foi alimentado com l/d felino da Hill’s®, que é especificamente elaborada
para patologias hepáticas e a Carlota com i/d felino da Hill’s®, que ajuda a controlar problemas
gastrointestinais em gatos.
O tempo de tratamento para o Petit Chat foi de mais ou menos um mês, e para a Carlota,
de 6 semanas. O tratamento antibiótico para colangite deve ser mantido por pelo menos 4-6
semanas (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010) podendo estender-se por 3 meses ou mais (Edwards,
2004).
No que diz respeito ao acompanhamento de cada gato constatou-se que, conseguiram
recuperar após o tratamento ter sido instituído, tendo respondido de forma positiva ao mesmo.
Os gatos geralmente recuperam completamente se forem tratados numa fase inicial da doença e
de uma forma adequada (Harvey e Greeffydd-Jones, 2010).
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5- Conclusão
A seguir à LH é o complexo colangite a doença hepática mais frequente nos gatos, porém
o diagnóstico definitivo desta doença apenas pode ser conseguido com a realização de biopsia
hepática e avaliação histopatológica da mesma. A antibioterapia e a corticoterapia assumem um
papel importante no tratamento que, quando bem instituído, proporciona um prognóstico
favorável.
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Complexo colangite/colangiohepatite felino