Estudo Prospetivo – Relatório Final Identificação: 000748402013 – O sistema de formação profissional dual alemão: determinação das potencialidades e entraves da sua eventual incorporação ao sistema de formação profissional português NIPE Universidade do Minho Programa Operacional de Assistência Técnica do Fundo Social Europeu (POAT-FSE) 31 março 2015 Coordenador Francisco Carballo-Cruz POATFSE: gerir, conhecer e intervir Ficha Técnica Entidade Beneficiária Designação Núcleo de Investigação em Políticas Económicas – NIPE Escola de Economia e Gestão – EEG Universidade do Minho – UM Endereço Institucional Departamento de Economia Escola de Economia e Gestão Universidade do Minho 4710-057 Braga – Portugal Telefone: 253604517 Fax: 253601380 Email: [email protected] Equipa Técnica Membros da Equipa Francisco Carballo-Cruz (Coordenador) José Cadima Ribeiro Rosa-Branca Esteves Colaboradores João Cerejeira Paulo Mourão Assistentes Ana Martins Andreia Amorim João Luís Oliveira Entidades Consultoras/Colaboradoras Edit Value, Lda. Simple Talks, Lda. Gestão Administrativa e Financeira Gestora Dina Guimarães i Agradecimentos A equipa técnica está agradecida a todas as entidades que colaboraram direta ou indiretamente no estudo, assim como a todas as pessoas que tiveram a amabilidade de participar nas entrevistas ou deram o seu contributo para a elaboração dos estudos de caso, nomeadamente, a: David Justino e Mariana Peliz (Conselho Nacional de Educação), HansJoachim Böhmer (Câmara de Comércio Luso-Alemã), Ana Paula Filipe e Sandra Bernardo (Instituto de Emprego e Formação Profissional), António Marques (CIP), José Luís Presa (ANESPO), Adelino Calado (ANDAEP), Margarida Gomes da Silva e Cátia Rocha (ATEC), Elísio Silva (DUAL) e Luís Caseiro (Toyota Caetano Portugal). É de agradecer também o contributo dos especialistas alemães em ensino dual, Christian Sperle (Confederação Alemã de Atividades Manuais) e Andreias Saniter (Universidade de Bremen), que tiveram um papel essencial de assessoria e aconselhamento ao longo dos trabalhos. Agradece-se também a colaboração dos assistentes de investigação Ana Martins, Andreia Amorim e João Luís Oliveira, que participaram no estudo realizando tarefas de suporte, que permitiram que os membros da equipa mantivessem o seu foco no essencial. Não podemos deixar de agradecer ainda a colaboração das entidades externas, pela competência e empenho com que se envolveram na realização das tarefas que lhes foram encomendadas. Endereça-se um agradecimento especial à gestora do projeto na Agência para o Desenvolvimento e Coesão, Paula Feliciano, pela disponibilidade demonstrada para resolver dúvidas relativas à execução física e financeira do projeto e pela sua compreensão naquelas conjunturas em que surgiram dificuldades e contratempos. Não podemos deixar de prestar um agradecimento difícil de mensurar a Dina Guimarães, gestora do projeto no NIPE, não só pela dedicação e profissionalismo que sempre caracteriza o seu trabalho, mas também por ter assumido o projeto como seu desde o primeiro momento, libertando a coordenação das tarefas para as que nunca se está preparado. A todos eles pelo interesse demonstrado e pela colaboração desinteressada: Muito obrigado! Espera-se que o estudo contribua para esclarecer dúvidas e eliminar incertezas e para formar opiniões mais fundamentadas sobre a formação profissional dual, assim como para despoletar um debate informado sobre um assunto de capital importância para o País. Braga, Março de 2015, pela Equipa Técnica, Francisco Carballo-Cruz ii Índice Geral Pág. 1. Enquadramento, Conceitos e Metodologia 1 1.1. Introdução, objetivos e estrutura 2 1.2. Conceitos e pressupostos 5 1.3. Metodologia e organização 6 2. O Sistema Dual Alemão de Formação Profissional 11 2.1. Enquadramento e funcionamento do sistema dual alemão 12 2.2. A conjuntura atual do sistema dual alemão 26 2.3. Vantagens, problemas e desafios do sistema dual alemão 42 2.3.1. As vantagens do sistema 42 2.3.2. Os problemas e desafios do sistema 44 3. O Sistema Educativo e o Sistema de Formação Profissional Português 49 3.1. Os percursos formativos no sistema educativo português 50 3.2. A formação profissional no sistema educativo português – A evolução 56 3.3. A formação profissional no sistema educativo português – A atualidade 63 4. A Transferência do Sistema Dual 71 4.1. Introdução 72 4.2. O argumento da redução do atraso educativo 74 4.3. O argumento da redução do desemprego jovem 85 4.4. A transferência do sistema dual alemão: interesse e dificuldades 91 4.5. Os fatores de sucesso dos sistemas de formação profissional 99 5. Experiências bem-sucedidas de base dual no sistema de formação profissional em Portugal 105 5.1. Introdução 106 5.2. Os estudos de caso 107 5.2.1. Estudo de Caso 1 – EC1: ATEC 107 5.2.2. Estudo de Caso 2 – EC2: DUAL 112 5.2.3. Estudo de Caso 3 – EC3: Toyota Caetano Portugal 117 iii Pág. 6. O Sistema de Formação Profissional em Portugal e a sua eventual Dualização: a Perspetiva dos Stakeholders 123 6.1. Introdução 124 6.2. Consideração gerais 125 6.3. A situação do sistema de formação profissional em Portugal – O status quo 126 6.4. A reforma do sistema de formação profissional em Portugal – A dualização 131 7. Conclusões e recomendações 141 Referências 153 Anexos 159 Anexo I – Ofertas formativas minoritárias de nível básico e secundário 161 Anexo II – Indicadores de definição dos níveis do Quadro Europeu de Qualificação 165 Anexo III – Memorando de Cooperação na Educação Vocacional e Profissional na Europa 167 Anexo IV – Esquema Comparativo dos Sistema Educativos Português e Alemão 171 Anexo V – Guião das Entrevistas 173 Anexo VI – Listagem de Participantes nas Entrevistas 175 Anexo VII – Listagem de Peritos Internacionais Participantes 177 iv Índice de Figuras Figura 2.1 Figura 2.2 Figura 2.3 Figura 2.4 Figura 2.5 Figura 2.6 Figura 2.7 Figura 2.8 Figura 2.9 Figura 2.10 Figura 2.11 Figura 2.12 Figura 2.13 Figura 2.14 Figura 2.15 Figura 2.16 Figura 3.1 Figura 3.2 Figura 3.3 Figura 3.4 Figura 4.1 Figura 4.2 Figura 4.3 Figura 4.4 Figura 4.5 Figura 4.6 Figura 4.7 Figura 4.8 Figura 4.9 Figura 4.10 Figura 4.11 Figura 4.12 Figura 4.13 Figura 4.14 Figura 4.15 Figura 4.16 Figura 4.17 Figura 4.18 Número de novos contratos no sistema dual, 2000-2014 Candidatos que não conseguem aceder ao sistema dual (%), 2008-2014 Número de aprendizes nos programas do sistema dual, 2000-2012 Distribuição do trânsito dos alunos que saem da escola (%), 2006-2012 Inscrições em cada um dos subsistemas do sistema formação profissional, em função do nível de estudos à entrada (%), 2012 Nível de estudos à entrada dos alunos inscritos em cada um dos subsistemas do sistema formação profissional (%), 2012 Idade com que os aprendizes acedem ao sistema dual (%), 2012 Distribuição das idades com que os aprendizes acedem ao sistema dual (%), 2012 Distribuição regional dos inscritos em programas duais, 1992-2014 Desequilíbrios regionais no sistema dual, 2014 Número de programas do sistema dual por duração, 2000-2012 Distribuição dos contratos de aprendizagem, por grandes sectores, no sistema dual (%), 1994-2014 Número de contratos por profissão, 2012 Top 10 das profissões mais procuradas – número de novos contratos, 2012 e 2014 Aprendizes por tipo de empresa – tamanho (%), 1999-2012 Empresas formadoras que ofereceram vagas, 2012 Número de alunos inscritos em cursos de nível secundário do sistema de aprendizagem, 2008-2013 Número de alunos inscritos em cursos profissionais – escolas profissionais e escolas secundárias públicas, 2003-2013 Alunos inscritos em cursos profissionais no total de alunos inscritos no ensino secundário (%), 2003-2013 Alunos matriculados nas principais modalidades de ensino secundário, 2003-2013 Taxa de graduação terciária (ISCED 5-6) (%), 2004-2012 Taxa de desemprego dos trabalhadores com educação terciária, por grupo etário (%), 2012 Evolução da taxa de desemprego dos trabalhadores com educação terciária em Portugal, por grupo etário (%), 2000-2012 Adultos [25-64 anos] com pelo menos o ensino secundário superior e adultos com ensino superior (terciário), por faixas etárias (%) – Alemanha e Portugal, 2012 População com formação até a segunda etapa da Educação Secundária, segundo orientação: formação profissional ou formação geral (%), 2012 Taxa de abandono escolar precoce (%) – Alemanha e Portugal, 1997-2013 População jovem [15-24 anos] que não estuda nem trabalha (NEET) (%), 2013 Alunos matriculados em cursos de formação profissional em Portugal, 2003-2014 Remunerações relativas dos trabalhadores com estudos superiores, por faixas etárias, 2012 Diferencial das remunerações brutas entre os trabalhadores portugueses e alemães, por tipo de ocupação, fator Diferencial nas taxas de desemprego jovem [15-24 anos] e de desempego adulto [25-64 anos], fator, 2014 Graduados em programas de ensino secundário por orientação, geral ou profissional (%), 2012 Taxa de desemprego jovem, por grupo etário e por nível educativo (%), 2013 Taxa de desemprego jovem, por grupo etário e por nível educativo (%) – Alemanha e Portugal, 2013 Figura 4.15 – Composição sectorial da economia, emprego e valor acrescentado bruto (%) – Alemanha e Portugal, 2012 Dimensão empresarial, número de trabalhadores (%) – Alemanha e Portugal, 2012 Dimensão empresarial no sector industrial, número de trabalhadores (%) – Alemanha e Portugal, 2012 Diferencial das remunerações brutas entre os trabalhadores portugueses e alemães, por setor de atividade, fator, 2011 v Pág. 27 27 28 29 30 30 31 31 32 33 34 35 35 36 37 38 57 61 61 64 76 77 78 78 79 81 81 82 84 85 87 87 88 90 95 96 97 98 Índice de Tabelas Tabela 1.1 Tabela 2.1 Tabela 2.2 Tabela 3.1 Tabela 3.2 Tabela 3.3 Tabela 3.4 Tabela 4.1 Tabela 4.2 Tabela EC1.1 Tabela EC1.2 Tabela EC1.3 Síntese de organização do estudo Visão sintética dos sistemas duais mais próximos do sistema alemão na UE Perspetiva sintética do sistema dual na Alemanha Percursos formativos no sistema educativo português para jovens de diversas idades Alunos matriculados no ensino secundário por modalidade de ensino, 2000-2013 Importância do ensino profissional/vocacional no sistema educativo português, 2012-2013 Cursos de ensino profissional/vocacional em Portugal Nível de formação da população adulta [25-64 anos] (%), 2012 Desemprego por níveis de formação da população adulta [25-64 anos] (%), 2012 Cursos de formação profissional ATEC para jovens Cursos de formação profissional DUAL para jovens Cursos de formação profissional Toyota Caetano Portugal para jovens vi Pág. 10 25 41 55 64 66 67 75 89 110 115 119 Listagem de Acrónimos AHK ANACOM ANDAEP ANESPO ANET ANQ ANQEP APLOG ATEC BiBB NMF CCILA CEB CEE CEDEFOP CEF CEIIA CET CIP CNEDU CNO CNQ CP CPOE CPOVA CPP CQEP DET DGEEC DGERT DIHK EAE ECTS EDUTEC EFA EPRE ER FCB FCT FMC FP FSE GIZ IEFP IHK INE ISCED ISCO ITED ITUR LBD Câmaras de Comércio e Indústria Alemãs no Estrangeiro Autoridade Nacional de Comunicações Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas Associação Nacional de Escolas Profissionais Ordem dos Engenheiros Técnicos Agência Nacional de Qualificações Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional Associação Portuguesa de Logística Associação de Formação para a Indústria Instituto Federal de Formação Profissional (Alemanha) Ministério Federal para a Educação e a Investigação (Alemanha) Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã Ciclo do Ensino Básico Comunidade Económica Europeia Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional Cursos de Educação e Formação Centro de Excelência para a Inovação da Indústria Automóvel Cursos de Especialização Tecnológica Confederação Empresarial de Portugal Conselho Nacional de Educação Centro de Novas Oportunidades Catálogo Nacional de Qualificações Cursos Profissionais Cursos Predominantemente Orientados para o Prosseguimento de Estudos Cursos Predominantemente Orientados para o Ingresso na Vida Ativa Cursos com Planos Próprios Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional Diploma de Especialização Tecnológica Direção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho Confederação das Câmaras de Comércio e Indústria Ensino Artístico Especializado European Credit Transfer and Accumulation System Escolas Tecnológicas de Referência Educação e Formação de Adultos Escolas Profissionais de Referência Empresarial Ensino Recorrente Formação em Competências Básicas Formação em Competências Técnicas Formação Modular Certificada Formação Profissional Fundo Social Europeu Sociedade Alemã de Cooperação Internacional Instituto do Emprego e Formação Profissional Câmaras de Comércio e Indústria na Alemanha Instituto Nacional de Estatística ISCED – International Standard Classification of Education Classificação Internacional Uniforme de Ocupações Infraestruturas de Telecomunicações em Edifícios Infraestruturas de Telecomunicações em Loteamentos, Urbanizações e Conjuntos de Edifícios Learning-by-Doing vii MEC NEET OCDE PAEF PAF PAP PAT PCA PIEF QEQ QNQ RFA RVCC SA SDA SNQ TCP TIC STW UE UFCD VAB Ministério de Educação e Ciência Neither in School Nor in Education Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico Programa de Assistência Económica e Financeira Prova de Avaliação Final Prova de Aptidão Profissional Prova de Aptidão Tecnológica Percursos Curriculares Alternativos Programa Integrado de Educação e Formação Quadro Europeu de Qualificações Quadro Nacional de Qualificações República Federal Alemã Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências Sistema de Aprendizagem Sistema Dual Alemão Sistema Nacional de Qualificações Toyota Caetano Portugal Tecnologias de Informação e Comunicação School-to-Work União Europeia Unidades de Formação de Curta Duração Valor Acrescentado Bruto viii Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Capítulo 1 – Enquadramento, Conceitos e Metodologia 1 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 1.1. Introdução, objetivos e estrutura Perante a grave situação do desemprego jovem nos países europeus do Sul, os seus governos nacionais estão a avaliar um portefólio de políticas estruturais que altere a forma de inserção dos jovens no mercado de trabalho e garanta a sua permanência a médio prazo. Essas políticas destinam-se a melhorar o match entre oferta e procura de trabalho de forma a reduzir a exclusão dos jovens do mercado e, simultaneamente, ir ao encontro das necessidades das empresas em termos de perfil profissional. A preocupação pelo desemprego jovem não se esgota nos governos nacionais. No período de programação 2014-2020, a Comissão Europeia pretende destinar à luta contra o desemprego entre os mais jovens cerca de €6.000 milhões. Um dos aspetos que está a concentrar maior atenção por parte das autoridades com responsabilidades na matéria é a formação profissional. Existe algum consenso sobre o desajustamento entre este tipo de ensino e as necessidades das empresas e, inclusivamente, sobre a inadequação do processo de aprendizagem dos alunos nos sistemas de formação profissional baseados na escola dos países do Sul da Europa. Nesta conjuntura, alguns responsáveis políticos nacionais e estrangeiros, assim como empresários nacionais e quadros de multinacionais estrangeiras presentes em Portugal, têm sublinhado a necessidade de apostar em modelos de formação duais nos quais convivam a formação no posto de trabalho com a formação ministrada em escolas e centros de formação profissional. Entre estes modelos duais, o que domina o sistema alemão de formação profissional é o mais conhecido, razão pela qual vários governos em diversos continentes estão a tentar integrá-lo, com algumas adaptações, nos seus sistemas de ensino e formação. O sucesso do sistema alemão deriva genericamente das suas vantagens em termos educativos e formativos e de inserção profissional. A formação dual alemã tem o objetivo de dotar os trabalhadores de habilidades, conhecimentos e competências suficientes para desenvolver uma profissão qualificada (Tremblay e Le Bot, 2003). Além das competências profissionais, a formação prática que integra os programas permite aos jovens adquirir outras, tais como responsabilidade, capacidade de trabalho em equipa e a capacidade de aprender a aprender. 2 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Para os defensores desta modalidade de ensino, os benefícios do sistema dual de formação profissional distribuem-se entre os diversos participantes (Dybowski, 2005; Strauch, 2011): - As empresas: - Podem influenciar o conteúdo e a organização da formação que pretendem, através da participação nos regulamentos; - Veem reduzidos os custos de recrutamento de pessoal; - Garantem que a seguinte geração de trabalhadores vai estar adequadamente formada. - Os aprendizes: - Conseguem uma formação especializada e relevante para o mercado de trabalho; - Adquirem uma série de competências e habilidades sociais que influenciam positivamente a sua personalidade; - Desempenham uma atividade motivante, ao entrarem em contacto com a realidade; - Auferem uma retribuição mensal. O Estado: - Consegue manter controlados os gastos públicos com a formação profissional, graças à contribuição das empresas para o financiamento do sistema; - Transfere parte da responsabilidade das funções educativas para outros agentes institucionais e para as empresas; - Consegue reter os jovens no sistema educativo; - Oferece saídas profissionais aos estudantes do ensino secundário; - Mantém o desemprego jovem em níveis comparativamente reduzidos. Atualmente participam no ensino profissional alemão à volta de 455.000 empresas, entidades e repartições da administração pública e escritórios profissionais. Quase 75% das entidades participantes no sistema são micro, pequenas e médias empresas. Outros países Centro-europeus têm sistemas duais muito similares ao alemão, nomeadamente a Áustria, a Dinamarca e a Suíça, todos com elevadas taxas de participação (entre 40 e 60% dos estudantes do ensino secundário). Nos últimos anos, vários países da UE implementaram experiências piloto para explorar as potencialidades do sistema dual e avaliar as possibilidades de adaptação às suas realidades nacionais. Inclusivamente, países como o México, o Egito ou a China, entre outros, têm adotado, em diferentes graus, o sistema alemão, nos últimos anos. 3 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Nestes e noutros casos, a expansão do sistema deve-se ao papel ativo do governo alemão, através de Instituto Federal de Formação Profissional (BiBB),1 conjuntamente com outras entidades como a Sociedade Alemã de Cooperação Internacional (GIZ)2 e os Ministérios competentes, os quais, desde meados da década de noventa, estão a desenvolver tarefas de cooperação e assessoria técnica em matéria de formação profissional em diversos países do mundo. Durante a vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) para Portugal, iniciado em meados de 2011, o governo alemão mostrou, em diversas ocasiões, disponibilidade para apoiar o governo português na realização de reformas estruturais em vários âmbitos. Nesse período, tem vindo a público a possibilidade de transferir a experiência alemã em matéria de formação profissional, nomeadamente da modalidade dual, para o sistema de formação profissional português. O objetivo fundamental deste estudo é determinar as potencialidades e entraves derivados da eventual implementação de um sistema dual, similar ao alemão, no sistema de formação profissional português. São também objetivos do estudo: i) caracterizar o sistema de formação profissional dual alemão, em termos de fundamentos e funcionamento, e efetuar uma análise crítica do mesmo; ii) apresentar o sistema de educação e formação profissional português e realizar um retrato da sua situação atual; iii) refletir sobre a oportunidade e viabilidade de transferir o sistema dual alemão para Portugal e discutir alguns dos principais entraves desse processo; iv) apresentar iniciativas e experiências de formação profissional dual em Portugal; v) avaliar a adequação e funcionamento do atual sistema de formação profissional em Portugal, bem como a possibilidade de avançar na sua dualização; vi) conhecer a opinião de um conjunto de agentes económicos e sociais com responsabilidade e interesse em matéria de formação profissional, sobre essa eventual dualização; e, vii) efetuar recomendações de política destinadas aos policiy makers portugueses, relativas à potencial dualização do sistema de formação profissional português. O relatório organiza-se da seguinte forma. Na secção 2 deste capítulo esclarecem-se conceitos e pressupostos de base e na secção 3 apresenta-se a metodologia. No Capítulo 2 analisa-se o sistema dual alemão de formação profissional e no Capítulo 3 o sistema educativo e de formação profissional português. No Capítulo 4 discute-se a transferibilidade do sistema alemão à realidade portuguesa, com base em argumentos educativos e laborais, experiências 1 2 Bundesinstitut für Berufsbildung. Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit. 4 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal internacionais e a opinião de peritos internacionais. A descrição de iniciativas de formação profissional dual em Portugal é realizada no Capítulo 5. O Capítulo 6 sintetiza e organiza as opiniões de um conjunto de stakeholders ligados à formação profissional e às empresas, em Portugal, sobre a situação atual do sistema e sobre a sua eventual dualização. O Capítulo 7 conclui, avançando um conjunto de recomendações sobre a matéria objeto de análise e estudo. 1.2. Conceitos e pressupostos Na literatura internacional sobre ensino profissionalizante existe uma sobreposição permanente entre formação profissional e formação vocacional. Entre estes dois conceitos existem, no limite, pequenas diferenças de conteúdo, mas, em essência, trata-se de duas formas de referir-se à mesma realidade, a primeira em países do Sul da Europa e da América Latina e a segunda em países do Norte da Europa ou de tradição anglo-saxónica. Essa dicotomia profissional-vocacional aparece associada aos termos educação, formação e, inclusivamente, treino. Embora as dimensões de educação e de treino estejam presentes na formação profissional, neste relatório assume-se, por simplicidade, que o objeto de estudo é sempre a formação. Desta forma, para evitar confusões e por questões de consistência, o termo utilizado para referir-se genericamente às vias formativas profissionalizantes neste estudo será o de formação profissional. O termo formação vocacional aparece apenas em situações em que se faz referência a modalidades de ensino designadas especificamente desta forma, com a finalidade de as diferenciar de outras que utilizam a denominação de formação profissional. Outros conceitos que merecem um esclarecimento prévio são dual e dualização. Embora no domínio da formação profissional dual existam outros aspetos bidimensionais, em certa medida contrapostos, tais como os princípios formativos ou o financiamento, neste estudo o termo dual faz referência à combinação de componentes de formação escolar (na escola/centro de formação) e de formação em contexto de trabalho (na empresa). É a combinação dessas duas componentes o que dá substância ao adjetivo dual. Para que a aplicação do termo dual faça sentido, as duas componentes têm que estar presentes e da forma que se pressupõe nos programas de formação. Esta questão é de extrema importância no caso da formação em contexto de trabalho, dado que uma modalidade formativa não poderá ser catalogada como dual quando esta componente for substituída por práticas 5 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal simuladas, por estágios com práticas em ambientes formativos não laborais ou, inclusivamente, por visitas a empresas. A dualização é entendida no estudo como um processo de transformação do sistema de formação profissional, tanto quantitativa como qualitativamente. A transformação quantitativa implica, por um lado, o aumento do peso da componente de formação em contexto de trabalho nos programas atuais e, por outro, o incremento do número, e portanto do peso, de programas de formação criados de raiz com uma filosofia completamente dual no conjunto do sistema de formação profissional. A transformação qualitativa do sistema pressupõe a integração e interiorização de aspetos basilares de organização dos sistemas duais, tais como a participação empresarial, a colaboração dos parceiros sociais ou o acompanhamento e monitorização permanente por parte da Administração Pública. O grau de dualização do sistema dependerá do nível de generalização dos programas formativos dualizados ou duais e da intensidade de adoção dos princípios e formas de organização de um sistema dual. Todas as referências no estudo ao sistema dual de formação profissional em Portugal têm um caráter abstrato e, salvo no capítulo de conclusões e recomendações, não pretendem influenciar as suas características ou configuração. O objetivo último do estudo é, no caso de ser apropriado, apontar vias para dualizar progressivamente o sistema de formação profissional português em geral, ou, pelo menos, naqueles âmbitos sectoriais ou ocupacionais em que tal possibilidade seja mais adequada. 1.3. Metodologia e organização A bateria metodológica utilizada no estudo abrange diferentes instrumentos e técnicas de recolha e análise de dados e informação e a auscultação de diferentes perspetivas sobre o sistema de formação profissional e a sua eventual dualização, através do envolvimento de diferentes stakeholders com interesse na temática. Entre outros, são adotados os seguintes procedimentos metodológicos: - Recolha, tratamento e análise de informação de fontes estatísticas secundárias sobre o sistema educativo e o mercado de trabalho em Portugal e sobre o sistema de formação profissional na Alemanha, especialmente sobre o sistema dual. A finalidade última destes procedimentos de pesquisa e sistematização de informação tem caráter expositivo e argumentativo. A maioria da informação será apresentada de forma sintética, através de gráficos e quadros ilustrativos e comparativos. 6 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal - Produção de informação qualitativa (opiniões, posições, pontos de vista, entendimentos e reflexões, entre outras), a partir da realização de entrevistas. Os participantes no inquérito por entrevista foram selecionados em função do seu conhecimento do assunto, do seu papel atual no sistema de ensino e formação profissional, da sua capacidade de influência na hora de reformar o sistema e do rol que potencialmente poderiam desempenhar num sistema dualizado. - Compilação de opinião de peritos sobre a matéria objeto de estudo. Foram escolhidos dois peritos alemães em ensino profissional, um ligado a um centro de investigação em políticas de educação de uma universidade, e um outro, vinculado à unidade de educação e formação de uma confederação profissional de âmbito nacional. As análises e informações disponibilizadas foram utilizadas para balizar algumas dimensões e fundamentar as conclusões e recomendações do estudo. - Realização de estudos de caso baseados em experiências bem-sucedidas de aplicação de programas de formação de base dual em Portugal. Dois dos casos correspondem a duas academias de formação ligadas a entidades ou empresas alemãs, que aplicam programas assentes em lógicas duais. O outro caso é o da estrutura de formação de uma grande empresa industrial portuguesa. Os programas de formação oferecidos nos casos estudados inserem-se, maioritariamente, no sistema de aprendizagem, combinando uma componente de formação escolar com uma outra de formação em contexto de trabalho. - Sistematização da informação coligida e elaboração de um conjunto de recomendações de política para reformar o sistema de formação profissional em Portugal e construir uma estratégia de reforma. Os dados sobre a realidade do mercado de trabalho e do sistema educativo em Portugal procedem fundamentalmente do Instituto Nacional de Estatística (INE) e da Direção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência (DGEEC) do Ministério de Educação e Ciência (MEC). A informação qualitativa sobre o funcionamento do sistema educativo procede de fontes nacionais (relatórios e sites) do Ministério de Educação e Ciência (MEC), do Conselho Nacional de Educação (CNEDU), da Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional (ANQEP) e do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). Para fins de comparação internacional foram utilizadas fontes internacionais, nomeadamente a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), o Centro Europeu para o 7 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Desenvolvimento da Formação Profissional (CEDEFOP) e a Direção-Geral de Emprego, Assuntos Sociais e Inclusão da Comissão Europeia, para matérias de educação, e a EUROSTAT, para matérias de emprego e mercado de trabalho. Os dados sobre o sistema educativo e o sistema dual alemão procedem, fundamentalmente, do Instituto Federal de Educação e Formação Profissional (BiBB), embora tenham sido utilizadas outras fontes, nomeadamente outras instituições locais com vínculos ao sistema educativo. A maioria das entidades participantes nas entrevistas foi escolhida por motivos óbvios, nomeadamente pelo seu vínculo aos sectores da educação e da formação profissional. As pesquisas efetuadas sobre formação dual em Portugal orientaram outras escolhas de pessoas e entidades, seguindo critérios similares. As entrevistas efetuadas tiveram caráter semiestruturado, de modo a permitir que o interlocutor tivesse alguma liberdade para abordar assuntos da sua iniciativa ou complementar as questões do entrevistador, respondendo a perguntas acessórias tacitamente introduzidas no diálogo. Foi preparado um guião com um conjunto de questões sobre tópicos de interesse, para balizar os conteúdos da entrevista e permitir a sua organização posterior. Em algumas entrevistas, parte das questões não foram formuladas dado o perfil do entrevistado e os conhecimentos que se lhes pressupunham. Antes de iniciar as entrevistas foi efetuada uma entrevista piloto que resultou em alterações na estrutura do questionário e em ajustamentos em algumas das questões inicialmente propostas. Embora a equipa tivesse definido uma ordem (com certa flexibilidade) para a realização das entrevistas, a dificuldade de agendamento de algumas delas e as limitações logísticas acabaram por definir a ordem em que foram realizadas. Foram entrevistados os responsáveis das seguintes entidades e associações: Conselho Nacional de Educação, Instituto de Emprego e Formação Profissional, Câmara de Comércio Luso-Alemã, Confederação da Indústria Portuguesa, ATEC Academia de Formação, DUAL Qualificação, Toyota Caetano Portugal, Associação Nacional de Escolas Profissionais e Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas. O recurso a peritos internacionais na matéria, oriundos da Alemanha, é utilizado no âmbito do estudo como um instrumento de interpretação de realidades e tendências e como uma ferramenta de validação/rejeição da informação obtida nas entrevistas. Considerou-se que dois (peritos) seria um número suficiente, tendo em atenção que deveria primar-se a qualidade dos participantes face à quantidade. Adicionalmente, a elevada disponibilidade que 8 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal se pretendia, em matéria de comunicação e capacidade de resposta, não era compatível com um número alargado de especialistas. Para garantir diversidade, um dos peritos selecionados tem ligação a uma universidade e o outro a uma confederação profissional de alcance nacional, com preocupações e interesses em matéria de formação profissional. A escolha dos peritos foi efetuada, portanto, com base em critérios de competência e disponibilidade.3 A interação com os peritos foi efetuada maioritariamente via correio eletrónico e telefone.4 As solicitações formais de opinião sobre determinados aspetos, através de questionários fechados com respostas abertas, foram acompanhadas de pedidos menos formais sobre questões específicas, fundamentalmente para fins de esclarecimento. Os peritos participantes foram Andreas Saniter, Investigador do Instituto de Tecnologia e Educação [Institut Technik und Bildung (ITB)], Universidade de Bremen [Universität Bremen] – Perito I, e Christian Sperle, da Unidade de Políticas Europeias de Educação e Formação Profissional e de Estratégias de Aprendizagem ao Longo da Vida, Confederação Alemã de Atividades Manuais [Zentralverband des Deutschen Handwerks] – Perito II. A organização do estudo em termos de compatibilização dos objetivos estruturais (de conteúdo) com os objetivos operacionais, bem como com a panóplia de metodologias anteriormente explicitadas, consta na Tabela 1.1. A cada objetivo estrutural corresponde, pelo menos, um objetivo operacional e um ou mais instrumentos metodológicos. Na tabela existem ainda referências aos capítulos relativos a cada um deles. 3 4 As relações pessoais indiretas foram importantes no primeiro contacto com os peritos. Houve também encontros pessoais em Portugal aproveitando deslocações ao País. 9 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Tabela 1.1 – Síntese da organização do estudo Objetivos Estruturais (Conteúdo) Objetivo Operacional Metodologia Capítulo Descrição dos fundamentos e funcionamento do sistema dual alemão de formação profissional Exposição e análise Recolha, tratamento e análise de informação Cap. 2 Caracterização da realidade atual do sistema dual alemão de formação profissional Exposição e análise Recolha, tratamento e análise de informação Cap. 2 Opinião de peritos Descrição dos percursos formativos do sistema educativo português Exposição e análise Recolha, tratamento e análise de informação Cap. 3 Descrição do sistema de formação profissional português (conjunto de modalidades profissionalizantes) Exposição e análise Recolha, tratamento e análise de informação Cap. 3 Caracterização da realidade atual do sistema de formação profissional português Exposição e análise Entrevistas Recolha, tratamento e análise de informação Cap. 3 Entrevistas Exposição de argumentos para a dualização do sistema de formação profissional português Proposição Recolha, tratamento e análise de informação Cap. 4 Entrevistas Opinião de peritos Reflexão sobre a transferibilidade do sistema dual alemão a outras realidades e sobre os seus problemas de adaptação à realidade portuguesa Discussão Apresentação de iniciativas e experiências de formação profissional dual em Portugal Evidenciação Estudos de caso Cap. 5 Síntese de opiniões sobre a situação do sistema de formação profissional português e consolidação de perspetivas sobre uma eventual reforma de inspiração dual e a estratégia a seguir nesse caso Organização e síntese Entrevistas Cap. 6 Conclusão Organização e síntese Sistematização de informação Proposição Opinião de peritos Elaboração de recomendações que possam ser transformadas em propostas genéricas de ação Sistematização de informação Cap. 4 Opinião de peritos Fonte: Elaboração Própria. 10 Opinião de peritos Cap. 7 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Capítulo 2 – O Sistema Dual Alemão de Formação Profissional 11 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 2.1. Enquadramento e funcionamento do sistema dual alemão O sistema dual alemão de formação profissional tem despertado um grande interesse em vários países do mundo, por apresentar um conjunto de vantagens, quer em termos formativos quer em termos de inserção dos jovens no mercado de trabalho. O sistema dual de formação profissional oferece aos jovens uma via para aprender uma profissão e aceder progressivamente a um posto de trabalho que exija certa qualificação. Desta forma, contrariamente a alguns países europeus que privilegiam as vias de prosseguimento de estudos ou a formação profissional baseada na escola, polarizando a oferta de ensino, a Alemanha tem um sistema educativo bastante mais diversificado e abrangente. A dualidade do sistema (dual) de formação profissional alemão manifesta-se, pelo menos, em duas dimensões. Em primeiro lugar, na dualidade do conhecimento teórico e prático adquirido, ao tratar-se de programas que combinam formação teórica em escolas de formação profissional com formação prática em contexto empresarial, mais concretamente no posto de trabalho. A primeira componente permite aos alunos concluir a sua educação secundária geral, muito centrada em disciplinas fundamentais, tais como a Matemática e o Alemão, assim como adquirir conhecimentos teóricos relativos ao perfil de formação profissional escolhido. Em segundo lugar, na dualidade público-privada da estrutura de governação do sistema, com governação pública nas escolas de formação profissional e governação privada nas empresas. O sistema de formação profissional no sistema educativo alemão O sistema alemão de formação profissional integra três modalidades: i) o sistema dual, que combina formação em contexto de trabalho com ensino em contexto escolar em centros de formação profissional (Berufsschule); ii) o sistema de qualificação, baseado em programas de formação profissional ministrados integralmente em escolas (Berufsfachse) – fundamentalmente de nível médio, nos sectores da saúde, dos serviços sociais e dos media; e, iii) o sistema de transição, integrado por programas pré-vocacionais e vocacionais. Os programas dos dois primeiros sistemas são específicos para determinados tipos de ocupações e garantem certificação profissional. O sistema de transição serve fundamentalmente para que os jovens que não conseguiram aceder aos outros dois sistemas se formem, durante algum tempo, para, a prazo, tentarem o acesso novamente. O sistema educativo alemão tem duas grandes vias bem-definidas: a via geral – de prosseguimento de estudos, e a via profissional – profissionalizante. Ambas as vias diferem em termos de princípios educativos (teoria vs. prática), objetivos de aprendizagem (competências 12 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal gerais vs. competências profissionais) e foco dos conteúdos (conhecimento científico vs. habilidades práticas para o mercado de trabalho). As diferenças evidenciam-se também em termos de prestígio e de reconhecimento de competências, dado que as adquiridas na via da formação profissional não são, em grande medida, reconhecidas para fins de prosseguimento de estudos.5 O sistema enfrenta graves défices de permeabilidade que lhe retiram flexibilidade no seu conjunto, apesar da sua diversidade. Os problemas de permeabilidade veem-se amplificados pela precocidade com que os alunos devem escolher a via em que farão o resto do seu percurso educativo (9/10 anos). Na via profissionalizante, uma das alternativas é completamente autárcica, não permitindo que os alunos possam transferir-se para vias que garantam prosseguimento de estudos. Após o ensino primário (em Portugal, 1º ciclo do ensino básico), um aluno alemão tem três alternativas para efetuar o ensino secundário inferior (a partir do 5º ano), o Gymnasium, a Realschule e a Hauptschule. O aluno que tencione prosseguir estudos deverá inscrever-se no Gymnasium, onde, para além do secundário inferior (5º a 10º ano), poderá realizar o ensino secundário superior (11º a 13º ano) e, uma vez concluído, seguir para a Universidade (Hochshule). Os alunos que concluam a Realschule ou a Hauptschule podem aceder a uma escola profissional de especialidade a tempo completo (Berufsfachse)6 ou, alternativamente, podem aceder à formação profissional no sistema dual (Berufsschule). Após a conclusão da formação em qualquer uma dessas vias podem continuar estudos em escolas técnicas especializadas de nível terciário (Fachschule), com vista a aprofundar os seus conhecimentos e prática profissional, obtendo o título de mestre na profissão em questão. Para além da via anterior, os alunos que concluam a Realschule podem aceder quer ao ensino secundário superior (Gymnasium) quer a uma escola profissional de especialidade superior a tempo completo (Fachoberschule). A conclusão destes estudos na Fachoberschule permite aos alunos aceder a uma escola universitária (Fachhochschule), de caráter terciário, com uma grande componente prática. Os que continuam estudos na via geral do ensino secundário, no 5 De facto, um diploma de educação secundária superior obtido em programas de formação profissional não é equivalente a um diploma de educação secundária superior obtido em escolas secundárias gerais (Gymnasium), dado que não outorgam o diploma de acesso à universidade (Abitur). 6 Os programas que oferecem são exclusivos destas escolas. Não existem no ensino dual. Por isso, um aluno que pretenda formar-se numa profissão cujo programa é exclusivo destas escolas tem obrigatoriamente que inscrever-se nelas. 13 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Gymnasium, podem igualmente aceder a uma escola universitária (Fachhochschule) ou, alternativamente, seguir para a Universidade (Hochshule). Embora seja possível que alunos que possuam um diploma de estudos secundários superiores, obtido em programas de formação profissional (de três anos de duração), mas que não tenham um diploma de acesso à universidade (Abitur), acedam à universidade, na realidade estes alunos apenas representam 2% dos estudantes universitários. Nos últimos anos foram criados vários programas de estudos superiores de caráter dual (Duale Studiengänge), os quais são uma forma híbrida de educação, que combina formação em contexto de trabalho e educação universitária.7 Nestes programas, conduzidos por empresas, os alunos são contratados como aprendizes e no final do programa obtêm um certificado profissional e um grau universitário, normalmente emitido por uma universidade de ciências aplicadas. Antecedentes do sistema O surgimento e desenvolvimento do sistema de ensino dual na Alemanha explicam-se em grande medida pelas caraterísticas socioculturais do País (Gessler e Howe, 2013). O embrião do sistema dual, a aprendizagem, remonta ao período compreendido entre os séculos IX e XIII, no esplendor das denominadas guildas medievais. Estas tiveram uma importância fulcral no desenvolvimento de uma cultura promotora do treino profissional, baseado no sentimento de honra profissional, na ideia de identidade profissional e no reconhecimento do indivíduo enquanto membro de uma comunidade, onde se socializa profissionalmente. A aprendizagem em contexto de trabalho é uma tradição, que emana da filosofia destas sociedades profissionais e que acabou por permanecer ao longo da história até à atualidade. A introdução da liberdade de troca no período 1869-1871 implicou uma perda de influência e dos direitos fundamentais das guildas no 1º Reich – fixação de preços, controlo da formação profissional e controlo de acesso a profissão. Essa perda de influência, comum a vários países europeus, foi temporária, tendo-se recuperado na Alemanha apenas 10 anos mais tarde, em 1881. Nessa altura, a associação de artesãos adquiriu o estatuto legal de empresa pública e foram-lhe conferidos direitos especiais, tais como a criação de tribunais arbitrais, a regulação dos processos de aprendizagem em contexto de trabalho e a introdução de exames de admissão para os lugares de mestre e de trabalhador não aprendiz. 7 Estes programas foram criados na década de setenta no estado de Baden-Wurttemberg. Atualmente estão inscritos nestes programas aproximadamente 50.000 alunos. 14 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal O ganho de preponderância da associação dos artesãos foi sucedido por um reaparecimento das guildas em maior escala, que culminou na criação da Câmara das Artes em 1897, instituição para a qual foi transferido o poder de supervisão de todas as guildas. Neste quadro institucional, as guildas funcionavam como uma extensão do Estado, sendo responsáveis pela organização e controlo da formação profissional nas empresas, nomeadamente através da determinação dos direitos de um aprendiz, da tipificação dos seus contratos de trabalho e da estipulação das normas de cumprimento obrigatório para as empresas participantes na formação de trabalhadores. O desenvolvimento do sistema de aprendizagem acabou por ser impulsionado na viragem do século por motivos políticos e económicos. Entre os primeiros, destaca-se a promoção da equidade social, através da formação dos trabalhadores mais pobres, numa sociedade industrial onde a existência de trabalhadores fabris e o desenvolvimento sindical pudessem provocar instabilidade social. Entre os motivos económicos relevam a eficiência do sistema de formação de aprendizes e a necessidade de garantir a existência de trabalhadores qualificados para trabalhar na indústria. Estas motivações levaram a que as empresas fossem legalmente obrigadas a replicar o sistema de aprendizagem para melhorar a qualificação dos trabalhadores.8 A par desses progressos no domínio da formação nas indústrias, iniciou-se o desenvolvimento de um sistema de formação profissional nas escolas. Desta forma, no início do século XX, os elementos angulares do atual sistema dual de formação profissional estavam no terreno, uma vez que à tradição de formação profissional em contexto de trabalho, iniciada na Idade Média, juntou-se a formação profissional ministrada nas escolas (Gessler e Howe, 2013). Desde os primeiros anos do século XX, o sistema dual de formação profissional alemão esteve sujeito a alterações significativas. Os ajustamentos e mudanças no sistema estiveram motivados, em grande medida, pelo confronto entre os artesãos e os empresários industriais e o aumento da influência dos sindicatos. O sistema foi adaptado como consequência dos conflitos entre artesãos e empresários industriais, uma vez que estes últimos contestavam fortemente a aplicabilidade à atividade industrial dos modelos de ensino e formação utilizados pelos artesãos, nomeadamente devido à falta de condições para realizar a aprendizagem nas fábricas. O sistema dual experimentou modificações também em resultado da importância adquirida pelos sindicados após a II Guerra Mundial, que se materializou, por exemplo, na sua 8 Por volta de 1920, o ensino dual, num modelo semelhante ao utilizado pelos artesãos, foi adotado também nas profissões ligadas ao comércio. 15 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal integração nas negociações dos contratos de trabalho dos aprendizes ou na definição de regulamentos sobre o processo de ensino. A partir de 1925, o sistema educativo alemão passou a oferecer, após a conclusão da escolaridade obrigatória (com 14 anos), duas vias alternativas: o Gymnasium, para estudos gerais, e a formação profissional, para fins profissionalizantes e a inserção no mercado de trabalho. No âmbito do sistema de formação profissional, o sistema dual desenvolve-se e consolida-se a partir de 1969, graças às reformas efetuadas pelo governo. Nesse ano foi aprovada a Lei Federal de Educação e Formação Profissional,9 que estabeleceu o quadro legal do ensino dual e deu segurança jurídica a todas as partes envolvidas, nomeadamente às empresas. Este diploma determina os direitos e as obrigações da relação entre o aprendiz e a empresa. No âmbito do sistema, os aprendizes são tratados como trabalhadores e, portanto, usufruem igualmente de direitos de proteção, segurança e segurança social, bem como de direitos salariais, embora limitados. O aprendiz tem, ainda, direitos adicionais, derivados da sua condição, nomeadamente o direito a ser formado e ensinado e a não ser tratado, portanto, como força de trabalho. As primeiras academias de formação profissional foram criadas três anos mais tarde, em 1972, na região de Baden-Württemberg, graças à cooperação entre instituições de ensino e grandes empresas como a Robert Bosch GmbH, a Daimler Benz AG e a Standard Elektrik Lorenz AG (Graf, 2013). O então denominado Modelo de Estugarda combinava treino em grandes empresas com aprendizagem nas academias de formação profissional, em moldes muito semelhantes aos do ensino dual atual. O interesse das grandes empresas pelo sistema dual, primeiro em Baden-Württemberg e depois noutras regiões,10 contribuiu para o aumento do número de instituições envolvidas, bem como para a adaptação do sistema às necessidades de um maior número de empresas e indivíduos. Ao longo da sua história recente, o sistema dual tem enfrentado diversos desafios, nomeadamente as mudanças na estrutura sectorial e profissional do mercado de trabalho alemão, o incremento dos requerimentos de habilidades e competências dos postos de trabalho, a expansão da procura de educação e formação e a necessidade de incluir socialmente os jovens de baixo desempenho escolar (Solga, 2009). 9 Berufsbildungsgesetz BBiG. Foi atualizada, por última vez, no ano de 2005. Länder – Estados Federados. 10 16 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Estrutura organizativa do sistema O sistema dual alemão de formação profissional tem como caraterística distintiva, face aos sistemas de formação profissional de outros países, a forte cooperação existente entre a administração central, as administrações regionais e locais, os parceiros sociais, as Câmaras de Comércio e Indústria e as empresas. O sistema dual está sujeito a elevados níveis de regulação. As responsabilidades e ações de cada um destes intervenientes estão definidas e reguladas pela Lei Federal de Educação e Formação Vocacional e pelos regulamentos produzidos pelo Comité Conjunto do Instituto Federal de Educação Profissional, ou seja, por legislação de âmbito Federal.11 O Ministério Federal de Educação12 é o responsável máximo pela definição da estratégia do sistema de formação profissional. É responsável também pela preparação e aprovação dos regulamentos da componente de formação em contexto de trabalho, pela conceção das estratégias e ações para a melhoria da qualidade do sistema, pela publicação de um relatório anual sobre a formação profissional na Alemanha e pelo financiamento do Instituto Federal para a Educação e Formação Profissional.13 As administrações regionais14 são responsáveis pelo funcionamento das escolas de formação profissional e pela definição do plano de estudos da componente escolar do sistema dual. Esta última circunstância faz com que exista uma considerável variabilidade entre regiões na organização e conteúdos da componente escolar (Hoekel e Schwartz, 2010). As administrações regionais assumem também o financiamento do quadro de professores das escolas de formação profissional e a supervisão legal das atividades das Câmaras de Comércio e Indústria. Os parceiros sociais têm também um papel relevante na administração do sistema dual. Colaboram na atualização dos regulamentos de formação, designadamente através da nomeação de especialistas para a elaboração e revisão dos regulamentos e a realização de propostas para a inclusão de novas profissões no catálogo de qualificações. Os parceiros sociais envolvem-se, ainda, nas negociações dos salários dos aprendizes que, por regra, se fazem via contratos coletivos de trabalho. 11 Contrariamente, o sistema baseado na escola é, em grande medida, organizado e regulado pelos diferentes Estados, o que se traduz na existência de quadros legais diferentes em cada um deles e numa ampla diversidade programática. De facto, apenas metade das profissões cuja formação pode ser obtida nestes cursos estão sujeitas a regulação Federal (Hall e Krenel, 2014). 12 Bundesministerium für Bildung. Administração Central – Federal. 13 Bundesinstitut für Berufsbildung – BiBB. 14 Länder. Administração Regional – Estatal. 17 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal As empresas são responsáveis pela formação do aprendiz em contexto de trabalho. Suportam os custos da formação na empresa, incluindo os salarios e demais encargos dos formadores e a remuneração dos aprendizes. As empresas são também responsáveis pela definição da oferta de vagas dos programas do sistema dual. Esta característica do sistema é um dos seus principais handicaps, dado que a oferta de vagas acaba por estar muito dependente do ciclo económico e da disponibilidade das empresas. O papel das Câmaras de Comércio e Indústria15 na estrutura e gestão do sistema é fundamental. As Câmaras são responsáveis por prestar serviços de consultoria às empresas participantes e por supervisionar a formação nas mesmas, nomeadamente através da verificação das condições laborais, da supervisão da formação em contexto de trabalho e da regulação do acesso à condição de instrutor/tutor e da monitorização das suas aptidões. As Câmaras de Comércio e Indústria encarregam-se ainda do registo dos contratos dos aprendizes e da organização dos exames finais. Funcionamento do sistema e conteúdos programáticos A organização participada e relativamente centralizada do sistema dual, garantem, por um lado, planos de estudos adaptados às necessidades das empresas e, por outro, standards de qualidade e conteúdos definidos a nível Federal.16 Os programas do sistema dual têm, regra geral, uma duração de entre 2 anos e 3,5 anos. Para serem admitidos nestes programas, os candidatos têm apenas que ter completado a escolaridade obrigatória, contrariamente ao que sucede nas escolas de formação profisional a tempo inteiro, onde os requisitos de acesso são mais restritivos. Como referido, o acesso ao sistema dual é efetuado através das vagas de aprendiz oferecidas pelas empresas, as quais devem estar previamente certificadas e cumprir os standards exigidos em matéria de formação. Desta forma, os jovens devem candidatar-se a uma vaga de aprendiz numa dada empresa para poder aceder ao programa dual do seu interesse. Se o aluno for recrutado como aprendiz, acede ao programa e a sua relação com a empresa é formalizada através de um contrato de aprendizagem. Segundo o BMBF (2011), o contrato deve incluir: i) a duração do programa, que tem de estar de acordo com o estipulado nos 15 Em Alemanha existem à volta de 80 Câmaras de Comércio e Indústria (IHK). Trata-se de entidades de gestão privada (pelos sócios) com estatuto público, integradas por empresas de todos os sectores e dimensões, desde microempresas a grandes empresas industriais. A pertença das empresas às Câmaras é obrigatória por Lei desde 1956 (IHK – Gesetz). 16 Apenas a definição dos conteúdos do bloco de formação geral da componente escolar é da responsabilidade das administrações regionais. 18 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal regulamentos; ii) as datas de início e conclusão do programa, podendo a formação, em determinadas condições, ser alargada para além do inicialmente previsto; iii) os conteúdos da formação, incluindo o plano de formação na empresa; e, iv) a remuneração do aprendiz, que deve cingir-se aos valores estipulados em sede de contrato coletivo de trabalho.17 Nos programas convencionais de ensino dual, o tempo dedicado pelos estudantes à componente de formação em contexto de trabalho (na empresa que os contratou como aprendizes) é de 3 ou 4 dias por semana. O plano de trabalhos correspondente à componente de formação em contexto de trabalho rege-se pelos regulamentos em vigor para cada tipo de programa/profissão do catálogo do sistema dual. Esses regulamentos abrangem o reconhecimento da qualificação, a sua designação, a duração do programa, o perfil do posto de trabalho a ocupar, assim como as competências mínimas necessárias para ocupá-lo, uma síntese do plano de estudos calendarizado e o perfil dos exames de avaliação (BMBF, 2011). Os programas que integram o catálogo do sistema dual são periodicamente atualizados, modificados e, inclusivamente, substituídos por outros de nova criação. A revisão e preparação dos regulamentos são efetuadas, de forma conjunta, por representantes das associações empresariais, Câmaras de Comércio e Indústria, sindicatos, governo federal, governos regionais e peritos em formação profissional. A iniciativa da revisão dos regulamentos existentes ou da introdução de regulamentos para novos programas é da responsabilidade do governo federal, através do Ministério Federal de Educação, sempre que os parceiros sociais concordem à partida. Os instrutores/tutores das empresas devem possuir uma série de competências específicas, relacionadas quer com a função/profissão objeto de formação quer com aspetos pedagógicos e educacionais. Os instrutores/tutores das empresas, que regra geral são escolhidos entre os trabalhadores com mais experiência, só podem exercer a função se obtiverem aprovação num exame prévio de competências. Adicionalmente, os instrutores/tutores são obrigados a frequentar periodicamente seminários de pedagogia e de técnicas de formação. As empresas formadoras que, pela sua pequena dimensão, não tenham capacidade para fornecer algum dos tipos de formação estabelecidos no regulamento, podem formar parcerias com outras empresas para aproveitar complementaridades e sinergias. A componente de formação em contexto de trabalho complementa-se com o ensino em contexto escolar nas escolas de formação profissional. Em média, os estudantes dedicam à sua 17 Quase 90% dos aprendizes estão cobertos por contratos coletivos. 19 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal formação nestas escolas entre 1 e 2 dias por semana, com uma carga horária letiva de cerca de 12 horas semanais (Hoeckel e Schwartz, 2010). Os programas de estudos da componente escolar incluem um terço de conteúdos gerais e dois terços de conteúdos específicos, sendo a aprendizagem baseada maioritariamente na realização de atividades. A componente específica do plano de estudos é definida pela Conferência Permanente de Ministros Regionais de Educação, enquanto a componente geral é estabelecida pela administração regional. Os professores que lecionam a componente escolar devem ter um diploma universitário ou equivalente e possuir formação em ensino prático. Acesso ao sistema A oferta de vagas de aprendiz no sistema dual de formação profissional é baseada no mercado, sendo a procura muito competitiva, nomeadamente em certos sectores de atividade. O acesso aos programas do ensino dual não está regulado por critérios estandardizados. O acesso ao estágio, que é o elemento que garante o acesso ao sistema, depende da política de recrutamento da empresa, tanto em quantidade (número de vagas) como em qualidade (requisitos de acesso). O número de candidatos à procura de uma vaga de aprendiz é maior que o número de vagas oferecido pelas empresas. A concorrência induzida por esse desequilíbrio vê-se intensificada, ainda, pela existência de algumas assimetrias regionais em termos de oferta, devido à diferente conjuntura e composição sectorial de cada região. O alto nível de concorrência pelas vagas poderia reduzir-se se o grau de mobilidade inter-regional dos aprendizes fosse mais elevado, o que não acontece dada a juventude da grande maioria dos candidatos. Ao contrário do que acontece nas escolas de formação profissional a tempo inteiro, o único requisito de acesso para os aprendizes é ter concluído a escolaridade obrigatória. Contudo, nos últimos anos, o número de candidatos com níveis de formação mais elevados tem vindo a aumentar consideravelmente. A intensa concorrência pelas vagas faz com que as empresas aceitem maioritariamente alunos que possuem um diploma de ensino secundário intermédio (Realschulabschluss) – nos últimos anos, perto de metade dos que conseguiram vaga – face aos que possuem um diploma de ensino secundário inferior (Hauptschulabschluss) – algo mais de um quarto dos que conseguiram vaga. As empresas têm demonstrado também um interesse crescente em aceitar candidatos que tenham concluído o ensino secundário superior e possuam um certificado de acesso à universidade (Abitur) – nos últimos anos, quase um quarto dos contratados. 20 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal O sistema dual, em geral, e o acesso aos estágios está altamente segmentado. Os aprendizes com um diploma de ensino secundário inferior, em geral, realizam a sua formação em contexto de trabalho em estágios pior remunerados, normalmente em atividades manuais, na agricultura e em sectores que exijam poucas qualificações. Os que possuem um diploma de ensino secundário intermédio são recrutados como aprendizes em sectores com uma remuneração mais atrativa, tais como a indústria, o comércio e os serviços públicos. Para estágios em programas para perfis de elevada qualificação ou que possuam um elevado prestígio social, as empresas procuram aprendizes que detenham um certificado de acesso à universidade (sectores de banca, seguros e TIC). Os alunos que não conseguem aceder ao sistema dual são desviados, regra geral, para o sistema de transição. Os programas desse sistema, que é financiado integralmente pelo Estado, têm um caráter pré-vocacional, não outorgam certificação profissional e têm uma duração de um ano, mas podem ser mais curtos ou mais longos (até dois anos). Alguns incluem formação em contexto de trabalho mas a maioria são integralmente ministrados em escolas de formação profissional. O sistema de transição tem atualmente duas funções. Por um lado, fornecer alternativas temporais para os jovens que não conseguem aceder ao sistema dual ou ao sistema de formação profissional baseado na escola. Por outro, oferecer alguma formação aos jovens de baixo desempenho escolar, que são considerados imaturos para serem formados pelos seus potenciais empregadores. Financiamento do sistema Embora as empresas suportem a maior parte dos custos do sistema, o seu financiamento é partilhado pelas diferentes entidades intervenientes. Como referido, o financiamento das escolas de formação profissional é responsabilidade das administrações regionais e das administrações locais. As primeiras suportam os salários dos professores e as segundas os custos operacionais das escolas e realizam os investimentos em equipamentos e infraestruturas necessários para o bom funcionamento do sistema. As empresas suportam a totalidade dos custos associados à formação em contexto de trabalho, incluindo os dos formadores/tutores e os de equipamento, bem como a remuneração dos aprendizes. Regra geral, a remuneração dos aprendizes cresce anualmente até ao final do programa e, em média, corresponde a um terço do salário de um trabalhador qualificado da profissão em questão (Hoeckel e Schwartz, 2010). Os custos salariais dos aprendizes são o maior custo do sistema para as empresas (cerca de 60% do total). Em alguns 21 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal sectores existe um fundo geral, constituído e dotado pelas empresas que financia parcialmente os custos de formação em contexto de trabalho. Em algumas regiões com problemas de desenvolvimento e declive industrial e elevadas taxas de desemprego,18 as empresas recebem um subsídio da administração federal para cobrir os custos de formação da sua responsabilidade. Com a finalidade de melhorar o funcionamento do sistema, nomeadamente para resolver os problemas derivados do défice de estágios, nos últimos anos, a administração federal tem vindo a conceder às empresas alguns apoios. Entre esses apoios destacam-se, por exemplo: i) os bónus para empresas que aceitem aprendizes que não tenham acedido a um estágio num período de um ano, apesar de o ter procurado; e, ii) as isenções para empresas que aceitem aprendizes que não encontrem estágios, até 30 de setembro de cada ano, durante um período experimental de entre 6 a 12 meses; neste caso, os alunos devem ser socialmente desfavorecidos ou ter dificuldades de aprendizagem (pagamento do salário de aprendiz e isenção dos impostos correspondentes). Os apoios das administrações regionais com maior adesão têm sido: i) os subsídios para empresas que aceitem aprendizes que previamente estavam a trabalhar em companhias que entraram em insolvência, e; ii) os empréstimos com taxas de juro bonificadas para empresas que aceitem aprendizes de famílias socialmente desfavorecidas. A participação em programas duais de formação profissional é bastante positiva para as empresas. Para as grandes empresas, o balanço entre custos e benefícios é, nas primeiras fases, regra geral, negativo, dado que o retorno dos aprendizes é inferior aos custos imputáveis a estes programas de formação. Para estas empresas trata-se de um investimento a longo prazo, que lhes permitirá dispor de trabalhadores formados com as habilidades e competências requeridas e, simultaneamente, diminuir os custos de recrutamento, seleção e socialização dos trabalhadores. Para as empresas de menor dimensão, o equilíbrio entre custos e benefícios, neste tipo de programas, é conseguido mais cedo, dado que os aprendizes estão mais próximos dos processos core da sua atividade. Outros sistemas duais na União Europeia No âmbito da União Europeia, a Áustria e a Dinamarca são os países com sistemas de formação profissional mais próximos do sistema alemão. No entanto, existem algumas diferenças a nível institucional, derivadas das particularidades económicas, políticas e 18 Nomeadamente em alguns estados do Leste. 22 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal institucionais de cada país. A Tabela 2.1 resume o funcionamento dos sistemas duais nesses dois países. Contrariamente ao alemão, o sistema dual dinamarquês é altamente descentralizado, designadamente ao nível do planeamento dos conteúdos programáticos (Cort, 2008). Os programas da componente escolar da formação dual são desenhados por entidades locais representativas das escolas de formação profissional, embora respeitando as linhas gerais definidas pelo Ministério da Educação. Tal como o alemão, o sistema dual austríaco é totalmente centralizado, com o currículo teórico e prático definido a nível nacional. Esta circunstância assegura um elevado grau de homogeneidade das qualificações, garantindo maiores níveis de mobilidade interregional e interempresarial dos trabalhadores (Ebner, 2009). Outra diferença do sistema dinamarquês em relação aos de origem germânica reside na forma de financiamento do salário dos aprendizes. Na Dinamarca existe um fundo financiado de forma conjunta por todas as empresas, em função da sua dimensão, com independência de participarem ou não no sistema. Este fundo paga cerca de 90% dos salários dos aprendizes, enquanto nos outros sistemas as empresas suportam diretamente 100% dos custos salariais. O sistema dual austríaco diferencia-se dos outros no que diz respeito à tutela das escolas profissionais. Em concreto, enquanto as escolas profissionais austríacas são tuteladas por ministérios sectoriais, tais como o de Saúde ou o de Agricultura, as suas homólogas alemãs dependem diretamente do Ministério Federal de Educação. Para além das diferenças institucionais, existem outras diferenças relacionadas com o funcionamento do sistema, nomeadamente a duração e abrangência dos programas, os procedimentos de avaliação ou o acesso ao lugar de formador, entre outros. Os três sistemas enfrentam problemas comuns, entre os quais se destacam a variabilidade da oferta de vagas de aprendiz nas empresas ou a integração no sistema de jovens com dificuldades de aprendizagem ou défices de desempenho, para os quais cada país tem implementado estratégias de combate diversas. Apesar das diferenças identificadas, estes três sistemas duais assentam numa matriz comum. O seu aparente sucesso baseia-se num conjunto de caraterísticas partilhadas, nomeadamente (Eichhorst et al, 2012): - O elevado nível de formalização, dado que as qualificações profissionais são certificadas por centros de formação credenciados. A componente de formação em contexto de 23 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal trabalho é sujeita a uma atualização permanente, em função das mudanças requeridas pelo mercado de trabalho; - O grande envolvimento dos parceiros sociais no desenvolvimento e manutenção do currículo, tanto a nível nacional como a nível regional, através de órgãos consultivos. A implementação e monotorização é realizada por comités regionais e/ou profissionais; - A componente do ensino em sala de aula realiza-se em escolas de formação profissional. Os custos da componente de formação na escola são suportados pelo Estado; - As empresas têm de seguir certas normas técnicas para serem acreditadas como empresas formadoras. A oferta de estágios é uma decisão opcional para as empresas. A ligação entre a empresa e o estagiário deve seguir certos procedimentos padrão. Os custos de estágio dentro das empresas são suportados por elas, quer diretamente quer através de um fundo. 24 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Tabela 2.1 – Visão sintética dos sistemas duais mais próximos do sistema alemão na UE O Sistema Dual Austríaco O sistema dual austríaco (Lehre) visa proporcionar qualificação profissional de nível ISCED 3B e preparar os jovens para a sua integração no mercado de trabalho. Com essa finalidade, permite o acesso dos jovens ao mercado de trabalho desde muito cedo, através de uma via de aprendizagem bem estruturada. Em média, 76% dos graduados na via dual conseguem colocação no mercado de trabalho no prazo de 3 meses após a conclusão do programa, o que quer dizer que o sistema é muito eficaz na facilitação das transições school-to-work (STW). O aprendiz passa 80% do tempo de formação no local de trabalho e 20% numa escola de formação profissional. A empresa formadora é responsável por planear e fornecer formação relacionada com a aprendizagem, bem como por apoiar aos aprendizes. É amplamente aceite que o sucesso da aprendizagem baseada no learning-by-doing (LBD) é, em grande medida, determinado pelas competências profissionais e pedagógicas dos formadores na empresa. Para garantir a qualidade dos formadores são-lhes exigidas não só qualificações profissionais e experiência relevante, mas também a realização de uma prova de conhecimentos e habilidades pedagógicas e no domínio do direito do trabalho. Adicionalmente, o candidato a formador deve realizar um exame para se tornar formador (que é um módulo do exame para mestre artesão) ou completar com êxito um curso para formadores de 40 horas e uma entrevista específica sobre questões profissionais. As empresas formadoras devem garantir que um número suficiente de formadores profissionalmente e pedagogicamente qualificados estão disponíveis para trabalhar com os aprendizes. O corpo docente responsável por ensinar e acompanhar os aprendizes na escola de formação profissional deve também estar devidamente qualificado e possuir três anos de prática profissional. O Sistema Dual Dinamarquês O sistema de aprendizagem dual dinamarquês é também muito eficaz, ao garantir rápidas transições STW. Em geral, os graduados em programas duais são os primeiros a serem contratados, antes mesmo dos graduados universitários sem experiência prática no mercado de trabalho. O sistema caracteriza-se também por apresentar uma elevada taxa de conclusão, concretamente à volta de 70% dos que iniciaram os programas. Entre os fatores que contribuem para o sucesso destes programas destacam-se: i) o grande envolvimento dos parceiros sociais; ii) a estreita relação entre o sistema de ensino e o mundo empresarial; e, iii) a existência de procedimentos de certificação rigorosos que garantem uma qualificação reconhecida a nível nacional. A avaliação final no sistema dinamarquês é realizada através de um exame baseado na escola, um exame de trabalhador qualificado (svendeprøve) ou uma combinação de ambos. A avaliação combinada é a situação mais comum, assegurando a aferição tanto de conhecimentos teóricos como de conhecimentos práticos. A avaliação é realizada por examinadores externos, indicados pelos comités locais de comércio. A aprovação no exame oficial permite ao aluno a obtenção da qualificação e do estatuto de trabalhador qualificado. Fonte: CEDEFOP (2012). 25 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 2.2. A conjuntura atual do sistema dual alemão Apesar da expansão do ensino secundário superior e do ensino superior na Alemanha, nos últimos vinte anos, a formação profissional oferecida pelo sistema dual continua a ser muito procurada, embora o interesse dos jovens tenha vindo a decair. Nos últimos anos tem-se assistido a uma procura do sistema por jovens com níveis de formação à entrada cada vez mais elevados. Em 2012, 23% dos novos matriculados em programas duais tinha o ensino secundário superior completo e um diploma de acesso à universidade (Abitur). A formação dual é vista, cada vez mais, como uma fase do processo de formação e não como o fim do percurso. Uma parte crescente dos jovens vê o sistema como uma forma de garantir uma formação com valor acrescentado no mercado de trabalho antes de realizar os seus estudos superiores. Em 2012, à volta de 25% dos estudantes universitários tinham concluído um programa de formação dual antes de aceder à universidade (BiBB, 2014). Apesar da aparente fortaleza do sistema, a quota de novas inscrições no sistema dual (contratos) no total de novas inscrições no sistema de formação profissional e no ensino superior tem vindo a decrescer de mais de 40% para pouco mais de 35%, num período de vinte anos. Contrariamente, a quota das inscrições no ensino superior no mesmo universo aumentou de menos de 20% para mais de 35%. Em 2014, aproximadamente metade das novas inscrições no sistema de formação profissional correspondeu a programas duais, 22% ao sistema basado na escola e os 27% restantes ao sistema de transição.19 No sistema de formação profissional dual foram oferecidas, em 2014, quase 560.000 vagas, menos 4.000 que em 2013 e menos 40.000 que em 2011. O número de novos contratos formalizados pelas empresas com aprendizes ultrapassou, em 2014, os 520.000 (Figura 2.1). Nos últimos quinze anos observa-se uma diminuição progressiva do número de contratos formalizados. Em termos acumulados, a quebra ultrapassa os 15%, apesar da forte recuperação dos anos 2006 e 2007. Em 2014 foram formalizados menos 100.000 contratos que no ano 2000, passando-se de 620.000 para 520.000. 19 O número de alunos em programas pré-vocacionais tem vindo a aumentar nos últimos anos, devido ao desequilíbrio entre oferta e procura de estágios nas empresas e aos crescentes requerimentos das empresas. Em 2014, o número de novos alunos no sistema de transição ultrapassou os 250.000. 73% dos alunos sem qualquer diploma e 43% dos detentores de um diploma de estudos secundários inferiores passaram ao sistema de transição (BiBB, 2014). Apenas um terço dos alunos que abandonam o sistema de transição vão para um programa de formação profissional qualificante ou para um emprego. 26 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Figura 2.1 – Número de novos contratos no sistema dual, 2000-2014 650 000 630 000 621 693 625 884 614 235 610 000 616 341 590 000 572 979 576 153 570 000 564 306 569 379 572 322 550 000 550 179 557 634 559 959 551 259 530 000 529 542 510 000 522 231 490 000 470 000 450 000 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Fonte: Elaboração Própria a partir de dados de Matthes et al (2015). Figura 2.2 – Candidatos que não conseguem aceder ao sistema dual (%), 2008-2014 15% 14% 13,6% 13,3% 13,5% 13,5% 13% 12,6% 12,1% 12% 11,6% 11% 10% 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Fonte: Elaboração Própria a partir de dados de Matthes et al (2015). Nos últimos anos, entre 11 e 14% dos candidatos aos programas duais não são recrutados pelas empresas, não podendo, portanto, aceder ao sistema (Figura 2.2). A elevada inserção 27 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal dos graduados nos programas duais faz com que muitos dos candidatos rejeitados se candidatem novamente em anos posteriores. De facto, em 2012, 31% dos candidatos a estes programas já tinham tentado o acesso previamente (BiBB, 2012). A redução de novas entradas no sistema, evidenciada na Figura 2.1, tem o seu reflexo no número total de aprendizes (nos vários anos dos programas). No período 2000-2012 o sistema dual perdeu, em termos agregados, quase 300.000 aprendizes, passando-se de mais de 1.700.000 para pouco mais de 1.400.000 (Figura 2.3). À volta de 85% dos aprendizes concentra-se em Alemanha Ocidental e os 15% restantes em Alemanha Oriental. 60% são homens e 40% mulheres. Figura 2.3 – Número de aprendizes nos programas do sistema dual, 2000-2012 1 750 000 1 702 017 1 700 000 1 650 000 1 684 668 1 613 343 1 622 442 1 600 000 1 581 630 1 550 000 1 570 614 1 594 773 1 564 065 1 571 457 1 553 436 1 508 328 1 500 000 1 460 658 1 450 000 1 400 000 1 429 977 1 350 000 1 300 000 1 250 000 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Fonte: Elaboração Própria a partir de BiBB (2014). No final do ano académico 2011/2012, 47% dos alunos que saíram da escola aspiravam a entrar num programa do sistema dual (BiBB, 2014). Apesar do interesse pelo sistema ter vindo a decair, segundo os resultados dos inquéritos periódicos do BiBB, a proporção de alunos que saem da escola e transitam para programas duais tem permanecido relativamente estável. A Figura 2.4 mostra que essa proporção se tem mantido ligeiramente acima dos 30%, de forma persistente, desde o ano 2006. No mesmo período, o peso dos alunos que transitam para a universidade tem aumentado em 6 pontos percentuais (p.p.). 28 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Figura 2.4 – Distribuição do trânsito dos alunos que saem da escola (%), 2006-2012 100% 90% 33% 32% 30% 10% 10% 9% 50% 14% 12% 40% 11% 80% 70% 60% 30% 20% 10% 9% 6% 10% 10% 11% 14% 11% 4% 3% 32% 11% 9% 9% 17% 4% 17% 20% 24% 2006 2008 2010 18% 0% 2012 Emprego/Outras Atividades (1) Desemprego Estudos Universitários Educação Geral e Educação Vocacional (2) Sistema de Transição Sistema de FP baseado na Escola Sistema Dual de FP Notas: (1) Emprego, programas de estágio, serviço militar voluntário, serviço federal voluntário, serviço social/ecológico ou outros; (2) Escola Secundária Inferior (Hauptschule), Escola Secundária Intermédia (Realschule), Escola Integrada (Gesamtschule), Escola Secundária (Gymnasium), Escola Profissional Especializada (Berufsfachse) e Escola Profissional Especializada Superior (Fachoberschule). Fonte: Elaboração Própria a partir de BiBB (2014). O nível académico à entrada dos alunos matriculados nas várias vias do sistema de formação profissional é bastante diferente (Figura 2.5). Quase 70% dos jovens com um diploma de educação secundária superior que se inscrevem no sistema de formação profissional o fazem no sistema dual. Mais de 40% dos detentores de um diploma de educação secundária inferior e mais de 70% dos jovens sem qualquer certificado matriculam-se em programas do sistema de transição. A maioria dos alunos do sistema dual e do sistema baseado na escola detêm um diploma de secundária intermédia ou superior (Figura 2.6). Contrariamente, a maioria dos alunos do sistema de transição não possuem qualquer certificado ou possuem apenas um certificado de secundária inferior. 29 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Figura 2.5 – Inscrições em cada um dos subsistemas do sistema de formação profissional, em função do nível de estudos à entrada (%), 2012 100% 16% 90% 80% 30% 43% 70% 29% 73% 60% 12% 50% 40% 68% 30% 55% 45% 20% 26% 10% 0% Sem qualquer diploma Diploma secundário inferior (Hauptschulabschluss) Sistema Dual Diploma secundário intermédio (Realschulabschluss) Sistema B. Escola Diploma secundário suferior (Abitur) Sistema Transição Fonte: BBiB (2014). Figura 2.6 – Nível de estudos à entrada dos alunos inscritos em cada um dos subsistemas do sistema de formação profissional (%), 2012 100% 90% 23% 24% 26% 80% 70% 60% 45% 50% 58% 52% 18% 20% Sistema B. Escola Sistema Transição 40% 30% 20% 28% 10% 4% 0% Sistema Dual Diploma secundário suferior (Abitur) Diploma secundário intermédio (Realschulabschluss) Diploma secundário inferior (Hauptschulabschluss) Sem qualquer diploma Fonte: BBiB (2014). 30 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Figura 2.7 – Idade com que os aprendizes acedem ao sistema dual (%), 2012 20% 18% 16,2% 16% 15,2% 15,2% 14% 12% 12,9% 11,1% 9,5% 9,0% 10% 8% 6,5% 6% 4,4% 4% 2% 0% 16 e menos anos 17 anos 18 anos 19 anos 20 anos 21 anos 22 anos 23 anos Entre 24 e 40 anos Fonte: Elaboração Própria a partir de BiBB (2014). Figura 2.8 – Distribuição das idades com que os aprendizes acedem ao sistema dual (%), 2012 100% 3,7% 3,5% 3,7% 4,8% 5,8% 32,4% 31,5% 30,5% 29,8% 29,3% 48,0% 47,7% 47,1% 46,2% 46,4% 16,0% 17,4% 18,7% 19,3% 18,5% 2010 2011 2012 2013 2014 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 15-16 anos 17-19 anos 20-24 anos 25 ou mais anos Nota: Na classe 15-16 anos incluem-se também os menores de 15 anos. Fonte: Elaboração Própria a partir de dados de Matthes et al (2015). Existe uma elevada dispersão da idade de entrada dos jovens contratados pelas empresas como aprendizes (Figura 2.7). Em 2014, a frequência da distribuição para as classes entre 16 e 21 anos é superior (ou muito próxima) de 10% em todos os casos. Nos últimos 5 anos, observa- 31 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal se uma certa estabilidade na distribuição etária dos entrantes, por grandes grupos de idade (Figura 2.8). Não obstante, desde 2010, evidencia-se um aumento do peso dos estudantes mais novos (com 15 e 16 anos) e dos mais velhos (com mais de 24 anos). Figura 2.9 – Distribuição regional dos inscritos em programas duais, 1992-(2014) 10 332 Thuringia 19 797 Schleswig-Holstein 11 025 Saxônia-Anhalt 18 075 Saxônia 7 317 Sarre 26 550 Renânia-Palatinado 117 396 Renânia do Norte-Westefália 7 815 Meclemburgo-Pomerânia 37 887 Hesse 13 401 Hamburgo 5 733 Bremen 10 239 Brandenburgo 15 840 Berlim 91 815 Bavaria 55 812 Baixa Saxônia 73 197 Baden-Württemberg 0 20 000 2014 40 000 2012 60 000 2002 80 000 100 000 120 000 140 000 1992 Fonte: Elaboração Própria a partir de estatísticas de BIBB (Vários anos). A distribuição dos alunos inscritos em programas duais consta da Figura 2.9. Os länder com maiores inscrições são os estados ricos do Sul, Baviera e Baden-Württemberg, e o populoso estado de Renânia do Norte-Vestefália. O número de vagas e de inscritos nestes programas corresponde, genericamente, ao peso da população dos estados, o que revela que o sistema é regionalmente bastante equilibrado, não obstante, existem algumas exceções. Na Figura 2.10 apresenta-se o peso populacional de cada estado no total do país e o peso dos inscritos em programas duais em cada estado no total do país. Embora exista certo equilíbrio, os estados com maiores inscrições, anteriormente indicados, encontram-se sobre-representados em relação à sua população. Apesar de não existir uma explicação única para esta circunstância, o principal motivo estará relacionado com a potente base industrial desses länder. 32 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Figura 2.10 – Desequilíbrios regionais no sistema dual, 2014 Thuringia Schleswig-Holstein Saxônia-Anhalt Saxônia Sarre Renânia-Palatinado Renânia do Norte-Westefália Meclemburgo-Pomerânia Hesse Hamburgo Bremen Brandenburgo Berlim Bavaria Baixa Saxônia Baden-Württemberg 0% 5% 10% % População 15% 20% 25% % Inscritos Fonte: Elaboração Própria a partir de estatísticas de BIBB (Vários anos). O sistema dual alemão oferece atualmente programas para cerca de 350 programas/profissões diferentes. O número de programas tem permanecido relativamente estável desde o ano 2000. De acordo com BMBF (2011), as áreas de formação oferecidas podem ser divididas em três grandes grupos, em função do seu nível de especialização: i) áreas especializadas, tais como a de técnico de laboratório de biologia ou a de alfaiate; ii) áreas especializadas mas com competências adaptáveis a vários empregos, tal como a de empregado de escritório no sector industrial; e, iii) áreas aplicáveis a diferentes sectores da atividade económica, tais como a de técnico de mecatrónica ou a de escriturário. Em 2012, dos 344 programas oferecidos, 72,7% tinham uma duração de entre 30 e 36 meses, 15,7% de 42 meses e 11,6% de entre 18 e 24 meses (Figura 2.11). Os dois primeiros, de maior duração, garantem a obtenção do grau de educação secundária superior, enquanto os terceiros, mais curtos, conferem o grau de educação secundária inferior. Estes programas mais curtos destinam-se a alunos com pior desempenho académico ou com dificuldades de aprendizagem, dado que exigem menores requisitos, do ponto de vista dos conhecimentos teóricos. 33 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Figura 2.11 – Número de programas do sistema dual por duração, 2000-2012 350 300 64 58 54 247 249 250 37 35 40 2000 2006 2012 250 200 150 100 50 0 18-24 meses 30-36 meses 42 meses Fonte: BIBB (Vários anos). Entre 2003 e 2012 foram reestruturados os programas de 194 profissões (BiBB, 2014). Mais de três quartos das reestruturações (159) correspondem a modernizações/atualizações de programas. As restantes alterações na oferta do sistema dual, nessa década, correspondem à introdução de novos programas (35). Em 2014, 59,1% dos novos contratos foram formalizados no sector industrial e comercial, 27,7% em atividades manuais (crafts) e os restantes 13,2% nos serviços públicos, nos serviços domésticos, na agricultura e em profissões liberais (Figura 2.12). Nos últimos vinte anos tem-se verificado uma redução significativa do peso das atividades manuais no total dos contratos, que passou de 37,9% em 1994 para 27,0% em 2014. No mesmo período, a proporção de contratos na indústria e comércio passou de 45,5% para os referidos 59,5%. Entre os programas de nova criação que foram incorporados ao catálogo de cursos do sistema dual, desde 2000, destacam-se, por exemplo, os de especialista em marketing e pesquisa social, especialista em geomática, operador de maquinaria, especialista em segurança e proteção, técnico de gestão de lixo e reciclagem, assistente de serviços administrativos de saúde ou o de microtecnólogo. O número de contratos de aprendizes nas principais profissões consta na Figura 2.13. 34 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Figura 2.12 – Distribuição dos contratos de aprendizagem, por grandes sectores, no sistema dual (%), 1994-2014 100% 90% 8,1% 7,3% 7,1% 7,6% 7,8% 8,1% 29,4% 28,2% 27,6% 27,7% 26,7% 27,0% 56,3% 58,5% 59,9% 59,1% 60,3% 59,5% 2004 2006 2008 2010 2012 2014 10,4% 80% 70% 60% 37,9% 50% 40% 30% 20% 45,5% 10% 0% 1994 Indústria e Comércio Atividades Manuais Profissões Liberais Agricultura, Mar e Economia Doméstica Administração Pública Fonte: Elaboração Própria a partir de dados de Matthes et al (2015). Figura 2.13 – Número de contratos por profissão, 2012 Pintor e Envernizador Especialista em Tecnologias de Informação Mecánicos de Sistemas Sanitários, Aquecimento e… Comercial de Produtos Alimentares Especialista Hoteleiro Especialista de Armazéns de Logística Assistente de Odontologia Técnico de Eletrónica Cozinheiro Empregado de Escritório de Comunicações Cabeleireiro Bancário Mecánico Industrial Assistente Médico Empregado de Escritório na Área de Comércio… Empregado de Escritório na Indústria Técnico de Mecatrónica para Automóveis Empregado de Escritório Vendedor Empregado de Escritório da Área Comercial 0 5 000 10 000 15 000 20 000 25 000 30 000 35 000 Fonte: Elaboração Própria a partir de estatísticas de BIBB (Vários anos). 35 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Figura 2.14 – Top 10 das profissões mais procuradas – número de novos contratos, 2012 e 2014 Técnico de Eletrónica 12 099 Bancário 12 495 13 302 Mecánico Industrial 14 133 Assistente Médico 14 889 Empregado de Escritório de Com. Internacional por… 18 321 Empregado de Escritório na Indústria 20 193 Técnico de Mecatrónica para Automóveis 29 136 Empregado de Escritório 25 209 Vendedor 26 514 Empregado de Escritório da Área Comercial 0 5 000 10 000 15 000 20 000 25 000 30 000 35 000 2014 2012 Fonte: Elaboração Própria a partir de estatísticas de BIBB (Vários anos). Embora o sistema dual tenha surgido no âmbito das profissões manuais e se tenha desenvolvido no sector industrial, nos últimos anos tem sido alargado a outros sectores. Em concreto, um número crescente de vagas tem sido oferecido em profissões comerciais e de serviços às empresas (em escritórios), em resposta a uma procura crescente por parte do mercado. Nos últimos anos, as três profissões com maior número de contratos de aprendizagem pertencem a estes sectores: empregado de escritório da área comercial, vendedor e empregado de escritório, sempre por cima dos 25.000 contratos anuais (Figura 2.14). Curiosamente, apenas constam quatro profissões diretamente relacionadas com a indústria: técnico de mecatrónica para automóveis, empregado de escritório na indústria, mecânico industrial e técnico de eletrónica. Na Figura 2.14 observa-se que existe certa estabilidade no número de contratos em cada uma das profissões, dado que o número de contratos assinados em 2012 e 2014 é relativamente similar em quase todas elas. A exceção mais significativa é no programa de empregado de escritório, que experimentou um crescimento, no número de contratos, superior a 40% nesse período. Em 2011, dos 2,1 milhões de empresas alemãs, à volta de 455.000 estiveram envolvidas em programas de formação, o que se traduz num rácio de participação de 21,7% (BiBB, 2014). As 36 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal empresas formadoras veem a formação dual como um investimento para garantir as suas necessidades futuras de trabalhadores qualificados. De facto 83% das empresas formadoras participam em programas de formação dual para formar trabalhadores qualificados com a intenção de os contratar posteriormente (BiBB, 2015). Figura 2.15 – Aprendizes por tipo de empresa – tamanho (%), 1999-2012 100% 90% 27,8% 27,1% 28,1% 23,1% 27,2% 27,1% 26,1% 26,2% 22,5% 19,5% 18,6% 1999 2011 2012 80% 70% 60% 50% 40% 26,6% 30% 20% 10% 0% Microempresas [1-9 empregados] Pequenas Empresas [10-49 empregados] Médias Empresas [50-249 empregados] Grandes Empresas [≥250] Fonte: Elaboração Própria a partir de estatísticas de BIBB (Vários anos). Em 2012, aproximadamente 55% dos aprendizes que acederam ao sistema dual formalizaram um contrato de aprendizagem com grandes [≥ 250 empregados] e médias empresas [50 a 249 empregados], algo mais de um quarto com pequenas empresas [10 a 49 empregados] e os restantes (18,6%) com micro empresas [1 a 9 empregados] (Figura 2.15). Nos últimos anos tem-se assistido a um incremento da importância das médias e grandes empresas no mercado da aprendizagem, em detrimento das microempresas, enquanto as pequenas empresas têm conseguido manter a sua quota de participação mais ou menos estável. No ano académico 2011-2012, 62,8% das empresas participantes em programas de formação, ofereceram contratos de aprendizagem no âmbito do sistema dual.20 Esta percentagem varia entre sectores, sendo o sector da Administração Pública, o cuidado infantil e a educação aqueles em que mais entidades ofereceram contratos (76,4%), e o de serviços empresariais aquele em que foram oferecidos menos (40,1%) (Figura 2.16). Neste âmbito, observam-se também diferenças significativas dependendo da dimensão das empresas. Mais de 75% das 20 Empresas formadoras. 37 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal empresas grandes, médias e pequenas ofereceram vagas de aprendiz (concretamente, 92,7%, 80,0% e 78,1%, respetivamente), enquanto pouco mais de metade das microempresas disponibilizaram vagas de formação (concretamente, 55,6%). Figura 2.16 – Empresas formadoras que ofereceram vagas, 2012 100% 90% 76,4% 80% 70% 66,3% 65,4% 69,4% 62,6% 60% 50% 40,1% 40% 30% 20% 10% 0% Indústrias Indústrias Transformadoras Processadoras Comércio Grossista e Retalhista e Repações Serviços Empresariais Outros Serviços Administração Pública, Cuidado Infantil e Educação Fonte: Elaboração Própria a partir de estatísticas de BIBB (2014). Em 2012, a remuneração média mensal de um aprendiz, negociada em contração coletiva, foi de €737.21 Não obstante registam-se diferenças remuneratórias em função da ocupação e do sexo do aprendiz. Em termos médios, em 2012, um aprendiz recebeu mensalmente €664 no primeiro ano de formação, €731 no segundo, €812 no terceiro e €851 no quarto.22 No ano académico 2012-2013, os custos brutos médios por aprendiz no âmbito do sistema dual foram de €17.933, enquanto os seus retornos médios se ficaram pelos €12.535 (BiBB, 2015). Desta forma, os custos líquidos por aprendiz para as empresas participantes foram de €5.398. 59% das empresas afirmam estar satisfeitas ou muito satisfeitas com o rácio custobenefício de oferecer formação dual. Apenas 11% reporta estar insatisfeitas ou completamente insatisfeitas (BiBB, 2015). Os valores médios estão sujeitos a uma elevada variância, explicada por fatores de caráter regional, por diferenças ocupacionais ou por especificidades próprias das empresas. Os custos 21 Nos estados da antiga Alemanha Ocidental (RFA). Nos novos estados da Alemanha do Leste foi de €674. 22 Dados para os estados da antiga Alemanha Ocidental (RFA). 38 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal e retornos por aprendiz variam significativamente em função da dimensão das empresas. As microempresas são as que apresentam menores custos e retornos brutos. Em termos líquidos, os maiores custos por aprendiz são suportados pelas grandes empresas (€7.354) e os menores pelas pequenas empresas (€4.254). Do ponto de vista sectorial, também se observam diferenças relevantes. Os sectores com maiores custos líquidos são a Administração Pública (€8.032), a economia doméstica (€6.385) e a indústria e o comércio (€6.146). Os custos líquidos mais baixos estão associados às profissões liberais (€3.705) e à agricultura (€1.293). As ocupações técnicas são as que apresentam maiores custos líquidos, enquanto as comerciais são as que suportam menores encargos líquidos. Os programas de dois anos são os que geram menores custos líquidos, enquanto os de três anos e meio são os que apresentam maiores encargos líquidos, devido, essencialmente, aos seus maiores custos brutos. Atendendo aos valores médios, a principal parcela dos custos do aprendiz é a de custos com pessoal, que inclui o salário e os benefícios sociais a cargo do empregador e que representa 62% dos custos brutos (~€11.000). A seguinte rúbrica em ordem de importância, é a dos custos de formação que representam 23% dos custos brutos (€4.125). Os restantes 15% correspondem a custos com instalações, equipamentos e materiais, assim como a outros custos de formação e aprendizagem, administrativos e financeiros. Os retornos do aprendiz estão fundamentalmente associados a atividades não qualificadas (~50%) e a atividades qualificadas (47%). O remanescente corresponde a retornos relacionados com os workshops de formação e com subsídios concedidos por diversas entidades. Os custos líquidos por aprendiz apenas podem ser considerados um custo na sua totalidade se este não for contratado no final da aprendizagem. Se for contratado, a empresa poupará os custos de recrutamento e seleção. No caso alemão, os custos médios de recrutamento e seleção de um trabalhador qualificado são de €8.715.23 Assumindo que os custos líquidos médios de um aprendiz formado num programa dual de três anos são de €16.194 (custo líquido anual de €5.398), se o aprendiz for contratado e, consequentemente, os custos de recrutamento e seleção forem poupados, o custo líquido da aprendizagem cairá aproximadamente para metade (€7.479). Em média, entre 2011 e 2013, cada empresa contratou 59% dos aprendizes que concluíram satisfatoriamente os programas. A maior taxa de contratação verificou-se na administração pública, onde em média permaneceram 83% dos aprendizes. Nos sectores da indústria e do 23 2012-2013. 39 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal comércio aproximadamente dois terços dos aprendizes foram contratados. A taxa de contratação varia também em função da dimensão da empresa. As empresas de 500 ou mais trabalhadores contrataram, em média, 82% dos seus aprendizes, enquanto as microempresas não ultrapassaram os 50%. Em 2010, a despesa pública total dedicada a formação profissional na Alemanha foi de €13 bilhões, aproximadamente.24 Em 2013, a despesa bruta das empresas atingiu os €25,6 bilhões, aproximadamente, com uns retornos aproximados de €17,9 bilhões. Desta forma, a despesa, em termos líquidos, rondou os €7,7 bilhões. No curto prazo, por cada €100 euros de investimento bruto no sistema dual, as empresas obtêm €70 de retorno, reduzindo a €30 o investimento líquido efetuado. 24 Inclui uma parte dos custos com educação e formação contínua. 40 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Tabela 2.2 – Perspetiva sintética do sistema dual na Alemanha O Sistema Dual Alemão Visão Geral Eficácia Objetivos: Preparar os jovens para uma profissão num mundo de trabalho em mudança e transmitir os conhecimentos, aptidões e competências necessárias para desempenhar uma profissão, através de um programa de estágio estruturado. A formação profissional deve permitir também a aquisição da experiência de trabalho necessária para um desempenho competente da profissão. Distribuição do tempo dedicado à sala de aula e ao estágio: 30%/70%; em geral os aprendizes frequentam a sala de aula 1/2 dias por semana. Duração dos programas: Entre dois e três anos. No entanto, existem alguns programas com uma duração de três anos e médio. História do sistema: Os estágios integrados no ensino fazem parte da filosofia de aprendizagem na Alemanha desde há vários séculos. O princípio da dualidade foi estabelecido, numa primeira fase, em 1897. O sistema funciona nos termos atuais desde 1969, embora tenha sido reformulado em 2005. Sector: Todos os sectores – os jovens podem escolher de um leque de cerca de 350 programas correspondentes ao mesmo número de profissões. Escala: Nacional. Mediação: Tripartida. Custos totais e fontes de financiamento: O sistema é financiado fundamentalmente por empresas formadoras, as quais em 2013 destinaram ao sistema €25,6 biliões. Em 2010, o financiamento público foi de €13 biliões. Participantes no sistema: Em 2014, foram contratados mais de 522.000 aprendizes; Em 2012, cerca de 1.430.000 alunos participavam no sistema dual. Entre 1992 e 2011, foram admitidos quase 12.280.000 aprendizes no sistema. Eficácia geral: Alta, os objetivos do programa são largamente atingidos, com bons níveis de empregabilidade e bons resultados educacionais para os alunos, especialmente no médio e no longo prazo. A baixa taxa de desemprego jovem na Alemanha tem sido parcialmente atribuída ao seu sistema de formação profissional, que garante que as empresas possam dispor de jovens com bons conhecimentos teóricos e certa experiência profissional. A competitividade e inovação da economia alemã deriva, pelo menos parcialmente, da formação dos seus trabalhadores, obtida em muitos casos no sistema dual de formação profissional. Eficácia dos resultados ao nível do emprego: Em média, entre 2011 e 2013, as empresas contrataram 59% dos aprendizes que completaram satisfatoriamente os seus programas duais. Os restantes continuaram estudos noutros programas ou foram registados como desempregados Eficácia dos custos: Sem informação. Fatores de sucesso do sistema: i) Certo prestígio no sistema educativo; a formação profissional dual é uma componente fundamental do sistema educativo alemão; ii) Elevado envolvimento dos parceiros sociais na conceção dos programas, monitorização e controlo da qualidade; iii) Regulação nacional dos conteúdos e da estrutura do ensino profissional, que define os níveis de qualificação; iv) O sistema é financeiramente bem estruturado – existe um leque alargado de medidas e apoios destinados a prevenir o abandono e a aumentar o número de estudantes com elevados níveis de educação. Fonte: Adaptado a partir de CEDEFOP (2012). 41 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 2.3. Vantagens, problemas e desafios do sistema dual alemão 2.3.1. As vantagens do sistema Apesar dos vários problemas que afetam o sistema dual na atualidade, este apresenta vantagens para vários dos intervenientes no mesmo. Para os alunos, especialmente para aqueles que não tencionam prosseguir estudos, o sistema permite-lhes obter um grau académico seguindo um programa com uma forte orientação prática e, simultaneamente, auferir uma remuneração. A conclusão de um programa dual garante aos jovens, pelo menos no curto prazo, dispor de melhores oportunidades de colocação no mercado de trabalho. O sistema dual garante às empresas que no médio prazo não haverá escassez de mão-de-obra especializada. Adicionalmente, a configuração do sistema permite-lhes reduzir os custos associados à fraca produtividade dos recém-contratados nas tarefas especializadas e serve de meio para fidelizar os aprendizes à empresa, dado que, numa proporção significativa dos casos, quando concluem o programa têm preferência por trabalhar na empresa em que foram formados. Por último, o sistema acaba por ser um meio eficiente de recrutamento e seleção, dado que reduz o gap informacional entre a empresa e o candidato-trabalhador. Graças à informação privada sobre a produtividade atual e potencial do trabalhador, obtida pelas empresas formadoras durante o processo de formação, o sistema diminui os problemas de informação imperfeita existentes no mercado de trabalho. Desta forma, as empresas adquirem certo poder de monopsónio, em resultado da informação adquirida durante o processo de formação em contexto de trabalho (Acemoglu e Pischke, 1998). Com independência dos beneficiados, o sucesso do sistema dual na Alemanha assenta fundamentalmente nos seguintes aspetos (ver, por exemplo, Hoeckel e Schwartz, 2010 e Euler, 2013): - A forte aceitação e o profundo enraizamento do sistema na sociedade alemã, explicado por razões históricas e pelo seu caráter participado e a sua clara divisão funcional. A participação e o compromisso dos agentes institucionais, económicos e sociais permitem o autorreforço do sistema, dado que as partes interessadas têm, em diferentes domínios e graus, capacidade para influenciar decisões políticas que redundem na sua promoção; - O grande desenvolvimento do sistema dual, que abrange um amplo espectro de profissões/ocupações e dispõe de mecanismos para assegurar a sua adaptabilidade às necessidades do mercado de trabalho. A configuração e a capacidade de adaptação do 42 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal sistema contribuem para melhorar a efetividade da transição dos jovens para o mercado de trabalho; - O financiamento conjunto do sistema, dado que participação das empresas no financiamento reduz a despesa pública em educação e garante um maior envolvimento da comunidade empresarial; - A existência de mecanismos públicos e privados de garantia, que evitam que os problemas de liquidez das empresas interfiram com o normal funcionamento do sistema. Estas circunstâncias poderiam por em causa os objetivos do sistema, nomeadamente os de caráter educativo; - A colaboração e compromisso efetivos dos parceiros sociais, que asseguram a engrenagem de um sistema complexo, melhoram os processos de tomada de decisões e evitam que as divergências sejam fonte de conflitos desnecessários, dado que existem diversos mecanismos que permitem a sua resolução de forma construtiva; - A regulação estrita do acesso dos professores e instrutores/tutores ao sistema assegura que possuem as qualificações e competências adequadas para lecionarem no sistema dual com qualidade e profissionalismo; - O equilíbrio entre flexibilidade e estandardização nos programas de formação, que permite a adaptabilidade do sistema à heterogeneidade interprofissões, sem consequências em termos de qualidade; - O considerável esforço de investigação na área, que se traduz na existência de instituições como Instituto Federal de Formação Profissional e de uma rede nacional de centros de investigação, universitários e não universitários, que se dedica ao estudo de diferentes aspetos do sistema, apoiando a sua melhoria contínua e criando uma plataforma sólida de apoio à tomada de decisões neste âmbito. As vantagens elencadas coincidem genericamente com as identificadas pelos peritos, que acrescentam como vantagens a abordagem holística da conceção do curriculum e o facto de não existir uma preocupação exclusiva com a adquisição de conhecimentos, dado que se pretende ensinar também habilidades e competências, permitindo uma integração harmoniosa no mundo do trabalho. Outros aspetos também destacados são a existência de salários para os aprendizes e a adequação de certos perfis aos jovens com pior desempenho académico. Como principal vantagem para a economia alemã é referido o baixo nível de desemprego jovem, embora neste aspeto ressalvem que manter aos jovens no sistema é uma 43 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal forma de os tirar das estatísticas do desemprego. Por último, os peritos consideram que o reconhecimento social é certamente uma vantagem do sistema. Contudo, alertam para o facto de, nos últimos anos, se estar a assistir a um certo desprestígio e à degradação da sua imagem, especialmente em determinados estratos sociais. 2.3.2. Os problemas e desafios do sistema Apesar das reconhecidas virtudes e do prestígio do sistema, existem um conjunto de problemas que requerem respostas rápidas e eficientes, alguns dos quais se têm agudizado nos últimos anos, provocando desajustamentos consideráveis no mesmo. O principal desses problemas é a falta de correspondência entre a oferta de vagas nas empresas para realizar a formação em contexto de trabalho e a procura dos aprendizes pelas mesmas. A escassez de vagas para aprendizes nas empresas não é um fenómeno novo, dado que, desde os anos oitenta, tem havido um considerável défice de oferta a este nível (Baethge, Solga e Wieck, 2007); não obstante, nos últimos anos o problema tem vindo a agravar-se significativamente. Em cinco anos, entre o 2007 e o 2012, o número de contratos de aprendizagem celebrados caiu em mais de 75.000, de 625.000 para 550.000, aproximadamente.25 Uma explicação para a redução verificada é a diminuição do número de empresas participantes no sistema. Em 2011, menos de 22% das empresas participaram no sistema como empresas formadoras (-0,8 p.p. que um ano antes). Em termos absolutos, esse rácio corresponde ao número mais baixo desde 1999 (455.000 empresas). A escassez global de vagas afeta especialmente os programas com elevada procura, que são os que vão ao encontro das preferências dos candidatos potenciais (preferência sectorial/ocupacional, remuneração futura ou moda, entre outros). As consequências desta realidade são, por um lado, a intensificação da concorrência por aceder a determinados programas e, por outro, a generalização das segundas e terceiras escolhas, dado que um número muito significativo de jovens tem que se matricular em programas que não respondem às suas preferências e, não são, portanto, do seu interesse (Protsh, 2014). Uma outra explicação prende-se com o aumento dos requerimentos de acesso às vagas disponíveis para os aprendizes, por parte das empresas (Protsch, 2014), em certos sectores ou para certas ocupações. A maior restritividade nas condições de acesso deriva do notável 25 Note-se que as vagas disponíveis no sistema dual são definidas pelas empresas. 44 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal incremento da exigência, em termos de qualidade do trabalho e em outros aspetos da esfera laboral, das empresas alemãs nos últimos quinze anos. Como consequência destas mudanças, as empresas veem-se obrigadas a elevar o perfil dos aprendizes recrutados no âmbito do sistema dual ou a alterar o perfil dos trabalhadores para o posto de trabalho em questão.26 Atualmente, as empresas impõem como critérios de seleção dos aprendizes aspetos como a autoconfiança, a capacidade de reflexão, a criatividade e o compromisso (Böhle, 2010). Desta forma, assiste-se a uma reorientação do sistema dual, que, na atualidade, procura alunos com um desempenho académico cada vez melhor. Apesar das várias iniciativas dos parceiros sociais e do governo nos últimos anos,27 não tem sido possível eliminar o desajustamento entre a oferta e a procura de estágios para aprendizes, derivada da falta de capacidade das empresas em integrar os aprendizes disponíveis. A impossibilidade de integrar todos os candidatos, especialmente os de pior desempenho, obriga a direcioná-los para o sistema de transição, o qual, segundo Spöttl e Windelband (2013), é um sistema desqualificado, pouco permeável e que não facilita a inserção laboral dos jovens.28 A expansão do sistema de transição tem provocado um forte crescimento de estágios para aprendizes financiados pelo estado em contexto fora-da-empresa. Tem dado origem também ao aparecimento de cursos de um ou dois anos a tempo completo nas escolas profissionais, de cursos pré-vocacionais e de esquemas de formação iniciais, os quais, em nenhum caso, conferem uma certificação profissional. A maioria das formações que integram a oferta do sistema de transição não oferece grandes oportunidades de acesso ao mercado de trabalho. Estes programas devem quase sempre ser complementados com outras formações para atingir o nível de qualificação exigido pelas empresas. Segundo Hoeckel e Schwartz (2010), o sistema de transição é extremamente fragmentado e apresenta uma eficácia muito reduzida, dado que apenas um número limitado de alunos acaba por conseguir transferir-se para o sistema dual. Para além dos desajustamentos, quantitativos e qualitativos, entre oferta e procura de vagas para aprendizes e da expansão do sistema de transição, existem outros problemas relacionados com o acesso, o funcionamento e a saída do sistema, bem como com o próprio mercado de trabalho: 26 Inclusivamente, para alguns perfis ocupacionais as empresas estão a recorrer a contratações de graduados de outras vias de ensino, nomeadamente do ensino superior, para ocupar lugares que tradicionalmente eram ocupados por graduados do ensino profissional dual. 27 Por exemplo, Jobstarter or Entry-Level Qualification. 28 Este sistema está sujeito a fortes críticas na maioria da literatura consultada. 45 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal - A orientação profissional no sistema de ensino da Alemanha tem uma qualidade muito variável. Embora o aconselhamento profissional esteja disponível sob várias formas e seja disponibilizado por escolas, parceiros sociais e administrações regionais, existe uma elevada fragmentação e uma considerável falta de coordenação que condiciona a sua eficácia. O resultado destes défices é que 40% dos estudantes dos últimos anos da escolaridade obrigatória não sabem o que irão fazer quando a concluam (HippachSchneider, Krause e Woll, 2007); - O menosprezo pela aquisição de capacidades académicas no sistema dual e a sua escassa adequação/preparação para avaliá-las (Hoeckel e Schwartz, 2010). Isto traduzse na fraca capacidade do sistema para dotar os aprendizes de capacidades básicas de numeracia e literacia; - O exame final aos aprendizes do sistema dual, o Exame da Câmara, não tem em consideração o seu desempenho na parte escolar, o qual, segundo Hoeckel e Schwartz (2010), pode constituir um desincentivo para que os estudantes se esforcem na parte escolar dos programas duais; - A elevada disparidade em termos de reconhecimento dos programas no mercado (Hall e Krekel, 2014). Esta circunstância implica que, dependendo do programa em questão, os salários, o risco de desemprego, o risco de ter que aceitar empregos menos qualificados e as potencialidades de carreira dos graduados são muito diferentes; - O escasso desenvolvimento do ensino dual a nível terciário, sobretudo comparado com outros países com grande tradição neste tipo de sistemas, tais como, a Suíça. A reduzida oferta de programas deste tipo desincentiva o prosseguimento de estudos para os que concluem os programas duais de nível secundário, pela baixa permeabilidade do sistema; - Os riscos associados à reduzida mobilidade inter-profissões no mercado de trabalho alemão, derivada da sua intensa regulação, que implica que o acesso aos empregos esteja fortemente condicionado pela posse de certificações profissionais.29 No caso dos graduados em programas duais estes riscos intensificam-se pelo facto de serem programas de banda estrita e escassa versatilidade. 29 Os trabalhadores com qualificações profissionais com uma procura de trabalho em declínio suportam maior risco de desemprego ou de degradação profissional que num mercado de trabalho menos regulado. 46 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal De acordo com os peritos internacionais consultados, o principal problema do sistema é o desajustamento entre a oferta e a procura de vagas, especialmente em períodos de desaceleração económica, dado que a primeira está muito ligada ao ciclo económico. De todas formas, consideram que o atual défice tem um caráter cada vez mais estrutural, não podendo ser apenas imputado às flutuações da atividade económica. A forte orientação do sistema para o mercado e a existência destes desajustamentos, obriga a que o estado corrija a falha correspondente criando alternativas atrativas que acolham os jovens excluídos pelo sistema. Para além da divergência entre oferta e procura de estágios, os peritos identificaram dois problemas adicionais. Primeiro, a escassa capacidade de reação do sistema perante o surgimento de novas ocupações, quer em sectores existentes quer em novos sectores. Embora o sistema esteja sujeito a atualizações periódicas (renovação do catálogo de profissões e dos próprios programas), a adaptação às dinâmicas do mercado de trabalho não é suficientemente rápida. Segundo, a dificuldade das empresas de menor dimensão para cumprir a componente de formação em contexto de trabalho dos programas. Esta problemática não é normalmente tratada em toda a sua extensão pelas dificuldades para supervisionar a totalidade das empresas que participam em programas duais. A resolução dos problemas identificados constituem em si próprios desafios de curto e médio prazo para os responsáveis da condução e administração do sistema. Não obstante, a sua resolução é mais simples que os derivados dos desafios que o sistema enfrenta em prazos mais latos. À medida que se desenvolve uma sociedade de serviços e de conhecimento, a importância do conhecimento teórico sistemático aumenta e a importância do conhecimento prático e tácito e da experiência diminuem. O resultado desta tendência poderá ser, no limite, o declínio da importância do sistema dual na sociedade alemã (Baethge, Solga e Wieck, 2007) e a sua reorientação para a formação dos jovens com pior desempenho ou dificuldades de aprendizagem. Embora esta possibilidade seja, todavia, remota, começam a evidenciar-se alguns sintomas de crise no sistema, os quais têm a sua origem: - Na progressiva perda de importância dos trabalhadores com formação profissional dual para as empresas orientadas ao futuro, devido ao paulatino desaparecimento da identificação com profissões específicas resultante das mudanças nas estruturas económicas e organizacionais (Kupfer, 2010); - Nas mudanças nas estruturas organizacionais das empresas impulsionadas pelas reformas de Bolonha. Nos últimos anos, em consequência da alteração do perfil das 47 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal formações superiores e das mudanças nas exigências dos postos de trabalho, um número crescente de graduados universitários está a aceder a ocupações que anteriormente eram preenchidas por graduados do sistema dual, forçando a saída de alguns deles. 48 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Capítulo 3 – O Sistema Educativo e o Sistema de Formação Profissional Português 49 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 3.1. Os percursos formativos no sistema educativo português Em resultado das várias reformas educativas implementadas nas últimas três décadas destinadas a elevar as qualificações da população portuguesa, o sistema educativo nacional é constituído por cinco níveis hierarquizados: i) a educação pré-escolar; ii) o ensino básico; iii) o ensino secundário (sendo que ii) e iii) constituem a escolaridade obrigatória – 12 anos); iv) o ensino pós-secundário não superior; e, v) o ensino superior. A educação pré-escolar é dirigida a crianças entre os três e os cinco anos de idade e, embora facultativa, tem sido amplamente reconhecida pelo Estado, nomeadamente através da aposta na sua universalização.30 É oferecida em jardins-de-infância públicos ou privados, sendo no primeiro caso totalmente gratuita. O ensino básico, de caráter obrigatório e gratuito, geralmente decorre entre os seis e os catorze anos de idade. Compreende nove anos de escolaridade distribuídos por três ciclos: um 1º ciclo com a duração de quatro anos (entre os seis e os nove anos de idade), correspondente ao ensino primário; um 2º ciclo de dois anos (entre os dez e os onze anos de idade); e um 3º ciclo de três anos (geralmente iniciado aos doze anos e findo aos catorze). Ao concluírem o 3º ciclo do ensino básico, os alunos realizam exames nacionais às disciplinas de Português e Matemática, sendo-lhes atribuído um diploma de conclusão do ensino básico. Atualmente este nível de ensino prepara quer para o posterior prosseguimento de estudos quer para a inserção na vida ativa, uma vez que para além da via geral31 (regular) compreende também as seguintes modalidades: i) o Ensino Artístico Especializado (EAE); ii) o Ensino Vocacional (EV); e, iii) o Ensino Básico Recorrente (EBR). Adicionalmente, existem um conjunto de ofertas específicas que permitem a conclusão do ensino básico, nomeadamente:32 i) os Percursos Curriculares Alternativos (PCA), ii) o Programa Integrado de Educação e Formação (PIEF), iii) os Cursos de Educação e Formação (CEF), para jovens com idade mínima de 15 anos e historial de insucesso escolar; enquanto os maiores de 18 anos (inclusive) podem concluir através de: iv) os cursos de Educação e Formação de Adultos (EFA); v) os processos de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC); e, vi) as formações modulares certificadas. O ensino artístico, tutelado pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC), embora primordialmente reconhecido como modalidade formativa de dupla certificação de nível 30 Lei n.º 5/97, de 10 de fevereiro, e Decreto-Lei n.º 147/97, de 11 de junho. Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 91/2013, de 10 de julho. 32 Ver Anexo I. 31 50 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal secundário, está disponível no ensino básico nas áreas da Música, Dança e Canto Gregoriano,33 a partir do 5º ano de escolaridade. O EAE de nível básico, que constitui uma etapa de iniciação à educação artística e criativa, confere certificação escolar (de conclusão do 3º ciclo do ensino básico) e profissional (correspondente ao nível 2 do Quadro Nacional de Qualificações – QNQ). Nas vertentes da Música e Dança, o seu acesso encontra-se limitado a candidatos considerados aptos numa prova eliminatória específica. Os cursos vocacionais, criados para combater o insucesso e o abandono escolares, estavam inicialmente destinados a jovens a partir dos 13 anos de idade com historial de retenções no ensino básico (duas retenções num só ciclo ou três em ciclos distintos, respetivamente).34 Os primeiros cursos vocacionais entraram em funcionamento no ano letivo 2012/2013, no âmbito de um projeto piloto em treze escolas públicas. Estes cursos organizam-se seguindo uma estrutura modular que permite combinar a aquisição de conhecimentos e a prática simulada em contexto de trabalho. Os cursos vocacionais asseguram certificação escolar ao nível do 6º e do 9º ano. Esta via é fortemente permeável ao prosseguimento de estudos, dado que os jovens que concluam o 3º ciclo do ensino básico nesta modalidade podem continuar no ensino vocacional (se aprovados em 70% dos módulos das componentes geral e complementar e 100% na vocacional), optar pelo ensino regular (após aprovação nas provas finais globais), ou ingressar num curso profissional (desde que concluam a totalidade dos módulos da formação vocacional). O ensino recorrente de nível básico destina-se a jovens a partir dos 15 anos e a adultos que não tenham concluído o ensino básico na idade legalmente prevista. Esta modalidade constitui uma oportunidade quer para quem abandonou precocemente a escola quer para os que nunca a frequentaram. O ensino recorrente permite o prosseguimento de estudos e a sua conclusão confere diplomas escolares equivalentes aos atribuídos nos mesmos níveis do ensino regular. O ensino secundário (em regra, realizado entre os quinze e os dezassete anos de idade, compreende os 10º, 11º e 12º anos) inclui um conjunto de vias consideradas principais: i) os Cursos Científico-humanísticos; ii) os Cursos com Planos Próprios (CPP); iii) os Cursos Artísticos Especializados (CAE); iv) os Cursos Profissionais (CP); v) o Ensino Secundário Recorrente (ESR); e, vi) os Cursos Vocacionais (CV). Adicionalmente, existe uma oferta no âmbito do sistema de aprendizagem, tutelada pelo IEFP. Acrescem ainda outras ofertas com menor expressão, tais 33 A Portaria n.º 225/2012, de 30 de julho, retificada pela Declaração de Retificação n.º 55/2012, de 28 de setembro, cria os cursos artísticos nas áreas da Dança, Música e Canto Gregoriano no 2º e 3º ciclo do ensino básico e regulamenta os cursos de Dança e Música do 1º ciclo. 34 Portaria n.º 292-A/2012, de 26 de setembro. 51 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal como os cursos de educação e formação ou outras iniciativas orientadas para a educação e formação de adultos, designadamente os cursos EFA, as formações modulares e os processos RVCC.35 Os cursos científico-humanísticos enquadram-se no ensino secundário regular, possuem a duração de três anos letivos e visam preparar os jovens para o ensino superior. Os alunos que ingressam nestes cursos podem optar pelas seguintes vias formativas: Ciências e Tecnologias, Ciências Socioeconómicas, Línguas e Humanidades e Artes Visuais. Os cursos com planos próprios, que integram a oferta de nível secundário, são na sua maioria de dupla certificação e asseguram quatro componentes de formação: geral, científica, tecnológica e prática em contexto de trabalho. Esta última é da responsabilidade de cada escola em parceria com as entidades empresariais do contexto onde se localiza a oferta. A conclusão bem-sucedida destes cursos implica a realização de uma prova de aptidão tecnológica (PAT). Este tipo de cursos estiveram no início afetos exclusivamente à rede privada de ensino.36 Em 2012 foram alvo de alterações significativas com a finalidade de melhorar a empregabilidade dos seus estudantes.37 Os cursos do ensino artístico especializado de nível secundário, para além de reforçarem as aptidões adquiridas no EAE básico, preparam os jovens para o futuro ingresso num curso superior artístico e para o exercício de uma profissão no ramo. Estes cursos, com uma duração de três anos letivos, abrangem três domínios: Artes Visuais e Audiovisuais, Dança e Música. 38 Os dois primeiros possuem uma estrutura curricular com formação geral, científica e técnico-artística, e formação em contexto de trabalho; o último prepara apenas para o prosseguimento de estudos em cursos de nível terciário. Aos cursos de Dança e Música podem aceder apenas alunos que superem uma prova eliminatória. Por sua vez, nos cursos de Artes Visuais e Audiovisuais privilegia-se o acesso de candidatos com médias elevadas nos programas de Educação Visual. Os EAE de Artes Visuais e Audiovisuais e Dança atribuem uma qualificação de nível 4 e os de Música apenas de nível 3. Os EAE são oferecidos em regime 35 Ver anexo I. Estes cursos surgiram ao abrigo dos artigos 11.º e 12.º do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro (entretanto revogado). 37 Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho. 38 Os cursos nas áreas das Artes Visuais e Audiovisuais encontram-se regulamentados na Portaria n.º 243-A/2012 de 13 de agosto, com a Declaração de Retificação n.º 59/2012 de 10 de dezembro, alterada pela Portaria n.º 419-A/2012 de 20 de dezembro. Por sua vez, os cursos nos domínios da Dança e da Música estão regulamentados nos termos da Portaria n.º 243-B/2012, de 13 de agosto, alterada pela Portaria n.º 59-B/2014, de 7 de março. 36 52 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal integrado (num só estabelecimento escolar), articulado (em estabelecimentos diferentes) ou supletivo (em estabelecimentos de ensino artístico especializado e apenas para a frequência da vertente científica e técnica-artística). Os cursos profissionais visam a qualificação inicial dos jovens, conferindo dupla certificação, profissional e escolar. Garantem a possibilidade de continuidade de estudos em cursos do ensino pós-secundário não superior ou do ensino superior. Os cursos profissionais, de três anos de duração, destinam-se a candidatos com o 9º ano de escolaridade e, à sua conclusão, conferem uma qualificação de nível 4. Estes cursos, tutelados pelo Ministério de Educação e Ciência, são ministrados em escolas secundárias públicas e em escolas profissionais (públicas e privadas). Caracterizam-se por ter uma organização modular distribuída em três áreas formativas: sociocultural, científica e técnica. Esta última inclui, necessariamente, formação em contexto de trabalho (real ou simulado). Para concluir estes cursos é obrigatório elaborar e apresentar um projeto denominado Prova de Aptidão Profissional (PAP). No caso de os alunos pretenderem prosseguir estudos no ensino superior devem realizar os exames nacionais de acesso. Desde 2012 o ensino secundário recorrente de nível secundário enquadra-se numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida e de melhoria das qualificações da população adulta, no âmbito das metas da Estratégia Europa 2020. Destina-se a indivíduos que tenham concluído os seus estudos do ensino básico nas idades previstas. Tal como no ensino básico, a conclusão desta modalidade de ensino confere um diploma do ensino secundário equivalente ao obtido pela via regular. No âmbito do secundário, os cursos vocacionais foram lançados imediatamente após a experiência piloto implementada em 2012/13. Desde 2013 os cursos vocacionais admitem também jovens do ensino secundário de idade igual ou superior a 16 anos, com o 3º ciclo do ensino básico concluído e que apresentem um elevado risco de abandono escolar.39 Tal como no nível básico, estes cursos combinam a aprendizagem em contexto de sala de aula com a formação em contexto de trabalho. Os cursos vocacionais de nível secundário conferem certificação escolar ao nível do 12º ano e certificação profissional de nível 4. A conclusão dos cursos vocacionais de nível secundário permite aos alunos iniciar um curso de educação póssecundária não superior (nível 5) ou mesmo uma licenciatura, se reunirem os requisitos legalmente estabelecidos. 39 Despacho n.º 4653/2013, de 3 de abril, e Portaria n.º 276/2013, de 23 de agosto. 53 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Os cursos de aprendizagem40 constituem uma modalidade de formação profissional inicial, em alternância, dirigida a jovens com idades compreendidas entre os 15 e os 25 anos de idade, que concluíram com aproveitamento o 9º ano de escolaridade ou que não concluíram o ensino secundário.41 Os programas destes cursos apresentam uma forte articulação entre a formação em sala de aula (sociocultural, cientifica e tecnológica e prática) e a formação em contexto de trabalho. Os dois anos e meio de formação distribuem-se em três períodos formativos, que concluem com a realização de uma Prova de Avaliação Final (PAF). A conclusão de um curso de aprendizagem confere ao aluno o 12º ano de escolaridade e o nível 4 de qualificação. O sistema de aprendizagem é da responsabilidade do IEFP e está sob a alçada do Ministério do Trabalho. Embora uma parte significativa dos cursos de aprendizagem sejam ministrados em centros de formação do IEFP, podem também decorrer em entidades formadoras externas, entidades de apoio à alternância e entidades parceiras para a qualificação. Os cursos de especialização tecnológica (CET),42 enquadrados na formação profissional de nível pós-secundário não superior, destinam-se a jovens que tenham concluído, ou não, o 12º ano de escolaridade (e, portanto, detenham uma qualificação profissional de nível 3 ou 4) ou que possuam um diploma de especialização tecnológica ou um grau académico do ensino superior, e pretendam requalificar-se profissionalmente. Os CET contemplam formação geral, científica, tecnológica e em contexto laboral e garantem certificação profissional de nível 543 e um Diploma de Especialização Tecnológica (DET). Os candidatos poderão prosseguir estudos no ensino superior (via concursos especiais de acesso) podendo inclusivamente creditar as unidades de formação dos cursos de especialização tecnológica na respetiva licenciatura. Os cursos de especialização tecnológica são oferecidos em escolas secundárias e instituições do ensino superior, públicas e privadas, centros de formação do IEFP, escolas tecnológicas e outras entidades devidamente qualificadas. O ensino superior é ministrado em duas redes alternativas, a das Universidades e a dos Institutos Politécnicos. Os graus académicos correspondentes a este nível de ensino são o de licenciado (três a quatro anos), mestre (variável, mas normalmente entre um ano e meio e dois anos) e doutor (nunca menos de três anos). 40 Portaria n.º 1497/2008, de 19 de dezembro. Excecionalmente poderão ser aceites candidatos com idade superior a 25 anos, desde que em situação de desemprego, inscritos no IEFP e sem outras ofertas formativas adequadas ao seu perfil. 42 Decreto-Lei n.º 88/2006, de 23 de maio. 43 Portaria n.º 782/2009, de 23 de julho. 41 54 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal A Tabela 3.1 ilustra os percursos formativos disponíveis para jovens menores de 15 anos, jovens com idade igual ou superior a 15 anos e jovens com 18 ou mais anos, no sistema educativo português. Tabela 3.1 – Percursos formativos no sistema educativo Português para jovens de diversas idades Idades Modalidades Percursos formativos para jovens com idade inferior a 15 anos Percursos formativos para jovens com idade igual ou superior a 15 anos - Percursos formativos para jovens com idade igual ou superior a 18 anos Fonte: Elaboração Própria. 55 Cursos Gerais Cursos de Ensino Artístico Especializado Cursos Vocacionais Percursos Curriculares Alternativos Cursos Científico-humanísticos Cursos com Planos Próprios Cursos de Ensino Artístico Especializado Cursos Profissionais Ensino Recorrente Cursos Vocacionais Cursos de Aprendizagem Percursos Curriculares Alternativos Programa Integrado de Educação e Formação Cursos de Educação e Formação Cursos Tecnológicos (recentemente extintos, mas ainda em vigor) Ensino Recorrente Cursos de Educação e Formação de Adultos Processos de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências Formações Modulares Competências básicas Vida Ativa Vias de conclusão do ensino secundário Cursos de Especialização Tecnológica Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 3.2. A formação profissional no sistema educativo Português – A evolução Após o 25 de abril, os primeiros cursos de formação profissional foram lançados no âmbito do sistema de aprendizagem. Este sistema, criado em 1984,44 surgiu como uma alternativa ao sistema de formação tradicional com a finalidade de apoiar a qualificação e certificação dos jovens que, por diversos motivos, abandonavam precocemente o sistema de ensino. O sistema de aprendizagem, que segue uma abordagem de work-based learning (WBL), é um sistema de dupla certificação, em alternância, no qual existe interação entre as componentes de formação teórica e de formação em contexto de trabalho. Nos cursos do sistema de aprendizagem, que são exclusivamente tutelados pelo IEFP, as empresas são consideradas espaços ativos de formação, dado que permitem a aprendizagem dos formandos em contexto real de trabalho. Atualmente, o processo de aprendizagem integra quatro componentes: sociocultural, científica, tecnológica e prática.45 A carga horária destes cursos varia entre as 2.800 e as 3.700 horas. As horas de formação prática em contexto real de trabalho não devem representar menos de 40% da carga horária total, podendo variar entre as 1.100 e as 1.400 horas. A relação entre o formando e a entidade formadora é formalizada através de um contrato de aprendizagem. Este contrato não gera nem titula relações de trabalho subordinado e caduca com a conclusão do curso. Embora inicialmente estes cursos tenham tido um âmbito mais restrito e objetivos educativos mais modestos, em finais da década de oitenta foram introduzidas um conjunto de reformas, que permitiram melhorar o sistema do ponto de vista da certificação, qualificação e permeabilidade.46 Esta reforma permitiu acolher jovens com o 9º ano, que após a conclusão bem-sucedida da formação, obtinham um diploma profissional de certificação e uma qualificação de nível 3 (técnicos intermédios).47 Para efeitos de prosseguimento de estudos, o diploma passou a ser equivalente ao 12º ano regular e, portanto, análogo ao atribuído nas escolas profissionais. 44 Foi inicialmente criado pelo Decreto-Lei n.º 102/84, de 29 de março. Em 1996, através do Decreto-Lei n.º 205/96, de 25 de outubro, foram introduzidas no sistema um conjunto de alterações pedagógicas e organizativas, para fins de adaptação ao novo contexto socioeconómico. 45 Portaria n.º 1497/2008, de 19 de Dezembro. 46 Decreto-Lei n.º 436/88, de 23 de novembro. 47 Esta via estava inicialmente destinada a jovens maiores de catorze anos, com percursos de abandono escolar, após a conclusão da escolaridade obrigatória, na altura de seis anos. 56 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Embora o sistema tenha passado, nas suas três décadas de existência, por fases diversas em termos de atratividade,48 nos últimos anos tem conseguido atrair um número significativo de alunos. De facto, nos últimos cinco anos letivos o número de alunos inscritos em cursos do sistema de aprendizagem de nível secundário tem crescido significativamente (Figura 3.1). Figura 3.1 – Número de alunos inscritos em cursos de nível secundário do sistema de aprendizagem, 2008-2013 40 000 33 366 35 000 30 000 25 000 21 056 20 000 15 000 18 669 17 619 13 584 10 000 5 000 08-09 09-10 10-11 11-12 12-13 Fonte: DGEEC (2014). Para além dos cursos do sistema de aprendizagem, no sistema educativo português existem um conjunto de modalidades com uma orientação profissionalizante, que têm vindo a consolidar-se ao longo das últimas três décadas, em resultado de respostas a fatores exógenos com impactos económicos e sociais alargados e da evolução intrínseca do sistema de ensino e formação e do mercado de trabalho. A adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1986, teve um impacto significativo sobre o sistema de ensino, em geral, e sobre o sistema de formação profissional, em particular. Nesse ano, foi aprovada a Lei de Bases do Sistema Educativo,49 que tinha entre os seus objetivos a descentralização e diversificação das estruturas e ações educativas para garantir a adequada adesão à CEE. Outra medida importante foi a constituição, em 1987, do Conselho Nacional de Educação, como organismo 48 Por exemplo, este sistema experimentou uma quebra abrupta nas inscrições entre os anos 2005 e 2008. Este período coincidiu com a expansão da oferta de cursos profissionais de nível secundário nas escolas secundárias públicas. 49 Lei n.º 46/86, de 14 de outubro. 57 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal superior com funções de caráter consultivo. Essas alterações foram reconfigurando o sistema educativo, à medida que foram sendo incorporadas outras modalidades de ensino e formação. A criação, em 1989, do subsistema de escolas profissionais50 é a medida com maior impacto no domínio da formação profissional em Portugal, no final da década de oitenta e na década de noventa. Esta rede nasceu com o duplo objetivo de melhorar a empregabilidade dos jovens e ir de encontro das suas necessidades e expetativas, através de formações de espectro largo, local e sectorialmente enquadradas. Para o desenvolvimento da nova rede de estabelecimentos privados de ensino e formação, o Estado apostou num partenariado educativo, baseado na celebração de contratos-programa, em especial com entidades privadas (nomeadamente sindicatos, empresas e associações) mas também com autarquias, em função das caraterísticas e especificidades locais e regionais. A tutela e o financiamento dos estabelecimentos deste subsistema são da responsabilidade do Estado, através do Ministério de Educação e Ciência. Os programas dos cursos profissionais são integrados por três componentes de formação: sociocultural, científica e técnica. A carga horária máxima é de 3.100 horas e a da formação técnica de 1.600 horas, das quais 420 devem ser dedicadas a formação em contexto de trabalho. A componente de formação em contexto de trabalho pode ser substituída por práticas simuladas em contexto escolar. As escolas profissionais tiveram o monopólio dos cursos profissionais até ao ano académico 2004-2005. Nesse ano, esta tipologia de cursos passou a ser oferecida também nas escolas secundárias públicas.51 Embora nos primeiros anos o número de cursos profissionais e de turmas oferecidos na rede pública fosse modesto,52 a partir do ano académico 2007-2008 verificou-se um crescimento explosivo, que fez com que o número de alunos crescesse até os 75.000, no ano académico 2012-2013. Apesar do rápido crescimento do número de alunos nos cursos profissionais nas escolas secundárias públicas, o número de alunos nas escolas profissionais privadas continuou a aumentar. Concretamente, entre 2003-200453 e 2012-2013, o número de alunos inscritos nas escolas profissionais aumentou de 34.399 para 42.513. Nesse período as escolas profissionais passaram de concentrar praticamente 100% dos inscritos em cursos profissionais a representar apenas 36,7% do total. 50 Decreto-Lei n.º 26/89, de 21 de janeiro. Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março. 52 2004-2005 (11 Escolas e 13 turmas); 2005-2006 (20 Escolas e 30 turmas); e, 2006-2007 (93 Escolas e 261 turmas). 53 Ano académico imediatamente anterior ao fim do monopólio. 51 58 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Uma outra medida com consequências importantes no domínio da formação profissional, nesse período, foi a reforma curricular do ensino secundário de 1989.54 Esta reforma aboliu os Cursos Secundários Profissionais e Técnico-Profissionais e estabeleceu duas tipologias formativas: os Cursos Predominantemente Orientados para o Prosseguimento de Estudos (CPOPE) ou cursos gerais, e os Cursos Predominantemente Orientados para o Ingresso na Vida Ativa (CPOVA) ou cursos tecnológicos (Antunes, 2004). A partir de 1989, as principais características do ensino secundário em Portugal passaram a ser as seguintes (Azevedo, 2009): - O acesso ao ensino secundário implica a conclusão da escolaridade obrigatória, com uma duração de nove anos e estruturada em três ciclos de estudos: 1º ciclo do ensino básico – CEB (1º a 4º anos), 2º CEB (5º e 6º anos) e 3º CEB (7º, 8º e 9º anos); - O ensino secundário é ministrado em três locais diferenciados: i) as escolas secundárias, que oferecem cursos gerais e cursos tecnológicos; ii) as escolas profissionais, que oferecem cursos profissionais; e, iii) os centros de formação profissional, que oferecem cursos de aprendizagem, integrados no sistema do mesmo nome; - A duração média do ensino secundário é de três anos, com exceção dos cursos do sistema de aprendizagem, que podiam prolongar-se por mais tempo; - O curriculum dos cursos secundários das diferentes vias contemplam três áreas: i) geral ou sociocultural; ii) específica ou científica; e iii) técnica ou tecnológica. Esta estrutura permaneceu em vigor até a reforma de 2004; - Embora as diversas vias confiram à conclusão dos cursos diplomas diferentes, todos eles permitem o prosseguimento de estudos superiores. Entre 2002 e 2004, preparou-se, através da aprovação de um conjunto de normativos, uma profunda reforma do ensino secundário, destinada a promover um ensino secundário qualificante. Em 2002 foi publicada a Lei Orgânica do Ministério da Educação,55 na qual se previa a adequação da qualificação nacional de recursos humanos às diretrizes europeias de competitividade económica e educação ao longo da vida. Em 2004 avança-se com a reforma do ensino secundário,56 com a pretensão, por um lado, de melhorar a formação e a 54 Decreto-Lei nº 286/89, de 29 de agosto. Lei n.º 31/2002, de 20 de dezembro 56 Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 24/2006, de 6 de fevereiro. 55 59 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal qualificação dos jovens e, por outro, de combater o insucesso e o abandono escolares. No âmbito da formação profissional, a medida com maior impacto nesse período foi, como referido, a introdução dos cursos profissionais nas escolas secundárias públicas regulares,57 até então lecionados exclusivamente nas escolas profissionais. A reforma proposta nos normativos supracitados pretendiam impulsionar: i) a diversificação e permeabilidade da oferta formativa; ii) a introdução das novas tecnologias de informação e comunicação; e, iii) o reforço da autonomia das escolas. A reforma planeada desencadeou um processo de homogeneização e estandardização da oferta existente, fazendo convergir as diferentes vias com a via mais geral/liceal de ensino. Esta estratégia, que visou potenciar o ensino profissional através do envolvimento de novos agentes, nomeadamente das escolas secundárias, acabou por revelar-se bem-sucedida, pelo menos do ponto de vista quantitativo. Embora os primeiros cursos tivessem um caráter experimental e fossem introduzidos de forma muito gradual (em substituição dos Cursos Tecnológicos), a oferta de formação profissional nas escolas secundárias da rede pública expandiu-se muito rapidamente, de forma que, entre 2005 e 2010, o número de alunos desta modalidade praticamente triplicou (Figura 3.2). Este crescimento revela que os cursos profissionais têm vindo a ganhar espaço no ensino secundário e a constituir-se como uma alternativa competitiva face às restantes modalidades deste nível de ensino. A expansão dos cursos profissionais alterou a orientação do ensino secundário português, como consequência da perda de peso da modalidade regular e do aumento de peso das modalidades profissionalizantes. De facto, entre 2003 e 2013, o peso dos alunos inscritos em cursos profissionais no total do ensino secundário aumentou constantemente até atingir quase 30% do total das inscrições neste nível de ensino (Figura 3.3). Uma outra medida com um forte impacto no ensino secundário em geral e com algum impacto no ensino profissional, em particular, foi o lançamento da Iniciativa Novas Oportunidades (INO), no ano de 2005. Este programa, inserido no Plano Nacional de Emprego 2005-2008, emergiu como um instrumento de combate aos baixos níveis de escolarização/qualificação da população portuguesa e como uma estratégia para a elevação dos mesmos através de processos de qualificação e certificação. 57 Portaria n.º 550-C/2004, de 21 de maio. 60 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Figura 3.2 – Número de alunos inscritos em cursos profissionais – escolas profissionais e escolas secundárias públicas, 2003-2013 140 000 120 000 107 266 100 000 110 462 113 749 115 885 93 438 80 000 70 177 60 000 47 709 40 000 34 399 36 765 36 943 03-04 04-05 05-06 20 000 0 06-07 07-08 08-09 09-10 10-11 11-12 12-13 Fonte: DGEEC (2014). Figura 3.3 – Alunos inscritos em cursos profissionais no total de alunos inscritos no ensino secundário (%), 2003-2013 29,1% 30% 27,7% 25,1% 25% 22,2% 20,1% 18,8% 20% 15% 10% 13,4% 9,8% 9,0% 10,6% 5% 0% 03-04 04-05 05-06 06-07 07-08 Fonte: DGEEC (2014). 61 08-09 09-10 10-11 11-12 12-13 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal A Iniciativa Novas Oportunidades tinha como metas fundamentais: - A elevação do referencial de educação para 12 anos de escolaridade; - A elevação do número de vagas/candidatos à oferta formativa qualificante, de modo a que, em 2010, estes representassem metade das vagas/candidatos do ensino secundário regular. Em 2007, em articulação com o Quadro Europeu de Qualificações (QEQ),58 foi instituído o Sistema Nacional de Qualificações (SNQ),59 com a finalidade de potenciar a formação de base da população ativa, através da elevação do seu nível de competências (escolares/profissionais). Paralelamente, surgiu a Agência Nacional de Qualificações (ANQ),60 como estrutura coordenadora do SNQ, em articulação com os demais organismos competentes em matéria de educação e formação profissional. Neste âmbito foram posteriormente criadas novas entidades e instrumentos de gestão e articulação entre formação profissional enquadrada no sistema educativo e formação profissional associada ao mercado de trabalho, designadamente: os Centros de Novas Oportunidades (CNO),61 os Conselhos Sectoriais para as Qualificações; a Rede de Entidades Formadoras; o Quadro Nacional de Qualificações (QNQ); o Catálogo Nacional de Qualificações (CNQ); a Caderneta Individual de Competências e o Sistema de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC). Um outro aspeto com grande impacto sobre o sistema educativo em Portugal, nos últimos anos, foi o estabelecimento da escolaridade obrigatória em 12 anos.62 A entrada em vigor dessa obrigatoriedade63 foi acompanhada da criação de novas ofertas educacionais de caráter vocacional, tanto de nível básico como secundário.64 Com estes cursos pretende-se acautelar os interesses vocacionais dos alunos e melhorar a sua empregabilidade, através de programas que aproximem a escola e as empresas. 58 Os níveis deste Quadro constam do Anexo II. Decreto-Lei n.º 396/2007, de 31 de dezembro. 60 Decreto-Lei n.º 276-C/2007, de 31 de Julho. Em 2012, através do Decreto-Lei n.º 36/2012, de 15 de fevereiro, a ANQ passou a designar-se Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional, I. P. (ANQEP, I. P.). Os seus Estatutos foram aprovados pela Portaria n.º 294/2012, de 28 de setembro. 61 Em 2013, os CNO foram extintos pela Portaria n.º 135-A/2013, de 28 de março, e substituídos por Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional (CQEP). 62 Decreto-Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto. 63 Decreto-Lei n.º 176/2012, de 27 de agosto. 64 Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 91/2012, de 10 de julho. 59 62 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Em 2014, foi proposto um novo regime jurídico para as atuais escolas profissionais e a criação de Escolas Profissionais de Referência Empresarial (EPRE).65 Em consonância com a “Estratégia Europa 2020” e com o “Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego”, estas medidas visam potenciar o ensino dual e as modalidades formativas de dupla certificação (escolar e profissional). Pretende-se que entidades empresariais de sectores economicamente relevantes desenvolvam cursos de ensino e formação de dupla certificação de nível 4. A oferta formativa resultante comportará uma significativa carga horária de formação tecnológica e prática, sendo esta última desenvolvida em contexto empresarial. Para além da oferta formativa de nível 4 direcionada aos jovens, as EPRE orientar-se-ão também para a qualificação da população adulta, no âmbito da aprendizagem ao longo da vida. Para complementar a oferta profissionalizante existente, disponibilizando alternativas para o prosseguimento de estudos nesta via, está previsto que futuramente venham a ser lançados mais programas de formação profissional de nível 5. Esta oferta integrará os denominados cursos técnicos superiores profissionais (CTSP), de 120 ECTS, os quais, à partida, serão oferecidos na rede de Institutos Politécnicos. 3.3. A formação profissional no sistema educativo Português – A atualidade O sistema educativo português abrange quatro ciclos educativos:66,67 - Dois ciclos de educação primária – 1º e 2º ciclo do ensino básico (de 4 e 2 anos de duração, respetivamente); - Dois ciclos de educação secundária – 3º ciclo do ensino básico (secundário inferior) e ciclo secundário (secundário superior) (de 3 anos de duração cada). O ensino básico, que abrange os três ciclos de estudos mencionados, oferece formação geral, formação profissional e formação vocacional. O ensino secundário superior oferece ensino regular de caráter geral, ensino profissional e ensino vocacional. O panorama do ensino secundário em Portugal tem-se alterado significativamente na última década. A Tabela 3.2 apresenta a evolução dos alunos inscritos nas diferentes modalidades de ensino secundário existentes no país. 65 Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho. Esta secção assenta, em grande medida, numa das secções do Relatório de Ensino e Formação Dual, elaborado pelo Conselho Nacional de Educação (CNEDU, 2014). 67 O ensino superior foi excluído da análise. 66 63 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Tabela 3.2 – Alunos matriculados no ensino secundário por modalidade de ensino, 2003-2013 Modalidade de ensino Cursos Científicohumanísticos Cursos Profissionais Cursos de Aprendizagem 03/04 04/05 05/06 06/07 07/08 08/09 09/10 10/11 11/12 12/13 212.342 205.671 188.460 196.023 196.216 195.330 197.582 197.918 199.131 201.118 34.399 36.765 36.943 47.709 70.177 93.438 107.266 110.462 113.749 115.885 X X X X X 13.584 17.619 18.669 21.056 33.366 Cursos CEF 2.877 2.832 3.422 5.224 8.425 4.388 2.320 2.117 2.012 3.025 Artístico Especializado 2.196 2.184 2.063 2.256 2.264 2.527 2.348 2.283 2.341 2.462 Recorrente 77.548 69.970 64.284 62.679 30.891 18.208 12.578 8.323 6.058 6.970 Cursos Tecnológicos 52.850 59.474 52.228 42.820 25.673 20.212 14.577 13.315 10.145 5.976 Cursos EFA - - - - 15.831 52.214 41.773 39.467 28.005 18.386 Formações Modulares X X X X X X 963 396 472 426 Processos RVCC X X X X X 98.426 86.956 47.945 28.269 10.833 382.212 376.896 347.400 356.711 349.477 498.327 483.982 440.895 411.238 398.447 Total Fonte: DGEEC (2014). Figura 3.5 – Alunos matriculados nas principais modalidades de ensino secundário, 2003-2013 500 000 498 327 483 982 440 895 450 000 400 000 398 447 382 212 376 896 411 238 356 711 350 000 349 477 347 400 300 000 250 000 212 342 205 671 196 023 196 216 197 918 199 131 201 118 195 330 200 000 197 582 188 460 150 000 99 322 76 809 100 000 66 616 127 205 136 817 111 410 57 376 50 000 152 276 131 248 66 612 0 03-04 04-05 Total 05-06 06-07 Cursos Gerais 07-08 08-09 09-10 10-11 Cursos Profissionalizantes Fonte: DGEEC (2014). 64 11-12 Outros 12-13 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Entre 2003 e 2013, a oferta profissionalizante tem vindo a ganhar peso no nível secundário de ensino.68 Na Figura 3.5, que considera apenas as modalidades mais relevantes da oferta profissionalizante – cursos profissionais, cursos de aprendizagem e cursos de educação e formação (em franco declínio), observa-se o crescimento continuado da quota dessas modalidades no ensino secundário português. No sistema de educação e formação português, a formação profissional (e vocacional) tem presença em diversas fases/ciclos de estudos. Nomeadamente: - No ensino básico existe formação profissional de dupla certificação (CEF) para jovens que tenham concluído o 2º ciclo do ensino básico ou que estejam a frequentar o segundo (último) ano desse ciclo. Estes cursos conferem qualificação de nível 2. - No ensino secundário inferior (3º ciclo do ensino básico) existe formação profissional de dupla certificação (CEF), de 1 a 2 anos de duração, e ensino vocacional, com início a partir dos 13 anos de idade. Estes cursos conferem qualificação de nível 2 e apresentam uma elevada permeabilidade.69 - No ensino secundário superior (secundário) existe formação profissional de dupla certificação (CEF), de 1 a 2 anos de duração,70 para jovens a partir dos 15 anos, ensino vocacional, de 2 a 3 anos de duração,71 e cursos profissionais, de 3 anos de duração.72 Estes cursos destinam-se a jovens que tenham concluído o 3º ciclo do ensino básico (secundário inferior). Estas ofertas são altamente permeáveis ao prosseguimento de estudos.73. No âmbito do secundário, ainda que sob a tutela do Ministério do Trabalho, existem cursos de aprendizagem, com uma duração de 2 anos e meio.74 Esta oferta destina-se a jovens com menos de 25 anos que tenham concluído o 3º ciclo do ensino básico (secundário inferior) mas não tenham um diploma de nível secundário. Outorgam uma qualificação de nível 4 e permitem o prosseguimento de estudos. 68 Cursos profissionais, cursos de aprendizagem, cursos de educação e formação, cursos artísticos especializados e os cursos tecnológicos – em extinção. 69 Ensino geral e ensino vocacional secundário. 70 A carga horária varia entre 1.025 e 2.275 horas, aproximadamente. 71 A carga horária mínima total é de 3.000 horas. 72 A carga horária máxima é de 3.100 horas. 73 Desde que cumpridos os requisitos legais em vigor permitem o acesso ao ensino superior. 74 A carga horária varia entre as 2.800 e as 3.700 horas. 65 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal - No ensino pós-secundário não superior existem os denominados cursos de especialização tecnológica – CET, para jovens de 18 a 19 anos, bem como para jovens adultos de até 23 anos. Estes cursos têm uma duração de 1 ano,75 aproximadamente, e conferem uma qualificação de nível 5.76 Podem aceder a estes cursos os titulares de ensino secundário ou equivalente, alunos com 10º e 11º e frequência do 12º ano, titulares de qualificação de nível 3, titulares de diploma de especialização tecnológica ou com grau de ensino superior. Tabela 3.3 – Importância do ensino profissional/vocacional no sistema educativo português, 2012-2013 Tipologia de Cursos Cursos de Educação e Formação Inscritos 3.025 % Ensino Profissionalizante % Ensino Secundário 1,99% 0,76% Cursos Vocacionais (1) 1.910 Cursos Profissionais 113.749 74,70% 28,55% 33.366 21,91% 8,37% Cursos de Aprendizagem Cursos Especialização Tecnológica (2) Total 7.453 --- --- --- --- (3) 157.593 Notas: (1) Dados relativos ao ano académico de 2014-2015. Este foi o primeiro ano de funcionamento destes cursos de nível secundário; (2) Cursos de ensino pós-secundário não superior; (3) Total excluindo os cursos vocacionais. Fonte: DGEEC (2014) e Cálculos Próprios. O retrato atual do ensino profissional/vocacional em Portugal de nível secundário está consignado na Tabela 3.3. A Tabela 3.4 resume as principais características dos cursos de formação profissional/vocacional atualmente em funcionamento em Portugal. 75 76 A carga horária varia entre as 1.200 e as 1.560 horas. Este tipo de cursos na maioria dos países europeus conferem uma qualificação de nível 4. 66 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Tabela 3.4 – Cursos de formação profissional/vocacional em Portugal (I) Tipo de Curso/Objetivos Principais Características Cursos de Educação e Formação (CEF) [Nível secundário] Principal objetivo: Motivar os alunos para a continuação de estudos fornecendo soluções de aprendizagem flexíveis, de acordo com as suas expectativas e as necessidades do mercado de trabalho local. Idade: +15 anos Requisitos de admissão: 3º ciclo do ensino básico (9º ano de escolaridade) ou 10º ou 11º. Organização do curso: estes cursos incluem vários percursos formativos, com 1 a 2 anos de duração, organizados numa sequência de etapas formativas. Os trajetos de formação são organizados sequencialmente do tipo 1 ao tipo 7. Os cursos de educação e formação de nível secundário são os de tipo 5 e 6. A carga horária desses percursos varia entre as 1.380 e as 2.276 horas. Os alunos que acedam com o 9º ano de escolaridade ou equivalente deverão efetuar um Curso de Formação Complementar de 1.020 horas. Tipo de instituição: escolas públicas, privadas ou cooperativas de ensino, centros do IEFP, centros de formação certificados. Certificação: dupla certificação – ensino secundário/12º ano de escolaridade e nível 4 do QNQ. Cursos Vocacionais [Nível secundário] Objetivos: - Criar condições para o cumprimento da escolaridade obrigatória; - Reduzir o abandono escolar precoce; - Melhorar a integração dos jovens no mercado de trabalho; - Responder aos interesses dos jovens. Idade: +16 anos Requisitos de admissão: 3º ciclo do ensino básico (9º ano de escolaridade) ou alunos que tendo frequentado o ensino secundário pretendam reorientar o seu percurso formativo. Organização do curso: a duração normal do curso é de 2 anos organizados em várias componentes, geral, complementar, vocacional e estágio formativo, com uma carga horária mínima de 3.000 horas. O estágio deve ter uma duração mínima de 1.400 horas. Tipo de instituição: escolas secundárias públicas e privadas e escolas profissionais. Certificação: dupla certificação – ensino secundário/12º ano de escolaridade e nível 4 do QNQ. Fonte: Elaboração Própria. 67 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Tabela 3.4 – Cursos de formação profissional/vocacional em Portugal (II) Tipo de Curso/Objetivos Principais Características Cursos Profissionais Objetivos: - Contribuir para o desenvolvimento de competências pessoais e profissionais para o exercício de uma profissão; - Dar resposta às necessidades do mercado de trabalho local e regional. Idade: +15 anos Requisitos de admissão: conclusão do 3º ciclo do ensino básico (9º ano de escolaridade). Os candidatos procuram um ensino prático com ligação ao mercado de trabalho e que, além disso, lhes permita prosseguir os estudos. Organização do curso: a duração do curso é de 3 anos organizados em módulos, com uma duração de 2.800 a 3.700 horas. A componente prática é obrigatória. Os alunos devem realizar uma Prova de Aptidão Profissional, no final do 3º ano, que demonstre as competências e conhecimentos adquiridos durante o estágio. Tipo de instituição: escolas profissionais públicas ou privadas e escolas secundárias da rede pública. Certificação: dupla certificação – ensino secundário/12º ano de escolaridade e nível 4 do QNQ. Cursos de Aprendizagem Principal objetivo: - Promover a formação inicial de jovens com a finalidade de aumentar a sua empregabilidade; - Dar resposta às necessidades do mercado de trabalho. Idade: jovens entre 15 e 24 anos de idade. Requisitos de admissão: conclusão do 3º ciclo do ensino básico (9º ano de escolaridade) ou nível secundário não completo. Organização do curso: a duração do curso é de 2 anos e meio, com uma duração de 2.800 a 3.700 horas; inclui um estágio obrigatório (40% da carga horária do curso). Tipo de instituição: IEFP/centros de formação e entidades privadas com protocolos com o IEFP. Certificação: dupla certificação – ensino secundário/12º ano de escolaridade e nível 4 do QNQ. Fonte: Elaboração Própria. 68 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Tabela 3.4 – Cursos de formação profissional/vocacional em Portugal (III) Tipo de Curso/Objetivos Principais Características Cursos de Especialização Tecnológica (CET) [Nível pós-secundário não superior] Objetivos: - Dotar o aluno de uma formação técnica de alto nível; - Fornecer ao aluno capacidades e conhecimentos para que possa assumir, de forma autónoma ou independente, responsabilidades de conceção e/ou de direção e/ou de gestão. Idade: +18 anos de idade. Requisitos de admissão: - Os titulares de um curso secundário ou de habilitação legalmente equivalente; - Os que tendo obtido aprovação em todas as disciplinas do 10º e 11º e tendo estado inscritos no 12º ano de um curso de ensino secundário, ou de habilitação legalmente equivalente, não o tenham concluído; - Os titulares de uma qualificação profissional de nível 3; - Os titulares de um diploma de especialização tecnológica ou de um grau de ensino superior. Organização do curso: variável, dependendo do número de ECTS, que pode, por sua vez, variar entre 60 e 90 (normalmente entre 1.200 e 1.560 horas). Os cursos são organizados em três áreas: científica, tecnológica e aprendizagem em contexto de trabalho). Tipo de instituição: escolas públicas, privadas e cooperativas de ensino, universidades e politécnicos, centros do IEFP e centros de formação certificados. Certificação: Diploma de Especialização Tecnológica e nível de 5 de qualificação. Fonte: Elaboração Própria. 69 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 70 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Capítulo 4 – A Transferência do Sistema Dual 71 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 4.1. Introdução A capacidade dos sistemas de formação profissional dual para elevar os níveis gerais de educação e garantir a inserção dos jovens no mercado de trabalho, reduzindo os níveis de desemprego jovem, tem despertado o interesse de governos de diversos países, que procuram incorporar alguns dos seus princípios às suas realidades nacionais. Nas últimas décadas, o sistema dual alemão tem sido alvo de várias tentativas de transferência/replicação, em diversos países, com o apoio da Sociedade Alemã para a Cooperação Internacional (GIZ). Nos últimos vinte e cinco anos, vários países africanos têm sido um campo de experimentação permanente nesta matéria. Países como o Egito,77 Mali, Gâmbia, Etiópia, Benim e Burkina Faso desenvolveram experiências de formação profissional dual, com diferente alcance e ambição. A maioria das iniciativas implementadas na África Subsariana têm-se revelado, de um modo geral, mesmo quando bem-sucedidas, de pequena escala e demasiado dependentes de um sector específico. Para além de iniciativas pontuais em países como as Filipinas, na Ásia o sistema dual não tem despertado tanto interesse como noutras latitudes. Não obstante, a China está a estudar formas de renovar o seu sistema de formação profissional, inspirando-se nos princípios dos sistemas duais europeus, nomeadamente do sistema alemão (Zhao et al, 2014). Apesar dos avanços experimentados pelo sistema de formação profissional chinês, graças às várias reformas efetuadas pelo governo desde 1978, o sistema ainda apresenta grandes limitações, estando bastante desajustado das necessidades das empresas e dos requisitos dos postos de trabalho. Entre os principais problemas do sistema destacam-se: a preponderância dos programas baseados na escola, a variabilidade de qualidade dos programas e a sua falta de atratividade, a rejeição social deste tipo de ensino por questões culturais, a pequena escala das escolas profissionais, a fraca qualidade dos professores e a escassez de financiamento público (Wang, 2011). Estes problemas traduzem-se na insatisfação generalizada dos empregadores com o sistema, em geral, e com a falta de adequação das competências e habilidades dos graduados nestes programas, em particular. Nesta conjuntura, o governo chinês está a encetar reformas no sistema de formação profissional, inspiradas nos sistemas duais de inspiração germânica. O objetivo das reformas é garantir o fornecimento de mão-de-obra especializada com as 77 Através da denominada Iniciativa Mubarak-Kohl. 72 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal competências técnicas requeridas por um sector industrial em expansão e progressiva complexificação. Em países europeus com graves problemas de desemprego jovem, o interesse pelos sistemas duais de formação profissional tem-se intensificado notavelmente, nomeadamente desde o início da crise em 2007/2008. Adicionalmente, o ganho de influência alemã no âmbito da União Europeia, durante a crise, e a dependência das instituições comunitárias dos países especialmente afetados pela mesma têm resultado no alinhamento dos governos destes últimos com as perspetivas e propostas do governo alemão. Neste contexto, no final de 2012, os ministros de alguns dos estados-membros da União Europeia, responsáveis pelos programas de educação e formação, assinaram em Berlim um memorando para a Cooperação em matéria de Educação Vocacional e Profissional na Europa.78 O acordo, assinado pela Alemanha e por todos os países do Sul (Portugal, Espanha, Grécia e Itália),79 visa potenciar a formação profissional como via para melhorar a inserção dos jovens no mercado de trabalho, reduzir o desemprego jovem, melhorar o nível educativo em geral e elevar a competitividade da economia europeia, entre outros. Desde o início da crise, dos países do Sul, Espanha é o que mais tem avançado na dualização do seu sistema de ensino profissional. Em 2012 foi lançada a formação profissional dual80 que abrange o conjunto de ações e iniciativas de formação e de emprego-e-formação, destinadas a melhorar a qualificação profissional dos trabalhadores num regime de alternância, no âmbito do sistema de formação profissional para o emprego ou do sistema educativo espanhol. Os progressos em Portugal têm sido mais modestos. Os avanços nesta matéria cingem-se basicamente ao lançamento de uma oferta de cursos vocacionais de inspiração dual, destinados essencialmente a alunos com problemas de desempenho escolar.81 Apesar destes progressos, o nível de dualização do sistema de formação profissional português continua a ser relativamente baixo. Devido às especificidades institucionais e culturais dos países potencialmente recetores, a transferência/replicação direta dos sistemas duais está condenada ao fracasso. Não obstante, as vantagens dos sistemas profissionais que combinam formação na escola com formação em 78 Ver Anexo III. Assinaram também o acordo a Letónia e a Eslováquia. 80 Real Decreto n.º 1529/2012. 81 Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 91/2013, de 10 de julho, e Portaria n.º 276/2013, de 23 de agosto. 79 73 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal contexto de trabalho são difíceis de refutar. Embora possam existir múltiplos argumentos para justificar a necessidade de avançar na dualização do sistema de formação profissional em Portugal, existem dois que, atendendo à realidade atual do país, se sobrepõem a todos os outros: - A redução do atraso educativo; - A redução do desemprego jovem. 4.2. O argumento da redução do atraso educativo Face à maioria dos estados membros da UE, Portugal apresenta um problema de atraso educativo. Esse défice explica, em grande medida, o diferencial de produtividade da economia portuguesa face a outras economias avançadas (CEDEFOP e REFERNET, 2012). Apesar dos sucessivos governos, desde a entrada de Portugal na CEE, terem realizado um esforço enorme em aproximar os níveis educativos do país dos padrões comunitários, o atraso neste domínio continua a ser muito significativo, quer em relação aos países do Norte quer em relação aos países do Sul, com os quais Portugal é comparado na maioria dos âmbitos.82 A Tabela 4.1 mostra os níveis de formação da população adulta [25-64 anos], para um conjunto de países selecionado, de acordo com a Classificação Internacional Uniforme de Educação – ISCED, versão 2011 (UIS, 2012).83 Não obstante os progressos referidos, em 2012, 63% da população adulta portuguesa tinha níveis de formação iguais ou inferiores ao ensino secundário inferior (atualmente, 3º ciclo do ensino básico). Este dado contrasta fortemente com os dos restantes países, inclusivamente com os da Grécia (32%) e a Espanha (46%). Estes resultados estão muito afastados das médias da UE84 (23%) e da OCDE (24%). Em 2012, a população portuguesa com ensino secundário superior ficava-se pelos 19%, uma percentagem muito superior aos 10,5% de 2000 e aos 14% de 2006. Apesar dos enormes progressos realizados desde 1986, a distância face aos países com sistemas de formação profissional dual de nível secundário continua a ser muito significativa. A população com ensino secundário superior na Alemanha e na Áustria representa à volta de 50% do total, 82 Os países utilizados nas comparações internacionais, neste capítulo, são os três da UE com sistemas de formação profissional dual mais desenvolvidos, Alemanha, Áustria e Dinamarca, e os três países do Sul da UE com maiores problemas de desemprego jovem, Espanha, Grécia e Portugal. Em certos casos para evidenciar as grandes diferenças existentes e para facilitar a leitura dos dados, as figuras apresentam comparativas diretas entre Alemanha e Portugal. 83 International Standard Classification of Education. A ISCED-2011 é a segunda atualização de importância. 84 UE-21. 74 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal enquanto na Dinamarca ultrapassa os 40%. O diferencial face aos outros países do Sul é menor, especialmente em relação a Espanha (4 p.p.), mas o gap em relação às médias da UE85 (48%) e da OCDE (44%) ultrapassa os 25 p.p. Tabela 4.1 – Nível de formação da população adulta [25-64 anos] (%), 2012 País A Ensino Secundário Ensino PréSuperior Ensino primário e Secundário ISCED 3C Ensino Inferior (programas ISCED 3A Primário longos/3B) 3 10 47 3 Educação Terciária Ensino PósSecundário não Terciário Tipo B Tipo A 8 11 16 1 Outros AT (1) 16 47 6 10 7 13 1 D 1 20 37 6 - 6 28 2 E 17 29 9 14 - 10 22 1 G 21 11 7 27 8 9 17 0 P 42 21 (2) 19 - (3) 16 2 Notas: (1) Juntamente com o Ensino Secundário Inferior; (2) Juntamente com o Ensino Secundário Geral (ISCED 3A); (3) Juntamente com o Ensino Terciário Tipo A. Fonte: OCDE (2014). No domínio do ensino superior, os diferenciais não são tão profundos graças aos grandes progressos dos últimos 25 anos.86 Em 2012, 16% da população adulta portuguesa possuía um diploma do ensino superior, face aos 10,5% do 2000 e aos 14% do 2006. Neste caso não há um padrão Norte/Centro-Sul tão evidente como nos outros níveis de educação. Em relação a Portugal, a proporção da população com ensino superior é (pelo menos) o dobro na Dinamarca e na Espanha, que se situam aproximadamente na média da OCDE (33%), e (mais) de uma vez e meia na Alemanha e na Grécia, que se situam ligeiramente abaixo da média da UE87 (29%). Portugal está relativamente próximo da Áustria, onde um quinto da população adulta concluiu algum programa de educação superior. O menor diferencial português neste nível educativo está relacionado com um conjunto de fatores, que enviesam as escolhas dos jovens em favor deste tipo de formação face a outras de natureza mais profissionalizante. Esta avidez pelo ensino superior em Portugal explica o progressivo crescimento da taxa de graduação terciária88 na última década, entre os menores 85 UE-21. Terciário Tipo A e Tipo B. 87 UE-21. 88 Graduados em cursos superiores (ISCED 5-6) por cada 1.000 jovens com idades compreendidas entre os 20 e os 29 anos. 86 75 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal de 30 anos. Em 2012, Portugal apresentava a segunda taxa mais alta (77,3%), entre os países da amostra, sendo somente superado pela Dinamarca (Figura 4.1.) Entre 2004 e 2012, a taxa de graduação terciária aumentou mais de 33 p.p. em Portugal, um incremento apenas ultrapassado pelo da Áustria, com 34 p.p., embora este país partisse de uma base bastante mais baixa. Figura 4.1 – Taxa de graduação terciária (ISCED 5-6) (%), 2004-2012 88,4% 90% 79,8% 80% 70% 70,4% 64,1% 61,3% 55,7% 60% 50% 40,5% 40% 77,4% 71,3% 33,4% 41,2% 44,0% 44,8% 30,1% 48,6% 43,1% 44,0% 29,3% 30% 20% 10% 0% Alemanha Áustria Dinamarca 2004 2008 Espanha Grécia Portugal 2012 Nota: Graduados totais (ISCED 5-6) por cada 1000 jovens com idades compreendidas entre os 20 e os 29 anos. Fonte: Cálculos Próprios a partir de EUROSTAT. O aumento da população com ensino superior, especialmente da mais jovem, está a colocar problemas de inserção profissional nos países do Sul, onde as taxas de desemprego têm crescido de forma acentuada a par do aumento no número de titulados (Figura 4.2). É evidente que uma parte significativa do elevado desemprego é explicado pela crise económica, em geral, e pelo défice de crescimento, em particular. Mas também é certo que, em alguns casos, esse desemprego tem a sua origem num desajustamento, cada vez mais estrutural, entre os conhecimentos, competências e habilidades próprios desses programas e as necessidades dos mercados de trabalho nacionais. 76 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Figura 4.2 – Taxa de desemprego dos trabalhadores com educação terciária, por grupo etário (%), 2012 30,0% 30% 25% 19,8% 20% 17,1% 17,0% 14,0% 15% 10,5% 10% 5% 7,7% 4,7% 2,4% 2,8% 2,1%2,7% Alemanha Áustria 0% Dinamarca 25-64 Espanha Grécia Portugal 25-34 Fonte: OCDE (2014). No início da década de 2000, as taxas de desemprego dos trabalhadores com ensino superior eram muito similares em Portugal e nos países do Norte/Centro da Europa, que integram a amostra. Não obstante, enquanto o desemprego dos graduados superiores desses países tem permanecido relativamente estável desde essa altura, em Portugal não tem parado de aumentar desde então (Figura 4.3). O crescimento do desemprego entre esses trabalhadores, em Portugal, afetou tanto os adultos mais novos [25-34 anos] como os adultos em geral [25-64 anos], cujas taxas de desemprego praticamente quadruplicaram em ambos os casos. Apesar do intenso crescimento da população com ensino secundário e com ensino superior em Portugal, derivada das políticas expansivas no sector da educação dos vários governos no poder desde 1986, o certo é que, em termos comparativos, o país continua a revelar um importante atraso educativo. O diferencial educativo é significativo em relação às médias da OCDE e da UE, mas atinge contornos dramáticos quando a referência são países avançados de primeira linha ou com sistemas educativos sólidos, tais como a Alemanha. A Figura 4.4 apresenta os níveis de educação da população adulta [25 a 64 anos] – ensino secundário superior e ensino superior – em Portugal e na Alemanha, por faixas etárias. No 77 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal ensino superior observam-se diferenças significativas nas faixas etárias de mais idade, embora no agregado o diferencial não seja tão acentuado (19% - Portugal; 28% - Alemanha). Figura 4.3 – Evolução da taxa de desemprego dos trabalhadores com educação terciária em Portugal, por grupo etário (%), 2000-2012 17,1% 18% 16% 14% 12% 10,5% 9,4% 9,2% 10% 8% 4% 6,3% 5,4% 6% 4,3% 2,7% 2% 0% 2000 2005 2010 25-64 2012 25-34 Fonte: OCDE (2014). Figura 4.4 – Adultos [25-64 anos] com pelo menos o ensino secundário superior e adultos com ensino superior (terciário), por faixas etárias (%) – Alemanha e Portugal, 2012 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% ≥ Sec. Sup. Terciário 25-34 ≥ Sec. Sup. Terciário 35-44 ≥ Sec. Sup. Terciário 45-54 Alemanha 78 Portugal ≥ Sec. Sup. Terciário 55-64 ≥ Sec. Sup. Terciário 25-64 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Fonte: OCDE (2014). No ensino secundário as diferenças são enormes, especialmente nas faixas de mais idade, mas mesmo entre os adultos mais jovens [25 a 34 anos] o diferencial é de quase 30 p.p. (58% Portugal; 87% - Alemanha). Estes dados, para além de confirmarem o atraso educativo português, evidenciam que o principal problema educativo do país é o défice de população/trabalhadores com ensino secundário (superior). Um problema relacionado com o anterior é a preponderância da via geral no ensino secundário para prosseguimento de estudos, face a modalidades de caráter mais profissionalizante. A consequência deste enviesamento é que a população adulta com ensino secundário em consequentemente, Portugal níveis concluiu de maioritariamente qualificação e vias gerais, especialização apresentando, relativamente baixos, nomeadamente nas primeiras fases da sua vida laboral. Nos países do conjunto selecionado, a importância das vias seguidas pelos adultos para a conclusão dos seus estudos secundários superiores varia significativamente entre países. Figura 4.5 – População com formação até a segunda etapa da Educação Secundária, (1) segundo orientação: formação profissional ou formação geral (%), 2012 60% 58% 55% 50% 42% 40% 30% 27% 19% 20% 14% 15% 9% 10% 6% 3% 2% 0% Alemanha Áustria Dinamarca Secundário Profissional Espanha Grécia Portugal Secundário Geral Notas: (1) Incluem-se estudos pós-secundários não terciários; (2) Os dados para Portugal são agregados. Não existe informação desagregada sobre esta temática. Fonte: OCDE (2014). 79 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Conforme se observa na Figura 4.5, em certos países do Norte/Centro da Europa, as vias profissionalizantes são preponderantes, tendo sido as alternativas seguidas por mais de 90% dos adultos com formação secundária. Nos países do Sul, aproximadamente dois terços da população adulta concluiu os seus estudos secundários seguindo a via geral e os restantes as vias profissionalizantes. Embora não exista informação desagregada para Portugal é provável que a distribuição seja mais desfavorável que nos dois países do Sul da Europa da amostra utilizada. Esta circunstância estaria explicada pelo desenvolvimento tardio do subsistema de formação profissional e dos cursos profissionais no país e pelo modesto peso dos graduados em vias profissionalizantes (inferior a 40%). As principais causas do reduzido número de adultos com estudos secundários superiores,89 em Portugal, são as seguintes: A elevada taxa de abandono escolar precoce que afetou o país durante décadas O abandono escolar precoce em Portugal constituiu um flagelo permanente para as autoridades educativas durante décadas. Apesar dos enormes progressos efetuados nos últimos anos nesta matéria, em grande parte graças a medidas como o incremento da escolaridade obrigatória, em 2013 a taxa de abandono precoce (18,9%) era quase 60% superior à da média comunitária90 (11,6%). Na Figura 4.6 podem verificar-se as grandes diferenças neste indicador em relação à Alemanha, nas últimas duas décadas, bem como a intensa redução do abandono precoce em Portugal no mesmo período. O abandono escolar precoce repercute-se tanto no mercado de trabalho como na sociedade, dado que os jovens que abandonam precocemente a escola, ao terem baixas qualificações, depararão com dificuldades acrescidas no processo de inserção no mercado de trabalho. Muitos destes jovens passam a integrar o grupo dos denominados nem-nem.91 A Figura 4.7 mostra a percentagem de jovens com idades entre os 19 e os 24 anos que nem trabalham nem estudam nos países do conjunto selecionado. Mais uma vez, observa-se uma grande clivagem entre os países do Norte/Centro e os do Sul, derivada, por um lado, das diferentes dinâmicas dos seus mercados de trabalho e, por outro, dos diferentes graus de adequação e eficiência dos seus sistemas educativos e de formação profissional. 89 Incluídos pós-secundários não terciários. UE-28. 91 Nem estudam nem trabalham. 90 80 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Figura 4.6 – Taxa de abandono escolar precoce (%) – Alemanha e Portugal, 1997-2013 44,2% 45% 40,6% 38,3% 40% 35% 30,9% 30% 25% 18,9% 20% 15% 12,9% 13,5% 12,3% 11,1% 9,8% 10% 5% 0% 1997 2001 2005 Alemanha 2009 2013 Portugal Fonte: Cálculos Próprios a partir de EUROSTAT. Figura 4.7 – População jovem [15-24 anos] que não estuda nem trabalha (NEET) (%), 2013 25% 20,4% 20% 18,6% 14,1% 15% 10% 6,3% 7,1% 6,0% 5% 0% Alemanha Áustria Dinamarca Espanha Nota: NEET – Neither in employment nor in education and training. Fonte: Cálculos Próprios a partir de EUROSTAT. 81 Grécia Portugal Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal A presença marginal dos cursos de formação profissional no ensino público, após o 25 abril e até a segunda metade da década de 2000 Como explicado no Capítulo 3, o subsistema de formação profissional português desenvolveuse em várias etapas e de forma relativamente hesitante. Este subsistema acolhia,92 no ano académico 2002-2003, aproximadamente 55.000 alunos em cursos de nível secundário, representativos de menos de 15% dos alunos desse nível de ensino. A grande expansão do ensino profissional em Portugal não acontece até a generalização dos cursos de formação profissional nas escolas secundárias públicas, no ano académico 2006-2007, tal como pode ser verificado na Figura 4.8. Figura 4.8 – Alunos matriculados em cursos de formação profissional em Portugal, 2003-2014 140 000 115 885 120 000 110 462 107 266 113 749 100 000 93 438 80 000 70 177 60 000 47 709 36 765 40 000 36 943 34 399 20 000 0 03-04 04-05 05-06 06-07 07-08 08-09 09-10 10-11 11-12 13-14 Fonte: DGEEC (2014). A escassa atratividade dos cursos de formação profissional Embora nos últimos anos esta circunstância tenha vindo a mudar, durante muito tempo os cursos de formação profissional não eram suficientemente atrativos para os jovens, por diferentes motivos: - Porque durante muitos anos estiveram excessivamente centrados em profissões/qualificações tradicionais. Não obstante, nos últimos anos, tem-se realizado 92 Incluindo os alunos das Escolas Profissionais e do Sistema de Aprendizagem. 82 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal um esforço significativo por abrir os cursos a novas áreas do sector dos serviços e dos sectores das TIC e, inclusivamente, a sectores de grande interesse para os alunos relacionados com o turismo, o desporto e o lazer; - Porque apesar de ser a via preferente para os jovens que procuram uma formação eminentemente prática, estão excessivamente baseados na escola, tendo uma componente pouco expressiva de formação em contexto de trabalho. Apesar do peso relativo desta componente ter sido reforçado nos últimos anos, nos cursos profissionais continua a representar menos de 15% da carga horária total; - Pelo estigma social associado à formação profissional em Portugal, muito ligado às representações sociais das profissões. As profissões manuais e técnicas de caráter intermédio têm em Portugal, como em outros países, um reconhecimento social bastante inferior ao das profissões às que se acede por intermédio de um diploma do ensino superior. Os atuais problemas de empregabilidade dos titulados superiores e o sucesso de algumas iniciativas no domínio da formação profissional estão a contribuir para a alteração desses valores e representações sociais. Contudo, o seu enraizamento social continuará a dificultar essas mudanças em horizontes temporais de curto e médio prazo. O elevado retorno da educação superior em Portugal O prémio salarial dos detentores de um diploma de educação superior face aos que apenas completaram ciclos educativos secundários promove a via de prosseguimento de estudos face às vias profissionalizantes. O prémio remuneratório associado à educação superior tem sido historicamente elevado em Portugal, contudo, tem vindo a reduzir-se desde 1995, como consequência da grande expansão do ensino superior e o correspondente aumento da oferta de licenciados (Sá et al, 2015). De acordo com a OCDE, em Portugal o retorno salarial dos trabalhadores adultos [25-64 anos] com ensino superior era, em 2012, 70%93 superior ao dos trabalhadores com ensino secundário superior (Figura 4.9). O prémio salarial (superior-secundário) para os adultos é similar ao observado na Alemanha (74%) ou na Áustria (71%), mas bastante superior aos dos 93 Estudos recentes para Portugal, tal como o de Sá et al. (2015), obtêm um retorno remuneratório menor. De acordo com as estimações realizadas nesse estudo, com base em dados por trabalhador do ano de 2009, o prémio remuneratório dos trabalhadores licenciados era de 49% face àqueles que apenas concluíram o ensino secundário superior e de 113% face aos que somente concluíram o segundo ciclo do ensino básico. 83 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal outros países da amostra selecionada: Grécia (52%), Espanha (41%) e Dinamarca (28%). No caso dos adultos jovens [25-34 anos], o retorno da educação superior é maior em Portugal, em termos relativos. Concretamente, nessa faixa etária, a remuneração de um trabalhador com ensino superior é 56% superior à de um trabalhador com ensino secundário superior, sendo o diferencial muito mais elevado que nos restantes países considerados, nos quais se situa entre os 12 e os 48%. Figura 4.9 – Remunerações relativas dos trabalhadores com estudos superiores, por faixas etárias, 2012 (1) 200 180 160 174 171 170 141 138 140 156 152 148 128 127 127 112 120 100 80 60 40 20 0 Alemanha Áustria Dinamarca 25-64 Espanha Grécia Portugal 25-34 Nota: (1) Educação secundária superior = 100. Fonte: OCDE (2014). Os baixos salários dos técnicos médios pagos pelas empresas portuguesas A remuneração bruta dos trabalhadores portugueses em ocupações médias é bastante mais baixa que a média europeia e muito mais baixa que em países como Alemanha. Na Figura 4.10 consta o fator que relaciona o nível de remuneração bruta dos trabalhadores portugueses e o dos alemães, para vários tipos de ocupações, de acordo com a Classificação Internacional Uniforme de Ocupações – ISCO, versão 08 (ILO, 2012).94 94 International Standard Classification of Occupations. A ISCO-08 é a quarta atualização. 84 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal O diferencial nas remunerações em ocupações médias (ISCO495, ISCO596 e ISCO797) é muito superior (maior fator) ao das ocupações superiores (ISCO1,98 ISCO299 e ISCO3100) e inclusivamente ao diferencial médio. No caso das ocupações manuais relacionadas com o sector industrial, agrupadas na ISCO-7, as remunerações brutas dos trabalhadores portugueses são um terço das dos trabalhadores alemães. Figura 4.10 – Diferencial das remunerações brutas entre os trabalhadores portugueses e os alemães, por tipo de ocupação, fator 3,50 3,00 3,00 2,50 2,81 2,48 2,32 2,00 1,76 1,88 1,89 ISCO-2 ISCO-3 1,50 1,00 0,50 0,00 ISCO-1 Média ISCO-4 Superiores ISCO-5 ISCO-7 Médios Nota: Últimos dados disponíveis sobre remunerações brutas – 2008. Fonte: Cálculos Próprios a partir de EUROSTAT. 4.3. O argumento da redução do desemprego jovem Os problemas de inserção dos jovens no mercado de trabalho e as elevadas taxas de desemprego que afetam as faixas mais jovens são um motivo de preocupação para os governos nacionais de alguns estados membros, que olham com preocupação para níveis de desemprego jovem superiores a 30% e, em alguns casos, superiores a 50%. Portugal não é alheio a esta realidade. Embora o desemprego jovem não seja tão elevado como em Espanha 95 Pessoal de apoio administrativo. Trabalhadores do sector serviços e vendedores e comerciais. 97 Oficiais, operários e artesãos de artes mecânicas e outros ofícios. 98 Diretores e gerentes. 99 Profissionais científicos e intelectuais. 100 Técnicos e profissionais de nível médio. 96 85 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal ou na Grécia, nos últimos anos tem-se verificado um crescimento sem precedentes, quer entre os jovens com menores níveis de qualificação quer entre os que concluíram os seus estudos superiores. O desemprego dos jovens licenciados é particularmente impactante, dado que em 2012, afetava mais de 17% dos ativos jovens enquanto na viragem do século afetava pouco mais de 4% dos mesmos. As causas do elevado desemprego jovem são variadas. Em primeiro lugar, a queda dos níveis de atividade económica provocada pela crise económico-financeira do País e reforçada pelas políticas de austeridade associadas ao programa de ajustamento imposto pela Troika de credores internacionais entre 2011 e 2014.101 A escassa pulsão económica é um fator transversal ao mercado de trabalho, que não distingue faixas etárias ou níveis de qualificação. Em segundo lugar, a configuração institucional do mercado laboral português que resulta num mercado de trabalho profundamente dualizado, onde os ajustamentos quantitativos e salariais acabam por ser suportados pelos mais frágeis, nomeadamente pelos mais jovens. Esta situação reflete-se num diferencial significativo nas taxas de desemprego jovem e de desemprego adulto. Em 2014, esse diferencial atingiu em Portugal um fator de 2,8, praticamente duplicando o diferencial alemão e ultrapassando o de todos os países incluídos na amostra (Figura 4.11). Em terceiro lugar, a organização do sistema de ensino português, em geral, e o perfil do sistema de formação profissional, em particular. A formação profissional em Portugal tem tido tradicionalmente um peso reduzido no ensino secundário. Adicionalmente, as vias de ensino profissionalizante têm sido dominadas por modelos baseados na formação na escola face aos modelos preponderantes noutras latitudes, baseados na formação em contexto de trabalho. Esta configuração institucional poderá estar a condicionar a inserção dos jovens no mercado de trabalho e, consequentemente, os níveis de desemprego jovem. A formação profissional fornece competências e habilidades que preparam os jovens para a sua entrada no mercado de trabalho e aumentam as suas probabilidades de sucesso profissional (Quintini e Martin, 2006). Nos últimos anos, o peso dos graduados em programas de ensino secundário de orientação profissional tem aumentado significativamente em Portugal, atingindo em 2012 uma repartição muito similar à de Alemanha (Figura 4.12). No ano 2000 o peso dos graduados nesses programas era inferior a 10% do total de graduados no ensino secundário. 101 Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu. 86 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Figura 4.11 – Diferencial nas taxas de desemprego jovem [15-24 anos] e de desempego adulto [25-64 anos], fator, 2014 3,0 2,8 2,5 2,4 2,3 2,1 2,1 2,0 1,6 1,5 1,0 0,5 0,0 Alemanha Áustria Dinamarca Espanha Grécia Portugal Fonte: Cálculos Próprios a partir de EUROSTAT. Figura 4.12 – Graduados em programas de ensino secundário por orientação, geral ou profissional (%), 2012 90% 76,8% 80% 68,2% 70% 60% 50% 57,5% 51,6% 51,2% 48,8% 48,4% 49,9% 50,1% 42,5% 40% 31,8% 30% 23,2% 20% 10% 0% Alemanha Áustria Dinamarca Geral Espanha Grécia Portugal Profissional Nota: A repartição em Portugal, quando utilizados os dados do Ministério de Educação e Ciência diferem consideravelmente. Fonte: Cálculos Próprios a partir de EUROSTAT. 87 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Aparentemente tem havido progressos também no que concerne à incorporação nos programas de componentes de formação em contexto de trabalho, muito embora em algumas modalidades, nomeadamente na maioritária, os cursos profissionais, seja inferior a 15% da carga horária total.102 Figura 4.13 – Taxa de desemprego jovem, por grupo etário e por nível educativo (%), 2013 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% [0-2] [3-4] [5-8] [0-2] De 15 a 19 anos Alemanha Áustria [3-4] [5-8] De 20 a 24 anos Dinamarca Espanha Grécia Portugal Notas: (1) As taxas para os jovens de entre 15 e 19 anos com ensino superior (terciário) não são incluídas por falta de reporte ou por falta de confiabilidade; (2) [0-2]: Menos que primária, primária e educação secundária inferior; [3-4]: Educação secundária superior e educação pós-secundária não terciária; e, [5-8]: Educação terciária. Fonte: Cálculos Próprios a partir de EUROSTAT. Segundo a OIT (2013), a existência de sistemas de formação profissional dual desenvolvidos e atrativos em países como a Áustria, a Dinamarca, a Alemanha ou a Suíça contribuem para a diminuição do desemprego jovem e fornecem à população mais nova as habilidades e competências que o mercado de trabalho procura. Na Figura 4.13 apresenta-se as taxas de desemprego nas faixas etárias mais jovens (15-19 anos e 20 a 24 anos), segundo o seu nível educativo, para a amostra de países utilizada para fins comparativos. No lado esquerdo da 102 Nos cursos do sistema de aprendizagem o peso da carga horária da formação em contexto de trabalho é mais elevada, não podendo ser inferior a 40% da carga horária total. 88 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Figura, observa-se que, entre os jovens de 20 a 24 anos,103 nos países com sistemas duais desenvolvidos, a taxa de desemprego tende a diminuir à medida que aumenta o nível de formação, num contexto de reduzidas taxas de desemprego. Em Espanha observa-se um padrão similar, embora as taxas de desemprego se situem num intervalo de 43% (níveis 5 a 8) a 58% (níveis 0 a 2). Em Portugal, o padrão é bastante diferente, dado que são os jovens com ensino superior os que apresentam uma maior taxa de desemprego (37,5%), seguidos dos que têm níveis de formação inferiores ao secundário superior (36,5%). Os jovens com ensino secundário completo são aos que se associa uma menor taxa de desemprego (32,6%), não sendo possível antecipar as causas dessa circunstância. Ao não existir informação sobre a taxa de desemprego por orientação do ensino secundário (geral ou profissional), também não se pode adiantar se as vias profissionalizantes estão a garantir uma melhor inserção dos jovens no mercado de trabalho. Tabela 4.2 – Desemprego por níveis de formação da população adulta [25-64 anos] (%), 2012 País A Ensino Secundário Ensino préSuperior Ensino primário e Secundário ISCED 3B/3C ensino Inferior (programas ISCED 3A primário longos) 16,7 11,8 5,5 7,0 Educação Terciária Ensino PósSecundário não Tipo A e Terciário Tipo B Programas Investigação 3,7 2,0 2,6 AT 8,2 3,4 4,7 3,1 D 9,8 5,8 8,4 - Total 5,2 2,6 3,7 5,1 4,6 6,2 E 35,8 29,3 22,8 21,5 - 17,6 12,5 22,8 G 24,9 26,0 25,9 23,0 26,9 21,1 15,1 22,4 P 16,1 15,8 14,2 24,4 10,5 14,5 Fonte: OECD (2014). Para além de melhorar a inserção profissional dos mais jovens, estes programas duais de formação profissional de nível secundário garantem boas oportunidades de emprego ao longo da vida para os adultos com este tipo de formações (ISCED 3B e 3C – Programas longos), os quais enfrentam taxas de desemprego mais baixas que aqueles que concluíram programas gerais de educação secundária (ISCED 3A). Na Tabela 4.2 apresentam-se as taxas de desemprego da população adulta [25-64 anos], em função dos níveis de formação no conjunto 103 As análises nesta faixa etária estão menos sujeitas a enviesamentos do que na faixa etária dos 15 aos 19 anos, onde determinadas políticas educativas ou de emprego ou a forma de registo estatístico podem introduzir heterogeneidade nos dados reportados. 89 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal de países selecionados. Na Alemanha, Áustria e Dinamarca os adultos com educação secundária profissionalizante apresentam taxas de desemprego mais baixas do que os que optaram pela via geral. Nos países do Sul para os que existem dados, a realidade é inversa, mas os diferenciais das taxas de desemprego são pouco significativos. As escassas oportunidades de emprego em Portugal para os mais jovens e os baixos salários à entrada oferecidos pelos empregadores têm incentivado a emigração dos mais jovens, designadamente para outros países da UE. A escassez de oportunidades de emprego para os trabalhadores jovens deriva da escassa dinâmica do mercado de trabalho e das dificuldades na transição para o mercado de trabalho. Figura 4.14 – Taxa de desemprego jovem, por grupo etário e por nível educativo (%) – Alemanha e Portugal, 2013 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% [0-2] [3-4] [5-8] [0-2] Alemanha De 15 a 19 anos [3-4] [5-8] Portugal De 20 a 24 anos De 25 a 29 anos De 30 a 34 anos Notas: (1) As taxas para os jovens de entre 15 e 19 anos com ensino superior (terciário) não são incluídas por falta de reporte ou por falta de confiabilidade; (2) [0-2]: Menos que primária, primária e educação secundária inferior; [3-4]: Educação secundária superior e educação pós-secundária não terciária; e, [5-8]: Educação terciária. Fonte: Cálculos Próprios a partir de EUROSTAT. Os jovens portugueses encontram grandes dificuldades para aceder a um posto de trabalho depois de concluir a sua etapa formativa. Estas dificuldades podem ser inferidas através do ritmo de redução das taxas de desemprego entre as várias faixas etárias. Em Portugal, as taxas de desemprego para cada nível de formação reduzem-se significativamente inter-faixas, do qual se pode inferir que a facilidade de inserção no mercado vai aumentando com a idade e, 90 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal simultaneamente, com a experiência laboral (Figura 4.14).104 Note-se que a queda do desemprego é mais abrupta nos jovens com níveis de formação 3 e 4, ou seja, nos jovens que ocupam postos de trabalho onde uma parte das habilidades é adquirida no posto de trabalho. Na Alemanha a transição é muito mais suave. As taxas de desemprego entre as várias faixas etárias seguem um padrão decrescente, embora muito menos intenso que no caso português. Os baixos salários à entrada são outra das causas da procura de alternativas laborais noutros países. A economia portuguesa é uma economia de baixos salários. No contexto Europeu, Portugal é dos países com maiores assimetrias salariais, não obstante, nos últimos anos, têm vindo a esbater-se como consequência dos sucessivos aumentos do salário mínimo nacional. As várias crises dos últimos anos impulsionaram o número de trabalhadores que recebem o ordenado mínimo no país. Em 2005, aproximadamente 5% dos trabalhadores recebiam o salário mínimo, enquanto que em 2014, ano de conclusão do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), os trabalhadores nessas circunstâncias aumentaram para 12,9%. Isto é, mais de 465.000 trabalhadores auferiam um ordenado de €505 mensais. Sendo o ordenado mínimo atualmente o salário de acesso a um número significativo de empregos no país e sendo os jovens o principal segmento de trabalhadores à procura de emprego é de esperar que os que conseguem aceder a um posto de trabalho aufiram o salário mínimo ou um ligeiramente superior. 4.4. A transferência do sistema dual alemão: interesse e dificuldades Como referido na introdução, a transferência/replicação dos sistemas duais é um assunto que tem sido amplamente debatido em diversos âmbitos sociais. Na esfera académica as preocupações em torno da transferência têm-se centrado na determinação dos aspetos a acautelar nesses processos. Segundo Solga et al (2014), a replicação do sistema dual em países terceiros não é fácil, nomeadamente porque os seus quadros institucionais e normativos, tanto do sistema educativo como do mercado de trabalho, são consequência da história e dos valores sociais próprios de cada um. Embora não seja possível “copiar” diretamente o sistema existem um conjunto de recomendações que devem ser tidas em consideração na hora de dualizar um sistema de formação profissional, nomeadamente (Solga et al, 2014): - A existência de vínculos intensos entre as escolas e as empresas e entre os jovens e as empresas; 104 A figura apesenta dados de 2013. Os resultados para um outro período qualquer, por exemplo, para o ano de 2007 (ano imediatamente anterior ao início da crise), apresentam um padrão muito similar. 91 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal - A certificação e a existência de certo grau de estandardização da formação em contexto de trabalho; - A criação de vínculos institucionais entre o sistema educativo e o mercado de trabalho, que deve envolver tanto as empresas como aos sindicatos ou outros parceiros sociais que possam ter um papel com valor acrescentado no sistema; - A estandardização dos programas tanto na componente de formação escolar como na componente de formação em contexto de trabalho pode ser uma estratégia para consolidar os sistemas duais ou dualizados. Eichhorst et al (2012) refere também a dificuldade para transferir o sistema nos moldes em que funciona na Alemanha ou em países como a Áustria ou Dinamarca. Essa dificuldade deriva da impossibilidade de replicar os alicerces do sistema, nomeadamente a intensa cooperação entre o Estado, as empresas e os parceiros sociais, a preocupação com a certificação de competências, o desenvolvimento dos programas e o seu ajustamento ou o financiamento público-privado do sistema. Para além destes aspetos, as questões sociais, designadamente o grau de aceitação do sistema, são um entrave à sua importação a âmbitos com valores sociais diferentes ou muito diferentes. Para além dos académicos, existem várias instituições que têm promovido iniciativas para compreender o processo de transferência e melhorar os resultados da sua replicação/adaptação. De todas elas, a mais completa é a da Fundação Bertelsmann,105 que financiou recentemente um estudo que inclui um modelo para apoiar a transferência modificada do sistema dual alemão a outros países (Euler, 2013). De acordo com o modelo, existem onze aspetos que devem ser tidos em consideração para a transferência modificada do sistema. Na nossa interpretação esses aspetos podem ser organizados nos seguintes termos: - Finalidade com a que se implementa o sistema – no sistema dual alemão (SDA) a finalidade é ampla. A formação profissional é entendida como um meio para alcançar objetivos económicos (garantir a eficiência económica e social), sociais (evitar a exclusão social) e individuais (melhorar o potencial do aluno); - Capacidades a adquirir pelo aluno – no SDA o aluno adquire capacidades profissionais, que aliam competências técnicas, humanas e sociais; 105 Bertelsmann Sriftung. 92 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal - Métodos de aprendizagem – no SDA o princípio dual pressupõe a aprendizagem com duas componentes, escolar e em contexto de trabalho; - Partenariado social – no SDA a formação profissional é uma responsabilidade partilhada entre agentes públicos e privados; - Financiamento – no SDA o financiamento é público-privado; exige uma contribuição significativa das empresas ao sistema que acabam por recuperar, parcialmente, via retorno dos aprendizes ou redução dos custos de recrutamento, seleção e socialização; - Complementaridades com outras ofertas educativas – no SDA existem complementaridades, mas o nível de permeabilidade é relativamente reduzido; - Codificação de standards de qualidade – no SDA estes referenciais são, em geral, elevados, de forma a garantir a transparência e a confiabilidade do sistema para os participantes; - Qualificação do pessoal docente e dos formadores – no SDA dá-se muita importância ao acesso e atualização dos responsáveis por transmitir conhecimentos aos alunos; - Equilíbrio entre normalização e flexibilização – no SDA este equilíbrio permite a participação de empresas de pequena dimensão no sistema sem que existam grandes riscos de perda de qualidade na formação; - Bases fundamentadas para as decisões e a configuração – no SDA existe uma entidade de apoio ao sistema que realiza atividades de planeamento e investigação; - Aceitação social da formação – a aceitação social do SDA é relativamente elevada, embora existam diferenças assinaláveis entre programas, em termos de reconhecimento. A ideia subjacente à abordagem proposta em Euler (2013) é que antes de iniciar uma transferência modificada do sistema devem ser observadas essas onze dimensões e verificar a distância existente entre a situação atual do sistema recetor e o referencial do SDA, assim como as possibilidades reais de aproximação ao referencial. As possibilidades de insucesso da importação do sistema aumentam à medida que a distância aumenta ou que as possibilidades de aproximação diminuem. Do nosso ponto de vista, o modelo proposto em Euler (2013) é excessivamente vago e, sobretudo, bastante incompleto, dado que embora alerte para a necessidade de acautelar as dimensões institucionais e culturais com impacto na transferência do sistema, praticamente obvia as de caráter económico e sectorial. 93 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal A transferência do sistema dual de formação profissional, integral ou modificada, para realidades institucionais e culturais diferentes é, em grande medida, uma impossibilidade. Até agora as tentativas de transferência têm sido mal sucedidas ou quando bem-sucedidas têm tido um alcance bastante modesto. No caso de reconhecer o potencial do sistema dual de inspiração alemã para melhorar a inserção dos jovens no mercado de trabalho e elevar o nível de educação em geral, afigura-se mais exequível e com maior probabilidade de sucesso promover a dualização dos sistemas de formação profissional locais, assumindo princípios e práticas do sistema alemão. A eventual dualização do sistema de formação profissional em Portugal enfrentaria, tal como noutras realidades, problemas institucionais e culturais. Os primeiros associam-se à existência de importantes diferenças nos sistemas educativos e de formação profissional de ambos os países,106 e, os segundos, tanto à grande diferença de perceções sociais sobre este tipo de programas, como à dificuldade existente em Portugal para alcançar acordos políticos e sociais abrangentes e duradouros, que mobilizem a sociedade em matérias estruturantes. Para além destes entraves, é provável que o processo de dualização enfrente outras dificuldades derivadas, quer das particularidades da estrutura económica do país, quer das características de alguns dos seus sectores mais relevantes. Do ponto de vista económico-empresarial, existem várias dimensões que devem ser tidas em consideração se se pretende avançar na dualização do atual sistema, nomeadamente: A composição sectorial da economia A estrutura sectorial da economia pode ser um aspeto de grande importância para aferir o grau de adequação do sistema de formação profissional dual, por tratar-se de um sistema que utiliza abordagens e rotinas formativas muito orientadas para a assunção de competências e habilidades no sector secundário.107 Portanto, este sistema poderá ter dificuldades de transferência/adequação e, sobretudo, de generalização em países com estruturas produtivas dominadas pelos sectores primário e terciário. Embora Portugal não possa ser considerada atualmente uma economia industrial, o peso deste sector na economia ainda é relativamente relevante. Contudo, existem diferenças consideráveis no peso do sector industrial nas economias portuguesa e alemã, quer em termos 106 Para uma comparação dos sistemas educativos e de formação profissional na Alemanha e em Portugal ver o esquema do Anexo IV. 107 Embora o peso dos programas no sector do comércio e dos serviços tenha vindo a aumentar nos últimos anos. 94 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal de contribuição para o emprego total quer em termos de valor acrescentado (Figura 4.15). As diferenças no emprego não são muito relevantes (menos de 3 p.p.), devido à maior intensidade em fator trabalho da indústria portuguesa, mas as diferenças no valor acrescentado são muito significativas (perto de 10 p.p.). Esta diferença na estrutura sectorial pode ser um problema para dualizar o sistema de formação profissional português, nomeadamente se não for possível adaptá-lo à realidade dos sectores não industriais da economia, especialmente a determinados subsectores de caráter terciário. Figura 4.15 – Composição sectorial da economia, emprego e valor acrescentado bruto (%) – Alemanha e Portugal, 2012 80% 76,0% 73,7% 70% 65,1% 68,4% 60% 50% 40% 26,2% 30% 19,0% 20% 16,9% 16,3% 11,7% 10% 5,7% 6,9% 4,5% 4,9% 0,9% 2,2% 1,6% 0% Emprego VAB Agricultura Emprego VAB Emprego Indústria VAB Construção Alemanha Emprego VAB Serviços Portugal Fonte: Cálculos Próprios a partir de EUROSTAT. A esta problemática acresce o facto de se verificar uma forte assimetria espacial na localização da indústria, muito concentrada no Norte do país e em algumas cidades e clusters industriais, não existindo uma distribuição relativamente homogénea no território. Deverá ser tido em consideração ainda o facto de a maioria das empresas industriais portuguesas pertencer a sectores tradicionais, com níveis de intensidade tecnológica relativamente baixos e outputs industriais relativamente pouco complexos. A estrutura empresarial – A dimensão das empresas O tamanho das empresas pode ser um outro aspeto de grande relevância na hora de proceder à dualização de um sistema de formação profissional. O sistema dual alemão assenta 95 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal essencialmente nas grandes empresas. Em 2012, as companhias com mais de 50 empregados ofereceram mais de 55% dos contratos de aprendizagem. Se forem consideradas as vagas das empresas de 10 a 49 empregados, a proporção ultrapassa 80% do total, dado que as microempresas de 1 a 9 trabalhadores apenas acolhem 18,6% dos aprendizes do sistema. Figura 4.16 – Dimensão empresarial, número de trabalhadores (%) – Alemanha e Portugal, 2012 250 ou mais empregados 0,5% 0,1% De 50 a 249 empregados 2,5% 0,6% 4,8% 1,4% De 20 a 49 empregados 9,9% De 10 a 19 empregados 2,7% 82,3% De 0 a 9 empregados 95,2% 0% 10% 20% 30% 40% Alemanha 50% 60% 70% 80% 90% 100% Portugal Nota: Todos os sectores não financeiros da economia. Fonte: Cálculos Próprios a partir de EUROSTAT. Entre Portugal e Alemanha existem diferenças significativas no que se refere ao tamanho das empresas, medido com base no número de trabalhadores (Figura 4.16). Em Portugal, as microempresas (1 a 9 trabalhadores) representam aproximadamente 95% do total das empresas, enquanto na Alemanha constituem à volta de 82% do seu tecido empresarial. As diferenças no peso das empresas de maior tamanho nas estruturas empresariais de ambas as economias são muito significativas. Em cada umas das restantes categorias (pequenas, médias, grandes e muito grandes) o peso das empresas alemãs quadruplica o peso das portuguesas nos respetivos tecidos empresariais. A estrutura empresarial na indústria evidencia, mais enfaticamente ainda, a atomização relativa do tecido empresarial português (Figura 4.17). A diferença no peso das microempresas é ainda maior no sector secundário que no total da economia, dado que se na estrutura empresarial total o diferencial é de 13 p.p., na indústria é de 20 p.p., aproximadamente (62,1% 96 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal na Alemanha e 82,9% em Portugal). Adicionalmente, as empresas industriais grandes e muito grandes representam mais de 10% do tecido industrial alemão, enquanto que em Portugal não representam nem 3,5% das empresas industriais do país. Figura 4.17 – Dimensão empresarial no sector industrial, número de trabalhadores (%) – Alemanha e Portugal, 2012 2,0% 0,4% 250 ou mais empregados De 50 a 249 empregados 8,1% 2,9% De 20 a 49 empregados 7,8% 5,7% De 10 a 19 empregados 20,0% 8,2% 62,1% De 0 a 9 empregados 0% 10% 20% 30% 40% Alemanha 50% 60% 70% 82,9% 80% 90% 100% Portugal Fonte: Cálculos Próprios a partir de EUROSTAT. A pequena dimensão das empresas em Portugal pode constituir um entrave para a dualização do sistema de formação profissional, nomeadamente porque nas empresas de menor dimensão torna-se mais difícil acompanhar com qualidade a formação de um jovem em contexto de trabalho. Não obstante, em países com sistemas duais desenvolvidos existem soluções para estes desafios, designadamente a constituição de consórcios de pequenas empresas para fins formativos. A atratividade dos sectores âncora O nível de atratividade dos sectores âncora do sistema, isto é, aqueles onde for preferentemente efetuada a formação em contexto de trabalho ou aqueles que acolham a maioria dos graduados, é de grande importância para garantir o sucesso das modalidades duais. Sendo os níveis salariais um dos principais fatores de atratividade para quem faz escolhas educativas ou de inserção no mercado de trabalho, o sistema será atrativo se os sectores em que se ancora apresentam níveis de remuneração apelativos. 97 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Se for assumido que o sector industrial é uma das principais âncoras dos sistemas duais, nesse caso a transferência ou replicação enfrentará dificuldades quando esse sector resulte escassamente atrativo do ponto de vista salarial.108 Na Alemanha, as remunerações do sector industrial são extremamente atrativas. A remuneração bruta anual de um trabalhador industrial alemão equivale a 90,6% da média das remunerações pagas no país. Os ordenados no sector industrial alemão são apenas ultrapassados, entre os grandes sectores, pelo sector financeiro e segurador e pelas atividades profissionais. Em Portugal, um trabalhador industrial aufere apenas 76,8% da média, sendo dos grandes sectores da economia aquele que paga ordenados mais baixos.109 Figura 4.18 – Diferencial das remunerações brutas entre os trabalhadores portugueses e alemães, por sector de atividade, fator, 2011 Saude e trabalho social 2,33 Educação 1,76 Prof. e atividades científicas e técnicas 2,29 Imobiliário 1,98 Sector financeiro e seguros 1,64 Informação e comunicações 1,93 Hotelaria e serviços associados 1,77 Transporte e armazenamento 1,56 Comércio (grosso e retalho) 2,18 Serviços às empresas 2,22 Construção 2,38 Indústria 3,22 0,00 0,50 1,00 1,50 2,00 2,50 3,00 3,50 Nota: Dados de empresas com 10 ou mais trabalhadores. Fonte: Cálculos Próprios a partir de EUROSTAT. Para além de serem baixas a nível interno, as remunerações no sector industrial português são também excecionalmente baixas se comparadas com as do sector industrial alemão. Na Figura 4.18 apresenta-se o fator que relaciona as remunerações dos trabalhadores industriais portugueses e as dos alemães, para os grandes sectores da economia. O maior diferencial nas remunerações verifica-se no sector industrial, onde as remunerações médias dos 108 Para além dos salários, podem existir outros fatores que restrinjam essa atratividade, nomeadamente as condições gerais do trabalho. 109 Dados de EUROSTAT para o ano de 2010. 98 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal trabalhadores alemães mais que triplicam as dos trabalhadores portugueses. Pode observar-se também que em sectores onde os níveis de formação são predominantemente mais elevados, tais como o educativo ou o financeiro, o diferencial remuneratório entre ambos países é muito menor. A falta de atratividade do sector secundário em Portugal, nomeadamente de alguns subsectores, bem como de outros sectores âncora para a operacionalização da dualização do sistema de formação profissional, pode dificultar este processo. Contudo, estas complicações poderão não ser tão relevantes como parecem à partida. Em primeiro lugar, porque o incremento de produtividade, que pode derivar da maior qualificação dos trabalhadores (via formação dual), pode induzir aumentos salariais que, por sua vez, incrementem a atratividade desses sectores. Em segundo lugar, porque a dualização do sistema de formação profissional em Portugal deverá ter em consideração a estrutura sectorial da economia portuguesa, não podendo ficar confinado num conjunto restrito de sectores. 4.5. Os fatores de sucesso dos sistemas de formação profissional Para garantir que o processo de dualização de um sistema de formação profissional qualquer progride na direção certa convém conhecer os elementos centrais de um sistema modelo, que combine as vantagens de vários sistemas e evite os seus inconvenientes.110 Embora na realidade não exista esse sistema modelo, na literatura académica e técnica tem havido a preocupação de sistematizar um conjunto de aspetos-chave, partilhados pelos sistemas com melhores resultados, para orientar as opções políticas dos governos predispostos a reformar os seus sistemas nacionais de formação profissional. Segundo CEDEFOP (2012), o sucesso dos sistemas de formação profissional dependem das ações que se elencam a seguir: - Assegurar a relevância do currículo, promovendo o envolvimento do Estado, das empresas, dos parceiros sociais e das instituições de ensino no desenvolvimento e na implementação dos programas; deve existir também uma definição clara das responsabilidades de cada parte; - Manter um contacto estreito com o mercado de trabalho, criando instrumentos de monitorização e feedback contínuo que permitam o reporte permanente das empresas sobre aspetos estruturais e de funcionamento do sistema; 110 Como indicado no Capítulo 2, apesar das suas vantagens, o sistema dual alemão não está isento de problemas. 99 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal - Assegurar um ensino de alta qualidade, garantindo níveis de financiamento suficientes que permitam dispor de material de apoio apropriado e de docentes com elevados níveis de formação; - Incentivar as entidades formadoras e criar concorrência entre elas, através da combinação adequada de financiamento público e privado, e garantir elevados níveis de autonomia na tomada de decisões em matéria de recursos humanos docentes e administrativos; - Manter um elevado nível na qualidade do estágio, promovendo o desenvolvimento de um sistema descentralizado de acreditação e garantia da qualidade, assim como a concorrência entre centros de formação (o financiamento deve ser função dos resultados); - Limitar o risco de se estabelecer um percurso profissional sem saída; para esse efeito, deve garantir-se a comparabilidade das competências e qualificações adquiridas na via profissionalizante e na via geral, para assegurar elevados níveis de permeabilidade. No contexto da UE, a Direção-Geral de Emprego, Assuntos Sociais e Inclusão, após a análise dos programas de formação profissional dos 27 estados-membros, concluiu que os principais fatores de sucesso dos programas de formação deste tipo são os seguintes (DG-EASI, 2013): - A existência de um quadro institucional e regulamentar sólido e estável, que defina o contexto e as condições de base no âmbito das quais serão implementados os programas; - A participação ativa dos parceiros sociais, que promova o seu envolvimento no sistema e o diálogo construtivo das empresas com os sindicatos e os representantes dos trabalhadores; - Um forte envolvimento dos empregadores em várias dimensões do sistema, nomeadamente na elaboração conjunta de programas, na oferta de estágios de qualidade, no apoio ao aprendiz/estagiário, na garantia da qualidade e na criação de esquemas de promoção; - Uma estreita parceria entre empregadores e instituições de ensino, com interação bidirecional entre o sistema educativo e os empregadores, que assegure uma oferta suficiente de estágios, quer em quantidade quer em qualidade; - Um financiamento suficiente para o desenvolvimento dos programas, com recurso a diversas fontes, tais como fundos 100 comunitários (incluindo FSE), fundos Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal nacionais/regionais, fundos constituídos por empresas, subsídios/incentivos para os empregadores e recursos próprios das empresas; - Um forte alinhamento dos programas com as necessidades do mercado de trabalho nacional, regional ou local. Os programas devem estar alinhados com as referências do quadro de qualificações; - A existência de procedimentos sólidos de garantia de qualidade, administrados por um único organismo externo ou em conjunto com os centros/escolas de formação teórica e as entidades responsáveis pela formação prática; - A elevada qualidade na orientação, apoio e tutoria dos aprendizes/estagiários, tanto na componente escolar como na componente de formação em contexto de trabalho, por ser crítica para a conclusão dos programas e para a redução dos riscos de abandono, bem como para a garantia da qualidade geral do sistema; - A garantia de um matching apropriado entre o aprendiz/estagiário e a instituição onde irá desenvolver a formação em contexto de trabalho; - A adequada combinação da formação escolar com a experiência adquirida no local de trabalho, permitindo ao aprendiz/estagiário obter qualificações baseadas em conhecimentos teóricos e em competências e habilidades práticas; - A existência de um acordo de aprendizagem/estágio, que defina o rol e responsabilidade de todas as partes envolvidas e especifique os direitos e as obrigações dos aprendizes/estagiários; - A certificação dos conhecimentos, habilidades e competências adquiridos, tanto na escola como no posto de trabalho. A certificação deve indicar, no mínimo, a duração e o conteúdo da aprendizagem, as tarefas e atividades desenvolvidas, bem como os conhecimentos, habilidades e competências adquiridos; - A existência de abordagens flexíveis, adaptadas às necessidades de jovens vulneráveis, que permitam alterar os métodos pedagógicos, flexibilizar os currículos, individualizar os percursos de aprendizagem, realizar parcerias, melhorar os mecanismos de financiamento e adaptar os ambientes de formação em contexto de trabalho. Para além destes fatores de sucesso para os sistemas de formação profissional em geral, existem também catálogos de recomendações para o sucesso dos programas duais. Por 101 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal exemplo, van Breugel (2014) propõe um conjunto de recomendações para potenciar os sistemas duais ou avançar no processo de dualização. Concretamente sugere que: - Os programas devem ter em consideração tanto as necessidades dos empregadores (que mudam rapidamente) como as dos alunos; - A oferta deve incluir competências básicas e transferíveis para preparar os alunos para diversos postos de trabalho ao longo do desenvolvimento da sua carreira; - Os professores devem ter um conhecimento atualizado dos sectores; - O local de trabalho deve ser utilizado como um lugar de aprendizagem preferente; - A informação sobre a relação entre aprendizagem e resultados deve ser permanentemente atualizada; - Deve assegurar-se que a aprendizagem no posto de trabalho é de boa qualidade, utilizando instrumentos de monitorização e controlo de qualidade; - Devem promover-se alianças entre governos, empregadores e sindicatos para melhorar os vínculos entre a aprendizagem e o mundo do trabalho; - A aprendizagem no posto de trabalho deve ser complementada com alternativas, tais como a disponibilidade de oficinas nas escolas, para o caso de não existirem vagas suficientes ou para aquelas situações em que o posto de trabalho não se configura como o local de aprendizagem mais adequado; - Devem conceber-se respostas para manter o número de vagas de aprendizagem no local de trabalho, em períodos de recessão ou em períodos com maior procura de formação profissional; - Deve melhorar-se o quadro legal para o período de aprendizagem, explicitando o estatuto, os direitos e os deveres dos empregadores e dos aprendizes, para reduzir a incerteza e os custos de transação; - Os programas de aprendizagem dual devem ser alargados a todos os sectores, nomeadamente ao sector dos serviços, em áreas como a educação, a saúde ou os cuidados infantis. Dado que estes sectores são geralmente preferidos por estudantes do género feminino, esta abertura contribuirá para melhorar a participação feminina no sistema de formação profissional; 102 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal - Devem melhorar-se os processos de reconhecimento de certificações para aumentar o seu valor no mercado de trabalho; - Devem aperfeiçoar-se os processos de divulgação dos bons resultados alcançados, quer aos potenciais alunos e às suas famílias, quer à sociedade em geral, como forma de promover a formação profissional dual como uma alternativa sólida ao ensino superior. 103 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 104 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Capítulo 5 – Experiências bem-sucedidas de base dual no sistema de formação profissional em Portugal 105 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 5.1. Introdução O desenvolvimento da formação profissional em Portugal é relativamente recente. Os primeiros programas do sistema de aprendizagem têm pouco mais de trinta anos e os primeiros cursos profissionais pouco mais de vinte e cinco. A matriz portuguesa dos cursos de formação profissional assenta em programas baseados fundamentalmente na escola. Os cursos de aprendizagem, atualmente minoritários, têm programas de carater misto, nos quais é combinada formação escolar em centros de formação com formação simulada e em contexto de trabalho, normalmente em empresas. A componente em contexto escolar destes cursos, tutelados pelo IEFP, é muito superior à de qualquer outra modalidade oferecida no sistema de formação profissional português. Por esse motivo, os programas oferecidos neste âmbito são os que mais se aproximam dos do sistema dual alemão. Os cursos do sistema de aprendizagem têm sido muito criticados ao longo das últimas três décadas. Muitas das críticas estão plenamente fundamentadas e é inquestionável que alguns programas oferecidos não cumpriam/cumprem com os standards de qualidade que se pressupõem no ensino secundário. Não obstante, existem experiências bem-sucedidas que merecem ser destacadas, especialmente algumas surgidas nos últimos anos, ligadas a entidades e empresas alemãs. No âmbito do sistema de aprendizagem existem ainda algumas experiências promovidas por entidades e empresas portuguesas que, nos moldes em que funcionam, poderiam servir como modelos para terceiros. Para ilustrar o potencial duma eventual dualização do sistema de formação profissional em Portugal apresentam-se os casos de três iniciativas que oferecem cursos profissionais de base dual com elevados níveis de procura, bons níveis de aceitação social e altas taxas de empregabilidade. A seguir constam os casos da ATEC – Academia de Formação, da DUAL Qualificação e da Estrutura de Formação da Toyota Caetano Portugal. 106 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 5.2. Os estudos de caso Estudo de caso 1 – EC1: A ATEC EC1.1. Apresentação A ATEC – Associação de Formação para a Indústria, também conhecida por Academia de Formação, é uma associação sem fins lucrativos, constituída em dezembro de 2003, tendo como promotores a Volkswagen Autoeuropa, a Siemens, a Bosch e a CCILA (Câmara de Comércio e Industria Luso-Alemã). A constituição da ATEC visou criar uma organização que contribuísse para o incremento da qualificação dos profissionais e, consequentemente, da sua empregabilidade, contribuindo, em simultâneo, para o aumento da produtividade do tecido empresarial. Os vetores estratégicos de intervenção da ATEC centram-se essencialmente no desenvolvimento e aperfeiçoamento de competências, através da formação e qualificação de pessoas, utilizando formadores de elevada qualidade bem como métodos e equipamentos avançados. A ATEC tem a sua sede em Palmela, no Parque Industrial da Volkswagen Autoeuropa, e uma delegação no Porto, nas instalações da Siemens, no Freixieiro. São também desenvolvidas ações e cursos de formação em Aveiro, Braga, São João da Madeira, Sines e Viseu. As áreas de atuação da ATEC são três, designadamente: - A formação de desempregados: destinada a jovens à procura do primeiro emprego ou a adultos à procura do aperfeiçoamento, reconversão ou reciclagem (de desempregados) à procura de novo emprego; - A formação contínua: destinada a ativos ao serviço das empresas promotoras; - A formação e consultoria para o mercado: trata-se de oferta formativa promovida pela ATEC ou de formação específica requerida pelas empresas clientes da ATEC. EC1.2. Evolução e conjuntura A ATEC é uma parceira da Volkswagen Autoeuropa, a Siemens e a Bosch, com o objetivo de colmatar as necessidades de qualificação específicas da indústria, especialmente dos clusters eletrónico e automóvel. 107 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Apesar de em 2003 existir já em Portugal formação profissional, esta tinha um cariz fundamentalmente teórico, muito afastado das necessidades reais do sector industrial, que procurava essencialmente técnicos qualificados, com uma formação maioritariamente prática. Por isso, surgiu a necessidade de criar um modelo de formação mais próximo das necessidades do tecido industrial, isto é, um modelo que combinasse a vertente de formação teórica com a vertente de formação prática. A atividade da ATEC desde a sua fundação norteou-se por três princípios fundamentais: i) a promoção de ações de formação baseadas no sistema dual alemão; ii) a transferência e partilha de conhecimento; e, iii) a qualificação do mercado, especialmente dos clusters automóvel e eletrónico. Em 2003, a ATEC iniciou o desenvolvimento de cursos de formação dual (aprendizagem), em parceria com o IEFP, através de um acordo de cooperação assinado em dezembro desse ano. Esta parceria, assinada por 10 anos e renovada por mais 10 em 2013, tem permitido a criação, abertura e funcionamento de novos cursos de formação para jovens e adultos à procura de emprego. No atual contexto de internacionalização e globalização, a competitividade empresarial depende em grande medida da disponibilidade de técnicos qualificados. Por esse motivo, a formação de base dual, originariamente criada para dar resposta às necessidades das empresas promotoras da ATEC, é atualmente cada vez mais procurada pelas empresas portuguesas do sector industrial. A experiência dos promotores da ATEC e a aposta no desenvolvimento e aperfeiçoamento permanente de competências, através da formação e qualificação de pessoas, orientada e adaptada às necessidades do mercado, permitiram que a ATEC assuma hoje uma posição cimeira em matéria de formação dual em Portugal. EC1.3. A marca ATEC A formação ministrada na ATEC é baseada no sistema dual alemão, cujo objetivo principal é conjugar conhecimentos teóricos com as competências adquiridas no posto de trabalho (learning-by-doing). Os cursos oferecidos na ATEC possuem quatro componentes formativas: a sociocultural, a científica e a tecnológica, todas desenvolvidas na ATEC, e a formação prática em contexto real 108 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal de trabalho (estágio), desenvolvido numa das empresas parceiras, na maioria PMEs, de diversos sectores de atividade. A academia conta atualmente com mais de 200 empresas parceiras, entre as quais se destacam: a Volkswagen, a Autoeuropa, a Siemens, a Bosch, a Ikea, a Continental, a Toyota Caetano Portugal, a Gamobar, a ZEISS e a Schmitt-SCHM Elevadores, entre outras. A ATEC é associada de diversas entidades ligadas ao tecido empresarial nacional e regional, tais como o FIAPAL – Fórum Industria Automóvel de Palmela, o CEIIA – Centro de Excelência para a Inovação da Industria Automóvel, a APLOG – Associação Portuguesa de Logística, a Associação MTM Portuguesa ou a Associação KNX, entre outras. O reconhecimento da qualidade da formação ministrada na ATEC é confirmado pelas diferentes certificações que lhe têm sido atribuídas por diversas entidades. Concretamente está certificada pela Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) e pela Autoridade Nacional das Comunicações (ANACOM) e pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA). A ATEC é ainda CISCO Academy e Microsoft IT Academy. EC1.4. A qualificação e formação profissional de jovens Dado que o foco deste estudo é o nível secundário e pós-secundário não terciário, dos diferentes serviços de formação oferecidos pela ATEC interessa analisar fundamentalmente a formação profissional destinada a jovens. Os cursos de formação profissional ATEC para jovens são os seguintes: - Cursos de aprendizagem: destinados a jovens com o 9º ano, com 3.675 horas de formação e uma duração média de 2,5 anos. Dão equivalência ao 12º ano e certificação profissional de nível 4; - Cursos de especialização tecnológica: destinados a jovens com o 12º ano, com 1.500 horas de formação e uma duração média de 1 ano. Conferem certificação profissional de nível 5. A listagem dos cursos oferecidos atualmente pela ATEC constam da Tabela EC1.1. Estes cursos permitem o contacto dos formandos com o mundo do trabalho desde o início, preparam-nos para a vida profissional, conferem certificação profissional e académica e têm uma elevada taxa de empregabilidade (superior a 80%). 109 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Tabela EC1.1 – Cursos de formação profissional ATEC para jovens Cursos de Aprendizagem (9º ano) Cursos de Especialização Tecnológica (12ºano) Manutenção Industrial de Metalurgia e Metalomecânica (Palmela, Porto) Gestão de Redes e Sistemas Informáticos (Palmela, Porto) Mecatrónica Automóvel (Palmela, Porto) Tecnologias e Programação de Sistemas de Informação (Palmela, Porto) Eletrónica, Automação e Comando (Palmela) Telecomunicações e Redes (Palmela, Porto) Eletrónica e Telecomunicações (Palmela) Automação, Robótica e Controlo Industrial (Aveiro, Braga, Palmela, Porto, São João da Madeira) Informática-Instalação e Gestão de Redes (Palmela) Tecnologia Mecatrónica (Palmela, Porto, Sines, Viseu) Mecatrónica (Palmela, Porto) Mecatrónica Automóvel, Planeamento e Controlo de Processos (Palmela, Porto) Maquinação e Programação CNC (Palmela) Soldadura (Palmela, Porto) Fonte: ATEC. Para as empresas, estes cursos têm uma boa relação custo-benefício, permitem-lhes dispor de mão-de-obra especializada à medida, são uma fonte de recrutamento de pessoal qualificado, garantem a identificação dos formandos com a cultura empresarial e permitem a gestão dos conhecimentos da empresa mediante a transferência de conhecimento entre os colaboradores efetivos e os formandos. Critérios de seleção dos alunos: Os jovens interessados em frequentar os cursos de aprendizagem devem possuir o 9º ano de escolaridade completo. Os candidatos aos cursos de especialização tecnológica devem possuir o 12º completo. O processo de seleção integra testes psicotécnicos, uma prova de grupo e uma entrevista individual. Para todas as modalidades de formação, o processo de seleção organiza-se em fases eliminatórias. Os candidatos aos cursos CET têm que estar obrigatoriamente inscritos no centro de emprego da área de residência como desempregados. Forma de vinculação: Todos os formandos celebram um contrato de formação com a ATEC. Os estágios nas empresas são formalizados através de um protocolo com a ATEC. Papel dos tutores/formadores: Os tutores são responsáveis por acolher os formandos, por planear as suas atividades na empresa e por acompanhar e avaliar o seu desempenho. Os 110 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal tutores são ainda responsáveis por manter a articulação com a ATEC para o tratamento de todos os assuntos relativos à formação dos estagiários na empresa. Recrutamento dos formandos pelas empresas participantes: Embora as empresas não estejam obrigadas a recrutar os formandos no final dos estágios, constata-se que muitos deles são recrutados pelas empresas onde estagiaram. Em geral, existe uma estreita colaboração entre as empresas e a ATEC para facilitar e melhorar os processos de recrutamento. EC1.5. Perspetivas futuras para a ATEC As prioridades da ATEC, no médio e no longo prazo, são as seguintes: i) a intensificação da formação para o mercado; ii) a expansão da sua atividade no território português, a fim de responder às necessidades das empresas instaladas em diferentes pontos do país; iii) a internacionalização da sua atividade, especialmente em mercados como Angola e Moçambique, dadas as oportunidades de negócio e a proximidade linguística; e, iv) o aumento do envolvimento da sociedade, mediante a incorporação no Conselho Consultivo da ATEC de mais membros e/ou entidades, em representação da indústria, da economia e da comunidade académica. 111 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Estudo de caso 2 – EC2: A DUAL EC2.1. Apresentação A Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã (CCILA), fundada em 1954, é uma associação de empresas sem fins lucrativos e de utilidade pública com mais de 1.000 empresas associadas. A procura de profissionais qualificados, ao nível de quadros médios, e a inexistência à data da sua criação de ensino profissionalizante em Portugal levaram a que em 1983 fosse fundado o serviço de qualificação profissional da CCILA, por iniciativa de doze prestigiadas empresas multinacionais alemãs: AEG, Robert Bosch, Hoechst, Siemens, Bayer, Henkel, Grundig, Mercedes-Benz, Thyssenkrup, Groz-Beckert, Basf e Rauschert. Em 2007, esse serviço passou a designar-se DUAL, sendo atualmente uma marca registada. A DUAL tem centros em Lisboa, Porto e Portimão. A DUAL apresenta diferentes serviços na área da formação profissional, designadamente:111 - Qualificação Inicial DUAL: destinada a jovens que pretendam preparar-se para uma vida profissional futura e a empresas interessadas em acolher jovens formandos; - Qualificação Contínua DUAL: destinada a profissionais que pretendam adquirir novas competências ou atualizar e desenvolver as já adquiridas; - Qualificação Intraempresa DUAL: destinada a empresas que pretendam programas de qualificação personalizados e ajustados à sua realidade e necessidades; - Consultoria e Qualificação: destinada a empresas, da indústria ou dos serviços, que pretendam reduzir e otimizar custos de produção; - Serviços às Empresas na área de Consultoria e Recursos Humanos. A formação profissional realizada pela DUAL baseia-se na filosofia dos sistemas de inspiração dual. Nos programas oferecidos, as componentes de formação teórica são ministradas nos seus Centros em Lisboa, Porto e Portimão enquanto a formação prática é da responsabilidade das suas empresas parceiras. EC2.2. Evolução e conjuntura A exportação do sistema dual de formação profissional alemão para outros países está motivada pela procura de trabalhadores qualificados por parte das empresas alemãs com 111 A DUAL refere-se sistematicamente às suas atividades de formação como qualificação profissional e não como formação profissional. 112 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal atividade no estrangeiro. Esta circunstância fez com que a formação dual passasse a ser estratégica para a Organização das Câmaras de Comércio e Indústria Alemãs (DIHK-IHK-AHK), que, neste domínio, se tem focado no aconselhamento em matéria de políticas para a introdução de modelos de formação profissional dual. Neste contexto, as 80 Câmaras de Comércio e Indústria Regionais na Alemanha (IHKs) e as Câmaras de Comércio e Indústria no estrangeiro (AHKs), presentes em 120 cidades de 85 países, bem como a Confederação das Câmaras de Comércio e Indústria (DIHK), enquanto tutela das IHKs e das AHKs, são interlocutores-chave em matéria de formação profissional de inspiração dual, de apoio às empresas alemãs com atividade no exterior. Para a Organização Cameral Alemã é de extrema importância que as câmaras no estrangeiro possam disponibilizar às empresas associadas, sobretudo para as empresas alemãs, uma oferta uniformizada de serviços de formação com um elevado grau de reconhecimento. Para este efeito, os diferentes serviços de formação devem enquadrar-se e respeitar os princípios do sistema alemão de formação profissional. A atividade da CCILA neste domínio enquadra-se na filosofia de atuação das Câmaras de Comércio e Indústria alemãs no estrangeiro, tendo-se pautado pelos princípios de inspiração dual. EC2.3. A marca DUAL Na formação ministrada pela DUAL devem ser respeitados vários princípios inspirados na formação dual alemã, designadamente: - As empresas formadoras, as escolas de formação, os curricula, os exames e a sua realização devem respeitar determinadas normas de qualidade; - Os formadores teóricos e práticos e os examinadores devem cumprir um conjunto de normas; - Os professores, formadores e examinadores devem ter qualificação metodológica e didática “dual”; - Quem ensina, não examina; - Dois terços do tempo de formação deve estar orientado para a prática na empresa; - A IHK/AHK organiza a formação e garante procedimentos independentes, neutros e com garantia de qualidade. Para esse efeito, as câmaras constituem comissões de formação profissional e avaliação. 113 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal EC2.4. A qualificação inicial DUAL Dado que o foco do estudo deste trabalho é o nível secundário e pós-secundário não terciário, dos diferentes serviços de qualificação oferecidos pela DUAL interessa analisar fundamentalmente a qualificação inicial DUAL destinada a jovens. Os cursos promovidos neste âmbito seguem as diretrizes do sistema dual alemão com as seguintes características: i) os centros DUAL são responsáveis pela formação teórica; ii) as empresas formadoras são responsáveis pela formação prática; iii) há uma conjugação dos conhecimentos teóricos com as competências adquiridas no posto de trabalho (learning by doing); e, iv) os jovens são selecionados através de um processo de seleção que inclui entrevistas, testes psicológicos e um assessment centre. Os cursos de formação profissional inicial DUAL são os seguintes: - Cursos de formação profissional/qualificação DUAL, com uma duração média de 2 anos destinados a jovens com idade máxima até 25 anos, com o 11º de escolaridade completo e/ou frequência do 12º ano. Nestes cursos o formando passa 4 dias por semana numa empresa e dedica 1 dia por semana às aulas teóricas. Conferem equivalência ao 12º ano e atribuem um certificado profissional de nível 4; - Cursos de formação profissional/aprendizagem DUAL, com uma duração média de 2,5 anos destinados a jovens com idade máxima até 25 anos, com o 9º de escolaridade completo. Nestes cursos existem blocos intensivos de aulas. O formando pode passar 2/3 dias por semana numa empresa e 3/2 dias por semana no centro DUAL em aulas teóricas. Conferem equivalência ao 12º ano e atribuem um certificado profissional de nível 4. Em 2014, dos 2.818 formandos que frequentaram ações de formação na DUAL, 1.157 frequentaram programas de formação profissional inicial. No final do ano, a DUAL tinha em funcionamento 68 turmas de formação profissional inicial nas mais diversas áreas. A taxa de empregabilidade dos jovens que frequentaram as ações de formação profissional inicial na DUAL foi de cerca de 90% em 2014. A Tabela EC2-1 resume os diferentes cursos de Qualificação e Aprendizagem oferecidos pela DUAL. Nesse ano, 281 empresas estiveram envolvidas em programas de formação profissional promovidos pela DUAL. Apenas 20% do total eram alemãs, 10% doutras nacionalidades e 70% portuguesas, o que atesta o crescente interesse do tecido empresarial português pela formação profissional de base dual. 114 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Tabela EC2.1 – Cursos de formação profissional DUAL para jovens Área Cursos de Qualificação (11ºano) Cursos de Aprendizagem (9ºano) Rececionista de Hotel Hotelaria e Restauração Técnico de hotelaria Técnico de Cozinha e Pastelaria Técnico de Restaurante/Bar Eletrónica/Automação Técnico de Eletrónica/Automação e Comando Energia e Gás Técnico de Gás Gestão e Administração Técnico de Gestão Administrativa Técnico de Apoio à Gestão Técnico de Manutenção Industrial (Mecatrónica) Manutenção Industrial Construção e Reparação de Veículos a Motor Serviços de Transporte Técnico de Mecatrónica Automóvel Aplicada Técnico de Mecatrónica Automóvel Técnico de Pintura Automóvel Técnico de Receção/Orçamentação de Oficina Técnico de Transportes Fonte: CCILA. Critérios de seleção dos alunos: Os jovens interessados em frequentar os cursos de aprendizagem DUAL, com uma duração de 2,5 anos, devem possuir o 9º ano de escolaridade. Os candidatos à frequência das cursos de qualificação DUAL, com uma duração de 2 anos, devem possuir o 11º completo e/ou frequência do 12º ano. A idade máxima para concorrer a cada um dos cursos é de 25 anos. A classificação final no processo de seleção resulta do somatório da pontuação obtida nas seguintes componentes: testes psicotécnicos (25%); provas de grupo ou Assessment Centre (30%) e entrevista pessoal (45%), tendo esta um carácter eliminatório. Forma de vinculação: Todos os formandos celebram um contrato de formação com a DUAL. Os estágios nas empresas são formalizados através de um protocolo com a DUAL. Papel dos tutores/formadores: Os tutores são responsáveis por acolher os formandos e por planear as suas atividades nas empresas, bem como por acompanhar e avaliar o seu desempenho. Os tutores são ainda responsáveis por manter uma ligação permanente com a DUAL, a fim de tratar todos os assuntos relativos à formação dos estagiários nas empresas. 115 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Recrutamento por parte das empresas participantes: Embora as empresas não estejam obrigadas a recrutar os formandos no final dos estágios, no final da formação cerca de 30% dos formandos são recrutados pelas empresas onde realizaram o estágio. EC2.5. Perspetivas futuras para a DUAL A DUAL prevê manter a sua atividade na área da formação profissional inicial de jovens e, eventualmente, expandir a sua atividade em termos geográficos e sectoriais, acolhendo um número crescente de formandos. 116 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Estudo de caso 3 – EC3: Toyota Caetano Portugal EC3.1. Apresentação O Grupo Salvador Caetano criou em 1981 uma estrutura dedicada exclusivamente à formação de ativos e à formação profissional de jovens, para dar resposta às necessidades de formação específicas das várias áreas de atividade do grupo. Para o grupo a formação do capital humano é um instrumento estratégico para garantir a competitividade e o crescimento sustentável de todas as suas empresas. As três áreas de formação da Toyota Caetano Portugal (TCP) são as seguintes: - Formação de ativos; - Formação profissional de jovens; - Certificações. A expansão da estrutura de formação da Toyota Caetano Portugal, através da abertura sucessiva de vários polos em diversas localizações, norteou-se pelas necessidades de profissionais qualificados nas zonas geográficas onde o Grupo possui maior implantação, quer ao nível industrial quer ao nível de serviços de oficina. EC3.2. Evolução e conjuntura As atividades de formação da Toyota Caetano Portugal iniciaram-se em 1983, com a oferta de cursos piloto no polo de formação de Vila Nova de Gaia. A abertura dos outros polos de formação no período 1991-2014 tem permitido ao Grupo expandir a oferta de cursos de formação profissional nas suas principais áreas de atividade. Atualmente a Toyota Caetano Portugal tem em funcionamento cinco polos de formação, nomeadamente em:112 Vila Nova de Gaia (1983), Ovar (1991), Carregado (1992), Sintra-Rio de Mouro (2010) e Braga (2014). No período 1983-2014 foram ministrados 207 cursos de formação em áreas relacionadas com as principais atividades do Grupo (Tabela EC3.1). Nesses programas participaram um total de 3.340 jovens. Nos cinco polos de formação da Toyota Caetano Portugal estavam em funcionamento, em finais de 2014, um total de 29 cursos, envolvendo 535 alunos, com uma média etária de 16,8 anos. 112 Anos de entrada em funcionamento entre parênteses. 117 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal O reconhecimento da formação da Toyota Caetano Portugal é confirmada pela elevada procura dos seus programas de formação profissional.113 Sem efetuar, por política do Grupo, qualquer esforço de promoção e divulgação, em 2014, o número de candidatos representou 190% das vagas disponíveis. EC3.3. A marca Toyota Caetano Portugal A formação profissional ministrada na Toyota Caetano Portugal é de base dual. Tem, portanto, como principal objetivo conjugar conhecimentos teóricos com a aprendizagem de competências no posto de trabalho. A formação realiza-se alternadamente entre o polo de formação da Toyota Caetano Portugal em questão e as empresas parceiras. O objetivo do modelo é aproximar o máximo possível o dia-a-dia dos formandos das rotinas e realidades com que irão deparar nos futuros postos de trabalho. Os cursos oferecidos dividem-se em quatro componentes formativas: a sociocultural, a científica e a tecnológica, todas desenvolvidas no polo de formação Toyota Caetano Portugal, e o período de formação prática em contexto real de trabalho (estágio), desenvolvido numa empresa parceira, do Grupo ou associada. Independentemente do polo, a formação realizada pela Toyota Caetano Portugal rege-se pelos mesmos princípios e orientações. O objetivo da homogeneização de abordagens é assegurar que a formação tem uma identidade própria, que respeita os valores do Grupo. Os aspetos distintivos da formação na Toyota Caetano Portugal são os seguintes: - O objetivo último dos programas de formação profissional oferecidos é a integração futura dos jovens em empresas do Grupo. Os formandos são vistos pelos trabalhadores do Grupo, incluindo os da área da formação, como “futuros colegas”; - A formação decorre na empresa e não numa escola ou centro de formação; - Os conhecimentos e know-how do Grupo são inteiramente partilhados com os formandos; - Para além do desenvolvimento de competências técnicas, o Grupo valoriza o desenvolvimento de competências sociais e relacionais; - Durante a formação os formandos convivem com os restantes colaboradores da empresa, tomando conhecimento dos seus problemas, dificuldades e sucessos; 113 Transversal a todos os programas oferecidos. 118 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal - Pretende-se que os jovens assimilem e interiorizem os valores do Grupo Salvador Caetano, convivendo com diferentes profissionais, nas várias áreas funcionais das empresas; - Os formandos devem cumprir as mesmas regras e normas que os trabalhadores efetivos. Por essa razão, aplicam-se aos formandos as regras relativas a horários e faltas em vigor na empresa, bem como os procedimentos de utilização da cantina, portarias e vestiários. EC3.4. A qualificação e formação profissional de jovens Dado que o foco do estudo é o nível secundário e pós-secundário não terciário, dos diferentes serviços de formação oferecidos pela Toyota Caetano interessam essencialmente os de formação profissional destinada a jovens. Neste âmbito a Toyota Caetano Portugal oferece Cursos de Formação Profissional destinados a jovens com idades compreendidas entre os 15 e os 25 anos, com o 9º ano de escolaridade completo. Têm uma duração de 2/3 anos e conferem equivalência ao 12º ano e certificação profissional de nível 4. A Tabela EC3.1 resume os diferentes cursos de formação profissional para jovens oferecidos pela Toyota Caetano Portugal. Tabela EC2.3 – Cursos de formação profissional DUAL para jovens Cursos de Aprendizagem (9º ano) Técnico de Mecânica Automóvel Técnico de Pintura Automóvel Técnico de Reparação e Pintura de Carroçarias Técnico de Receção e Orçamentos Caixeiro de Peças Técnico de Eletricidade/Eletrónica Técnico de Mecatrónica Automóvel Técnico de Manutenção Industrial de Metalurgia e Metalomecânica Técnico de Receção e Orçamentação Oficina Técnico de Produção e Transformação de Compósitos (Aeronáutica) Fonte: Toyota Caetano Portugal. 119 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Estes cursos apresentam uma elevada taxa de empregabilidade (87,8%), que se justifica pela elevada absorção dos formandos por parte das empresas do Grupo Toyota Caetano Portugal e das empresas associadas das zonas geográficas em que se localizam os vários polos de formação. Critérios de seleção dos alunos: Os jovens interessados em frequentar os diferentes cursos de formação profissional devem ter até 25 anos de idade e o 9º ano de escolaridade completo. O processo de seleção é realizado com o apoio da estrutura de recrutamento e seleção da empresa. O processo de seleção baseia-se em provas de inteligência, testes de personalidade e provas de grupo e, se necessário, em entrevistas individuais. O processo de seleção fica completo com exames médicos da responsabilidade dos serviços de medicina do trabalho da empresa. Forma de vinculação: Todos os formandos celebram um contrato de formação com a Toyota Caetano Portugal. Os estágios nas empresas são formalizados através de um protocolo. Papel dos tutores/formadores: Os formadores são responsáveis por acolher os formados, por monitorizar as várias unidades e atividades que fazem parte do plano curricular, bem como por acompanhar e avaliar o seu desempenho. Os formadores são escolhidos tendo em consideração a sua experiência e competências pedagógicas, os resultados de anteriores processos de formação e o conhecimento dos valores da empresa. O início dos cursos é precedido de reuniões da equipa de professores/formadores para conhecer o perfil dos formandos e concertar estratégias pedagógicas. A equipa de professores/formadores reúne mensalmente com os formandos e informa periodicamente os encarregados de educação sobre o desempenho e evolução dos seus educandos. Práticas de mérito: Os bons desempenhos são incentivados e premiados pela Toyota Caetano Portugal. A atribuição dos locais (oficinas do Grupo Salvador Caetano) em que decorre a formação em contexto de trabalho depende do desempenho dos formandos. Após a avaliação dos formandos pela equipa formativa em dimensões como a capacidade de aprendizagem, o cumprimento de regras e normas de segurança, a utilização de equipamentos e ferramentas, o relacionamento com colegas e formadores e a assiduidade e pontualidade é-lhes dada a oportunidade de escolherem, de entre os locais/empresas previamente selecionadas, o local onde preferem realizar a formação em contexto de trabalho. Vínculo com o recrutamento por parte das empresas associadas: Embora as empresas não estejam obrigadas a recrutar os formandos no final dos estágios, uma proporção elevada dos 120 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal mesmos são acolhidos por empresas do Grupo Salvador Caetano no final da formação, sendo outros recrutados por empresas com atividades relacionadas nas zonas geográficas dos polos de formação. EC3.5. Perspetivas futuras para a Toyota Caetano Portugal A Toyota Caetano Portugal prevê manter a sua atividade na área da formação profissional de jovens, aproveitando algumas oportunidades de expansão geográfica. Pretende-se também oferecer programas adicionais relacionados com as atividades da empresa, para outros níveis de certificação, se tal se afigura possível. Adicionalmente, o Grupo tenciona alargar as parceiras com empresas de fora do Grupo para assegurar a componente de formação em contexto de trabalho. 121 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 122 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Capítulo 6 – O Sistema de Formação Profissional em Portugal e a sua eventual Dualização: a Perspetiva dos Stakeholders 123 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 6.1. Introdução Com a finalidade de obter a opinião de um conjunto de agentes próximos do sistema de formação profissional em Portugal, ligados aos sectores educativo, empresarial, da formação e da Administração Pública, sobre a sua situação atual, bem como sobre a forma de reformá-lo, foram realizadas um conjunto de entrevistas de caráter semi-estruturado. As instituições, entidades e associações selecionadas, bem como as pessoas entrevistadas estão identificadas no Anexo VI. A auscultação destes stakeholders visou conhecer as diferentes perspetivas sobre a evolução recente e a conjuntura atual do sistema de formação profissional, bem como sobre os aspetos que poderiam ser melhorados para que esta via contribua para elevar os níveis de educação, melhorar a inserção dos jovens no mercado de trabalho e aumentar os níveis de produtividade das empresas e a competitividade geral da economia. As entrevistas basearamse no guião que consta do Anexo V. As pessoas entrevistadas apresentam, em geral, uma ampla experiência na gestão direta ou indireta de programas ou projetos de formação profissional. Para validar a informação obtida foram consultados dois peritos internacionais em matéria de formação profissional dual, um com vínculos a uma instituição de ensino superior e um outro a uma confederação profissional. Os peritos consultados e o seu cargo/responsabilidade estão identificados no Anexo VII. Neste caso as consultas não seguiram um guião pré-estabelecido; as suas opiniões e pontos de vista foram obtidos através de diversas consultas pontuais com fins de esclarecimento ou confirmação. As reuniões com os entrevistados tiveram lugar no primeiro trimestre de 2015, nas instalações das instituições e entidades consultadas ou nas escolas às que, de alguma forma, estão vinculados os participantes; as entrevistas foram realizadas por um dos membros da equipa. 114 As opiniões e pontos de vista dos participantes estão organizados em três secções. Geralmente são apresentadas apenas as opiniões maioritárias, embora se façam também referências a outras por questões de singularidade ou interesse. A generalidade das opiniões enquadra-se no referencial para a dualização do sistema proposto pelos peritos. Sempre que possível, no texto, evitam-se as menções a instituições, entidades, associações e pessoas. Porém, em determinadas circunstâncias torna-se inevitável, sendo absolutamente necessário para exemplificar determinadas situações ou práticas. 114 A entrevista ao Vogal da Direção da CIP, Dr. António Marques, foi realizada em Braga, por questões de caráter logístico, e não nas instalações da CIP em Lisboa. 124 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 6.2. Considerações gerais Os intervenientes nas entrevistas efetuaram um conjunto de considerações gerais sobre o ensino profissional e algumas questões relacionadas, tais como a inserção no mercado de trabalho ou a empregabilidade. Embora existam algumas diferenças de enfoque, das intervenções retiram-se perspetivas relativamente convergentes em algumas dessas dimensões. De acordo com o entendimento maioritário, o principal objetivo da formação profissional (inicial) é formar jovens, sem esquecer a dimensão educativa, de acordo com as suas necessidades e interesses e os requisitos do mercado de trabalho. A formação profissional tem que estar cada vez mais ligada às necessidades do mercado de trabalho e deve necessariamente dotar o aluno com as competências exigidas a um dado perfil profissional. Se isto não for cumprido, existe uma descredibilização dos programas, da via e do sistema como um todo. O desenvolvimento da formação profissional é fundamental em qualquer sociedade avançada, dado que a inadequação da oferta formativa não permite aproveitar as capacidades e o talento dos jovens nem melhorar a competitividade da economia, num contexto crescentemente globalizado.115 Para a produção de bens tangíveis e intangíveis as economias precisam de trabalhadores com níveis de qualificação diversificados, tanto vertical como horizontalmente. A formação é fundamental para iniciar e dar continuidade aos processos de inovação e diversificação empresarial, sobretudo em áreas produtivas viradas para o mercado internacional que precisam de profissionais competentes com elevados níveis de qualificação e capacidades de atualização continuada. Verificou-se também certo consenso em relação à inserção laboral dos jovens e à sua empregabilidade. Embora fosse reconhecido pela maioria que a aproximação do sistema às necessidades das empresas melhora a inserção profissional e o potencial de empregabilidade, todos os entrevistados vincularam a facilidade de acesso ao mercado de trabalho à existência de uma economia forte, assente em empresas com capacidade para criar emprego de qualidade. A maioria dos entrevistados considera que o crescimento do ensino profissionalizante nos últimos anos, em Portugal, foi impulsionado pelas condições de oferta e não tanto pela 115 Um dos entrevistados com ligações a entidades alemãs declarou textualmente: ”Sem Know-how não há indústria. Sem pessoas formadas não há investimento.” 125 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal procura real. Para os participantes com vínculos ao sector empresarial e para alguns dos dirigentes escolares, a expansão da oferta de cursos profissionais não respondeu a um interesse real em promover a formação profissional. Na sua opinião, a promoção desta via no sector público foi uma forma de alterar a realidade do sector educativo, aproximando-o artificialmente dos padrões de alguns países europeus, nos quais a formação profissional tem uma quota de mercado significativa no nível secundário de ensino.116,117 6.3. A situação do sistema de formação profissional em Portugal – O status quo A totalidade dos entrevistados consideram que o atual sistema de formação profissional português é complexo, existindo zonas de sobreposição que tornam difícil as escolhas dos alunos e as leituras das empresas. A maioria considera também que existe uma importante margem de progressão/melhoria para a otimização/racionalização do sistema, sem que isso implique perda de qualidade ou limitação de escolhas. O atual sistema de formação profissional está constituído em essência por dois tipos de cursos:118 os cursos profissionais e os cursos de aprendizagem, tutelados por ministérios diferentes, os primeiros pelo Ministério de Educação e Ciência e os segundos pelo Ministério do Trabalho.119,120 Os participantes nas entrevistas sem ligações a cada uma das tipologias de cursos têm perspetivas relativamente críticas a seu respeito. Os que não têm vínculos com os cursos de formação profissional consideram que os cursos desta modalidade, em geral, não respondem às necessidades e exigências do mercado de trabalho, estão mal dotados em termos de recursos humanos e materiais e respondem a lógicas de expansão e funcionamento assentes em incentivos perversos. Os que não têm vínculos com os cursos de aprendizagem entendem que estes programas constituem, no seu cerne, um sistema bem-intencionado. Não obstante consideram também que os cursos de aprendizagem apresentam problemas de qualidade, designadamente relacionados com a falta de homogeneidade entre programas e entidades formadoras,121 e de 116 A expressão “trabalhar para as estatísticas” foi utilizada em diversas ocasiões. Alguns afirmaram que a expansão da oferta de cursos profissionais nas escolas secundárias públicas foi uma forma de assegurar o seu financiamento. 118 As restantes modalidades são marginais ou a extinguir. 119 Atualmente pelo Ministério de Economia. 120 A diferente tutela traduz-se numa concorrência soterrada entre sistemas. A maioria dos entrevistados considera perniciosa a competição vigente em diversas dimensões. A escassa cooperação entre os sistemas assenta em relações ocasionais, maioritariamente de caráter pessoal. 121 As diferenças de qualidade no sistema de aprendizagem manifestam-se em termos de procura. No sistema coexistem programas e entidades com grandes défices de procura com outros com excesso de 117 126 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal reconhecimento social, que se traduzem numa reduzida participação.122,123 Nos últimos anos, a melhoria da eficiência dos centros de formação e a entrada de novas entidades no sistema têm melhorado quer os seus resultados quer a sua própria imagem. Para além destas modalidades existe uma outra criada recentemente, os cursos vocacionais, que aparentemente têm caráter profissionalizante, mas que, na opinião da maioria, constituem uma modalidade menor destinada a reter os alunos de fraco desempenho no sistema, permitindo que cumpram com o requisito da escolaridade obrigatória.124 Com independência dos problemas de enquadramento125 ou de falta de recursos, as limitações desta modalidade derivam, em grande medida, dos requisitos de acesso estabelecidos na legislação. De facto, este é um dos aspetos destes cursos unanimemente criticado pelos entrevistados, que consideram desacertado que se tenham estabelecido condições de acesso que privilegiam o insucesso dos candidatos (existência de um dado número de retenções para poder aceder). A criação desta modalidade e a sua associação à formação profissional desperta fortes reservas entre os entrevistados, dado que os cursos vocacionais desvirtuam as alternativas verdadeiramente profissionalizantes e contribuem para exacerbar a sua imagem negativa na sociedade, por associá-las ao insucesso e à falta de perspetivas. Na sua opinião, para não degradar a imagem da formação profissional ainda mais, deve fazer-se um esforço, sobretudo de comunicação, para separar claramente os cursos vocacionais da formação profissional (cursos profissionais e cursos de aprendizagem). Um dos principais problemas do atual sistema de formação profissional é a diversidade de programas e currículos. Alguns entrevistados, nomeadamente os ligados ao sector empresarial, consideram que existe um número excessivo de programas, muitos deles com um grau de diferenciação relativamente reduzido. Consideram também que as escolas têm demasiada liberdade na definição do curriculum, o que resulta na existência de programas procura, nomeadamente pela sua boa reputação no mercado (qualidade do programa e boa inserção profissional). Entre estas últimas, por exemplo, a ATEC tem entre 3 e 4 candidatos por vaga e o Centro de Formação da Toyota Caetano Portugal à volta de 2 candidatos por vaga. 122 Segundo a representante do IEFP objeto de entrevista, a perda de alunos circunscreve-se fundamentalmente às faixas etárias mais baixas, devido às restrições impostas pelo aumento da escolaridade obrigatória. 123 Alguns foram mais longe nas suas críticas, afirmando que no sistema de aprendizagem existe muito facilitismo, com a finalidade evitar a desistência e inflacionar artificialmente o output do sistema. Estas práticas têm obviamente impacto em termos de qualidade e de imagem. 124 Os entrevistados com ligações ao tecido empresarial referiram que este tipo de formação não é reconhecida pelas empresas. 125 Por exemplo, em termos de qualificação profissional e de progressão de estudos. 127 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal similares com currículos completamente diferentes, dificultando a compreensão do perfil dos graduados pelas empresas. Para o tecido empresarial não é aceitável que cursos similares produzam graduados com perfis completamente diferentes e que, apesar das divergências, confiram a mesma certificação profissional. Na opinião de muitos dos participantes, estas diferenças reduzem a transparência do sistema, criando confusão nos processos de recrutamento. Na opinião de alguns dos entrevistados,126 essa liberdade na definição da oferta e na construção dos currículos acaba por criar uma oferta desligada do mercado de trabalho, que pretende dar resposta a objetivos próprios das escolas e da classe docente. Para muitos dos entrevistados, a falta de orientação da oferta para o mercado forma os jovens em áreas com escassas saídas profissionais, desiludindo as suas expetativas e as das suas famílias. Uma parte da oferta disponível responde, em grande medida, à capacidade instalada nas escolas (sobretudo, recursos humanos) e às prioridades, gostos e modas dos jovens. A disponibilidade de docentes com competências (ou disponibilidade para as adaptar/adquirir) para lecionar em determinados cursos de formação profissional é um dos principais drivers do sistema, nomeadamente nas escolas públicas. O outro condicionador-impulsionador do sistema é o grau de exigência material e tecnológica dos cursos de formação profissional. A falta de laboratórios e espaços oficinais bem dotados nas escolas secundárias públicas e nas escolas profissionais enviesam a oferta em favor de cursos em áreas do sector serviços ou de sectores de apoio à indústria sem grandes exigências técnicas e/ou tecnológicas. Outro aspeto que concitou unanimidade foi a escassa ligação do sistema de formação profissional às empresas, especialmente no subsistema dos cursos profissionais, nomeadamente no que toca ao seu grau de envolvimento na formação em contexto de trabalho. Segundo os entrevistados com vínculos ao sector escolar, os défices identificados neste domínio derivam: i) da falta de cultura de colaboração das escolas públicas com as empresas e do próprio choque cultural provocado pela grande distância existente entre entidades com objetivos, operações e formas de atuar completamente diferentes; ii) da reduzida disponibilidade do tecido empresarial português para acolher alunos em formação; e, iii) do escasso empenhamento de uma proporção significativa de empresas participantes nas atividades de formação em contexto de trabalho. 126 Os ligados a entidades empresariais e, inclusivamente, alguns ligados a escolas secundárias públicas. 128 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Para os entrevistados com vínculos ao sector empresarial, os motivos da aparente falta de envolvimento estariam relacionados com: i) a escassa cultura de formação do trabalhador existente em Portugal; ii) a falta de interesse de uma boa parte dos programas, por não ir ao encontro das reais necessidades das empresas; e, iii) a inexistência de incentivos públicos para apoiar a formação em contexto de trabalho. Os entrevistados com vínculos a entidades alemãs confirmaram que as empresas dessa nacionalidade ou aquelas que conhecem o funcionamento do sistema alemão ou as vantagens da formação em contexto de trabalho são mais recetivas a acolher alunos em formação. Na sua opinião, a falta de disponibilidade das empresas portuguesas para formar os jovens inscritos nos cursos de formação profissional não é o único problema do sistema. Entendem que para que o sistema seja mais eficiente e responda às exigências de uma economia competitiva, as empresas devem ter um maior envolvimento na definição das prioridades em matéria de formação e na construção dos currículos dos programas. Para que a oferta de formação profissional responda às necessidades da economia e das empresas deve existir um sistema de monitorização bem desenhado, que utilize uma metodologia estável em linha com as melhores práticas internacionais. Alguns entrevistados referiram, sobre esta matéria, que, embora em Portugal existam sistemas de acompanhamento do mercado, nomeadamente ligados ao IEFP e à ANQEP, as suas deficiências acabam por evidenciar-se nas contínuas discordâncias que existem nas listas de profissões prioritárias publicadas periodicamente por ambas entidades.127 A consequência das fragilidades do sistema é que as listagens de profissões prioritárias, construídas de forma centralizada, não correspondem às reais necessidades das empresas.128 Os entrevistados do sector educativo referiram que a condição de acesso aos cursos de formação profissional e aos de aprendizagem (9º ano completo) é considerada suficiente para garantir níveis de qualidade compatíveis com as exigências programáticas. Relativamente à qualidade dos alunos, os professores entrevistados consideram que a qualidade dos estudantes captados está em grande medida condicionada pelas saídas profissionais ao seu dispor. Alguns também são da opinião que alunos com um desempenho relativamente fraco 127 Discordâncias significativas entre as listas de ambas entidades e entre as listas da mesma entidade correspondentes a períodos sucessivos. Estas diferenças podem ter a sua origem na utilização de amostras não representativas com elevados níveis de renovação entre inquéritos e com alterações ou diferenças metodológicas. 128 Esta perspetiva foi a veiculada pelos dois entrevistados que se pronunciaram sobre este assunto. 129 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal melhoram significativamente quando se inscrevem num curso que se adapta ou desperta o seu interesse vocacional/profissional, aumentando os seus níveis de motivação. Vários participantes nas entrevistas referiram que a formação profissional não pode ser vista como a solução de último recurso para os alunos de fraco desempenho, dado que a insistência nesta abordagem acaba por afetar a imagem e a credibilidade do sistema no seu todo. Os entrevistados revelaram não ter uma opinião suficientemente consolidada em relação às modalidades que devem acolher os alunos que não concluíram o 9º ano ou os alunos com dificuldades de aprendizagem. Não obstante, a maioria entende que estes alunos não devem ser admitidos em cursos de formação profissional se não cumprirem os requisitos mínimos. A grande maioria dos entrevistados confirma a existência de uma estigmatização do ensino profissional em Portugal, embora discordem sobre as origens da mesma. Para uns o grande problema deriva das representações sociais dominantes na sociedade portuguesa, de acordo com as quais o ensino superior outorga um estatuto social muito superior ao dos detentores de níveis de formação inferiores, com independência da qualificação que confiram e da competência profissional do detentor. A este problema junta-se a história dos cursos profissionalizantes em Portugal, que nasceram com o intuito de acolher alunos incapazes de vingar na via geral ou procedentes de famílias com escassas possibilidades de garantir a continuidade dos filhos no sistema educativo. O perfil dos alunos recrutados juntamente com a perceção de menor qualidade acabaram por exacerbar a negatividade da perceção social que se lhes associa. Por último, alguns utilizaram argumentos mais elaborados, tais como a dimensão do prémio salarial dos graduados do ensino superior, que acaba por criar grandes incentivos para que os alunos optem pela via do prosseguimento de estudos. Não obstante, foi apontado, a este respeito, que caso não sejam promovidos ajustamentos no atual sistema de educativo, será o próprio mercado a fazê-los. Desta forma, com a massificação do ensino superior e a previsível queda do seu retorno, as decisões dos indivíduos deverão contemplar escolhas alternativas, tais como a formação profissional. Esta hipótese torna-se mais realista num contexto de escassez de quadros intermédios, onde as oportunidades de emprego bem remuneradas possam surgir em postos de trabalho com os perfis conferidos pelos cursos de formação profissional. Apesar do estigma social que ainda se associa a este tipo de formação, um número significativo dos entrevistados, em especial os ligados a entidades de formação de inspiração 130 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal alemã, referiram que, nos últimos tempos, assiste-se a uma mudança de perceção, pelo menos da parte dos alunos,129 que antepõem a empregabilidade e aspetos de diferenciação profissional a questões de estatuto ou prestígio social. 6.4. A reforma do sistema de formação profissional em Portugal – A dualização A maioria dos entrevistados coincidiu na importância de melhorar o sistema de formação profissional português, embora as razões para justificar uma reforma neste domínio sejam bastante diferentes. Os participantes nas entrevistas, ligados ao sistema de ensino, apontam argumentos relacionados com o incremento da eficiência do sistema, com a melhoria do aproveitamento escolar e, portanto, a redução do insucesso e, inclusivamente, com a melhoria de inserção dos alunos no mercado do trabalho. Este argumento é utilizado também pelos participantes com responsabilidades na dinamização do mercado de trabalho ou com vínculos às empresas, embora estes últimos recorram também a argumentos como a adequação às necessidades do tecido empresarial ou a melhoria do match entre oferta e procura de trabalho. Alguns justificam a reforma com base em motivações de ordem geral, como a melhoria da sociedade portuguesa ou o futuro do país.130 Em geral, os entrevistados entendem que deveriam ser introduzidas reformas no ensino profissionalizante em Portugal, que tornem o sistema de formação profissional mais simples, mais eficiente e mais orientado para o mercado. Embora muitos reconheçam no sistema dual alemão algumas/bastantes vantagens, a maioria considera que é de difícil replicação em Portugal. A opinião maioritária em matéria de transferência é que numa eventual reforma do sistema português deve existir recetividade para incorporar dimensões bem-sucedidas e boas práticas originárias de outros sistemas. A perspetiva geral dos entrevistados é que se deve avançar na dualização do sistema – maior participação das empresas e maior componente de formação em contexto de trabalho – sem descurar a qualidade da componente escolar.131 Muitos entrevistados manifestaram que no processo de dualização da formação profissional deve aproveitar-se a experiência passada nesta matéria.132 Para a totalidade dos entrevistados a dualização da formação profissional deve ter em consideração a realidade portuguesa, 129 A perceção das famílias, que têm um papel muito importante neste âmbito, pode não ser a mesma. Curiosamente estes argumentos foram esgrimidos pelo Diretor-Geral da Câmara de Comércio LusoAlemã. 131 A perspetiva dos participantes ligados às escolas, nomeadamente às escolas profissionais, é que, nos últimos anos, o peso da componente de formação em contexto de trabalho tem aumentado consideravelmente, não sendo necessário reforçá-la muito mais. 132 Alguns consideram, inclusivamente, que existe um modelo português de formação profissional. 130 131 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal devendo adaptar-se às características socioeconómicas do País. Esta leitura coincide com a perspetiva dos peritos internacionais que entendem que os sistemas de formação profissional não podem ser implementados ou transferidos. O sucesso de um sistema depende do seu desenvolvimento e melhoria a partir da realidade que o enquadra. Um dos aspetos consensuais entre todos os participantes nas entrevistas é a necessidade de simplificar o sistema, que neste momento inclui uma panóplia de vias e modalidades que não facilitam as escolhas dos alunos, dificultam o reconhecimento dos programas por parte dos empregadores e resultam pouco transparentes para a sociedade em geral. Muitos referiram a necessidade de fazer convergir todas as modalidades profissionalizantes numa única ou, no máximo, em duas. Entre estes, alguns opinam que o sistema deveria assentar numa modalidade única, que servisse de referência, com pequenas variantes para acomodar especificidades nos programas ou nos perfis de alunos, por forma a incrementar a eficiência geral do sistema de educação e formação profissional. Neste domínio a solução proposta, pela maioria, foi a convergência do sistema de aprendizagem e o sistema de formação profissional atual, dando lugar a um sistema único mais legível para alunos, empresas e sociedade em geral. Se tal não for possível, dever-se-ia, no mínimo, tentar uma aproximação entre ambos, para limitar a concorrência, aproveitar sinergias e partilhar recursos.133,134 A ideia subjacente a esta convergência/aproximação é a potenciação das vantagens de ambos os sistemas e a minimização das suas fragilidades. O sistema dever ser simples, transparente e estável. O novo sistema não deve criar situações de vantagem relativamente a outras vias, no que toca a condições de acesso (menos requisitos), cargas horárias (menos horas), permeabilidade (vantagens no acesso ao ensino superior) ou certificação (concessão de níveis de qualificação mais elevados). Na eventual reforma do sistema, foi considerado conveniente, de forma praticamente unânime, separar a formação vocacional da formação profissional. A formação vocacional, nos moldes atuais, não pode ser considerada formação profissional. Os cursos atualmente em funcionamento servem, como referido, para dar resposta e manter na escola os jovens com 133 A representante do IEFP referiu que a concorrência entre ambos os sistemas pode considerar-se inclusivamente como desleal, dado que as escolas públicas seguem, na sua opinião, estratégias de retenção de alunos. 134 O representante das Escolas profissionais mostrou-se contrário a esta convergência e muito crítico com o sistema de aprendizagem, o qual na sua opinião não deveria conferir certificação escolar, por ser tutelado pelo Ministério de Trabalho, e deveria ficar reservado a alunos com mais de 18 anos. 132 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal problemas de desempenho escolar. O sistema tal como foi concebido está, inevitavelmente, conotado com o insucesso. Os representantes do sector educativo entrevistados consideram que para que o processo de dualização seja bem-sucedido é necessário dispor de uma rede de ensino adaptada às necessidades do sistema. Deve maximizar-se a utilização da capacidade instalada (a rede de centros e a estrutura do IEFP está claramente subaproveitada) para expandir e qualificar a rede de ensino. Para este fim, a maioria julga necessário que exista um diálogo permanente entre ministérios, escolas e municípios. Outros entrevistados consideram que as empresas também têm um papel importante neste processo. Tem de existir um trabalho de planeamento, otimização e monitorização da rede, que deverá estar articulado com a racionalização da oferta formativa. Em matéria de oferta de cursos, a grande maioria concordou com a necessidade de orientá-la para as necessidades do mercado no médio e no longo prazo.135 O principal argumento utilizado foi que a oferta não pode ser mantida à margem das lógicas de funcionamento do mercado de trabalho e das empresas. Alguns entrevistados sugeriram a criação de um observatório do emprego e da formação que monitorizasse, analisasse e antecipasse as tendências estruturais do mercado de trabalho e as necessidades e exigências de formação para o país, em geral, e para determinadas regiões ou sectores, em particular.136 Neste âmbito, o papel das empresas e das associações empresariais foi considerado fundamental, nomeadamente na identificação dos sectores carenciados e das necessidades de formação potenciais. Ainda no domínio da oferta programática, alguns dos entrevistados sugeriram que, preferencialmente, antes de decidir a abertura dos cursos, fosse realizado um estudo de mercado para aferir a sua viabilidade. Para os entrevistados com ligações às empresas, a estabilidade da oferta e a homogeneidade programática são elementos chave para o sucesso do sistema. Alguns entrevistados referiram que orientando a oferta de formação para as reais necessidades das empresas e garantindo a sua participação no processo de aprendizagem evitar-se-ia, por um lado, frustrar expetativas, ao melhorar o potencial de inserção dos jovens no mercado de trabalho, e por outro, degradar a qualidade do ensino, ao garantir a transmissão de competências de difícil aprendizagem em contexto escolar. Para os 135 Em termos de certificação, indicou-se que a reforma do sistema deve garantir a existência de cursos de formação que confiram diferentes níveis de qualificação 3, 4 e 5. Atualmente, o nível 3 não existe, dado que qualquer jovem que conclua um curso de dupla certificação tem, automaticamente, o nível 4. 136 O horizonte temporal referido por alguns foi de pelo menos três anos. 133 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal participantes ligados a entidades alemãs, o défice de formação em contexto de trabalho não permite nem a especialização nem a diferenciação da formação e dos programas. Relativamente aos docentes, quase todos os entrevistados, incluindo os representantes das escolas, referiram que um sistema de formação profissional orientado para o mercado precisa de professores com formação nas áreas de especialidade dos programas. Deve investir-se em programas de formação de professores. É fundamental também contar com tutores bemformados nas empresas. De acordo com a experiência dos entrevistados com responsabilidades em programas de inspiração dual, os tutores devem ser, preferencialmente, trabalhadores experientes com habilidades de relacionamento interpessoal. Ainda no âmbito dos recursos, a maioria dos entrevistados concordou que o sistema de formação profissional deve estar dotado de recursos materiais e tecnológicos suficientes para garantir a qualidade do ensino. Esta questão é especialmente importante no domínio da formação simulada que prepara o aluno para a formação em contexto de trabalho. Segundo os entrevistados, num sistema de formação profissional crescentemente dualizado, o papel das empresas no processo de aprendizagem é absolutamente fundamental. Foi reconhecido unanimemente que o sistema não funciona se não for possível mobilizar as empresas. Os representantes ligados ao tecido produtivo declararam que as empresas devem encarar o seu rol formador como a melhor forma de dispor de trabalhadores qualificados no futuro e como parte da sua responsabilidade social corporativa. As empresas têm que estar recetivas a receber estudantes/estagiários e a ensiná-los.137 Em relação a este assunto, uma minoria dos participantes mostrou-se favorável à introdução de um sistema de quotas para alunos de formação profissional nas empresas. Embora esta perspetiva não fosse unânime, para alguns entrevistados, o sector empresarial deveria dar um contributo substantivo na organização e conteúdos dos programas (nomeadamente dos técnicos e profissionais).138 Para outros, especialmente para os ligados ao sistema educativo, esta função deve manter-se essencialmente no seu âmbito, dado que os programas não devem descurar a conceitualização dos conteúdos, conferindo dimensão científica à formação ministrada. 137 Para a representante da ATEC os alunos da formação profissional não são estagiários, são aprendizes. Os empresários podem apropriar-se de algum valor acrescentado dos primeiros, mas terão muita dificuldade para fazê-lo dos segundos. 138 As maiores reticências nesta matéria advieram dos entrevistados ligados ao sector educativo, especialmente dos ligados ao ensino público. 134 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Em relação à componente de formação em contexto de trabalho, a generalidade dos entrevistados considera que deve ser organizada em blocos temporalmente não coincidentes com a componente de formação escolar. A compatibilização destas componentes e a sua coincidência temporal (como acontece na Alemanha) não são extrapoláveis à realidade portuguesa.139 Os estágios em períodos contínuos, numa modalidade mais próxima do modelo francês, permitem uma melhor organização das cargas de trabalho tanto nas escolas/centros de formação como nas empresas, segundo se depreende da opinião da maioria dos participantes.140 Adicionalmente, a distribuição em blocos contínuos permite criar laços com a empresa de acolhimento e melhorar a aceitação dos alunos por parte dos trabalhadores efetivos.141 No processo de dualização do ensino profissional é de extrema importância garantir a transparência e a disponibilidade de informação suficiente para que os alunos e as suas famílias, por um lado, e as empresas, por outro, tomem as suas decisões num contexto de informação quase-completa. Neste domínio, deveriam reforçar-se os sistemas de monitorização e avaliação da adequação e qualidade dos programas, dos centros de formação e das empresas. Para a maioria dos entrevistados a orientação vocacional é um elemento fundamental para garantir a eficiência do sistema de ensino. As tendências vocacionais deveriam ser sinalizadas desde muito cedo, e não apenas no 9º ano. Na opinião de alguns, na orientação vocacional deveriam ser incluídas também as famílias. A relevância da orientação aumenta à medida que se reduzem as idades com que os alunos têm que tomar decisões que podem condicionar o seu futuro escolar. Por esse motivo, os alunos que pretendem seguir a via profissionalizante devem ser acompanhados pelos serviços de orientação vocacional, para assegurar a maturidade de leituras e a pertinência das escolhas, evitando erros com consequências indesejadas. Na opinião dos entrevistados ligados a entidades alemãs, a orientação profissional não deve ser responsabilidade das escolas, dado que deveria ser o mais neutral possível. O sistema atual cria incentivos perversos, dado que as escolas acabam por ter interesse em reter os alunos nas modalidades de ensino que oferecem. 139 Neste contexto, foram referidos, em várias ocasiões, os problemas derivados da dispersão populacional e empresarial. 140 Segundo referido por um dos participantes com uma longa experiência em formação profissional de inspiração dual, existem ciclos/processos de trabalho mais longos que o período semanal que corresponderia num modelo em alternância. 141 Outro argumento utilizado é a juventude de alguns dos alunos (14-15 anos), o que dificulta a sua integração no posto de trabalho. 135 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Quanto à permeabilidade do sistema, a maioria dos entrevistados não se manifestou. A opinião de alguns dos mais experientes é que a permeabilidade do sistema deve diminuir à medida que os alunos avançam. O sistema não deve ser garantista, ou seja, o aluno deve cumprir, em qualquer circunstância, os requisitos mínimos de acesso ao ensino superior. Alguns entrevistados referiram ainda que o sistema deve incluir a possibilidade de continuar na via profissional em cursos de nível 5 e 6, preferentemente em instituições de ensino superior politécnico. A maioria dos entrevistados considera que a qualificação do sistema de formação profissional implica atrair e formar bons alunos. Para tal é indispensável credibilizar e valorizar as vias profissionalizantes. As estratégias para atrair bons alunos para o sistema de formação profissional passam por racionalizar a oferta, tornando-a mais transparente, apresentar os cursos como uma alternativa para obter o nível secundário de educação, garantir a sua permeabilidade, permitindo o prosseguimento de estudos, e disseminar boas experiências e práticas de ensino profissional. Embora os entrevistados considerem que existe espaço para fazer progredir o sistema de formação profissional nos termos enunciados, avançaram também um conjunto de entraves que podem condicionar a sua reforma, em geral, e a sua dualização, em particular. Os entraves mais importantes advêm das características do sistema atual, das perceções sociais e da realidade económico-empresarial do país. Não obstante, existem outros de caráter regulamentar que podem ter impactos consideráveis no processo de reforma. Os condicionantes do atual sistema de ensino para a dualização da formação profissional são a dimensão do quadro docente das escolas e o enraizamento dos interesses instalados. O excesso de docentes no ensino secundário, resultante da dualização da formação profissional, teria importantes consequências políticas e sociais. Este tema foi um assunto recorrente nas entrevistas. Neste domínio, o entendimento da dimensão do excesso e da forma de o resolver difere significativamente entre entrevistados, dependendo da sua tipologia. Para os representantes do sector educativo, o excesso de docentes não será um problema tão grave, nomeadamente porque apenas afetaria uma parte do sistema, podendo ser encontradas soluções pontuais no seu âmbito. Para outros, nomeadamente para os entrevistados ligados ao sector empresarial, a generalização de um sistema de inspiração dual provocaria um excesso significativo de docentes, designadamente no ensino público. Para estes, as soluções variam entre reciclar professores para que desempenhassem tarefas docentes ou não docentes dentro do próprio sistema, até outras mais radicais, consistentes na reafectação dos 136 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal professores em outras áreas da função pública. Para os defensores desta reafectação na Administração Pública, a importância de dispor de um bom sistema de formação profissional para o país obriga a soluções drásticas. Outro aspeto com consequências no processo de dualização do atual sistema é a existência de importantes interesses instalados. No caso da aprendizagem, destacam-se os ligados aos fornecedores de serviços de educação. No caso da formação profissional privada, os das escolas profissionais, e no caso da pública, os interesses das escolas e dos professores. Ainda neste domínio, a existência de sistemas de formação profissional tutelados por ministérios diferentes não facilita o desmantelamento desses interesses, porque, em essência, os próprios ministérios têm certo interesse em manter o status quo atual, sob pena de perder capacidade de influência. Os entraves de natureza económico-empresarial apontados pelos participantes nas entrevistas são a reduzida dimensão das empresas e a escassa densidade empresarial em determinadas regiões do país. Estes entraves, que foram exaustivamente analisados na secção 4.4, podem ser muito condicionadores da dualização do sistema, nomeadamente pelas dificuldades das empresas pequenas em conciliar formação e atividade produtiva, e pelos problemas derivados da escassa densidade empresarial em determinadas zonas do país. Alguns entrevistados declararam, não obstante, que estes entraves podem ser ultrapassados, pelo menos parcialmente, implementando soluções já testadas noutros países. Para resolver os problemas da dimensão empresarial podem ser criados consórcios de empresas (ou outro tipo de acordos), que garantam a implementação da componente de formação em contexto de trabalho dos programas.142 Para a resolução dos problemas impostos pela baixa densidade empresarial em determinadas regiões deve promover-se uma cultura de mobilidade entre os mais jovens. Os entrevistados vinculados a entidades alemãs referiram, a este respeito, que onde não há empresas não pode haver formação profissional de inspiração dual. Um outro entrave com grande relevância relaciona-se com as perceções sociais e a imagem deste tipo de formação entre os jovens portugueses e as suas famílias. Para reduzir o estigma social associado à formação profissional em Portugal, segundo alguns dos entrevistados, dever-se-ia incrementar a qualidade dos programas e implementar políticas de comunicação e divulgação para mudar perceções. Para a melhoria da qualidade devem ser tomadas medidas em matéria de conteúdos, organização e funcionamento. No âmbito do sistema de 142 Segundo os representantes dos centros de formação de inspiração dual estas práticas são cada vez mais correntes em Portugal. 137 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal aprendizagem, a desvinculação do financiamento do número de formandos poderia ter um impacto muito significativo em termos de qualidade, dado que estes modelos de financiamento introduzem sempre incentivos perversos no sistema. A melhoria da imagem, que subjaz a alteração de perceções, passa pelo investimento na promoção do sistema e na divulgação de iniciativas bem-sucedidas no domínio da formação profissional.143 Neste sentido, seria também de extrema importância que a política de recrutamento das Administrações Públicas se tornasse mais abrangente e abrisse vagas destinadas a candidatos com os perfis profissionais deste tipo de cursos. Na opinião de muitos dos entrevistados, a estratégia de credibilização e valorização da formação profissional obriga a desenvolver iniciativas demonstrativas que criem dinâmicas de arrastamento. Essas iniciativas, para além de ter impactos no interior do sistema, podem ter impactos sociais mais vastos, com consequências sobre a imagem e as perceções sobre a formação profissional. Entre os entraves de caráter regulamentar, o mais importante é o alargamento da escolaridade obrigatória, dado que pode limitar a mobilidade dos jovens entre subsistemas. Outro aspeto, neste domínio, que pode ter um impacto significativo é a atribuição ou não de um subsídio aos alunos. Embora as opiniões a favor e contra desta possibilidade e em relação às suas consequências sejam muito diversas, todos concordaram que qualquer decisão deve ser alvo de uma avaliação prévia muito cuidadosa. Segundo os entrevistados que se pronunciaram sobre o assunto, a estratégia para reformar o sistema de formação profissional deve ser mobilizadora, realista e progressiva. Em primeiro lugar, deve conseguir-se o envolvimento e participação dos principais stakeholders. A mobilização passa também por promover as experiências de sucesso no domínio da formação profissional de inspiração dual, tais como a ATEC ou a DUAL, para fins de demostração e eventual reprodução. Em segundo lugar, devem estabelecer-se objetivos compatíveis com a capacidade instalada, a realidade económico-empresarial e o sistema de ensino. Por último, a progressividade na implementação é fundamental para evitar erros que tenham um custo reputacional sobre sistema. Convém introduzir as reformas de modo progressivo, dualizando o sistema em sectores com atividades claramente compatíveis com abordagens deste tipo e em regiões com realidades económico-empresariais que não condicionem a sua adoção. 143 Na opinião de vários dos entrevistados um passo importantíssimo neste domínio passaria por mudar as perceções a nível governamental e da Administração Pública. 138 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal De acordo com os peritos internacionais, esta estratégia de implementação é completamente adequada. Contudo, efetuaram duas matizações relevantes: - O envolvimento dos parceiros tem que ser efetivo, ou seja, devem ter tarefas e responsabilidade atribuídas; - O processo de dualização deve começar por sectores em que seja possível antecipar a existência de um equilíbrio entre os recursos destinados a formação e o seu retorno efetivo. Por último, a maioria dos participantes referiram que a reforma do sistema com objetivos dualizadores não será conseguida sem vontade e força política. Não obstante, esta condição não será suficiente se não houver um processo de concertação entre todos os sectores interessados na formação profissional em Portugal, que permita consolidar acordos em várias matérias, sem os quais o sistema continuará a reproduzir os problemas atuais. O desenvolvimento de um quadro legal adequado é absolutamente fundamental. 139 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 140 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Capítulo 7 – Conclusões e Recomendações 141 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Conclusões e recomendações Neste estudo foi efetuada uma análise do sistema dual alemão de formação profissional e da conjuntura do sistema de formação profissional em Portugal. Foram também estudadas as experiências e os entraves e dificuldades da transferência do sistema dual alemão para outros contextos. Foram ainda revistos os aspetos chave de um processo de transferência deste tipo, assim como os elementos comuns dos sistemas de formação bem-sucedidos. O estudo apresenta também as experiências de três iniciativas que, em Portugal, estão a oferecer programas de formação profissional de base dual com resultados extremamente positivos. Por último, neste relatório sistematiza-se a opinião de um conjunto de stakeholders, direta ou indiretamente relacionados com a formação profissional, sobre a situação do sistema em Portugal e sobre uma eventual reforma do mesmo de inspiração dual. As principais conclusões do estudo, assentes nas revisões efetuadas e nos resultados da aplicação das várias metodologias, sintetizam-se nos seguintes pontos: 1. A formação dual alemã é um sistema de formação profissional em alternância com um forte envolvimento das empresas e de outros agentes sociais e institucionais. Tem como objetivo dotar os trabalhadores de habilidades, conhecimentos e competências suficientes para desenvolver uma profissão qualificada. 2. Vários países Centro-europeus têm sistemas muito similares, nomeadamente a Áustria, a Dinamarca e a Suíça, com elevadas taxas de participação dos jovens. Nos últimos anos, vários países da UE implementaram experiências piloto para explorar as potencialidades do sistema e avaliar as possibilidades de adaptação às suas realidades nacionais. 3. Desde 2011, o governo alemão tem mostrado disponibilidade para apoiar o governo português na realização de reformas no domínio da formação profissional. Nesse período tem sido ventilada a possibilidade de transferir a experiência alemã em matéria de formação profissional, nomeadamente da modalidade dual, para o sistema de formação profissional português. 4. O sistema dual alemão tem como caraterística diferencial, face aos sistemas de formação profissional de outros países, a forte cooperação existente entre a administração central, as administrações regionais e locais, os parceiros sociais, as Câmaras de Comércio e Indústria e as empresas. Trata-se de um sistema extremamente regulado. 142 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 5. As empresas têm um papel destacado na formação profissional dual. São responsáveis pela admissão do aprendiz no sistema e pela sua formação em contexto de trabalho, suportando ainda os custos correspondentes. As empresas são também responsáveis pela definição da oferta de vagas dos programas do sistema dual. 6. Nos programas convencionais de ensino dual, o tempo dedicado pelos estudantes à componente de formação em contexto de trabalho é de 3 ou 4 dias por semana. O plano de trabalhos correspondente à componente de formação em contexto de trabalho rege-se pelos regulamentos em vigor para cada tipo de programa/profissão do catálogo do sistema. A componente de formação em contexto de trabalho complementa-se com o ensino em contexto escolar nas escolas vocacionais. Em média, os estudantes dedicam à sua formação nestas escolas entre 1 e 2 dias por semana, com uma carga letiva de cerca de 12 horas semanais. 7. As empresas suportam a totalidade dos custos associados à formação em contexto de trabalho, incluindo os salários dos formadores/tutores e os equipamentos, bem como a remuneração dos aprendizes. Regra geral, essa remuneração cresce anualmente até ao final do programa e, em média, corresponde a um terço do salário de um trabalhador qualificado da profissão em questão. Embora as empresas suportem a maior parte dos custos do sistema, o seu financiamento é partilhado pelas diferentes entidades intervenientes. 8. Em 2014, aproximadamente metade das novas inscrições no sistema alemão de formação profissional correspondeu a programas duais. No âmbito do sistema dual foram oferecidas quase 560.000 vagas, tendo o número de contratos formalizados pelas empresas com aprendizes ultrapassado os 520.000. Quase 60% dos novos contratos foram formalizados no sector industrial e comercial, algo mais de 25% em atividades manuais (crafts) e quase 15% em serviços públicos, serviços domésticos, na agricultura e em profissões liberais. 9. O sistema dual alemão oferece atualmente programas para cerca de 350 profissões diferentes. Dos 344 programas oferecidos em 2012, quase 75% tinham uma duração de entre 30 e 36 meses, algo mais de 15% de 42 meses e algo mais de 10% de entre 18 e 24 meses. Nos últimos anos, as três profissões/programas com maior número de contratos de aprendizagem pertencem a sectores comerciais e de serviços às 143 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal empresas (em escritórios): empregado de escritório da área comercial, vendedor e empregado de escritório. 10. Em 2011, dos 2,1 milhões de empresas alemãs à volta de 455.000 estiveram envolvidas em programas de formação, o que se traduz num rácio de participação de 21,7%. 83% das empresas formadoras participaram em programas de formação dual. Em 2012, aproximadamente 55% dos aprendizes foram contratados (estagiaram) por grandes e médias empresas, algo mais de um quarto por pequenas empresas e os restantes quase 20% por micro empresas. Em média, entre 2011 e 2013, 59% dos aprendizes que concluíram satisfatoriamente os programas duais foram contratados pela empresa onde desenvolveram a sua formação. 11. Em 2012, a remuneração média mensal de um aprendiz foi de €737. Em termos médios, um aprendiz recebeu mensalmente €664 no primeiro ano de formação, €731 no segundo, €812 no terceiro e €851 no quarto. No ano académico 2012-2013, os custos brutos médios por aprendiz do sistema dual foram de €17.933, enquanto os seus retornos médios atingiram os €12.535. Os custos líquidos por aprendiz para as empresas participantes foram de €5.398. 12. O sistema dual alemão apresenta diversas vantagens. Para os alunos, especialmente para aqueles que não tencionam prosseguir estudos, o sistema permite-lhes obter um grau académico seguindo um programa com uma forte orientação prática, recebendo uma remuneração, bem como melhorar as suas oportunidades de inserção no mercado de trabalho. O sistema dual permite às empresas: i) minimizar o risco de escassez de mão-de-obra especializada; ii) reduzir os custos de integração dos recémcontratados; iii) fidelizar os aprendizes à empresa; e, iv) melhorar os processos de recrutamento e seleção, dado que se reduz o gap informacional entre a empresa e o candidato-trabalhador. 13. Apesar das suas reconhecidas virtudes, o sistema dual alemão apresenta um conjunto de problemas, alguns dos quais têm-se agudizado nos últimos anos, nomeadamente: i) a escassez de vagas para aprendizes nas empresas; ii) a grande variabilidade da qualidade da orientação vocacional/profissional; iii) o menosprezo pela aquisição de conhecimentos académicos e a escassa preparação do sistema para avaliá-los; iv) o desincentivo ao empenho dos estudantes na componente escolar; v) as grandes assimetrias em termos de reconhecimento dos programas; vi) a escassa capacidade de 144 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal reação do sistema perante o surgimento de novas ocupações; e, vii) a dificuldade das empresas de menor dimensão para cumprir a componente de formação em contexto de trabalho de alguns programas. 14. O sistema educativo português é constituído por cinco níveis hierarquizados: i) a educação pré-escolar; ii) o ensino básico; iii) o ensino secundário; iv) o ensino póssecundário não superior; e, v) o ensino superior. O ensino secundário compreende um conjunto de vias consideradas principais: i) os cursos científico-humanísticos; ii) os cursos com planos próprios; iii) os cursos artísticos especializados; iv) os cursos profissionais; v) o ensino secundário recorrente; e, vi) os cursos vocacionais. Adicionalmente existe uma oferta no âmbito do sistema de aprendizagem, tutelado pelo IEFP. Acrescem ainda outras ofertas com menor expressão, tais como os cursos de educação e formação ou outras iniciativas orientadas para a educação e formação de adultos, designadamente os cursos EFA, as formações modulares e os processos RVCC. 15. Em Portugal, o regime mais próximo do sistema dual alemão de formação profissional é o sistema de aprendizagem, criado em 1984. Este sistema surgiu como uma alternativa ao sistema de formação tradicional, com a finalidade de apoiar a qualificação e certificação dos jovens que, por diversos motivos, abandonavam precocemente o sistema de ensino. 16. Para além do sistema de aprendizagem, no sistema educativo português, existem um conjunto de modalidades com uma orientação profissionalizante. Em termos quantitativos, a mais relevante são os cursos profissionais, ligados desde o seu lançamento às escolas profissionais, criadas em 1989. As escolas profissionais tiveram o monopólio dos cursos profissionais até ao ano académico 2004-2005, dado que nesse ano passaram a ser oferecidos também nas escolas secundárias públicas. 17. A expansão dos cursos profissionais alterou a orientação do ensino secundário português. Na última década, o peso dos cursos profissionais no ensino secundário tem vindo a aumentar sistematicamente, até atingir quase 30% dos alunos inscritos em 2013, face aos 9% de 2003. 18. O crescimento do ensino profissionalizante, nomeadamente dos cursos profissionais, foi impulsionado pelas condições de oferta e não tanto pela procura real. A expansão da oferta não respondeu a num interesse real em promover a formação profissional; a 145 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal promoção desta via no ensino público foi uma forma de alterar a realidade do sector educativo, aproximando-a artificialmente dos padrões de alguns países europeus. 19. No ano académico 2012-2013, as principais modalidades de ensino profissionalizante, os cursos profissionais e os cursos de aprendizagem, representavam mais de 95% do total. Nesse ano, o peso conjunto dos alunos matriculados nessas modalidades no universo do ensino secundário aproximou-se dos 38%. 20. O atual sistema de formação profissional português é complexo, existindo zonas de sobreposição que tornam difícil as escolhas dos alunos e as leituras das empresas. O sistema caracteriza-se também pela diversidade de programas e currículos. A oferta de cursos encontra-se parcialmente desligada das necessidades do mercado de trabalho e responde a outras lógicas, na maioria dos casos, relacionadas com a capacidade instalada nas escolas. 21. O sistema de formação profissional português apresenta numa fraca ligação ao tecido empresarial, em parte pela falta de predisposição das empresas para acolher alunos, mas também pela falta de cultura de colaboração dos agentes do sector educativo. O envolvimento das empresas noutras dimensões, tais como a monitorização do mercado de trabalho ou a elaboração dos programas é marginal. 22. Existe uma profunda estigmatização do ensino profissional em Portugal derivada das representações sociais dominantes na sociedade portuguesa, da origem e história dos cursos profissionalizantes e de questões relacionadas com os diferenciais de remuneração. Apesar da vigência desse estigma social, nos últimos tempos, tem-se assistido a uma mudança de perceção sobre estas modalidades de ensino. 23. A formação profissional de nível secundário desempenha um papel de grande relevo em alguns países europeus, quer em termos educativos quer em termos de preparação para enfrentar o mercado de trabalho. A capacidade dos sistemas de formação profissional dual, especialmente do alemão, para elevar os níveis gerais de educação e garantir a inserção dos jovens no mercado de trabalho tem despertado o interesse de governos de diversos países, que procuram incorporar alguns dos seus princípios às suas próprias realidades. 24. O governo português tem mostrado interesse em conhecer e transferir a experiência alemã para o país, incorporando uma ou várias modalidades duais no sistema de formação profissional nacional. A potencial incorporação de cursos de inspiração dual 146 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal pode ser uma boa oportunidade para reformar o sistema que aglutina as modalidades profissionalizantes, tornando-o mais simples, mais eficiente e mais orientado para o mercado. 25. Os principais argumentos para reformar o sistema de formação profissional em Portugal, aprofundando a dualização dos programas, são reduzir o atraso educativo (especialmente no nível secundário, 19% da população adulta face a 44% da OCDE) e o desemprego jovem do país (entre 32,5% e 37,5%, dependendo do nível de estudos). 26. O reduzido número de adultos com estudos secundários está relacionado, entre outros fatores, com: i) a elevada taxa de abandono escolar precoce que afetou o país durante décadas; ii) a presença marginal dos cursos de formação profissional no ensino público, até 2004; iii) a escassa atratividade dos cursos de formação profissional; iv) o elevado retorno da educação superior; e, v) os baixos salários dos técnicos médios pagos pelas empresas. 27. O elevado desemprego jovem associa-se, fundamentalmente: i) à queda dos níveis de atividade económica dos últimos anos (transversal); ii) à configuração institucional do mercado laboral português; e, iii) à organização do sistema de ensino e ao perfil do sistema de formação profissional. 28. Para além dessas motivações de amplo espetro, existem outras razões para reformar o sistema de formação profissional português, nomeadamente: i) o incremento da eficiência do sistema; ii) a melhoria do aproveitamento escolar e, portanto, a redução do insucesso; iii) a melhoria de transição dos alunos para o mercado do trabalho; iv) a adequação às necessidades do tecido empresarial; v) a melhoria do match entre oferta e procura de trabalho, e, inclusivamente; vi) a melhoria da sociedade portuguesa ou o futuro do País. 29. Nas últimas décadas, o sistema dual alemão tem sido alvo de várias tentativas de transferência em diversos países, contudo, em geral, os resultados obtidos têm ficado bastante aquém das expetativas iniciais. A dificuldade para transferir este sistema deriva da impossibilidade de replicar os seus alicerces e das diferenças no grau de aceitação do mesmo em termos sociais. Embora não seja possível importar diretamente o sistema alemão, algumas dimensões tais como o envolvimento das empresas, a concertação entre agentes sociais e institucionais, a estandardização de 147 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal programas ou a certificação podem ser alvo de uma transferência adaptada, tendo em consideração a realidade de destino. 30. Ainda que na realidade não exista um sistema de formação profissional modelo, na literatura académica e técnica tem havido a preocupação de sistematizar um conjunto de aspetos-chave, partilhados pelos sistemas com melhores resultados. Uma reforma abrangente e profunda de um sistema de formação profissional deverá tê-los em consideração para evitar eventuais erros que condicionem os objetivos traçados e os resultados esperados. Das conclusões do estudo resulta que embora não seja possível transferir o sistema dual alemão diretamente, uma eventual reforma do sistema de formação profissional em Portugal poderia incorporar alguns dos seus princípios e abordagens. Atendendo ao nível de maturidade do atual sistema, a questões culturais, ao enraizamento dos interesses instalados e às especificidades económico-empresariais do país, uma proposta de migração completa do sistema vigente para um de inspiração dual é completamente irrealista. A eventual reforma do sistema de formação profissional, assente na adoção de princípios duais, poderia ser afrontada de duas formas. A primeira consiste em dualizar a oferta atual, promovendo uma maior participação empresarial, sobretudo ao nível da oferta de estágios, e aumentando o peso da componente de formação em contexto de trabalho. A experiência dos últimos anos revela que apesar das boas intenções neste domínio, sem mudanças estruturais na configuração e filosofia do sistema, os resultados efetivos ficam muito aquém dos inicialmente esperados. A segunda consiste em permitir a convivência de um sistema baseado na escola, nos moldes atuais, com um sistema dual adaptado à realidade portuguesa, criado a partir de modalidades atualmente em funcionamento. Atendendo à informação qualitativa proporcionada pelos stakeholders e os peritos participantes no estudo esta poderia ser a melhor forma de avançar na dualização do sistema de formação profissional em Portugal. Algumas experiências consolidadas nos últimos anos, tais como as que protagonizam os estudos de caso, confirmam os bons resultados dos programas de base dual em Portugal, bem como as suas vantagens para os diversos agentes envolvidos. Com independência de qual for a opção adotada para dualizar o sistema, existem um conjunto de recomendações, baseadas na literatura internacional e nas diversas perspetivas obtidas no âmbito deste estudo, que deveriam servir para informar decisões de política pública nesta 148 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal matéria. Note-se que, embora as recomendações tenham caráter geral, têm uma aplicação mais direta no caso da criação de um sistema de base dual que conviva/compita com o sistema baseado na escola, atualmente em funcionamento. Concretamente, as principais recomendações a reter no âmbito de uma reforma do sistema de formação profissional em Portugal são as seguintes: 1. Assegurar o acordo prévio entre as esferas educativa e laboral, sobretudo a nível da administração, para garantir a convergência dos sistemas de educação e formação e de aprendizagem; 2. Aprovar um quadro institucional e regulamentar sólido e estável, que defina o enquadramento institucional e as condições legais de funcionamento dos programas; 3. Promover um amplo consenso dos agentes envolvidos: sistema educativo (dirigentes educativos, professores), alunos, associações empresariais e empresas, sindicatos e administração. Na configuração final do sistema devem estar claramente definidas as responsabilidades das várias partes envolvidas; 4. Garantir um elevado grau de compromisso da administração para promover o entendimento entre os diferentes parceiros envolvidos, bem como para impulsionar e consolidar plataformas de colaboração bidirecional, que permitam a operacionalização do sistema (fundamentalmente entre empresas e escolas e centros de formação profissional), mediante a integração de trabalhadores com perfis profissionais vocacionados para a organização e gestão do relacionamento entre as partes; 5. Assegurar um forte compromisso das empresas, isoladamente e através das associações empresariais, quer em termos organizacionais quer em termos financeiros. O apoio das empresas na elaboração de programas, na oferta de estágios de qualidade, no apoio aos formandos e no compromisso geral com o sistema são elementos chave para o seu sucesso. Deve ser efetuado um trabalho de pedagogia junto das empresas para que interiorizem a sua responsabilidade em matéria de formação e assimilem os benefícios privados e sociais do seu envolvimento em programas de base dual; 6. Promover alguma concorrência entre fornecedores de formação (escolas e centros de formação), ligando uma proporção (reduzida) do seu financiamento aos resultados obtidos. Deve, sempre que possível, desligar-se o financiamento dos fornecedores de 149 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal formação do número de alunos, para evitar incentivos perversos nos resultados escolares; 7. Criar um sistema de incentivos que mobilize todas as partes envolvidas, tais como reduções nos descontos para a Segurança Social e concessões de benefícios fiscais para as empresas; financiamento adicional e melhores condições para as escolas públicas e os centros de formação profissional com maior grau de envolvimento e proatividade; remunerações moderadas para os alunos, ligando-as aos resultados das avaliações periódicas; 8. Unificar e reformar os mecanismos de acompanhamento do mercado de trabalho; a identificação de perfis profissionais com procura em horizontes temporais de médio prazo, tanto novos como existentes é fundamental para garantir o sucesso do sistema; o envolvimento de empresas e associações empresariais, assim como a utilização de uma metodologia de monitorização adequada são absolutamente cruciais; 9. Estabelecer mecanismos de controlo de qualidade e avaliação, geridos por um organismo independente, que incidam sobre a configuração e o funcionamento do sistema. Concretamente, os fornecedores de formação e as empresas devem ser alvo de apertados controlos de qualidade, os programas devem ser avaliados ex-ante e durante o seu funcionamento e a formação em contexto de trabalho e a avaliação dos alunos devem ser objeto de monitorização e avaliação permanente por parte das entidades da tutela; 10. Assumir uma orientação pró-mercado e pró-qualidade que garanta o encerramento de programas por desajustamento com o mercado ou falta de qualidade, quer dos próprios programas quer dos parceiros envolvidos nos mesmos (escolas, centros de formação ou empresas). Em algumas áreas devem existir exceções ao princípio da orientação pró-mercado; 11. Melhorar a flexibilidade do sistema, de modo a que incorpore com rapidez as tendências do mercado, sem descurar outras dimensões que devem orientar também a oferta de programas e os conteúdos dos currículos; 12. Garantir níveis de financiamento suficientes que permitam dispor de material e tecnologia apropriados e de docentes e tutores com elevados níveis de formação. O financiamento do sistema deve permitir ultrapassar os problemas derivados das características económico-empresariais da economia portuguesa, por exemplo, 150 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal garantindo a formação de consórcios de PMEs e assegurando a mobilidade dos formandos em zonas de baixa densidade. No domínio do financiamento é de grande importância mobilizar recursos privados que complementem os recursos públicos disponíveis; 13. Reforçar os sistemas de informação e orientação profissional. Nestes sistemas devem ser envolvidos, para além dos alunos, os responsáveis de educação, nomeadamente para fins informativos; 14. Separar os cursos vocacionais dos cursos de formação profissional. Os cursos vocacionais, nos moldes atuais, estão condenados ao fracasso. Os alunos com problemas de desempenho devem ser alvo de medidas de acompanhamento e apoio escolar, que lhes permitam concluir, pelo menos, o 9º ano de escolaridade. 15. Otimizar a oferta de cursos e assegurar que existe homogeneidade nos programas de formação que correspondem aos mesmos perfis profissionais. Neste sentido, é necessário centralizar a elaboração dos programas e a definição de conteúdos, assegurando a participação de todos intervenientes no sistema. Os programas devem fornecer tanto competências específicas como competências transferíveis, que possam ser utilizadas pelos formandos em postos de trabalho com perfis profissionais diferentes do que corresponde ao programa; 16. Garantir que os conteúdos da componente escolar são suficientes para o perfil profissional em causa e para o prosseguimento de estudo, no seu caso; 17. Em termos operacionais, separar as duas componentes de formação. A formação em contexto de trabalho deve acontecer depois da formação escolar, por questões do foro organizativo tanto nas escolas e centros de formação como nas empresas; 18. Assegurar que os alunos cumprem requisitos mínimos de acesso e que os processos de seleção são rigorosos. A qualidade dos alunos é uma condição sine qua non para o sucesso do sistema; 19. Reforçar a certificação dos conhecimentos, habilidades e competências adquiridos, tanto na componente escolar como na componente de formação em contexto de trabalho. O fortalecimento dos processos de certificação contribuirá para incrementar o valor das qualificações profissionais no mercado de trabalho; 151 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 20. Criar incentivos para que os professores do ensino secundário se envolvam ativamente nos cursos de formação profissional de base dual; 21. Promover e desenvolver a figura do tutor nas empresas; diferenciar estes trabalhadores do resto em termos remuneratórios, com o apoio do estado; 22. Facilitar a permeabilidade do sistema, tanto horizontal como vertical. Neste último caso é especialmente importante garantir vias de acesso ao ensino superior, sempre que garantidos os requisitos de acesso para evitar situações de falta de equidade face aos cursos gerais para prosseguimento de estudos; 23. Reforçar a oferta de cursos de ensino secundário não terciário e garantir uma oferta razoável de cursos superiores de caráter aplicado, em áreas como a engenharia técnica, extrapolando princípios e experiências bem-sucedidas no domínio do ensino dual superior, como por exemplo a da Suíça; 24. Apoiar experiências de formação profissional dual de caráter demonstrativo, preferentemente já instaladas, em locais do país com tecidos empresariais suficientemente densos; 25. Efetuar um acompanhamento permanente dessas iniciativas para garantir o seu sucesso. Os bons resultados dessas experiências darão origem a efeitos arrastamento noutros sectores e noutras regiões do país; 26. Desenvolver uma campanha promocional intensa e abrangente em meios de comunicação e nas redes sociais (mais barata e com maior reach no público-alvo) para contrariar o estigma social associado à formação profissional e difundir as vantagens do sistema em termos formativos e de empregabilidade. Convém difundir também o sucesso do sistema à medida que vai sendo implementado. 152 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Referências 153 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Referências Acemoglu, D. e J. Pischke (1998), “Why do Firms Train?”, The Quarterly Journal of Economics, 113: 79-119. Antunes, F. (2004), Políticas Educativas Nacionais e Globalização. Novas Instituições e Processos Educativos. 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As idades de acesso são 13 anos, no caso do 2º ciclo do ensino básico, ou 15 anos, no caso do 3º ciclo. Em termos de certificação os PCA atribuem um certificado de conclusão do ano escolar e permitem o prosseguimento de estudos, embora os alunos que optem pela via regular devam realizar as correspondentes provas de final de ciclo. Está previsto que este tipo de programas venha a ser extinto a curto prazo, dado que se trata de uma medida temporária e excecional, que apenas deve ser utilizada em ausência ou depois de esgotar outras alternativas, nomeadamente os cursos vocacionais. Programa Integrado de Educação e Formação (PIEF) – Básico O programa integrado de educação e formação (PIEF) foi especialmente formulado para evitar o abandono escolar precoce de jovens com 15 ou mais anos, com percursos marcados por várias retenções (três no mínimo) e dificuldades de inserção no meio escolar.145 A conclusão da escolaridade obrigatória num percurso PIEF facilita o acesso a propostas educativas e formativas de dupla certificação (escolar e profissional) ou de certificação profissional, promovidas por entidades tuteladas pelo Ministério de Educação e Ciência ou pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional. Competências Básicas – Básico A formação em competências básicas (FCB), enquadrada no nível básico de ensino, destina-se a adultos de idade igual ou superior a 18 anos, sem habilitações ao nível do 4º ano de escolaridade ou que embora tenham concluído o 1º ciclo não tenham adquirido competências básicas de leitura, escrita e cálculo.146 O programa possui uma duração variável de entre 150 a 300 horas e garante uma certificação para efeitos de frequência de cursos EFA (B1 ou B1 e B2) ou Processos de RVCC de nível básico. 144 Regulamentados, inicialmente, pelo Despacho Normativo n.º 1/2006 de 6 de janeiro, posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 139/2012 de 5 de julho, alterado, pela sua vez, pelo Decreto-Lei n.º 91/2013 de 10 de julho. 145 Decreto-Lei n.º 139/2012 de 5 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 91/2013 de 10 de julho. 146 Portaria n.º 1100/2010, de 22 de outubro, alterada pela Portaria n.º 216-C/2012, de 18 de julho. 161 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Cursos de Educação e Formação (CEF) – Básico e Secundário Os cursos de educação e formação (CEF) foram inicialmente criados para colmatar o risco de abandono no ensino básico (sem conclusão do 9º ano) de jovens de entre 15 e 18 anos.147 Posteriormente, foram reestruturados com a finalidade de resolver problemas semelhantes no nível secundário de ensino.148 O grupo alvo dos novos CEF passaram a ser tanto jovens com idade igual ou superior a 15 anos em risco de abandono, como jovens que após a conclusão do 12º ano de escolaridade visem qualificar-se profissionalmente para iniciar uma atividade laboral. Dado que os cursos de educação e formação podem aceitar candidatos com habilitações muito diversas, que podem variar entre níveis de escolaridade mínima, inferior ao 6º ano, e o ensino secundário, estes cursos apresentam sete tipologias diferentes. As diferentes tipologias de cursos de educação e formação apresentam durações (entre um e dois anos) e percursos formativos diferentes. Desta forma, os cursos de educação e formação tipo 1 conferem qualificação de nível 1 (CEF tipo 1), os cursos de educação e formação tipos 2, 3 e 4 e o curso de formação complementar conferem qualificação nível 2 e os cursos de educação e formação tipos 5, 6 e 7 conferem qualificação nível 4. Com independência da sua tipologia, os cursos de educação e formação possuem uma componente formativa sociocultural, científica, tecnológica e prática e podem ser oferecidos em instituições do ensino público e particular, centros de formação profissional do IEFP e entidades formadoras devidamente acreditadas. Cursos de Educação e Formação de Adultos (EFA) – Básico e Secundário Os cursos de educação e formação de adultos (EFA)149 oferecem formação de dupla certificação a adultos com idade superior a 18 anos e simultaneamente: i) não qualificados ou sem qualificação que lhes permita integrar o mercado de trabalho; ii) que não tenham concluído o ensino básico ou secundário; iii) ativos ou desempregados; iv) com inscrição válida nos centros de emprego; v) ou referenciados nomeadamente por “empresas, ministérios e sindicatos”. Os cursos EFA de nível secundário e em regime diurno aceitam unicamente candidatos com mais de 23 anos (inclusive). Estes cursos garantem uma certificação escolar correspondente aos 4.º, 6.º, 9.º ou 12.º anos de escolaridade e qualificação profissional correspondente aos níveis 2 ou 4.150 147 Despacho Conjunto n.º 123/97, de 16 de junho. Despacho Conjunto n.º 453/2004, de 27 de julho. 149 Portaria n.º 230/208, de 7 de março, alterada pela Portaria n.º 283/2011, de 24 de outubro. 150 Em determinados casos, dependendo do perfil do aluno, podem fornecer unicamente certificação escolar. 148 162 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Formações Modulares – Básico e Secundário A Formação Modular Certificada (FMC)151 prevê a formação contínua de adultos ativos com idade superior a 18 anos, que não tenham concluído o ensino básico ou secundário e não possuam qualificações adequadas à sua (re) integração ou progressão no mercado laboral. Nas formações modulares, os percursos formativos são desenvolvidos através da frequência de Unidades de Formação de Curta Duração (UFCD), correspondentes a módulos que variam entre 25 e 50 horas e integram os referenciais de formação do Catálogo Nacional de Qualificações (CNQ). Os cursos efetuados através de UFCD podem variar entre as 25 e as 600 horas de formação e conferem certificação escolar (ao nível do ensino básico ou secundário) e profissional (níveis 2 e 4 de qualificação, respetivamente). Em cursos baseados em UFCD com duração superior a 300 horas, um terço das UFCD devem integrar a componente de formação de base do respetivo referencial. No caso de que a formação modular permita obter uma qualificação inserida no Catálogo Nacional de Qualificações, as UFCD devem ser validadas por uma Comissão Técnica habilitada para o efeito, em exercício nos Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional (CQEP). Este tipo de formações permitem o prosseguimento de estudos superiores, sempre que cumpridos os requisitos legais em vigor. Processos de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) – Básico e Secundário Os processos Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) destinam-se a adultos entre os 18 e os 23 anos (inclusive), empregados ou desempregados, que precisem obter ou reforçar os conhecimentos e competências adquiridos ao longo da vida em situações formais, não formais ou informais de aprendizagem. Para poder aderir a estes processos é fundamental que os candidatos possuam no mínimo 3 anos de experiência profissional. Os processos RVCC desenvolvem-se atualmente em Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional (CQEP).152 Estes processos estão organizados através de um sistema flexível de horários e duração e oferecem aos adultos a possibilidade de enveredarem por um RVCC escolar, profissional ou ambos em simultâneo. 151 152 Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 91/2013, de 10 de julho. Portaria n.º 135-A/2013, de 28 de março. 163 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Vida Ativa A Medida Vida Ativa – Emprego Qualificado153 criou-se com a finalidade de potenciar a (re) integração laboral de jovens e adultos desempregados (independentemente do seu nível de escolarização), inscritos nos Centros de Emprego do IEFP há pelo menos 6 meses e beneficiários ou não de apoios sociais, mediante a aquisição ou o reforço de competências (tecnológicas, gerais e específicas, pessoais e empreendedoras). Desenvolvida através de percursos de formação modular, formação prática em contexto laboral ou processos RVCC, abrange inclusivamente licenciados desempregados, que careçam de formação adequada para serem integrados no mercado de trabalho atual. A formação associada à Vida Ativa organiza-se preferencialmente em regime laboral e com uma carga semanal não superior a 28 horas, sendo obrigatório que durante o período formativo os formandos procurem emprego ativamente. A formação poderá decorrer em centros de emprego e centros de formação do IEFP, escolas públicas e privadas, outras entidades devidamente acreditadas e, inclusivamente, em instituições de ensino superior. O tipo de certificação varia em função dos cursos, podendo incluir a atribuição de um certificado de qualificações ou de um certificado de formação profissional. Vias de conclusão do nível secundário de educação – Secundário Estas vias de conclusão estão disponíveis para adultos com 18 ou mais anos que frequentaram (sem concluir) cursos cientifico-humanísticos ou profissionais entre os anos letivos 1972/73 e 2003/04.154 Dado que os planos de estudo frequentados foram extintos, as vias de conclusão do nível secundário possibilitam a permuta de um máximo de 6 unidades curriculares, através da submissão aos exames das disciplinas dos cursos atuais (da mesma tipologia) ou da frequência de unidades de formação de curta duração (UFCD). Cursos Tecnológicos – Secundário Os cursos tecnológicos (CT), criados em 1990, integraram o ensino secundário regular juntamente com os cursos científico-humanísticos. Estes cursos têm sido gradualmente substituídos pelos cursos profissionais introduzidos nas escolas públicas, o que se traduz num número decrescente de alunos desde o ano académico 2004-2005, em que tinham quase 60.000 alunos inscritos. Estes cursos, com uma duração de 3 anos (correspondentes aos 10º, 11º e 12º anos de escolaridade), conferem um diploma de conclusão do ensino secundário a par de uma qualificação profissional de nível 3. No ano letivo de 2013-2014, os CT deixaram de admitir novas matrículas, não obstante estes programas continuarem a ter alunos inscritos (perto de 6.000 em 2012-2013). 153 Portaria n.º 203/2013, de 17 de junho. Decreto-Lei n.º 357/2007, de 29 de outubro, retificado pela Declaração de Retificação n.º 117/2007, de 28 de dezembro. 154 164 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Anexo II Indicadores de definição dos níveis do Quadro Europeu de Qualificações (QEQ) Níveis Conhecimentos Aptidões Nível 1 Resultados de aprendizagem correspondentes ao Nível 1 Nível 2 Resultados de aprendizagem correspondentes ao Nível 2 Nível 3 Resultados de aprendizagem correspondentes ao Nível 3 Nível 4 Resultados de aprendizagem correspondentes ao Nível 4 Nível 5 Resultados de aprendizagem correspondentes ao Nível 5 Nível 6 Resultados de aprendizagem correspondentes ao Nível 6 Conhecimentos gerais básicos Conhecimentos factuais básicos numa área de trabalho ou de estudo Conhecimentos de factos, princípios, processos e conceitos gerais numa área de estudo ou de trabalho Aptidões básicas necessárias à realização de tarefas simples Aptidões cognitivas e práticas básicas necessárias para a aplicação da informação adequada à realização de tarefas e à resolução de problemas coerentes por meio de regras e instrumentos simples Uma gama de aptidões cognitivas e práticas necessárias para a realização de tarefas e a resolução de problemas através da seleção e aplicação de métodos, instrumentos, materiais e informações básicas Competência Trabalhar ou estudar sob supervisão direta num contexto estruturado Trabalhar ou estudar sob supervisão, com um certo grau de autonomia Assumir responsabilidades para executar tarefas numa área de estudo ou de trabalho. Adaptar o seu comportamento às circunstâncias para a resolução de problemas Conhecimentos factuais e teóricos em contextos alargados numa área de estudo ou de trabalho Uma gama de aptidões cognitivas e práticas necessárias para conceber soluções para problemas específicos numa área de estudo ou de trabalho Gerir a própria atividade no quadro das orientações estabelecidas em contextos de estudo ou de trabalho, geralmente previsíveis, mas suscetíveis de alteração. Supervisionar as atividades de rotina de terceiros, assumindo determinadas responsabilidades em matéria de avaliação e melhoria das atividades em contextos de estudo ou de trabalho Conhecimentos abrangentes, especializados, factuais e teóricos numa determinada área de estudo ou de trabalho e consciência dos limites desses conhecimentos Uma gama abrangente de aptidões cognitivas e práticas necessárias para conceber soluções criativas para problemas abstratos Gerir e supervisionar em contexto de estudo ou de trabalho, sujeitos a alterações imprevisíveis. Rever e desenvolver o seu desempenho e o de terceiros Aptidões avançadas que revelam a mestria e a inovação necessárias à resolução de problemas complexos e imprevisíveis numa área especializada de estudo ou de trabalho Gerir atividades ou projetos técnicos ou profissionais complexos, assumindo a responsabilidade da tomada de decisões em contextos de estudo ou de trabalho imprevisíveis. Assumir responsabilidades em matéria de gestão e desenvolvimento profissional individual e coletivo Conhecimento aprofundado de uma determinada área de estudo ou de trabalho que implica uma compreensão crítica de teorias e princípios 165 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Indicadores de definição dos níveis do Quadro Europeu de Qualificações [QEQ) (Cont.) Níveis Nível 7 Resultados de aprendizagem correspondentes ao Nível 7 Nível 8 Resultados de aprendizagem correspondentes ao Nível 8 Conhecimentos Aptidões Competência Conhecimentos altamente especializados, alguns dos quais se encontram na vanguarda do conhecimento numa determinada área de estudo ou de trabalho, que sustentam a capacidade de reflexão original e/ou investigação. Consciência crítica das questões relativas aos conhecimentos numa área ou nas interligações entre várias Aptidões especializadas para a resolução de problemas em matéria de investigação e/ou inovação para desenvolver novos conhecimentos e procedimentos e integrar os conhecimentos de diferentes áreas Gerir e transformar contextos de estudo ou de trabalho complexos, imprevisíveis e que exigem abordagens estratégicas novas. Assumir responsabilidades por forma a contribuir para os conhecimentos e as práticas profissionais e/ou para rever o desempenho estratégico de equipas Conhecimentos de ponta na vanguarda de uma área de estudo ou de trabalhos e na interligação entre áreas As aptidões e as técnicas mais avançadas e especializadas, incluindo capacidade de síntese e de avaliação, necessárias para a resolução de problemas críticos na área da investigação e/ou inovação ou para o alargamento e a redefinição dos conhecimentos ou das práticas profissionais existentes Demonstrar um nível considerável de autoridade, inovação, autonomia, integridade científica ou profissional e assumir um firme compromisso no que diz respeito ao desenvolvimento de novas ideias ou novos processos na vanguarda de contextos de estudo ou de trabalho, inclusive em matéria de investigação Fonte: DG-EC (2008). 166 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Anexo III Memorando de Cooperação na Educação Vocacional e Profissional na Europa No âmbito de um Conselho de Ministros com os Ministros de alguns dos Estados-Membros da União Europeia, responsáveis pelos programas de educação e formação, celebrado em Berlim, nos dias 10 a 12 de dezembro de 2012, os ministros reunidos acordaram assinar um Memorando de Cooperação em Educação Vocacional e Profissional. Desta forma, os Ministros: 1. Pretendem contribuir para a redução do desemprego jovem e promover o emprego qualificado, assim como reforçar a competitividade através da realização de esforços para implementar um sistema de ensino profissional dual; 2. Concordaram que o sistema de educação profissional dual deve ser encarado como o modelo de ensino vocacional e profissional na Europa; 3. Realizarão esforços para aumentar a atração e a qualidade dos modelos de ensino vocacionais e profissionais; 4. Partilharam a opinião de que o ensino vocacional e profissional contribui consideravelmente para o desenvolvimento do mercado de trabalho e da educação europeus e traz benefícios para os sistemas de educação nacionais; 5. Concordaram nos esforços para a modernização do sistema de educação vocacional e profissional com o objetivo de apoiar novas formas de cooperação entre as empresas envolvidas através do ensino profissional dual; 6. Concordaram que o envolvimento de parceiros sociais e industriais é imprescindível para o bom funcionamento do modelo de ensino vocacional e profissional, indispensável para o mercado de trabalho; 7. Partilharam da perspetiva de que a cooperação transfronteiriça e a aprendizagem entre pares são fatores importantes para a modernização do ensino vocacional e profissional dos vários países, ao abrigo da estratégia europeia de aprendizagem ao longo da vida; 8. Consideraram que a iniciativa constitui uma contribuição essencial para estabelecer e implementar uma Aliança Europeia para a Aprendizagem, a qual foi anunciada pela Comissão Europeia para dar continuidade a este Memorando; 9. Concordaram em que devem focar-se em esforços que reúnam as seguintes cinco linhas de ação: - Aumentar a atração e a qualidade do ensino vocacional e profissional, Envolver os parceiros sociais e o sector privado como atores principais no desenvolvimento do ensino vocacional e profissional, Apoiar cada Estado-Membro na implementação do ensino vocacional e profissional, 167 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal - Aumentar a mobilidade no ensino vocacional e profissional como um contributo para o desenvolvimento de um mercado de trabalho e educacional europeu, - E, realizar esforços para a cooperação europeia no domínio do ensino vocacional e profissional, utilizando as estruturas e os programas europeus de ensino. 10. Concordaram que as seguintes atividades e objetivos têm de ser implementados a partir de 2013: - - - Estabelecer pelo menos 30 projetos piloto com o objetivo de criar ligações profissionais regionais entre as empresas, Provisionar 10 milhões de euros para financiar projetos pioneiros alemães que estabeleçam parcerias e colaborações entre empresas em países parceiros, Considerar o cofinanciamento entre os países parceiros para apoiar os próprios projetos, Desenvolver a rede EURES dentro de um contexto de estágios europeus e reforçar o programa “Your First EURES Job” de acordo com o orçamento disponível, Realizar, pelo menos, dez visitas de estudo nos campos de ação do Memorando em 2013/2014, Utilizar o programa do novo ensino europeu e os fundos sociais para a cooperação e a implementação do Memorando (a partir de 2014), Aumentar o número de participantes para 2.000 pessoas por ano, se possível, com origem em países parceiros, para que realizem longos períodos de formação na Alemanha (incluindo professores e formadores), ao abrigo dos programas europeus, Iniciar a parceria Leonardo da Vinci ou a transferência de projetos de inovação (através de seminários com os países parceiros), Identificar um grupo de profissionais em ensino vocacional e profissional em todos os países, incluindo um coordenador em cada caso, E, definir uma plataforma de cooperação para assegurar os desenvolvimentos futuros do desenvolvimento e cooperação e rever o progresso verificado no âmbito deste Memorando. Anexo – Campos de cooperação Os Ministros concordaram em reforçar a cooperação e a modernização do ensino vocacional e profissional na Europa. Serão desenvolvidas atividades conjuntas nas seguintes áreas com a finalidade de atingir esse objetivo, nomeadamente: 1. Tornar o ensino vocacional e profissional um ensino atrativo, de elevada preparação profissional, baseado nas necessidades do mercado de trabalho. 2. Envolver os parceiros sociais e o sector privado como intervenientes responsáveis pelo ensino vocacional e profissional. 3. Apoiar cada país parceiro na modernização do ensino vocacional e profissional. 168 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 4. Aumentar a mobilidade no ensino vocacional e profissional com a finalidade de promover o desenvolvimento do mercado de trabalho e educacional europeu. 5. Unir esforços para a cooperação europeia nos campos do ensino vocacional e profissional e fazer uso dos programas e estruturas da União Europeia. 169 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 170 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Anexo IV Esquema Comparativo dos Sistemas Educativos Português e Alemão 171 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Escolaridade Obrigatória (12 anos) Escolaridade Obrigatória (9 anos) Doutoramento [3 a 4 anos] Gymnasium Ensino Secundário [até 12º/13º ano] 3º Ciclo (7º - 9º Ano) Via Geral Realschule (5º - 10º ano) Grundschule Ensino Primário (1º - 4º ano) 172 [3 a 3,5 anos] 10º Ano 2º Ciclo (5º - 6º Ano) 1º Ciclo (1º - 4º Ano) [3 a 3,5 anos] Gymnasium Cursos Científico-Humanísticos Outras Vias (C. Artísticos Esp. …) Estágio [2,5 a 3 anos] Secundário (10º - 12º ano) - Estágio Formação Profissional [2 a 2,5 anos] Especialização Tecnológica [1 a 1,5 anos] Estágio Licenciatura [3 ou 4 anos] [2 a 2,5 anos] Estágio Mestrado [1,5 a 2 anos] Ensino Técnico Dual Hochschule Universidade [4 a 5 anos] 15 14 13 12 11 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 Alemanha Ensino Dual 20 19 18 17 16 15 14 13 12 11 10 9 8 7 6 Portugal Ensino Superior 21 20 19 18 17 16 Educação Secundária Tempo 26 25 24 23 22 21 Educação Básica Idade Figura AI – Esquema comparativo dos sistemas de educação e formação profissional em Portugal e na Alemanha, 2014 Hauptschule (5º - 9º ano) Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Anexo V Guião das Entrevistas Campus de Gualtar 4710-057 Braga – P Escola de Economia e Gestão Departamento de Economia Guião Entrevistas Semi-Estruturadas Estudo – POAT: Sistema Dual Alemão em Portugal Instituição/Projecto: ____________________________________________________________ Nome do Entrevistado: __________________________________________________________ Cargo/Responsabilidade: ________________________________________________________ Questões orientativas I. II. III. IV. V. VI. VII. VIII. IX. Daquilo que conhece, como avalia a situação atual, em Portugal, do ensino profissional, em geral, e do ensino profissional/vocacional dual, em particular? Considera que os vários desenvolvimentos legislativos dos últimos anos irão contribuir para a implementação/desenvolvimento efetiva/o de um sistema dual de ensino profissional/vocacional em Portugal? Quais são as principais limitações do regime jurídico do ensino profissional/dual proposto? Quais as principais vantagens? Considera que a abordagem dual à formação profissional proposta é a melhor forma de resolver os problemas de empregabilidade dos jovens portugueses, nomeadamente dos jovens com pior desempenho escolar? Considera que o sistema conseguirá atrair bons alunos, ultrapassando o estigma social associado à formação profissional? Considera que o sistema dota realmente os jovens das competências necessárias para enfrentar o mercado de trabalho (referência ao plano de estudos)? Qual a melhor forma de compatibilizar a nova oferta de ensino dual com a oferta do sistema de aprendizagem? Deveriam ambos os sistemas ser integrados? Em relação ao sistema de aprendizagem, tutelado pelo IEFP, quais considera serem as principais vantagens e os principais inconvenientes? Em termos gerais, com independência dos desenvolvimentos legislativos recentes, considera que a aproximação ao sistema dual baseada na escola é a mais adequada ou que esta deveria conviver com uma via dual a partir da empresa (onde houvesse 173 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal X. XI. XII. inclusivamente um contrato de trabalho de formação/aprendizagem entre as empresas e os alunos, configurando-se, desta forma, uma via mais próxima das do modelo alemão)? Em termos gerais, considera haver alguma vantagem na incoporporação de um sistema dual no sistema de educação e formação português? Quais? Que inconvenientes antevê que podem derivar de um sistema deste tipo? Quais considera que serão as principais dificuldades de implementação em Portugal? Quais as ameaças derivadas da implementação de um sistema como este para o -------? 174 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Anexo VI Listagem de Participantes nas Entrevistas Nome Prof. Dr. David Justino Entidade CNEDU – Conselho Nacional de Educação Responsabilidade Presidente Dra. Marina Peliz CNEDU – Conselho Nacional de Educação Assessora Técnica Dr. José Luís Presa ANESPO – Associação Nacional de Escolas Profissionais Presidente Dr. Adelino Calado ANDAEP – Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas Presidente da Mesa da Assembleia Geral Dra. Ana Paula Filipe IEFP – Instituto de Emprego e Formação Profissional Diretora Departamento de Formação Dra. Sandra Bernardo IEFP – Instituto de Emprego e Formação Profissional Diretora de Serviços de Qualificação Dr. Hans-Joachim Böhmer AHK – Câmara de Comércio e Indústria LusoAlemã Diretor Executivo Dr. António Marques CIP – Confederação Empresarial de Portugal Vice-Presidente do Conselho Geral; Vogal da Direção Dra. Margarida Gomes da Silva ATEC – Formação Profissional Administradora Técnica Dra. Cátia Rocha ATEC – Formação Profissional Responsável de Comunicação Institucional Dr. Elísio Silva DUAL-CCILA – Qualificação Profissional Diretor Geral Dr. Luís Caseiro Toyota Caetano Portugal Diretor de Formação 175 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal 176 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Anexo VII Listagem de Peritos Internacionais Participantes Nome Prof. Dr. Andreas Saniter Prof. Dr. Christian Sperle Id Entidade Responsabilidade Perito I Universidade de Bremen [Universität Bremen] Investigador do Instituto de Tecnologia e Educação [Institut Technik und Bildung (ITB)] Perito II Confederação Alemã de Atividades Manuais [Zentralverband des Deutschen Handwerks] Diretor da Unidade de Políticas Europeias de Educação e Formação Profissional e de Estratégias de Aprendizagem ao Longo da Vida Representante Alemão para a Formação Profissional em UEAPME 177 Sistema Dual Alemão de Formação Profissional – Incorporação em Portugal Núcleo de Investigação em Políticas Económicas – NIPE Escola de Economia e Gestão – EEG Universidade do Minho – UM Citação: Carballo-Cruz, F., Cadima Ribeiro, J. e R.B. Esteves (2015), O Sistema de Formação Profissional Dual Alemão: Determinação das Potencialidades e Entraves da sua Eventual Incorporação ao Sistema de Formação Profissional Português, Relatório Técnico para o Programa Operacional de Assistência Técnica do Fundo Social Europeu, Lisboa: POAT-FSE. 178