MUNDIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO E EMPRESARIADO
BRASILEIRO
Camila Azevedo Souza
Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Federal Fluminense
[email protected]
Bolsista CAPES
Introdução
Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa de monografia alicerçada
no materialismo histórico como perspectiva epistemológica e nas contribuições do
pensador marxista Antonio Gramsci enquanto referencial teórico-metodológico
(SOUZA, 2013)1. O objetivo é analisar a difusão dos princípios da responsabilidade
social através da articulação política dos organismos internacionais com o empresariado
brasileiro, tendo em vista as implicações para o fenômeno da mundialização da
educação e as repercussões para a formação humana e a política educacional.
Buscou-se verificar, a partir do referencial gramsciano, em que medida os
organismos internacionais atuam na sociedade civil enquanto representantes dos
interesses burgueses, exercendo o papel de aparelhos privados de hegemonia capazes
de dar direção a propostas pedagógicas legitimadoras da hegemonia dominante através
de um complexo processo educativo que procura subordinar moral e intelectualmente
toda a sociedade (GRAMSCI, 2000).
Nessa estratégia da classe dominante de construção e manutenção do consenso,
os organismos internacionais assumem protagonismo no fenômeno da mundialização da
educação, o que se manifesta nas reformas educacionais implementadas nos países de
capitalismo dependente, cuja fundamentação segue uma tendência comum traçada pelas
orientações desses organismos (MELO, 2003). Sob as bases da refuncionalização do
Estado, dos programas de alívio à pobreza, da liberalização do fluxo de capitais, das
privatizações e de um novo “marco legal” para as questões sociais, a mundialização da
educação faz parte do projeto neoliberal com a intenção de uniformizar a “integração
global” e de instituir novas condicionalidades para empréstimos e doações para o setor
educacional, repercutindo também na construção da sociabilidade capitalista.
1
A monografia, intitulada “Organismos Internacionais e Responsabilidade Social na Educação: uma
(con)formação voltada para o capital”, foi desenvolvida no curso de Pedagogia da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF) sob a orientação do Prof. Dr. André Silva Martins.
1
Os desdobramentos da mundialização da educação no Brasil são analisados por
Neves (2005) num movimento mais amplo denominado de a nova pedagogia da
hegemonia, que envolve um conjunto de estratégias que visam educar o consenso no
mundo contemporâneo. No neoliberalismo da Terceira Via2, as estratégias da
repolitização da política, fundamentadas em soluções individuais, na pequena política e
na privatização e fragmentação das políticas sociais, reafirmam os interesses neoliberais
de transferir responsabilidades para a sociedade civil mobilizando-a para atuar na
assistência social e na responsabilidade social (NEVES, 2005).
Em Martins (2009a), apropriamo-nos da análise da responsabilidade social como
a nova ideologia da classe empresarial no Brasil e no mundo. Segundo o autor, essa
ideologia vem configurando politicamente o empresariado na direita para o social, uma
força social de novo tipo que defende a possibilidade de conciliar os fundamentos de
uma economia de mercado com justiça social na perspectiva de consolidação de um
capitalismo de face humanizada.
Esse movimento da responsabilidade social também se consolida através da
difusão dos princípios norteadores do programa neoliberal da Terceira Via, assegurando
a hegemonia burguesa e a coesão cívica através das propostas da “sociedade civil
ativa” – uma sociedade sem antagonismos –, do “novo Estado democrático” –
aparelhagem estatal compartilha responsabilidades com a sociedade civil – e do
“individualismo como valor moral radical” – um cidadão reflexivo com espírito
empreendedor e iniciativa individual (MARTINS, 2009a).
Para compreender em que medida a ideologia da responsabilidade social é
assimilada e difundida pelos organismos internacionais, assim como as implicações
desse movimento para a formação humana e política educacional, o presente texto está
organizado em dois momentos: (1) relação das diretrizes dos organismos internacionais
com os princípios da responsabilidade social; e (2) articulação política dos organismos
internacionais com o empresariado brasileiro na definição de diretrizes para a educação.
2
Neves (2005) analisa o neoliberalismo da Terceira Via como a fase contemporânea do capitalismo, a
partir dos anos 1990. Para aprofundar a análise do programa neoliberal da Terceira Via enquanto o
projeto político da nova social-democracia, ver Giddens (2001a e 2001b).
2
1. Propostas dos Organismos Internacionais e Responsabilidade Social
O caso dos Estados Unidos, no contexto sócio- histórico e político do Governo
Bill Clinton, é o mais emblemático entre os países que difundiram a ideologia da
responsabilidade social com a consolidação do programa neoliberal da Terceira Via. O
marco da nova sociabilidade nos Estados Unidos foi o documento “declaração de
responsabilidade” da organização Business Roundtable, que apresenta a superação de
iniciativas fragmentadas da filantropia com o surgimento da noção de empresa
socialmente responsável (MARTINS, 2009a).
É nesse contexto que as relações de forças convergiram para a consolidação da
ideologia da responsabilidade social, que passou a se constituir em uma poderosa
estratégia para assegurar a hegemonia burguesa mundial. Algumas publicações dos
organismos internacionais, que apresentam uma direção política ao empresariado,
também se constituem em marcos importantes do processo de renovação da
sociabilidade capitalista.
A Organização das Nações Unidas (ONU) protagonizou o estabelecimento do
ano de 2001 como o Ano Internacional do Voluntariado na 57ª Assembleia Geral em
1997, assim como lançou o programa Pacto Global, em 2000, e o Projeto do Milênio
com o slogan “oito jeitos de mudar o mundo”, em 2002 (MARTINS, 2009a). O
documento “O Pacto Global: Liderança das Empresas na Economia Mundial”
convoca a classe empresarial para liderar o processo de construção da nova
sociabilidade através dos princípios da responsabilidade social (ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS, 2001).
Outra direção fundamental para a organicidade do movimento empresarial está
presente no “Livro Verde: Promover um quadro europeu para a responsabilidade
social das empresas”, publicado pela Comissão da Comunidade Europeia, em 2001. O
documento reafirma o objetivo de criar a “Enterprise Europe”, isto é, uma Europa
aberta, inovadora e empreendedora, difundindo a formulação de que as estratégias de
responsabilidade social se constituem em um investimento futuro para as empresas
(COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPÉIAS, 2001).
No contexto brasileiro, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) lançou o documento “Responsabilidade social de empresas
multinacionais: Diretrizes da OCDE” (TORRES, BEZERRA e HERNANDES, 2004),
que se constitui na primeira versão em português da publicação “Orientações para as
3
Empresas multinacionais”, divulgada em 2000. Seu “caráter voluntário mas moralmente
obrigatório” (HERNANDES, 2007, p.103) revela o papel estratégico desse organismo
internacional na correlação de forças, capaz de criar uma relação de confiança mútua
entre as empresas e as autoridades governamentais através de um novo padrão de
sociabilidade baseado na ideologia da responsabilidade social.
As formulações do Pacto Global, do Livro Verde e das Diretrizes da OCDE
convergem na adesão aos princípios norteadores da Terceira Via, pois trazem elementos
que legitimam a organicidade da ideologia da responsabilidade social contribuindo na
consolidação de um novo padrão de sociabilidade fundamentado nos interesses da
classe dominante. Cabe analisar em que medida esses princípios são assimilados e
difundidos no movimento da mundialização da educação através da mediação da classe
empresarial.
A definição de uma agenda global para a educação, mediada pelas relações de
hegemonia, envolve um processo de luta pela direção política de um determinado
projeto fundamentado em determinadas concepções e materializado através de
determinadas estratégias de ação que se consolidam no âmbito das relações entre
trabalho e educação.
Segundo Saviani (1994), existe uma articulação entre as origens da educação e
as origens do próprio homem, sendo que o trabalho se constitui enquanto princípio
educativo do sistema de ensino, tendo determinado o seu surgimento sobre a base da
escola primária, o seu desenvolvimento e diversificação, além da tendência de
determinar, no contexto das tecnologias avançadas, a sua unificação.
Contudo, se por um lado temos o trabalho como um momento fundante da vida
humana, considerando que o homem precisa estar continuamente produzindo sua
própria existência através do trabalho, por outro lado, a sociedade capitalista o
transforma em trabalho assalariado, alienado, fetichizado. Portanto, no contexto das
relações sociais capitalistas a escola é exaltada como uma instituição ligada tanto às
necessidades do progresso quanto ao papel político de formação para a cidadania, o que
explica a exigência de generalização da escola no movimento paradoxo em que a escola
é hipertrofiada ao mesmo tempo em que é secundarizada, sendo o interesse de elevação
do patamar mínimo de racionalidade sempre coerente com um mínimo positivo para a
ordem capitalista. (SAVIANI, 1994).
4
2. Organismos Internacionais e Empresariado Brasileiro
Para compreender como o fenômeno da mundialização da educação é articulado
pelo empresariado brasileiro, cabe localizar o Brasil no processo de mundialização do
capital através da sua presença em alguns movimentos mundiais.
Uma participação exemplificadora está apresentada no portal do Pacto Global3,
cujos dados de sua história no contexto brasileiro demonstram a atuação do Instituto
Ethos na condução do processo de engajamento das empresas brasileiras. O papel de
aparelho privado de hegemonia exercido pelo Instituto Ethos, capaz de consolidar os
interesses da burguesia mundial no contexto brasileiro, é reafirmado pela expressiva
atuação de seu intelectual orgânico Oded Grajew , especificamente na divulgação da
Declaração do Milênio das Nações Unidas, conhecida por Metas do Milênio no Brasil4.
Para a difusão dessas Metas, o Instituto Ethos produziu, em 2004, o documento
“O Compromisso das Empresas com as Metas do Milênio”, legitimando as diretrizes
dos organismos internacionais para o empresariado brasileiro e reafirmando seu
protagonismo nas relações hegemônicas do país.
Em uma matéria divulgada pela Gazeta Digital5, no dia 27 de junho de 2004,
Oded Grajew reafirma o compromisso e o protagonismo do empresariado na difusão
das Metas do Milênio, propondo-as enquanto referência para o desempenho dos países:
é necessário que esses parâmetros sejam adequados às condições
específicas de cada um deles. No Brasil, por exemplo, o acesso
ao ensino formal mostra um contingente reduzido de crianças
fora da escola. Mas o processo de deterioração do ensino
público mostra que ele não garante formação adequada e
suficiente nem gera empregabilidade. Assim, para que essa meta
seja cumprida no país é preciso tratar da qualidade do ensino e
das condições necessárias para a aprendizagem.
3
4
5
Disponível em http://www.pactoglobal.org.br/pactoBrasil.aspx. Acesso em 01 de dezembro de 2011.
A Declaração do Milênio das Nações Unidas resultou da Cúpula do Milênio, em 2000 através de uma
articulação mundial cujo objetivo anunciado é o desenvolvimento e a eliminação da pobreza através
dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), a serem atingidos até 2015. As Metas do
Milênio são: (1) acabar com a fome e a miséria; (2) educação básica de qualidade para todos; (3)
igualdade entre sexos e valorização da mulher; (4) reduzir a mortalidade infantil; (5) melhorar a saúde
das gestantes; (6) combater a Aids, a malária e outras doenças; (7) qualidade de vida e respeito ao
meio ambiente; (8) todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento.
Disponível em http://www.gazetadigital.com.br/conteudo/show/secao/60/materia/41295. Acesso em
01 de dezembro de 2011.
5
A fala do intelectual orgânico do Instituto Ethos evidencia que a preocupação
com a qualidade da educação está voltada para os interesses imediatos do capital,
desvelando um projeto educativo baseado na mercantilização do conhecimento.
Esses dados sobre a atuação do empresariado brasileiro explicitam o poder de
influência dos organismos internacionais na condução de diretrizes políticas
educacionais concernentes com os interesses da hegemonia burguesa mundial. Nesse
contexto, ainda em relação ao Brasil, cabe ressaltar a articulação política dos
organismos internacionais com o empresariado através de três publicações: o livro
“Investimentos em Educação, Ciência e Tecnologia: o que pensam os empresários”, da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em
parceria com 29 empresários brasileiros6; o documento “Conhecimento e inovação para
a competitividade”, do Banco Mundial em parceria com a Confederação Nacional das
Indústrias (CNI); e o documento “Saindo da Inércia? Boletim da Educação no Brasil”,
do Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina (PREAL) em
parceria com a Fundação Lemann7.
Com a análise dessas três parcerias verificamos o objetivo dos organismos
internacionais de induzir políticas públicas educacionais fundamentadas na teoria do
capital humano e na ideologia da sociedade do conhecimento. Além disso, os
documentos evidenciam o estímulo à conciliação entre aparelhagem estatal e sociedade
civil, revelando a organicidade da ideologia da responsabilidade social articulada ao
fenômeno da mundialização da educação. São elementos, portanto, que confirmam a
hegemonia da sociabilidade burguesa na agenda global para a educação.
O discurso da Unesco-Empresariado Brasileiro8 pode ser exemplificado com a
formulação de VILLELA (2004):
6
7
8
Adilson Antônio Primo, Antonio Bragança, Antoninho Marmo Trevisan, Armando Monteiro Neto,
Ben Sangari, Duda Mendonça, Edemar Cid Ferreira, Emílio Odebrecht, Eugênio Staub, Fernando
Xavier Ferreira, Horacio Lafer Piva, Jorge Gerdau Johannpeter, José Armando F. Campos, José
Miguel Chaddad, José Mindlin, José Roberto Marinho, Luís Norbeto Pascoal, Márcio Artur Laurelli
Cypriano, Miguel Jorge, Milú Villela, Nizan Guanaes, Oskar Metsavaht, Raymundo Magliano Filho,
Ricardo Young, Robson Braga de Andrade, Ruy Martins Altenfelder Silva, Sérgio Amoroso, Sérgio
Haberfeld e Viviane Senna.
As respectivas referências dessas publicações são: Werthein (2004), Banco Mundial (2008) e
Programa da Reforma Educativa na América Latina e no Caribe e Fundação Lemann (2009).
O livro “Investimentos em Educação, Ciência e Tecnologia: o que pensam os empresários” faz parte
da série intitulada “Investimentos em Educação Ciência e Tecnologia”, editada pela Unesco Brasil e
organizada por seu representante Jorge Werthein. Trata-se de uma iniciativa que conta com a
participação de economistas, empresários e jornalistas reconhecidos em âmbito nacional. Esse livro
foi lançado no dia 28 de junho de 2004, em conjunto com o livro “Investimentos em Educação,
Ciência e Tecnologia: o que pensam os economistas”, enquanto o livro “Educação, Ciência e
6
A implantação do voluntariado tem a função não somente de colaborar
nos serviços humanitários e sociais, mas também de ajudar na
transformação das políticas públicas. A escola solidária forma
profissionais e cidadãos conscientes e atuantes em suas
responsabilidades. E esse é o caminho mais curto para estabelecer no
Brasil a cultura da paz e da solidariedade. (VILLELA, 2004, p.177)
Essa citação é reveladora por demonstrar tanto o interesse dos intelectuais da
classe empresarial em se constituírem enquanto indutores de políticas públicas, quanto a
preocupação em formar novos intelectuais a serviço do capital que seguirão os
princípios do projeto neoliberal da Terceira Via, como o exemplo da noção de
voluntariado.
Em relação ao Banco Mundial-CNI9, a formulação central se refere ao “novo
paradigma estabelecido para os países de renda média” em que “o conhecimento – e não
os recursos naturais ou a mão-de-obra barata – constitui cada vez mais o elemento
central da vantagem comparativa de um país” (BANCO MUNDIAL, 2008, p.27). Nesse
sentido, destaca-se a defesa de uma mobilização social na perspectiva de conciliação
entre aparelhagem estatal e sociedade civil:
No caso do Brasil, a próxima etapa é mobilizar uma campanha de
massa para conscientizar o público. [...] A avaliação dos recursos
disponíveis e a conscientização das partes interessadas constituem um
processo político interno e inerente que precisa ser implementado e
apropriado de forma local. Esperamos que este relatório forneça
subsídios úteis para o início desse processo. (BANCO MUNDIAL,
2008, p.41)
Podemos relacionar tal interesse de mobilização social como um movimento de
obtenção de consenso e manutenção da coesão cívica. Essa linha de atuação também
pode ser verificada no organismo Todos pela Educação, que recebeu influências de
eventos coordenados pela Unesco e pelo Banco Mundial, como a Conferência Mundial
de Educação para Todos, em Jomtien, na Tailândia, em 1990, e a Cúpula Mundial de
Educação, em Dakar, no Senegal, em 2000. Esse movimento teve início através de uma
9
Tecnologia: o que pensam os jornalistas” foi lançado no dia 16 de novembro do mesmo ano.
Para uma análise da CNI, ver Rodrigues (1998). Considerando esta organização como o moderno
príncipe industrial brasileiro, sob inspiração gramsciana, o autor revela que “A CNI, fundada em 1938,
constituiu-se como o mais importante órgão de representação da burguesia industrial brasileira,
saltando do tímido Centro Industrial do Brasil (CIB), fundado em 1904, para a imponente
Confederação que representa 27 federações, cobrindo todo o território nacional. Emblemático sinal da
força social da Confederação é a tríade pedagógica do Sistema CNI, composta pelo Serviço Nacional
de Aprendizagem Industrial (SENAI), Serviço Social da Indústria (SESI), e pelo Instituto Euvaldo
Lodi (IEL)” (RODRIGUES, 1998, p.7).
7
iniciativa empresarial, em 2005, e foi transformado no Decreto nº 6.094, em 2007
(MARTINS, 2009b).
Cabe
ressaltar
que
o
referido
Decreto
nº
6.094
foi
promulgado
concomitantemente ao lançamento do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE),
que dispõe sobre o “Plano de Metas Compromisso Todos pela educação”. Segundo
Saviani (2007), o carro-chefe do PDE é o Compromisso Todos pela Educação,
fundamentado em uma pedagogia de resultados sob a lógica da pedagogia das
competências e qualidade total; ou seja, reafirma-se uma lógica de mercado nas escolas
em que os professores são considerados como prestadores de serviço, os alunos como
clientes e a educação como um produto que pode ser produzido com qualidade variável.
Enfim, no documento do PREAL-Fundação Lemann10 podemos inferir a
perspectiva de indução de políticas públicas através da defesa de padrões educacionais
baseados nas noções de eficácia, qualidade e equidade:
Nesse contexto, um sistema de ensino que busque eficácia, qualidade
e equidade deve estabelecer, pelo menos, os seguintes tipos de padrões
educacionais:
- padrões curriculares, que definem claramente as habilidades e
competências que os estudantes devem dominar em cada etapa
escolar;
- padrões de desempenho, que indicam os níveis de proficiência
adequados para cada área de conhecimento, em cada uma das etapas;
- padrões de oportunidades de aprendizagem, que especificam os
recursos técnicos, financeiros e humanos necessários para que todos
os alunos possam atingir o desempenho esperado. (PROGRAMA DA
REFORMA EDUCATIVA NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE
e FUNDAÇÃO LEMANN, 2009, p.24)
Diante desse interesse pela padronização e uniformização do sistema educativo,
verificamos um discurso que promove a indução de políticas públicas através da noção
de exemplaridade de maneira a legitimar a hegemonia burguesa no movimento de
mundialização da educação. Nessa perspectiva, cabe ressaltar a assimilação de noções
como a da qualidade pelo discurso empresarial, pois ocorre uma mistura de noções
carregadas de pragmatismo e objetividade com preceitos humanistas historicamente
expressos pela esquerda, o que pode ocultar a essência de práticas gerencialistas na
educação. Analisando as influências dos moldes empresariais de administração em
10
A Fundação Lemann, presidida pelo influente empresário Jorge Paulo Lemann (segundo homem mais
rico do Brasil), foi criada no ano de 2002 como um investimento histórico da família Lemann em
programas e instituições que promovem o desenvolvimento de pessoas por meio da educação e do
esporte. Cabe ressaltar, ainda, que o ex-Ministro da Educação Paulo Renato Souza integrou o quadro
diretor da Fundação Lemann desde 2003 até 2011, ano em que faleceu.
8
relação à autonomia, à participação e à descentralização, Rodrigues (2009, p.208) revela
que outra apreensão que também fica enviesada é a questão da qualidade: “a definição
de um padrão de qualidade para o ensino a partir da perspectiva do mercado acentua as
desigualdades entre as escolas públicas”.
Os dados empíricos revelam, portanto, a preocupação do empresariado de se
engajar na chamada “globalização” através do movimento de mundialização da
educação, reafirmando um projeto de formação humana que atenda aos interesses da
hegemonia burguesa mundial.
A influência da cultura burguesa nos planos, diretrizes e estratégias educacionais
vem se configurando em uma regressão da educação escolar de direito social a um
serviço mercantil, consolidando políticas educacionais na perspectiva da teoria do
capital humano e sua renovação, da qual emergem as noções de sociedade do
conhecimento, qualidade total, pedagogia das competências, empregabilidade e
empreendedorismo (FRIGOTTO, 2011). É nesse sentido que ocorre um processo de
inversão no qual a educação é colocada como determinante de ganhos futuros, ou seja,
como mola propulsora de desenvolvimento econômico e social (FRIGOTTO, 1993).
A ideologia da sociedade do conhecimento está articulada a esse movimento,
difundindo tanto a noção de acessibilidade à informação quanto a aposta na
conscientização e na mudança de mentalidades como estratégias de superação dos
problemas da sociedade (DUARTE, 2003), o que reafirma o lema “aprender a aprender”
e um suposto papel da escola em preparar o aluno no acompanhamento da sociedade do
conhecimento, ou seja, uma sociedade dinâmica, em permanente e constante mudança
(DUARTE, 2006).
Explicitar as bases do projeto educativo hegemônico, como se procedeu no
presente trabalho através da mediação do movimento da mundialização da educação,
evidencia contradições que trazem elementos importantes para a luta contra-hegemônica
da construção de uma pedagogia fundamentada na formação omnilateral. Isso se inspira
na tese de Saviani e Duarte (2012, p.2) de que “a luta pela escola pública coincide com
a luta pelo socialismo”, o que significa somar esforços na construção coletiva da
pedagogia histórico-crítica enquanto um “trabalho educativo na perspectiva de
superação do modo de produção capitalista” (SAVIANI e DUARTE, 2012, p.5).
9
Considerações Finais
Os dados revelam que os organismos internacionais atuam enquanto verdadeiros
aparelhos privados de hegemonia da burguesia mundial, pois formulam e difundem
diretrizes de uma formação técnica dos trabalhadores-colaboradores interessante para o
mercado de trabalho e de uma conformação ético-política dos cidadãos de acordo com a
sociabilidade burguesa; ou seja, uma (con)formação voltada para o capital que reafirma
os princípios da responsabilidade social e legitima a mundialização da educação nos
moldes de um capitalismo de face humanizada.
A agenda global para a educação está referenciada na nova pedagogia da
hegemonia através de uma cultura escolar baseada em valores e comportamentos do
individualismo como valor moral radical, assim como de planos e políticas
educacionais baseadas na privatização e fragmentação sob a lógica da política de
parcerias. Enfim, os organismos internacionais assumem direção na proposição de um
gerencialismo na educação com base na teoria do capital humano, na ideologia da
sociedade do conhecimento e na noção de educação como suposto incremento para a
competitividade global.
10
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