EM BUSCA DA BELEZA: UM ESTUDO DO VOCABULÁRIO VEGETAL DA PERSONAGEM CELESTINA Cleuza Andrea Garcia Muniz1 Raysa Luana da Silva2 Resumo: Considerada uma obra de transição entre dois períodos culturais, a Idade Média e o Renascimento, La Celestina, escrita por Fernando de Rojas, é um claro exemplo da evolução literária e ideológica que diferencia os dois períodos, e que retrata uma Espanha em fase de transição. Em estilo dramático, La Celestina pode ser considerada também como uma das maiores produções da literatura espanhola, pois oferece um plano duplo que corresponde às tendências popular e culta, marca da prosa do final do século XV. O presente artigo tem por objetivo realizar, tomando como base estudos desenvolvidos na área da botânica, um breve inventário do vocabulário vegetal referenciado no primeiro ato da obra, analisando-o como recurso para a manipulação e elaboração de produtos de beleza por Celestina que, em razão de seus vários ofícios, possuía profundo conhecimento sobre os elementos da fauna e da flora. Palavras-chave: La Celestina; plantas; estética. Abstract: La Celestina, written by Fernando de Rojas and regarded as a work of transition between two cultural periods, the Middle Age and the Renaissance, is a clear instance of literary and ideological evolution that differentiates both periods and portraits Spain in a transition moment. Thus, because of its style, a dramatic structure, La Celestina might be considered one of the biggest spanish literary productions, since it offers a double plan that matches the popular and erudite tendencies, which is the hallmark of late 15th century prose. Based on works developed in Botany, the present study aims to make a brief inventory of botanic vocabulary, which was mentioned in the Professora de Língua e Literatura Espanhola do Curso de Letras da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) - CEP: 79.070-900 - Campo Grande – MS - [email protected] 2 Professora de Língua e Literatura do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul (IFMS), Campus Campo Grande - CEP 79.005-000 Campo Grande – MS - [email protected] 1 first act of the work, by analysing it as a resource for handling and elaboration of beauty products by Celestina, that because of her many occupations had profound knowledge about the elements of fauna and flora. Key-words: La Celestina; plants; esthetics. Historicamente, as mulheres sempre se preocuparam com a beleza. Assim, a mulher associada à beleza é tema recorrente na Literatura, e desde os tempos mais remotos, poetas cantaram e exaltaram o belo. Por outro lado, para alcançar o padrão de beleza exigido ao longo dos séculos, sobretudo para aquelas desafortunadas ou desprovidas pela natureza, a tarefa não era das mais fáceis; era preciso recorrer aos mais diversos métodos de embelezamento na tentativa de alcançar esse padrão, com a finalidade de obter a perfeição pretendida e idealizada. Segundo Alicia Crespo (1993), o problema da beleza do corpo e do espírito foi um assunto muito discutido durante todo o século XVI. Mesmo que não existam muitos estudos escritos sobre as descrições físicas na literatura do período medieval, sempre existiu, na literatura, a valorização da beleza como qualidade essencial para as mulheres. Ainda segundo a autora, o ideal de beleza feminino na literatura medieval europeia, sempre vagamente descrito, apresentava os seguintes atributos à mulher: deveria ter os cabelos loiros, sobrancelhas finas e bem separadas, magra e ter a pele clara e macia. Entretanto, se na realidade poucas mulheres apresentavam esse estereótipo de beleza apreciada pelos homens, aquelas que não o possuíam lançavam mão de produtos cosméticos, de uso regular e contínuo. Desde a Idade Média existiram mulheres que se dedicavam a preparar esses produtos, como por exemplo, a velha Celestina, personagem da obra homônima de Fernando de Rojas (1502). La Celestina, intitulada primeiramente Tragicomedia de Calisto y Melibea, teve em 1502 sua versão definitiva. A obra de Rojas marca no campo literário, a transição da Idade Média para o Renascimento espanhol. Por sua importância e complexidade, já existem muitos trabalhos sobre a obra, dos mais diversos temas e campos do conhecimento. Para entender seu processo de criação é importante contextualizar alguns aspectos da época. A unificação de todos os territórios da Península Ibérica, exceto Portugal, em um único reino e única religião - a cristã - acontece nessa época. Assim, como um cristiano viejo - designação dada a quem sempre seguiu a religião católica tinha muito mais prestígio socialmente, acredita-se que muitos conversos (cristãos que antes eram judeus ou tinham antepassados dessa religião) ocultaram sua real condição. Muitos membros dessa religião foram expulsos do reino e a Inquisição perseguiu, inclusive até a morte, os suspeitos de participarem de outras religiões. A família de Rojas sofreu processos inquisitoriais por esconder suas origens e a prática do judaísmo, com o próprio Rojas aparecendo em documentos oficiais como acusado pelo Santo Inquérito. Na obra, os temas principais são o amor, a morte e a ambição. O amor é o eixo central da obra e determina o comportamento de todas as personagens. Assim, se pode deduzir que uma das intenções do autor foi atacar o louco amor ou a ambição pelo material (amor carnal e amor ao ouro) e a corrupção que transtorna a ordem social humana e divina. Já as personagens, por sua vez, aparecem diante do leitor dotadas de vida, de individualidade e realismo, ou seja, caracteres complexos e ricos, que marcam uma ruptura com o pensamento medieval existente na literatura da época. La Celestina é constituída por 21 atos e narra a história de Calisto e Melibea. Calisto, um jovem nobre, encontra Melibea em um jardim e imediatamente apaixona-se por ela, mas é rapidamente rejeitado. Desencantado, busca apoio em seu criado Sempronio, e este, por sua vez, o aconselha a recorrer aos serviços de uma velha alcoviteira chamada Celestina, a fim de conquistar Melibea. Pármeno, também criado de Calisto, tenta demovê-lo de tal ideia. Porém, a paixão é mais forte e Calisto decide encontrar-se com a alcoviteira. Com sua habilidade de convencimento e conhecimento de diversos assuntos, Celestina consegue atingir seu objetivo, despertando-lhe o amor em Melibea. Sempronio e Pármeno, já dominados pela ambição, decidem explorar seu amo e acabam por matar a Celestina porque esta se negou a dar-lhes parte de uma corrente de ouro que recebera de Calisto pelos serviços prestados ao jovem. Os criados são presos e decapitados. Certa noite, ao visitar Melibea no jardim, o apaixonado Calisto sobe por uma escada, mas acidentalmente tropeça, cai e morre. Melibea, desesperada pela morte do seu amado, encerra-se em uma torre e se suicida, atirando-se do alto, na presença dos pais. Pelo enredo da obra é possível reafirmar o que foi dito anteriormente: o amor movimenta toda a história. No entanto, trata-se de um amor trágico e o contraste amormorte perpassa a narrativa. É importante salientar que, ainda que Calisto e Melibea apareçam como protagonistas, é Celestina quem ocupa o centro da tragicomédia, por sua facilidade de palavra e seus ofícios, que lhe permitiam aproximar-se das pessoas, importantes ou não, para corrompê-las e atingir seus interesses materiais. Tal fato justifica, posteriormente, a troca do título da obra. Celestina utiliza-se de todas as armas para conseguir o que mais lhe atrai: riquezas. Seus conhecimentos da natureza humana, a cobiça e sua experiência com as plantas medicinais, considerada bruxaria e feitiçaria na época, são postos a serviço de seus interesses pessoais. É inclusive pelos seus trabalhos “suspeitos”, que Celestina chega até Calisto e a Melibea, o que fica evidente através de sua apresentação feita por Sempronio: Yo te lo diré. Días ha grandes que conozco en fin de esta vecindad una vieja barbuda, que se dice Celestina, hechicera, astuta, sagaz en cuantas maldades hay; entiendo que pasan de cinco mil virgos los que han hecho y deshecho por su autoridad en esta ciudad. A las duras penas promoverá y provocará a lujuria, si quiere. (ROJAS, 1994, p. 37). Ressaltamos que, como Celestina deseja riquezas, ela realiza todos seus ofícios com muito profissionalismo e seriedade; é Pármeno quem nos fala dos seis ofícios que Celestina possui. O que une seus ofícios são a natureza e a utilização de substâncias de origem vegetal e animal para realizar o que necessita: “Ella tenía seis oficios, conviene [a] saber: labrandera, perfumera, maestra de hacer afeites y de hacer virgos, alcahueta y un poquito hechicera. Era el primer oficio cobertura de los otros […]” (ROJAS, 1994, p. 42) Segundo os ideais de beleza da época medieval, a chamada beleza natural era muito valorizada. Entende-se por beleza natural, o estereótipo já mencionado anteriormente, que dispensava o uso de adornos e cosméticos. A utilização de cosméticos era considerada algo quase demoníaco, pois a visão teocêntrica da época considerava que a verdadeira beleza era a interior e que o corpo feminino era a representação do pecado. Segundo essa visão, se a mulher utilizava adornos ou cosméticos em seu corpo, tinha nesse ato, uma intenção pecaminosa ou demoníaca. Entretanto, a partir das pesquisas realizadas, percebe-se que as mulheres que mais utilizavam os cosméticos eram as mais importantes socialmente, já que deveriam manter uma boa imagem diante da sociedade. A tirania da beleza mostra que é necessário ser jovem o maior tempo possível, pois a velhice deforma esse ideal. E para que uma pessoa permaneça jovem, tudo é permitido. Assim, as mulheres que sabiam manipular elementos de origem vegetal e animal para a elaboração desses produtos, como Celestina, eram sempre solicitadas para seu fornecimento. Na obra é possível afirmar que Melibea utilizava produtos para alcançar esse ideal de beleza ou para sua manutenção, considerando-se a descrição feita por seu amado Calisto, na qual a jovem apresenta-se como a perfeição entre as mulheres: Los ojos verdes, rasgados; las pestanas luengas; las cejas delgadas y alzadas; la nariz mediana; la boca pequeña; los dientes menudos y blancos; los labios colorados y grosezuelos; el torno del rostro poco más luengo que redondo; el pecho alto; la redondeza y forma de las pequeñas tetas, ¿quién te la podría figurar? Que se despreza el hombre cuando las mira. La tez lisa, lustrosa; el cuero suyo escurece la nieve; la color mesclada, cual ella la escogió para sí. [...] Las manos pequeñas en mediana manera, de dulce carne acompañadas; los dedos luengos; las uñas en ellos largas y coloradas, que parecen rubíes entre perlas […]. (ROJAS, 1994, p. 36) Para elaborar os cosméticos e todos os recursos para o tratamento de beleza, era costume entre as mulheres recorrer aos manuais ou receituários que continham toda sorte de receitas medicinais e cosméticas, fórmulas e elaboração de variados produtos, dos mais distintos usos. Assim, desde sabonetes até loções para clarear o cabelo, o uso desses produtos tinha uma finalidade muito clara, que era imitar ou atingir o ideal de beleza feminino da época. Ainda segundo Crespo (1993), em seu estudo sobre os adornos e cosméticos utilizados no século XI, observamos que os referidos manuais eram destinados às mulheres de classes privilegiadas, logo letradas e que necessitavam educar-se de maneira livresca, já que estavam muito mais distantes das práticas caseiras, ao contrário das mulheres de classes populares que, através da tradição oral, transmitida de geração em geração, elaboravam as receitas de produtos recolhidos nos referidos manuais. En efecto, vemos como la mujer desempeñó un papel fundamental en la medicina doméstica y no sólo como partera, labor tradicionalmente asignada al universo femenino, sino como conocedora de remedios para resolver los problemas de salud más comunes en el espacio doméstico. Tarea que compaginaba con la de perfumista y cosmetóloga, encargada de la limpieza y ornato del cuerpo a través de la actuación sobre la piel, la higiene bucal y el cabello. Conocimientos diversos cuyas recetas y formulas no solo se transmitían de forma oral sino que se compilaban en recetarios que iban pasando de madres a hijas como verdaderos tesoros de saber cotidiano. (SANTAYANA & GARCÍA-VILLARICO, BUENO, MORALES, 2011, p. 252-253). Celestina recebe de sua companheira Claudina, mãe de Pármeno, todo o conhecimento necessário para o preparo e confecção de vários cosméticos. Além disso, a mestre Claudina ensinou-lhe as propriedades ocultas das plantas, que iam desde a cura até a morte, dependendo da forma como as utilizavam. Nas palavras da própria personagem: (…) su madre y yo, uña y carne. De ella aprendí todo lo mejor que sé de mi oficio. Juntas comíamos, juntas dormíamos, juntas habíamos nuestros solaces, nuestros placeres, nuestros consejos y conciertos. En casa y fuera, como dos hermanas. (ROJAS, 1994, p. 79). A base de elaboração dos cosméticos preparados por Celestina partia de elementos da natureza, os ingredientes mais comuns utilizados em sua preparação eram ervas, plantas, derivados animais e inclusive alguns minerais. Em uma antológica descrição da velha alcoviteira, Pármeno oferece-nos no Ato I uma extensa lista de elementos vegetais e animais utilizados no preparo de vários produtos; amostra muito completa da flora medicinal da época de Rojas. Esta fabulosa descrição permite-nos conhecer o famoso laboratório de Celestina, centro de interesse de teóricos e objeto de análise de vários estudos críticos. Em seu laboratório existiam muitos instrumentos de destilação e Celestina detinha esse saber, ou seja, o exercício da prática destilativa, entendida como uma arte de separação por meio do calor. Se ha notado además que Celestina, amén de poseer los ingredientes, también dispone de los instrumentos adecuados para destilar y conservar: su colección de botes de farmacia ya sea de barro ya sea de vidrio, consta, por ejemplo, de numerosos alambiques, redomillas, y barrilejos, entre otros.3 (BOTTA, 1994, p. 45). Passemos agora à descrição dos vegetais referenciados no Ato I, já que nesse ato encontramos referências a 56 espécies vegetais, de um total de 86, segundo estudos de Santayana et al (2011). O presente estudo baseou-se em um inventário da referida pesquisa, na qual os autores recolheram e analisaram todas as menções às plantas, animais e aos nomes relacionados com estes ou aos produtos vegetais e animais. Igualmente, realizamos um recorte das plantas utilizadas especificamente para a elaboração dos cosméticos. Essa divisão deve-se ao fato de que essas espécies estão 3 Grifo nosso. relacionadas diretamente ao âmbito da estética facial e ao tratamento do cabelo, ao contrário das outras, que se destinam, por exemplo, à perfumaria. Assim, mencionamos a denominação vulgar da planta em língua espanhola seguida de seu nome científico e seu corresponde em português (caso exista a espécie no Brasil), e também, uma breve descrição e definição retirada do dicionário Covarrubias (1611) e em outras fontes investigadas4. Entre as muitas plantas utilizadas pela personagem para a elaboração dos cosméticos, destacam-se as lejías para enrubiar (utilizadas para tingir o cabelo). Cabelos compridos e loiros representavam um dos padrões de beleza estabelecidos na época, mulheres que não se encaixavam nesse padrão, recorriam ao uso de produtos para tingi-los. No primeiro ato são registradas cinco espécies que Celestina utilizava na elaboração dos produtos: sarmientos, carrasca, centeno, marrubios e milifolia. Sacaba agua[s] para oler, de rosas, de azahar, de jazmín, de trébol, de madreselva; y clavenillas, mosquetadas y almizcladas, polvorizadas, con vino; hacía lejías para enrubiar, de sarmientos, de carrasca, de centeno, de marrubios, con salitre, con alumbre y milifolia y otras diversas cosas.5 (ROJAS, 1994, p. 44) Isso posto, passemos à análise de cada elemento vegetal seguindo a ordem em que aparece na citação do fragmento da obra. O sarmiento (Vitis vinifera – Videira, no Brasil), uma espécie trepadora, é a planta dos problemas circulatórios, pois a cor vermelha sangue de suas folhas indica sua riqueza em taninos. É conhecido que, além do mosto (suco da uva exprimida e sem fermentar), se obtém também dessa uva um suco fermentado. Estes princípios exercem uma importante atividade vitamínica que também faz diminuir a permeabilidade dos capilares e aumenta sua resistência. A carrasca (Quercus ilex – Azinheiro, no Brasil) é obtida nas colinas, bosques e campos da região mediterrânea. É uma espécie de encima pequena, de matéria muito forte. A casca conta com uma grande quantidade de taninos, por isso é muito apreciada nas tinturarias para curtir o couro e para fazer produtos para tingimento. O centeno (Secale cereale – Centeio, no Brasil) tem vários usos, e um dos principais é o whisky de centeno. Como medicina alternativa em sua forma líquida é 4 5 As descrições e definições também foram consultadas nos estudos de Santayana et al. Grifo nosso. conhecida como "extrato de centeno”, um líquido obtido da planta e semelhante ao extrato de trigo. O marrubio (Marrubium vulgare – Marroio branco ou Hortelã do Maranhão, no Brasil) é usado tradicionalmente em infusões como remédio para todo tipo de doenças derivadas, em geral, do frio. É expectorante e fluidificante, útil tanto para as vias respiratórias superiores, como bronquite, tosse ou asma. Assim, o marrubio é a planta do bem-estar respiratório. A milifolia (Achillea millefolium – Milfolhas, no Brasil) por sua vez, foi uma das ervas mais apreciadas pelas feiticeiras e boticárias na época medieval. Suas substâncias ativas têm utilidades hemostáticas e digestivas, e seu extrato é utilizado na fabricação de produtos cosméticos dos mais diversos, entre eles tinturas para o cabelo e produtos de limpeza de pele. Celestina também preparava muitos aceites para el rostro (produtos para limpeza do rosto). Los aceites que sacaba para el rostro no es cosa de creer: de estoraque y de jazmín, de limón, de pepitas, de violetas, de menjuí, de afócigos, de piñones, de granillo, de azofeifas, de neguilla, de altramuces, de arvejas y de carillas y de hierba pajarera; y un poquillo de bálsamo tenía ella en una redomilla, que guardaba para aquel racuño que tiene por las narices.6 (ROJAS, 1994, p. 44) Do tronco de estoraque (Styrax officinalis – Estoraque, no Brasil) extrai-se um licor, que é um líquido resinoso que se comercializa como incenso aromático chamado benjuí. Obtêm-se o estoraque líquido a partir do cozimento do licor. É expectorante, desinfectante e antisséptico. Do jazmín (Jasminum officinale – Jasmim, no Brasil), as flores são utilizadas na perfumaria por seu aroma. É utilizado também como aromatizante de infusões, como calmante e como sedante. O limón (Citrus limon – Limão, no Brasil) é utilizado para limpar e eliminar manchas e imperfeições do rosto. Tem infinitas propriedades medicinais. O ácido ascórbico e o limoneno conferem-no propriedades depurativas. O suco de limón, combinado com a água e os sais, é uma boa alternativa para hidratar o organismo e recuperar os minerais perdidos. 6 Grifo nosso. As pepitas (Lagenaria siceraria – Cabaça, no Brasil) produzem um azeite utilizado no rosto. A polpa fibrosa que se encontra junto às sementes possui efeitos laxantes e eméticos, enquanto que na pele atua como diurética. A violeta (Viola odorata – Violeta, no Brasil) é uma flor comum e muito conhecida, utilizada na perfumaria e na fabricação de licores. Além disso, possui propriedade adstringente, emoliente, expectorante e laxante. O menjuí (Styrax benzoin – sem correspondente brasileiro) é um licor parecido ao benjuí e alguns estudos mostram que pertence a mesma família. Possui propriedades adstringentes, desinfetantes, expectorantes e antissépticas, além de ser utilizada para tratar os furúnculos da pele. O alfócigo (Pistacia vera – Amêndoa-pistácio ou Pistache, no Brasil) é muito mais conhecido como pistacho (do italiano pistaccio). Seu fruto é semelhante ao piñón, tem propriedades adstringentes e também é um dos sabores clássicos para os sorvetes. O piñón (Pinus pinea – Pinheiro, no Brasil) é a fruta do pino, árvore conhecida e muito viril, de onde se retira a matéria-prima para muitos instrumentos de corda. Dessa fruta preparava-se um azeite para utilização na limpeza de pele. As azofeifas (Ziziphus jujuba – Jujuba, no Brasil) são utilizadas para limpeza de pele. Seu fruto é rico em açúcar e amido e as raízes são empregadas contra a febre. O granillo (Scorpiurus muricatus – sem correspondente no Brasil) é uma semente semelhante à cevada e ao centeio. De sua semente é retirada um extrato de matéria verde que possui efeitos alopáticos. A neguilla (Nigella sativa – Cominho negro, no Brasil) é utilizada para retirar manchas da pele e para limpá-la. De semente escura, os romanos utilizavam-na como substituto da pimenta. Ela aumenta a eliminação de ácido úrico e era utilizada na antiguidade contra a icterícia. As altramuces (Lupinus Albus – Tremoço, no Brasil) são utilizadas para limpar a pele. Planta conhecida por seus grãos duros, grandes, vermelhos e amargos. Dos seus grãos preparam-se farinhas e granulados para a elaboração de comprimidos, dos quais têm especial indicação nos casos de elevada concentração de ácido úrico no sangue. A arveja (Vicia sativa – sem correspondente no Brasil) é uma planta herbácea, ereta e trepadora, de vida curta, e que possui, às vezes, pelinhos em suas extremidades. Suas sementes são utilizadas para abrandar furúnculos, para limpar a pele e como forragem para animais. A carilla (Vigna unguiculata – Feijão fradinho, no Brasil) é uma variedade de judia, um tipo de vagem, menor que a normal, chegando apenas a alguns centímetros. Sua cor é branca ou branca amarelada e tem uma mancha escura na lateral. Suas sementes possuem propriedades adstringentes. A hierba pajarera (Stellaria media – Morugem branca ou Morugem verdadeira, no Brasil) é encontrada abundantemente nos lugares úmidos e com muita sombra, como próximos de muros. Antigamente, utilizavam-na como expectorante e fortalecedor das vias respiratórias e dos pulmões. É também remineralizante e utilizada para o tratamento de úlceras e feridas. Os produtos para adelgazar los cueros (afinar e deixar a pele macia) também eram procurados pelas mulheres: “Adelgazaba los cueros con zumos de limones, con turbino, con tuétano de corzo y de garza, y otras confacciones.7” (ROJAS, 1994, p. 44) O turbino (Ipomoea turpethum – sem correspondente no Brasil) é laxante e vermífugo. Existe uma variedade branca usada como catártico e laxante, e uma variedade negra semelhante ao heléboro negro. Já nas aguas para el rostro (aguas com propriedades adstringentes) são referenciadas seis espécies no primeiro ato da obra. […] hacía solimán, afeite cocido, argentadas, bujelladas, cerillas, llanillas, unturillas, lustres, lucentores, clarimientes, albalinos, y otras aguas de rostro, de resuras de gamones, de cortezas de espantalobos, de taraguncia, de hieles, de agraz, de mosto, destilados y azucarados. (ROJAS, 1994, p. 43-44) Os gamones (Asphodelus albus – sem correspondente no Brasil), conhecidas por suas propriedades medicinais, são utilizados no tratamento de inúmeras doenças e seus galhos são utilizados no tratamento do rosto. A bujellada (Buxus sempervirens – Buxo ou Buxinho, no Brasil) tem suas folhas e frutos não comestíveis e altamente tóxicos. Entretanto, são atribuídas a ela propriedades medicinais contra a malária e às infecções intestinais. As folhas dos espantalobos (Colutea arborescens – sem correspondente no Brasil), usadas em grande quantidade, possuem propriedades purgantes e depurativas. Para a teraguncia (Dracunculus vulgaris – sem correspondente brasileiro), um médico grego, Dioscórides, resumiu em seus escritos o conhecimento humano do uso das plantas medicinais; anotou, por exemplo, que o dracunculus (dragontea), uma 7 Grifo nosso. planta com caule "retorcido como o ventre de uma serpente", controla o câncer, é abortiva, cura a gangrena e é boa para a visão. O azúcar (Saccharum officinarum – açúcar, no Brasil) tem propriedades adstringentes e é uma importante fonte de calorias na dieta moderna. Entretanto, é frequentemente associado às calorias vazias, devido à completa ausência de vitaminas e minerais. O agraz e o mosto (Vitis vinífera – Vinho, no Brasil), já mencionados como “lejías para enrubiar”, são sumos da uva exprimida e sem fermentação. Além disso, é do conhecimento de todos que as propriedades do vinho são inúmeras. Diante do exposto, podemos observar através do breve inventário do vocabulário vegetal, aqui analisado, que La Celestina foi uma obra que impulsionou muitos estudos de temáticas e abordagens distintas, e de opiniões positivas e negativas sobre a utilização das plantas medicinais na época medieval. Ressaltamos que o mundo da botânica ocupa um lugar privilegiado nas pesquisas que serviram para desmistificar, pelo menos em boa medida, a imagem da mulher como bruxa e feiticeira na Idade Média, e colocá-la como uma grande conhecedora dos princípios da medicina natural. A natureza foi e continua sendo uma fonte inesgotável para tratar e curar enfermidades, para aliviar os males, para prover a alimentação, para abrigar-se, vestir-se e, conforme analisamos em nosso recorte, para a busca e manutenção da beleza, seja em qualquer época ou sociedade. Referências Bibliográficas BOTTA, P. La magia en La Celestina. DICIENDA: Cuadernos de Filología Hispánica, Madrid, n. 12, p. 37-67. Ed. 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