tr anç a do s e e
ntalhe s de N
ovo Airão
1
trançados e entalhes de Novo Airão
2 010
157
sala do artista popular
S A P museu de folclore edison carneiro
Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular
Iphan / Ministério da Cultura
2
Ministério da Cultura
Ministro: Juca Ferreira
REALIZAÇÃO
Associação de Amigos do Museu de
Folclore Edison Carneiro
Programa Mais Cultura
Presidente: Lygia Baptista Segala P. Beraba
Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional
Presidente: Luiz Fernando de Almeida
Apoio
Nov'Arte
Centro Nacional de Folclore e
Cultura Popular
Presidente: Simeão Anhape Bezerra
Diretora: Claudia Marcia Ferreira
Diretor Executivo: Jean-Daniel Vallotton
Presidente: Luciano Coutinho
NOV’ARTE
ASSOCIAÇÃO DOS ARTESÃOS
DE NOVO AIRÃO
realização
Depto. de Patrimônio Imaterial
Polo Trançados de fibras e entalhes em
madeira do RIo Negro (Novo Airão - AM)
Diretora: Márcia Sant’Anna
Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social
parceria institucional
e apoio financeiro
Coordenação técnica: Luciana Carvalho
Coordenação administrativa: Elizabete Vicari
Departamento de Patrimônio Imaterial
Parceria Institucional e
Apoio Financeiro
apoio
Programa de Promoção do Artesanato
de Tradição Cultural - Promoart
Fundação Almerinda Malaquias
Associação dos Artesãos de Novo Airão
Presidente: Erivaldo de Souza Olar
Sala do Artista Popular
S A P
157
2 0 1 0
sala do artista popular
museu de folclore edison carneiro
Responsável
Ricardo Gomes Lima
Equipe de Promoção e comercialização
Magnum Moreira, Marylia Dias e Sandra Pires
Pesquisa e Texto
Tatiana de Sá Freire Ferreira
Produção/promoart
Alexandre Pimentel
Edição e revisão de textos
Lucila Silva Telles
Ana Clara das Vestes
DIAGRAMAÇÃO
Maria Rita Horta e Lígia Melges
Fotografias
T772
Trançados e entalhes de Novo Airão / organização de
Tatiana de Sá Freire Ferreira. -- Rio de Janeiro :
IPHAN, CNFCP, 2010.
Ana Luiza de Abreu
32 p. : il. -- (Sala do Artista Popular ; n. 157).
projeto de montagem e
Produção da Mostra
Catálogo da exposição realizada no período de
ISSN 1414-3755
Luiz Carlos Ferreira
11 de março a 11 de abril de 2010
Produção de trilha sonora
1. Trançado – Amazonas. 2. Entalhe – Amazonas.
Alexandre Coelho
3. Novo Airão – Amazonas. I. Ferreira, Tatiana de Sá
Freire, org. II. Série.
CDU 746.7(811.3)
A Sala do Artista Popular, do Centro Nacional de Folclore e
Cultura Popular/CNFCP, criada em maio de 1983, tem por objetivo
constituir-se como espaço para a difusão da arte popular, trazendo
ao público objetos que, por seu significado simbólico, tecnologia de
confecção ou matéria-prima empregada, são testemunho do viver e
fazer das camadas populares. Nela, os artistas expõem seus trabalhos,
estipulando livremente o preço e explicando as técnicas envolvidas na
confecção. Toda exposição é precedida de pesquisa que situa o artesão
em seu meio sociocultural, mostrando as relações de sua produção
com o grupo no qual se insere.
Os artistas apresentam temáticas diversas, trabalhando matériasprimas e técnicas distintas. A exposição propicia ao público não
apenas a oportunidade de adquirir objetos, mas, principalmente,
a de entrar em contato com realidades muitas vezes pouco familiares
ou desconhecidas.
Em decorrência dessa divulgação e do contato direto com
o público, criam-se oportunidades de expansão de mercado para os
artistas, participando estes mais efetivamente do processo de valorização
e comercialização de sua produção.
O CNFCP, além da realização da pesquisa etnográfica e de
documentação fotográfica, coloca à disposição dos interessados
o espaço da exposição e produz convites e catálogos, providenciando,
ainda, divulgação na imprensa e pró-labore aos artistas no caso de
demonstração de técnicas e atendimento ao público.
São realizadas entre oito e dez exposições por ano, cabendo
a cada mostra um período de cerca de um mês de duração.
A SAP procura também alcançar abrangência nacional, recebendo
artistas das várias unidades da Federação. Nesse sentido, ciente do importante papel das entidades culturais estaduais, municipais e particulares,
o CNFCP busca com elas maior integração, partilhando, em cada
mostra, as tarefas necessárias a sua realização.
Uma comissão de técnicos, responsável pelo projeto, recebe e
seleciona as solicitações encaminhadas à Sala do Artista Popular, por
parte dos artesãos ou instituições interessadas em participar das mostras.
O Programa de Promoção do Artesanato de Tradição Cultural – Promoart tem como foco o artesanato brasileiro de tradição
cultural, ou seja, aquele que vem sendo produzido ao longo do tempo
por diferentes grupos sociais e que tem como marca distintiva o
profundo enraizamento na cultura local. Seu objetivo é, por meio
do apoio direto aos grupos, promover o desenvolvimento desse setor
da cultura e da economia brasileira, que, apesar de rico, permanece
ainda pouco reconhecido e valorizado.
Estruturado a partir de um convênio entre a Associação Cultural de Amigos do Museu de Folclore Edison Carneiro e o Ministério
da Cultura, integra o Programa Mais Cultura e realiza-se sob gestão
conceitual e metodológica direta do Centro Nacional de Folclore e
Cultura Popular/ Departamento de Patrimônio Imaterial/Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, com a participação do
Museu do Índio/Funai no que tange a grupos indígenas. Em todo
seu escopo, conta com a parceria institucional e o apoio financeiro do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES,
e, nos planos regional e local, articula parceiros públicos, das esferas
municipais e estaduais, e privados, além de organizações sociais.
Em sua fase de implantação, o programa abrange 65 polos distribuídos em todas as regiões do Brasil, os quais foram selecionados por
especialistas dentre mais de 150 opções, tendo em vista a importância
cultural e a alta qualidade de seu artesanato, além da variedade de
tipologias e técnicas envolvidas em sua produção. Ao longo de um
ano, pretende beneficiar comunidades artesanais com investimentos
diretos nas esferas de produção, comercialização e agregação de valor
a produtos do artesanato brasileiro de tradição cultural.
Em diferentes estágios de organização, tais polos serão estratégicos para o estabelecimento das bases de uma política nacional
de artesanato, a partir da qual o universo de abrangência do programa poderá ser progressivamente ampliado. Respeitando-se suas
singularidades, em cada polo se desenvolverá um projeto específico,
um plano de trabalho formulado com a participação de técnicos e
artesãos, a partir de diagnósticos detalhados de suas potencialidades e necessidades, e da proposição conjunta de ações em busca da
sustentabilidade econômica e social do artesanato.
Luiz Fernando de Almeida
Presidente do Iphan
Trançados e entalhes de Novo Airão
Tatiana de Sá Freire Ferreira
Novo Airão é uma pequena cidade situada no norte do
Estado do Amazonas, em direção a Roraima. Localizada
na margem direita do rio Negro, em frente a Anavilhanas –
um dos maiores arquipélagos fluviais do mundo, formado
por cerca de 400 ilhas entremeadas por furos, lagos, canais
e pelos igarapés das margens do rio Negro –, possui uma
paisagem única.
Após um passado de prosperidade na indústria naval,
com embarcações de todos os tamanhos, feitas com madeira
da região, e a extração livre de matéria-prima vegetal na década de 1980, Novo Airão assistiu à transformação das terras
ao redor em unidades de conservação federais e estaduais1,
1
Parque Nacional do Jaú – 1980. Estação Ecológica de Anavilhanas –
2 de junho de 1981. Terra Indígena Waimiri Atroari – 1989. Parque Estadual
do Rio Negro – 1995. Área de Proteção Ambiental da Margem Esquerda
do Rio Negro – 2005. Área de Proteção Ambiental da Margem Direita do
Rio Negro –2008.
à s qua is os moradores
da região passaram a ter
acesso restrito. O viés ambientalista da demarcação
das unidades gerou conflitos sociais que acabaram
por reduzir a possibilidade
de sobrevivência da população que tradicionalmente
ocupava as terras e levou
o nível de emprego a índices irrisórios.
Manaus
Novo Airão
A falta de consulta pública, principalmente naquelas
unidades federais de proteção integral (Estação Ecológica
de Anavilhanas e Parque Nacional do Jaú), causou um
grande conflito com o poder público dos municípios de Novo
Airão e Barcelos, que tiveram boa parte da área municipal
transformada em unidades de conservação. A população
local teve seus hábitos tradicionais alterados por uma nova
política preservacionista autoritária, dificultando seu acesso aos recursos naturais e empurrando o ribeirinho para
a clandestinidade. (FVA, 2005)
9
Este é o cenário onde se desdobra a vida dos artesãos
dessa cidade que tem como aliados o turismo ecológico e o artesanato, que permitem apontar para um futuro voltado para
a preservação das tradições culturais de herança indígena e
da floresta amazônica. Dessa maneira, a opção de trabalhar
com artesanato aparece como fator de fixação de moradia,
de valorização da força de trabalho e de desprendimento da
relação de submissão ao patrão.
Dois importantes núcleos de artesanato agregam à
função de preservar a tradição cultural a de gerar emprego e
renda para os moradores de Novo Airão. Ambos trabalham
com matéria-prima de extração vegetal. A Nov’Arte investe
no reaproveitamento de madeira morta, refugo da extração
madeireira convencional, com um novo olhar sobre o que
seria descartado, transformando-o em peças entalhadas de
valor artístico. A Associação dos Artesãos de Novo Airão
(AANA) trabalha com fibras do arumã, um cipó que habita
as matas alagadas conhecidas como igapós. Depois de tingido e envernizado com resinas da flora amazônica, o arumã
pode ser trançado em diversas peças decorativas e utilitárias.
Nov’Arte – a arte de transformar madeira morta em
elementos da fauna amazônica
Em 1992, o manauara Miguel Rocha da Silva e o suíço
Jean-Daniel Vallotton, dois empreendedores, se uniram em
torno da ideia de criar um núcleo produtor de artesanato
em madeira a partir da reutilização de sobras da indústria
naval no município de Novo Airão. O importante para eles
era a utilização de técnicas de marcenaria que pudessem ser
ensinadas a outras pessoas, como fonte geradora de trabalho
e renda. As pessoas beneficiadas seriam os antigos moradores do Parque Nacional do Jaú e da Estação Ecológica de
Anavilhanas, que se juntaram aos moradores de Novo Airão. Batizaram o empreendimento de Fundação Almerinda
Malaquias (FAM), em homenagem a dona Almerinda e seu
Malaquias, pais de Miguel.
Com o intuito de se fortalecerem como trabalhadores
autônomos, os artesãos da FAM formaram
uma associação de produtores em 2001,
a Nov’Arte, que foi totalmente legalizada
no ano de 2009 e onde hoje trabalham
com entalhe em madeira 43 pessoas, sendo
cinco delas mulheres. Desde a época inicial,
em que eram produzidos pequenos móveis
com as sobras da indústria naval, até os dias
de hoje, dos utilitários e peças decorativas,
o aprimoramento das técnicas de entalhe e
da organização do grupo é constante. Da
arte manual feita de maneira simples, com
formão e terçado, hoje já existem máquinas
como lixadeiras, serras de mesa, e motosserras que auxiliam no trato com peças de
madeira de vários tamanhos, aumentando
12
a capacidade de produção e a qualidade do produto final.
Na esteira desse caminho de crescimento, nos anos de
2006 e 2008, a Nov’Arte recebeu o prêmio de artesanato
Top 100 do Sebrae, que “tem como objetivo identificar e
selecionar as 100 unidades produtivas mais competitivas
do País, avaliando seus processos de trabalho com foco em
mercado” (Sebrae, 2006).
13
A tradição da madeira
A tradição do entalhe em madeira com detalhes da fauna
amazônica é passada para as novas gerações por intermédio
dos filhos dos artesãos que se encantam pelo trabalho dos
pais e se aproximam do universo do galpão e das bancadas.
Miquéias, por exemplo, filho do senhor Edivaldo, é um dos
melhores artesãos. Todavia, esse não é o único meio de contato;
existem também cursos de capacitação abertos à comunidade.
Em Novo Airão, famílias inteiras trabalham com artesanato. Os artesãos deixam os filhos livres para decidir se querem
continuar com o ofício ou sair para terminar os estudos,
ir para a universidade. Muitos já saíram e retornaram, como
é o caso da família do senhor Clemente, artesão cuja esposa e
filho também atuam nessa atividade, que já envolveu a maioria
dos filhos do casal, hoje com outras ocupações.
No período da indústria naval, a madeira mais utilizada era o molongó, que é leve e flutua na água. As peças
eram pintadas e tinham menos entalhes. Foi um início com
pequenos móveis e pinturas. A dureza e a densidade da madeira definem o tipo de peça a ser esculpido, já que guiam
o processo de acabamento. Permitem um entalhe mais fino
quanto maior for sua dureza, ao passo que as madeiras macias
demais permitem menor precisão.
O carro-chefe de vendas é o sapo cantor, feito em
marchetaria de algumas espécies, como a itaúba, o roxinho, a muirapiranga e a jaqueira, que oferecem diferentes
tonalidades à peça, que emite sons suaves e melódicos.
A madeira deve ser dura e densa para que o som produzido
tenha maior qualidade. O sapo, segundo o artesão Simeão,
surgiu na Indonésia e foi reproduzido pelo mundo afora.
Na Amazônia, os artesãos
da Nov’A rte conseguiram
atingir uma qualidade ímpar
em sua produção, o que faz
com que as peças oriundas
de Novo Airão se destaquem
entre as demais nas feiras de
Manaus e Belém, por exemplo. Tradição e qualidade já
reconhecidas em todo o país.
Das madeiras mortas, refugos de serrarias, troncos
ocados ou galhos de árvores encontrados nos arredores da
cidade, saem esculturas de animais da fauna amazônica em
vários tamanhos. O galpão de produção e a loja da associação
são povoados por delicadas esculturas de tatus, tartarugas,
jabutis, capivaras, pacas, tucanos, araras, sapos, peixes-boi,
botos e peixes como o tucunaré, o matrinxã, o pirarucu,
o aruanã, ou de algum outro animal conforme encomenda,
16
privilegiando sempre a fauna local. “O tema dos bichos foi
escolha dos artesãos, que lançaram no mercado e deu certo”
(Simeão – artesão da Nov’Arte).
Como os animais representados, a matéria-prima utilizada é facilmente achada nas florestas locais, às quais se
chega por “ramais”, nome que se dá, na região, aos caminhos
feitos na floresta para retirada de madeira para a indústria
moveleira ou naval, muitas vezes de forma ilegal, podendo
ser recentes ou antigos.
Muitos pedaços de madeira extraída para a indústria
são descartados no próprio local; mesmo assim, resistem ao
tempo e ali permanecem durante anos, até serem encontrados e transformados em pequenas obras de arte pelos
artesãos da Nov’Arte. A itaúba, por exemplo, é uma madeira
que resiste a até 50 anos caída no solo da floresta. Como
a FAM já é conhecida em todo o município, os artesãos são
avisados da presença de pedaços de árvores que lhes possam
ser úteis e partem em grupo para serrar os grandes galhos
ou troncos ocados de árvores como a jaqueira, o roxinho,
a muirapiranga e a itaúba, entre outras.
Os artesãos pesquisam a existência de madeiras mortas
nos ramais ou nos roçados que as pessoas queimam para
plantar. A itaúba é uma madeira que o fogo não consegue
queimar por inteiro, de modo que sempre restam pedaços pelo
chão. O processo de retirada da matéria-prima do mato é feito
em carreta cedida pela Prefeitura ou alugada pelos artesãos.
Primeiro, parte um grupo de duas ou três pessoas
de moto ou bicicleta até o local indicado para verificar
se a madeira é mesmo boa e se a quantidade encontrada
é suficiente, pois devem pensar no custo posterior com
o transporte. Outro grupo de três ou quatro vai ao local para
serrá-la e amontoá-la em um canto à espera de transporte
em caminhão ou barco.
Os artesãos entram em acordo com o dono da propriedade para levar as peças em forma de doação, e garantem que
é difícil alguém cobrar pela madeira morta, alertando ainda
que um eventual pagamento de taxa com essa finalidade não
se encaixa na filosofia de trabalho da Nov’Arte.
Todos os artesãos sabem fazer a primeira identificação
da madeira pra saber se é boa ou não. A madeira precisa
estar seca. A gente traz madeira verde mas parte ela toda,
porque, mesmo estando no chão, ela ainda contém muita
17
umidade. A gente corta e deixa secando nos contêineres
e nas prateleiras, lá atrás. A madeira escura é melhor.
A gente leva um terçado ou uma foice só pra cortar. Se ela
for escura, o pessoal já marca onde está, pra depois chegar
com a motosserra e cortar. (Miquéias)
Normalmente, quando eu vejo uma peça de madeira,
já imagino logo o que dá de fazer dela, um boto, uma
coisa assim, pelo tamanho. A tabela de preços tem todas
as medidas, são as medidas que guiam as peças de madeira.
(Miquéias)
Quando um grupo toma a iniciativa do transporte, passa
a ter o direito de escolher os melhores pedaços, lembrando-se
sempre de levar alguns para as mulheres, que não possuem
força física para manusear a motosserra. Os pedaços restantes
são divididos entre os demais artesãos.
O controle de qualidade é feito pelo senhor Edmilson,
um dos mais antigos artesãos de Novo Airão. Durante a
semana, ele passa pelas bancadas para orientar os trabalhos,
e na sexta-feira é feito o controle final. As peças que não são
aprovadas não podem ser postas à venda nos espaços do grupo.
As peças, que têm o nome do artesão gravado com
pirógrafo, são vendidas na loja da própria Fundação ou
enviadas para revendedores em Manaus ou em outros estados. Do valor de venda, 25% são retidos e guardados a
título de formação de capital de giro para a Nov’Arte, e os
outros 75% ficam para o artesão. O grupo crê que, dessa
forma, todos se empenham em melhorar a qualidade de
seu trabalho.
tins, que trouxe o saber dos trançados em fibra de arumã
do alto rio Negro, da cidade de São Gabriel da Cachoeira.
São muitos os artesãos que trabalharam na organização
do grupo para formar a Associação. Dona Percília e sua
filha Ivete, dona Suzana, dona Francisca Viana, Amélia,
seu Manoel, entre outros.
No baixo rio Negro, os artesãos de Barcelos, cidade próxima, e de Novo Airão faziam objetos como tupé, peneira,
chapéu e abano para uso doméstico.
AANA – da floresta alagada aos trançados de
tradição indígena
A chegada ao galpão de produção da AANA desvela
uma atmosfera de fazer arte: o pé-direito alto, as paredes
de madeira, o telhado de palha, as grandes janelas de treliças que se abrem totalmente para entrar a luz e o vento
da floresta, atenuando o calor úmido. Sentadas no chão,
as artesãs, rodeadas de facas, talos de arumã e esteiras, mostram a diversidade de tons e tramas que se pode obter com
o trançado que segue a tradição do artesanato indígena da
calha do rio Negro.
A Associação dos Artesãos de Novo Airão surgiu em
torno do núcleo da família de dona Percília Clemente Mar19
O artesanato, que em princípio fornecia utensílios domésticos, passa a ser uma fonte de renda interessante, que
se potencializa com a criação da associação e uma maior
organização na comercialização dos produtos. Essa renda
propiciou certa estabilidade às famílias que deixaram
de vender sua mão de obra e passaram a se dedicar mais
intensamente ao artesanato, à pesca e ao roçado de forma
independente do patrão. (Projeto Nova Cartografia Social
da Amazônia, 2006)
Em meados da década de 1990, a organização nãogovernamental Fundação Vitória Amazônica conheceu
o trabalho do grupo e o ajudou na criação da Associação,
que se constituiu em 1996. A construção e a inauguração da
sede ocupada pelo grupo, em terreno cedido pela Prefeitura
Municipal, ocorreram em 2000. A partir daí começaram
as vendas para o público na própria loja, realizadas para
turistas que visitam a cidade, mas há também o envio para
outros estados. O apoio direto da FVA foi fundamental
para a organização inicial do grupo e na assessoria técnica para o manejo sustentável do arumã. Hoje, segundo
os artesãos mais jovens, eles aprenderam a “andar com
as próprias pernas”.
O arumã é uma planta herbácea, de tamanho médio e
grande, que cresce em locais alagados, como as florestas de
igapó. Apresenta-se sob a forma de touceiras, que são compostas por talos em diferentes estágios de vida: o “broto”,
um talo novo, que chega à altura de um metro; o “olho”, um
talo jovem, que alcança mais de um metro e tem até quatro
folhas em sua extremidade; e o “maduro”, que tem ramificação foliar na extremidade e altura superior a um metro.
Sua extração segue o plano de manejo criado por uma
bióloga especialista da FVA, necessário para receber autorização do Ibama para extração da matéria-prima de forma
a não causar extinção ou desequilíbrio no ecossistema. Os
saberes tradicionais e científicos são aprimorados durante a
atividade de coleta e em oficinas, cursos e capacitações, que
ocorrem com alguma frequência.
A coleta de arumã ocorre no período da seca, quando os
igapós não estão mais alagados, geralmente de agosto a abril.
Quando a seca é muito intensa, como nos meses de novembro
e dezembro, a retirada é difícil porque o canal do igarapé fica
seco demais, tornando impossível a chegada até o local de coleta. O período indicado no plano de manejo para a reposição
correta do arumã é de três anos; por isso, deve-se procurar
outros igarapés e deixar alguns como área de “descanso”.
22
A coleta é geralmente feita pelos maridos das artesãs
nos igarapés próximos à cidade. Os artesãos “tecedores”
aguardam a chegada da matéria-prima. Após a identificação
de um “arumanzal” com potencial produtivo, a Associação
se reúne com a comunidade mais próxima para informar
sobre o trabalho de coleta.
Para realizar um manejo adequado, os homens devem
primeiro “limpar” o igarapé, retirar troncos e galhos caídos
no canal e liberar a passagem da canoa. Depois, demarcar
a área e medir a densidade e a extensão do arumanzal, traçando pontos de medidas nas touceiras, que servem para
o monitoramento anual das espécies. Os talos maduros de
arumã devem ser cortados pela metade.
É um trabalho arriscado, tem que trabalhar com muita
atenção por causa de inseto, cobra, aranha. Se você, Deus
o livre, for picado por uma cobra, seguro mesmo é só
segurar pra não cair. Graças a Deus que ninguém já foi
picado. Mas é um trabalho que não é pesado, é maneiro,
que fica bonito depois que você termina. Trabalhar tudo
com qualidade. Você trabalha com manejo, não maltrata
as plantas. Os filhos do arumã, quando vão crescendo, não
tem problema nenhum, eles nascem mesmo normal, você
23
vai tirando aos poucos, só pegando num canto só. Do jeito
que a gente vai, tem que voltar pelo mesmo canto. A gente
não sai pisando nos filhos que estão nascendo. Na touceira
de arumã eles têm uns filhos pequenininhos, aí você corta
com cuidado pra não magoar aquele filho. (...) Por isso,
o processo é demorado um pouco, mas é de primeira. (...)
O cipó também é feito manejado: numa touceira, você vai
escolher só o que você vai precisar. Só o maduro, no ponto
que você vai precisar. Não adianta você tirar o cipó verde
24
porque, quando chega aqui e a pessoa vai trabalhar, é diferente, fica com uma cor muito feia, fica roxo. E o maduro,
não. O cipó é feito para o acabamento do tupé, e pra fazer
as bolsas. (Rubens Freitas, coletor)
Os produtos da AANA são feitos de fibras como o arumã
membeca, arumã canela, arumã de terra firme, tucumã e cipó
ambé. As tinturas e as resinas vegetais para a fixação da cor
nas fibras são retiradas de árvores e arbustos como a goiabade-anta, urucu, ingá-xixica,
crajiru, castanheira, jacitara,
macucuí, cumati, pacuácatinga, tintarana e outras.
A certificação florestal
de produtos vegetais é uma
forma de valorizá-los no
mercado, uma garantia para
o consumidor de que o produto provém de atividade
que respeita o meio ambiente
e que são economicamente
justos para as pessoas envolvidas no trabalho.
O arumã deve ser trabalhado maduro, sendo utilizado
verde apenas para o arremate. Após a coleta, vai para tanques
de armazenamento, onde fica, amarrado em feixes, submerso
na água, que deve ser trocada de dois em dois dias. Depois
de retirados da água, os talos de arumã são preparados de
acordo com a cor que vão receber. Para o branco, lava-se
com sabão e palha de aço; para fazer o preto, tira-se o lodo
de cima e raspa-se; para o vermelho, tem de se tirar o lodo
de cima e começar logo a pintar.
25
Os artesãos Josiane e Erivaldo moram com sua filha
pequena na sede da Associação e são pacientes em explicar
o saber para os visitantes mais curiosos. Erivaldo é neto de
dona Percília, que trouxe a tradição do trançado do alto
rio Negro. Ele conta que a avó é “baré”, uma mistura de
indígena com pessoa de fora. No passado, dona Percília só
“destalava” o verde e trançava. Os desenhos não sobressaíam
no trançado, não havia variação de tonalidades. Um dia
ela passou urucu e seiva da goiaba-de-anta na fibra, dando
26
a cor vermelha. Assim, os desenhos começaram a aparecer.
O preto é preparado com a queima de pneus dentro de
um camburão de zinco. O pó que gruda no zinco endurece,
é então pilado e passado em peneira fina. O jenipapo também é utilizado para a cor preta, mas são necessárias várias
passagens até atingir a tonalidade desejada.
O verniz da goiaba-de-anta é passado para fixar a tinta
no arumã, como um verniz. Quanto mais camadas de
verniz, mais brilho adquire o talo. A fruta é chamada de
goiaba porque é idêntica a essa outra, embora não tenha
um gosto bom.
Para o tingimento, é raspada uma parte da casca da
árvore, que cicatriza com o tempo. No mato existem várias árvores espalhadas, umas mais oleosas do que outras.
As mais antigas são mais vermelhas. Com o uso do urucu,
a cor vermelha aparece mais rápido.
Depois que o talo é pintado na cor desejada, é então
“destalado” em tiras com o auxílio de uma faca pequena e
posto no sol para secar por cerca de duas horas. A largura da
tira depende da peça a ser produzida. Para um tupé grande,
as tiras são mais largas; um tapete pequeno é feito com tiras
mais finas. O tupé é uma esteira trançada em diferentes
tonalidades, formando desenhos que recebem dos artesãos
nomes como “caminho de bicho”, “caracol”, “zigue-zague”,
“malha de jiboia miúda e graúda”, “escama de buriti”.
Todas as artesãs participam das etapas de tingir, destalar,
tecer e arrematar. São produzidos tupés de 2x2m, 2x1m,
1x1m, 50x50cm, 20x35cm, além de cestas, jarros, balaios,
peneiras, tipitis, abanos, bolsas, chapéus e jogos americanos.
A peça mais característica é o tupé de 2x2m. Segundo os
artesãos, o preço do produto é elevado porque todo o processo
é longo, envolve coletores e tecedores, e leva cerca de duas
semanas só para tingir, destalar e tecer.
Os artesãos adultos da AANA sabem que o trabalho
com artesanato é uma opção de trabalho e renda para os jovens do município, porque, fora da esfera política, não há
emprego na região. Por isso capacitam os artesãos mais jovens
e demais pessoas que desejam aprender esse ofício.
29
Referências bibliográficas
ASSOCIAÇÃO DOS ARTESÃOS DE NOVO AIRÃO. Catálogo de
peças. Novo Airão (AM): A Associação, 2008.
PROJETO NOVA CARTOGRAFIA SOCIAL DA AMAZÔNIA.
Mulheres do arumã do Baixo Rio Negro – Amazonas. Associação
dos Artesãos de Novo Airão. Manaus: 2006. (Série Movimentos sociais,
identidade coletiva e conflitos, fasc. 12).
FUNDAÇÃO VITÓRIA AMAZÔNICA. Uma análise crítica das
unidades de conservação do Baixo Rio Negro com propostas
para as unidades estaduais. Manaus: A Fundação, 2005. (Relatório
Técnico, n. 2).
IBAMA. [Homepage]. Disponível em: <http://www.ibama.gov.br>.
Acesso em: 25 jan. 2009.
NAKAZONO, Erika et al. Manejo do arumã do Baixo Rio Negro:
uso tradicional de um produto florestal não madeireiro no artesanato
de fibras vegetais. Manaus: Fundação Vitória Amazônica, 2006.
SEBRAE. Prêmio Top 100 de artesanato. Disponível em:
<http://www.top100.sebrae.com.br>. Acesso em: 5 jan. 2010.
SIGLAS
IPAAM – Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas
IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis
31
Depto. de Patrimônio Imaterial
CONTATOS PARA COMERCIALIZAÇÃO
Sala do Artista Popular | Cnfcp
Associação dos Artesãos
de NOVO AIRÃO
Av. Ajuricaba, 55 – Centro
Novo Airão – AM cep 69730-000
tel (92) 3365-1278
[email protected] (Erivaldo ou Josiane)
NOV’ARTE
Associação dos Artesãos de Novo Airão (AANA)
parceria institucional
e apoio financeiro
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Novo Airão – AM cep 69730-000
tel (92) 3365-1000
[email protected] (Jean Daniel ou Simeão)
apoio
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