Apresentação do Estudo
Num artigo recente da Harvard Business Review, Lodish e Mela (2007) lembram que, entre 2003 e 2005, em apenas dois anos, a quota de
mercado dos produtos sem marca aumentou globalmente 13%.
A diminuição da importância das marcas que estes dados traduzem resulta da evolução tecnológica e empresarial recente das economias
desenvolvidas, que se caracterizam por uma optimização crescente dos processos de fabrico e uma generalização do controle de qualidade;
pela banalização das marcas de distribuição e pela proliferação de normas e regulamentos, que impõem, no plano legal, parâmetros mínimos
elevados de qualidade a um número cada vez maior de produtos e serviços.
Estas transformações da economia, que tendem a eliminar os maus produtos, retiraram à qualidade dos produtos e serviços a sua importância
tradicional como elemento principal da diferenciação entre produtores, reduzindo, deste modo, a importância das marcas que os identificam.
Mas, nem sempre as coisas se passam assim. No mesmo trabalho, os autores recordam, igualmente, que o passageiro sucesso de vendas
da Lacoste, após a redução do preço e o alargamento da distribuição decididos pelos novos proprietários quando da sua aquisição pela
General Mills, provocou um tal desgaste da marca e uma quebra de vendas tão importante que os anteriores detentores da marca a compraram
de novo, e, aumentando os preços e restringindo novamente os locais de venda, fizeram subir o volume de vendas 200%.
No momento presente, a gestão estratégica das marcas encontra-se, pois, confrontada com um contexto económico aparentemente contraditório,
no qual se observam, simultaneamente, marcas que perdem terreno para produtos genéricos e marcas que constituem, cada vez mais, factores
a tal ponto determinantes do comportamento dos consumidores, que parecem existir independentemente dos produtos que constituem a sua oferta e das modalidades dessa oferta. Nesta situação, paradoxal, a tomada de decisões estratégicas acertadas exige uma revisão drástica
das concepções e dos métodos de estudo das marcas, para a qual a investigação que realizámos pretende contribuir.
Estudos recentes do comportamento dos consumidores chamam a atenção dos investigadores para algumas funções simbólicas das marcas,
frequentemente ignoradas ou subestimadas, as quais exercem os seus efeitos para além da função tradicional das marcas enquanto garantia
da qualidade dos produtos e serviços e de meio de identificação do produtor responsável pela execução dessa garantia. Essas funções
simbólicas podem ser agrupadas em duas categorias, transversais aos diferentes produtos e serviços oferecidos pelas marcas: conferir prestígio
ao consumidor e contribuir para a construção da sua identidade pessoal e social. Encontramo-nos, assim, perante três componentes da
representação psicológica das marcas por parte dos consumidores: a confiança que a marca inspira, o seu prestígio e a identificação do
consumidor com a marca.
Propomos, então, definir a atracção de uma marca como sendo o grau em que esta possui aquilo que, relativamente aos três componentes
indicados, diferencia uma marca que os consumidores consideram boa de uma marca que eles consideram má: a atracção exercida por uma
determinada marca será superior àquela que é exercida por uma outra marca, na medida em que a primeira possuir em maior grau os
componentes que distinguem uma boa marca de uma má marca.
Esta concepção teórica foi posta à prova num estudo destinado a avaliar a notoriedade e o grau de atracção exercida pelas marcas presentes no mercado nacional. Para isso, realizámos um inquérito por entrevista telefónica a uma amostra representativa de 1097 elementos da população de mais de 18 anos, residente em Portugal Continental e Insular, em lares com telefone fixo, estratificada por idade, sexo e região.
Pedimos aos inquiridos que avaliassem a confiança, o prestígio e o seu grau de identificação com a melhor e a pior marca de cada uma de
doze famílias de produtos presentes no mercado nacional, dos produtos de limpeza doméstica aos canais de televisão, passando pelos bancos
e pelos combustíveis.
Os resultados relativos à notoriedade indicam que o repertório das marcas que a esmagadora maioria dos consumidores portugueses evoca
espontaneamente é muito limitado e tradicional: em mais de 500 marcas conhecidas dos inquiridos, apenas 63 são mencionadas espontaneamente
em primeiro lugar por mais de 10 inquiridos. Apesar do grande número de marcas de bebidas com álcool mencionadas pelos inquiridos, e do
grande investimento publicitário de muitas dessas marcas, apenas três são mencionadas mais de 10 vezes em primeiro lugar.
No que respeita à atracção exercida pelas marcas, análises estatísticas aprofundadas das respostas mostram que a dimensão sintética única
que chamámos atracção exercida pela marca diferencia satisfatoriamente as boas marcas das más marcas, no que respeita à confiança que
a marca inspira, o prestígio que lhe é atribuído e o grau de identificação do entrevistado com a marca. Verifica-se, igualmente, que o grau
de atracção exercida por uma determinada marca é claramente superior quando os inquiridos consideram que os bens que essa marca
propõe são vantajosos para o bem estar dos consumidores: medicamentos, lacticínios, serviços de saúde, bebidas sem álcool e inferior quando
pensam que esses bens podem ser nocivos: bebidas com álcool, telecomunicações, canais de televisão, produtos petrolíferos e derivados,
detergentes, supermercados e empresas financeiras, nas ordens decrescentes indicadas.
Ainda que a maior parte das marcas mais frequentemente mencionadas pelos inquiridos sejam marcas tradicionais portuguesas, os resultados
do estudo não se explicam apenas por diferenças entre marcas mais recentes e mais antigas ou entre marcas nacionais e estrangeiras. A
maior notoriedade das marcas nacionais que se observa, em particular no que toca aos produtos alimentares, é um efeito clássico na literatura
sobre o país de origem, e a tendência para uma maior notoriedade das marcas mais antigas é desmentida em alguns casos. Do mesmo
modo, a atracção exercida pela marca não pode ser, também, considerada uma consequência da sua notoriedade. Ainda que, em todas as
famílias de produtos, as três marcas com maior notoriedade se situem entre as que possuem um grau de atracção mais elevado, a
correspondência exacta entre atracção e notoriedade apenas se verifica na família das bebidas sem álcool.
Parece-nos, antes, que a explicação dos resultados obtidos obriga a reavaliar o papel dos produtos que constituem a oferta da marca na sua representação psicológica por parte dos consumidores e a examinar o impacto, na génese da representação psicológica da marca, dos processos de elaboração social da informação relativa aos comportamentos de consumo desses produtos.
Passa, muitas vezes, desapercebido que o produto ou produtos oferecidos por uma marca são um elemento essencial da sua comunicação,
elemento através do qual, para além da experiência que a aquisição ou o uso dos bens lhes proporciona, se constrói uma relação com a cultura
dos consumidores. Ao falar de produtos enquanto comunicação da marca, aludimos à experiência directa dos clientes com os bens adquiridos
ou utilizados mas, sobretudo, à familiaridade e ao contacto dos indivíduos, consumidores ou não, com o produto ou serviço oferecido, noção
que ultrapassa as simples quotas de mercado, e engloba, para além da difusão do produto nos locais de distribuição e da sua presença no
quadro de vida social dos consumidores, a duração dessa presença e a sua integração simbólica na cultura daqueles, conseguida através
da interacção social entre estes.
Os processos de comunicação transversal entre consumidores, frequentemente subestimados e mal entendidos na concepção de estratégias
de “branding” que postulam um efeito mecânico da comunicação das marcas através da publicidade, parecem-nos explicar os dados obtidos
no inquérito, tanto no que diz respeito à notoriedade como à atracção exercida pelas diferentes marcas, fenómenos que mais não são que
expressões da integração das diferentes marcas e produtos na cultura das sociedades em que se situam os mercados.
Ora é, justamente, na interacção social entre consumidores que as marcas se integram no discurso colectivo, são situadas em relação aos
eixos organizadores principais desse discurso e, por essa via, se constituem enquanto objectos culturais autónomos. São esses objectos que
se sedimentam num tempo de vigência da marca mais ou menos longo, que excede, por vezes, a duração da oferta correspondente. Quantas
marcas de produtos há muito desaparecidos do mercado continuam a existir na penumbra da memória dos consumidores, onde aguardam
a ressurreição através da operação de marketing que virá despertá-las para a acção? Como compreender as reacções dos “Bébés Nivea”
de Hamburgo perante a recente ameaça de desaparecimento da marca, sem a omnipresença da latinha azul nos lares da Europa do após
guerra e a valorização, pela cultura das sociedades modernas, do período infantil da vida dos indivíduos?
A Luso, marca que recebe a pontuação mais elevada, independentemente da família, reúne em seu favor todos os factores de sucesso já
apontados: marca alimentar portuguesa antiga, oferece um produto considerado saudável, desde sempre presente no quadro de vida dos
consumidores portugueses. Uma marca que é, afinal, parte integrante do nosso património cultural.
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