METODOLOGIAS EQUITATIVAS PARA FINANCIAMENTO DO SETOR SAÚDE
Autor
Maria Lecticia Machry de Pelegrini
Universidade do Vale dos Sinos
[email protected]
METODOLOGIAS EQUITATIVAS PARA FINANCIAMENTO DO SETOR SAÚDE
O financiamento de políticas públicas e, especificamente, das políticas de saúde, tem sido
foco de interesse de pesquisa em todo o mundo. A expansão dos serviços de saúde por parte
do Estado, ocorre especialmente após a II Guerra Mundial, quando a saúde passa a ser
entendida como um direito universal, isto é, estendida a todos, enquanto tributo da cidadania
(MÉDICI apud PIOLA, 2002, p. 23).
A partir da década de 50 e 60, os gastos públicos nesta área crescem consideravelmente,
especialmente em países desenvolvidos, seja pelo aumento de cobertura dos serviços, seja
pela evolução e incorporação de novas tecnologias ou pelo aumento da esperança de vida da
população. Neste contexto, a discussão sobre o financiamento do setor ocupa a pauta de
governantes e economistas.
Criar mecanismos de acompanhamento e discussão nesta área, principalmente na busca de
critérios que garantam a eficiência e a eqüidade no financiamento das políticas e ações de
saúde, tem sido o desafio de governantes e academia. Experiências têm sido descritas, e
dentre os países europeus, se destaca o governo britânico, que desenvolve a partir da década
de 80, um processo de acompanhamento da alocação eqüitativa de recursos para saúde que
tem sido marco referencial para muitos países.
O objetivo deste trabalho é apresentar sucintamente algumas destas metodologias, com
enfoque aos trabalhos que vem sendo desenvolvidos para desenvolver processo eqüitativo de
recursos no Brasil.
O Modelo Britânico (RAWP):
O sistema de saúde inglês é um dos precursores da universalização da cobertura
assistencial. Ainda em 1944, (antes mesmo da implantação do National Health Service, em
1948), nos princípios básicos constavam: cobertura universal tanto dos serviços assistencias
quanto os preventivos; proporcionalidade no financiamento em função da capacidade de
pagamento; igualdade na oportunidade de acesso a serviços; distribuição geográfica eqüitativa
de recursos físicos e financeiros (Whitehead in PORTO 2002 p. 18).
Na década de 70 foi elaborado o RAWP – Resouce Allocation Working Party, que
distinguiu diferentes critérios para orientar os gastos em saúde (de custeio e de
investimentos), buscando que os recursos de investimentos conseguissem igualar a relação de
leitos por habitantes nas diferentes regiões. Para a distribuição de recursos de custeio foram
determinados critérios para sete itens de despesa:
a) Internações não psiquiátricas – para a obtenção dos percentuais de distribuição para
cada região a população foi corrigida em função de três tipos de indicadores: Sexo e
Idade; taxas de utilização observadas segundo causa básica ( CID); fluxos interregionais.
b) Internações Psiquiátricas e de incapacitados mentais – para a qual a população foi
ajustada por sexo, faixa etária e estado civil; taxas de utilização esperada (excluindo a
mortalidade); fluxo inter-regional ; e casos de longa duração.
c) Serviços Ambulatoriais - utilizou mesmos critérios de internações não psiquiátricas
porém a população foi ajustada para 6 grupos etários.
d) Serviços de saúde coletiva - a distribuição foi estimada a partir da população residente
segundo faixas etárias sem distinção de sexo e a utilização estimada em cada faixa foi
corrigida a partir das respectivas SMRs - Standardised Mortality Ratios (Razões
padronizadas de mortalidade).
e) Serviços de ambulância – a distribuição foi feita a partir das SMRs globais, pois
estudos demonstraram não haver variáveis de sexo e idade para esses serviços.
f) Custos administrativos – somente base populacional sem ajustes.
Assim a RAWP utiliza critérios de necessidades regionais que incluem população
ponderada pela taxa nacional de utilização dos serviços, pela idade e sexo e pela taxa de
mortalidade regional padronizada (CORTES et all apud FERLA e FAGUNDES, 2003 p. 125).
Desde a sua implantação, muitos ajustes a essa metodologia já foram implementados,
permanecendo como um dos principais métodos de avaliação sistêmica de necessidades. Este
método tem sido base para a orientação de diversos outros países dentro do Reino Unido:
Escócia, Irlanda do Norte e Pais de Gales; demais países da Europa: Espanha e Portugal;
África: Zâmbia e África do Sul; Na América: Canadá, México e Brasil; e, Austrália Nova
Zelândia, Índia (TOBAR 2003).
O Modelo Escocês ( SHARE) :
Seguindo os princípios do método RAWP, o modelo escocês desenvolveu algumas
adaptações para distribuição entre suas regiões:
a) Distinguem as internações não psiquiátricas as internações obstétricas;
b) Para o financiamento de Serviços Coletivos, não aplica a discriminação das SMR –
taxa de mortalidade padronizada segundo causa, por não considerar significativo,
usando a padronização apenas para o grupo inferior a 65 anos e aplica também um
ajuste quanto por dispersão por dispersão geográfica da população;
c) Não inclui como componente os incapacitados mentais;
d) No montante destinado a compensar fluxos inter-regionais de pacientes, distingue os
custos particulares de cada especialidade classificando os hospitais em diferentes
grupos dando diferentes valores a cada grupo.
O Modelo SCRAW do País de Gales: Ainda seguindo a metodologia RAWP, incorpora as
seguintes adequações:
a) Para as internações não psiquiátricas, considera o custo médio anual ajustado por
grupo etário, sexo e SMR global (não discriminado por causas);
b) Para os serviços de ambulâncias, corrige a dispersão da população segundo o fator:
Kilômetros/ total de habitantes;
c) Para cálculo da compensação inter-regional, usa uma amostra dos serviços realizados.
O Modelo PARR da Irlanda do Norte: Resulta de uma combinação dos demais modelos do
Reino Unido com uma inovação que merece destaque: na distribuição final, uma vez somados
todos os componentes, além de incorporar um ajuste por formação e por fluxo inter-regional
de casos, agrega um ajuste por serviços especializados (em particular serviços laboratoriais).
O Modelo Espanhol: A distribuição é feita com base populacional e cabe ressaltar que:
a) Ainda que o sistema garanta acesso universal (1986), para o cálculo de distribuição
são deduzidos os cidadãos com cobertura específica de seguros especiais (forças
armadas, poder judiciário e outros);
b) São também deduzidos dos repasses os montantes gastos com os serviços
administrados pelo governo de forma centralizada;
Em 1995, foi proposto, conforme Tobar (2003), uma metodologia distributiva baseada no
método RAWP, porém com três diferenças: a)O modelo proposto não diferencia despesas de
custeio e de capital; b)É aplicada apenas ao setor hospitalar; c)Permite uma combinação
dinâmica e flexível da distribuição de recursos, de maneira que se podem simular diferentes
combinações de variáveis com diferentes pesos e ponderações.
As variáveis utilizadas são: i)População; ii) Gasto em Saúde (incluindo as transferências
do governo central e não incluindo os gastos correspondes ao das administrações territoriais);
iii) Taxa de Utilização: número de leitos do setor público e privado diferenciando pacientes
agudos e crônicos e recursos humanos (diferenciando médicos e enfermeiros); iv) Mortalidade
e níveis sócio-econômicos – utilizando a taxa de mortalidade padronizada e índice de
Townsed.
O Modelo Italiano: O Plano Sanitário Nacional do início da década de 80 estabelecia
distribuição baseada em dois tetos de recursos: a) teto histórico de cada região; b) teto
teórico calculado em função de variáveis de necessidade. A implementação
contemplava uma reforma gradual, garantindo as regiões o teto histórico por no
máximo seis anos. A partir de então só haveria o teto teórico baseado em um per capita
ajustado segundo:
a) Idade – agrupada em três grupos;
b) Taxa de Mortalidade Infantil;
c) Doenças Ocupacionais, acidentes de trabalho e mortalidade de Idosos.
Em 1985, foi definido novo modelo de distribuição que destingiu componentes
relacionados com funções de saúde: serviços hospitalares, serviços ambulatoriais, programas
de higiene e prevenção.
O Modelo Mexicano: Em 1996, foi desenvolvida fórmula de distribuição que contempla
tanto a eqüidade como a eficiência. Porém devido à ausência de informações sobre
desempenho, foi decidido o uso apenas de critério de eqüidade. Passaram assim a distribuir
recursos para os estados através de distribuição per capita ajustada por:
a) Condições de saúde – mediante uso da taxa de mortalidade infantil – indicador
sensível para as condições de pobreza, representativo para os atraso de saúde que
pretende corrigir e com registros confiáveis no país;
b) Dificuldade de oferecer serviços – Foi medida com o índice de marginalização do
Consejo Nacional de Poblacion (CONAPO), que também dá conta da capacidade
estatal de apoiar com recursos próprios os serviços de saúde.
O “caso” Brasil:
A universalidade de acesso a serviços de saúde, é uma conquista recente da sociedade
brasileira, alcançada na constituição de 1988, nela também esta prevista que a distribuição de
recursos da seguridade social seja feita de forma eqüitativa.
A Lei Orgânica da saúde (LOS 8080/90), dispõe sobre princípios e diretrizes para a
promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços
correspondentes, registra alguns conceitos que no território nacional, compuseram o escopo
de um amplo movimento social na construção do que se convencionou denominar de processo
de Reforma Sanitária brasileira:
- a universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência,
- igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie,
- a utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de
recursos e a orientação programática,
- conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União,Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência a saúde da
população.
Ainda na Lei Orgânica da Saúde LOS 8080/90 são estabelecidos os critérios de
financiamento do Sistema Único de Saúde, em seu artigo 35:
I. perfil demográfico da região
II. Perfil epidemiológico da população a ser coberta;
III. Características quantitativas e qualitativas da rede de saúde na área;
IV. Desempenho técnico, econômico e financeiro no período anterior;
V. Níveis de participação do setor saúde nos orçamentos estaduais e municipais;
VI. Previsão do plano qüinqüenal de investimentos da rede;
VII.
Ressarcimento do atendimento a serviços prestados para outras esferas de
governo. (BRASIL 1990)
Afirma ainda, em seu parágrafo primeiro, que metade dos recursos destinados a Estados e
municípios serão distribuídas segundo o quociente de sua divisão pelo número de habitantes,
independentemente de qualquer procedimento prévio.
Para a operacionalização do artigo 35 da LOS 9090/90, destacamos alguns estudos
realizados: Em 1991, Vianna et alli, similaram a distribuição dos recursos de 1989 que 50%
dos mesmos fossem transferidos com base populacional (per capita) e o resto com base nos
seguintes critérios:
a) Perfil demográfico e epidemiológico;
b) Características quantitativas e qualitativas da rede;
c) Desempenho técnico, econômico e financeiro;
d) Participação do setor saúde nos orçamentos estaduais
O estudo apontou diversas dificuldades na operacionalização dos critérios indicados no
artigo 35 da LOS 8080/90, inclusive a necessidade de regulamentação dos mesmos. Com os
dados então disponíveis para a análise, conclui que o perfil de distribuição obtido, nas cinco
microrregiões do país, era quase idêntico se usada apenas à distribuição per capita bruta.
Como segunda hipótese, foi simulada a distribuição ajustada não só sobre 50% dos
recursos mas sobre todo o montante, neste caso houve sim discriminação positiva favorecendo
as regiões menos favorecidas, em detrimento do Sul e Sudeste.
Uma terceira hipótese consistiu em adotar cinco critérios de distribuição, três deles
usando a razão inversa: a) situação sanitária; b) grau de cobertura dos serviços de saúde; c)
nível de renda; e, dois em razão direta: desempenho do sistema estadual ou municipal e
participação do setor saúde no orçamento estadual Desta forma os efeitos redistributivos
alcançariam, uma distribuição mais eqüitativa.
No ano de 1997, estudo realizado por Porto (1997), aplicou a metodologia RAPW para o
Brasil, com dados de 1994, e concluiu que, ao cabo do uso da mesma, se encontraria uma
distribuição semelhante à realizada pelo Ministério da Saúde no mesmo ano. Isto se deve
principalmente pelo fato de que a metodologia RAWP ajusta a distribuição em função da
SMRs calculadas sobre a mortalidade notificada e, no Brasil, há um sub-registro muito
grande de mortalidade nos estados mais pobres. Quando aplicada a mesma metodologia,
porém com base de dados de mortalidade proporcional, se alcança uma distribuição similar a
que seria obtida distribuindo sobre a população bruta, e a distribuição per capita sem ajustes.
A autora desenvolveu adaptações da metodologia RAWP, corrigindo a mortalidade para os
sub-registros e indicadores socioeconômicos associados às condições de vida (renda per
capita e percentual de lugares com renda inferior a um salário mínimo).
Cabe salientar que a disponibilidade de estudos está na dependência de sistemas de
informações integrados, confiáveis, abrangentes e acessíveis que possibilitem a análise das
desigualdades em saúde, em diferentes dimensões (VIANA,2001 p. 172).
Para a operacionalização de indicadores relativos aos gastos em saúde, alguns avanços já
estão sendo feitos através do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde –
SIOPS, que tem como objetivo contribuir para a orientação das políticas de saúde locais,
constituindo-se em valioso instrumento de apoio à gestão e ao controle social. Este sistema,
implantado em 1999, ainda carece de sensibilização dos gestores no reconhecimento da
necessidade de obter informações para formulação, implantação acompanhamento e avaliação
da política de saúde. Conforme aponta Pastrana e Cunha (2002), em trabalho apresentado no
Congresso da Associação Brasileira de Economia da Saúde (dezembro 2002), o sistema
mostra um padrão de alimentação dos dados diferenciado. No estudo realizado entre o Rio de
Janeiro e o Rio Grande do Sul, um dos fatores que certamente influi nesse diferencial
positivos dos municípios gaúchos é o fato da utilização dos mesmos para o cálculo do repasse
de recursos.
Em 2002, estudo realizado por Porto (2002) desenvolve metodologia alternativa ao RAWP
anteriormente proposto pela mesma em sua tese de doutoramento, baseado então em um único
cálculo distributivo ou cálculo distributivo total, usando como fator de ponderação a
participação do gasto por cada tipo de serviço no ano anterior. Determinando-se assim um
proxy de necessidade [grifo da autora]. Este estudo, devido a complexidade de sua
metodologia, vem sofrendo contribuições de vários setores da academia e gestores envolvidos
com a discussão de financiamento do sistema de saúde brasileiro.
A operacionalização da lei pelo Ministério da Saúde:
A universalização do direito de acesso às ações e serviços de saúde, instituído na CF,
foi dispositivo auto-aplicável, o que resultou na imediata ampliação da demanda a ser
atendida pelo sistema preexistente. Não tendo sido acompanhada de aumento compatível de
recursos para o setor resultou uma progressiva degradação da qualidade dos serviços
oferecidos pelo sistema público.
Devido à irregularidade de financiamento, o inicio da década de 90 foi marcado pelo
aumento da participação das esferas subnacionais, particularmente os municípios, no
financiamento do sistema. No entanto essa participação não permitiu a superação das
desigualdades, dadas as diferentes capacidades de arrecadação, associadas à desigual
distribuição inter-regional da atividade econômica.
Cabe também salientar que a crise do financiamento do setor facilitou a expansão do
sistema privado de planos e seguros de saúde, alimentado pela migração dos trabalhadores do
mercado formal, subvencionado pelos empregadores, aumentando em muito os gastos das
famílias com saúde (BARROS, 2003).
Ao longo da década de 90 a forma de repasse de recursos financeiros da União para as
esferas subnacionais foi regulada pelas Normas Operacionais Básica (NOBs).
A NOB 1/91 institui um sistema de alocação de recursos estruturado da seguinte forma:
a) Recursos destinados ao pagamento de internações hospitalares, com o pagamento
direto do Ministério da Saúde aos prestadores de serviços, públicos ou privados,
mediante o sistema de pagamento prospectivo por procedimento;
b) Recursos destinados a pagamento da assistência ambulatorial, calculado em base a
valores per capita: Unidade de Cobertura Ambulatorial (UCA), diferenciados entre
grupos de Estados, multiplicados pelo tamanho populacional;
c) Recursos destinados a investimentos e equipamentos e ampliação das unidades já
existentes: Unidade de Capacitação de Rede (UCR), que variava entre 1 a 5% do teto
ambulatorial e inversamente proporcional ao valor da UCA; e
d) Fatores de estímulo à municipalização, calculados com base em um valor per capita
correspondente a 5% do valor da UCA, multiplicado pelo tamanho da população,
destinado a municípios que cumprissem os requisitos estabelecidos na Norma.
Desta forma, conforme ressalta Porto, a NOB 1/91 representou um movimento de
recentralização do Sistema de Saúde uma vez que: a)retirou o caráter automático das
transferências intergovernamentais; b) reduziu à saúde à mera prestação de serviços médicoassistenciais, ignorando a importância de ações de caráter coletivo; e c) passou a tratar as
esferas subnacionais como prestadores de serviços, vinculando as transferências ao
pagamento por serviços previamente prestados.
A partir de 1993, sucessivas políticas foram implementadas procurando superar os
retrocessos e avançar no processo de descentralização. A NOB/93 estabeleceu três níveis de
autonomia de gestão para as esferas subnacionais: incipiente, parcial e semiplena.
Pressupunha que mediante o cumprimento de alguns pré-requisitos as secretarias de saúde
passam a receber um volume global de recursos para a cobertura assistencial e a dispor sobre
a sua aplicação. Previa também a transferência de valores globais (para os municípios em
gestão mais avançadas) de tetos financeiros para a cobertura hospitalar, efetuando assim
transferências diretas, fundo a fundo, de recursos e dotando uma maior transparência a
distribuição de recursos.(UGÁ et al 2003).
Avanço importante também foi dado pela criação de Comissões Intergestores Bipartites e
Tripartites, instituindo assim espaço de concertação de políticas setoriais entre as três esferas
de governo.
A NOB 01/93 resgatou o processo de descentralização, introduzindo novos estímulos para
que estados e municípios fossem adquirindo autonomia na gestão da rede assistencial. Em
janeiro de 1997 passa a vigorar a NOB 01/96. Por meio desta norma as modalidades de gestão
foram reduzidas a duas: plena da atenção básica e plena do sistema municipal, para os
municípios; e, gestão avançada do sistema e gestão plena do sistema para estados. A gestão
plena do sistema confere autonomia para gerir o sistema como um todo, isto é, todas as ações
relativas à promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como de manutenção do sistema
como um todo.
A NOB 01/96 buscou disciplinar o processo de organização do cuidado à saúde com o
objetivo de induzir um novo modelo de atenção no país. O mecanismo fundamental para a
estruturação do novo modelo consistiu no processo de programação pactuada e integrada
entre as três esferas de governo, das atividades de assistência ambulatorial e hospitalar, de
vigilância sanitária e de epidemiologia e controle de doenças. Esse processo nomeado
Programação Pactuada Integrada – PPI visava: a) assegurar a explicitação do pacto entre os
gestores; b) tornar visíveis as relações intermunicipais, traduzindo as responsabilidades de
cada município na garantia de acesso da população aos serviços de saúde e a reorganização de
serviços na lógica do novo modelo de atenção; e c) a reorganização da gestão do sistema,
direcionando a alocação de recursos. Na sua concepção, a PPI deveria ser elaborada de forma
ascendente, com base municipal. Por uma serie de questões, não se constituiu num processo
consistente e estruturante do modelo de atenção.
A principal estratégia utilizada para a indução do novo modelo de atenção relaciona-se à
estrutura de financiamento adotada para o custeio das ações e serviços de atenção básica de
saúde sob gestão municipal, o Piso de Atenção Básica – PAB, criado na NOB 01/96 e
regulamentado nas portaria GM 1882, 18/12/97 e GM 2091, de 26/02/98.
As inovações relacionadas à autorização e custeio da média e alta complexidade
ambulatorial, medicamentos e insumos excepcionais (FAE, APAC), embora tenham
representado importante instrumento para o registro de atendimento e racionalização do gasto
em saúde, não modificaram a estrutura de financiamento mantendo a remuneração por
procedimentos e com distorções nos valores pagos.
Cabe analisar também as distorções que vêm ocorrendo ao longo da proposta: existem hoje
quatro grandes fluxos de recurso, que por sua vez estão subdivididos em vários tipos de
repasses fragmentando em muito as transferências de recursos:
a) O Piso de Atenção Básica: que compreende uma parte fixa – hoje com valores
defasados – calculados com base a um valor per capita multiplicado pela população; e
uma parte variável destinada ao estímulo financeiro à implantação de programas (que
foi amplamente utilizado no ultimo período como forma de indução a alguns projetos
federais e onde obteve alguma forma de reajuste): Programa de agentes Comunitários
de Saúde (PACS), Programa de Saúde da Família (PSF), Programa de Combate às
Carências Nutricionais (PCCN), Ações Básicas de Vigilância,Epidemiologia e
Ambiental, Ações Básicas de Vigilância Sanitária, Medicamentos Básicos;
b) Recursos destinados a procedimentos ambulatoriais de alto e médio custo/
complexidade compreendendo: Fração Assistencial Especializada – FAE; a APAC
relativa ao financiamento de procedimentos de alto custo/complexidade; o FAEC
(Fundo de Ações
Estratégicas e Compensação) destinado à compensação
intermunicipal dos procedimentos de média e alta complexidade;
c) Recursos destinados a Ações de Média complexidade em vigilância Sanitária –
distribuídos per capita, conjuntamente a incentivos proporcionais ao volume de
arrecadação de taxas de fiscalização;
d) Recursos do Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS), transferidos por
pagamentos prospectivos via AIH – Autorização de Internação Hospitalar, combinado
com fatores de compensação a unidades que funcionam com custos hospitalares
diferenciados: FIDEPS – Fator de Incentivo ao Desenvolvimento de Ensino e Pesquisa
e o IVHE – Índice de Valorização Hospitalar de Emergência, ou mesmo que
participem de ações focais definidas pelo Ministério da Saúde, como campanhas
seletivas.
Esta norma continua em vigor mesmo com a Norma Operacional da Assistência – NOAS
(publicada em janeiro de 2001), visto que a mesma não altera o sistema de alocação de
recursos e encontra-se ainda em fase de implantação.
Ao analisarmos este período recente, verificamos que a vigência de Normas de lógica
“municipalista” permeou a estruturação da gestão neste período. Esta situação, se de um lado
contribuiu para a ampliação do acesso a serviços básicos de saúde, dificultou a constituição de
redes hierarquizadas e regionalizadas de serviços, onde a participação da esfera estadual é
imprescindível no financiamento, planejamento, regulação, avaliação do Sistema Único de
Saúde, possibilitando a formação de redes equânimes de atenção integral à saúde. De todo
modo, é inevitável constatar um efeito evidente das políticas de financiamento no modo de
funcionamento do sistema, em particular dos serviços assistenciais.
A experiência do Rio Grande do Sul – Municipalização Solidária da Saúde:
A participação das esferas subnacionais no financiamento do SUS tem sido apontada como
uma das dificuldades efetivas na implantação do Sistema Único de Saúde, em especial quando
se trata da participação dos Estados. Em consonância com a necessidade de o Gestor Estadual
redefinir seu perfil de participação na constituição do sistema, a Secretaria de Estado da
Saúde do Rio Grande do Sul, no período de 1999-2002, constituiu como seus eixos prioritários
de ação: a descentralização da gestão (transparência e descentralização dos níveis de poder,
com política compatível de financiamento); fortalecimento das instâncias de pactuação e
controle social; regionalização da atenção; Integralidade da atenção; e qualificação
permanente dos trabalhadores para o SUS.
Em estudo sobre o financiamento à saúde do Rio Grande do Sul no período de 1995 a 2001
(Ferla et alli, 2002) constatou-se uma acentuada variação nos valores re´passados pelo gestor
estadual aos municípios e regiões, sendo que 30% dos municípios não receberam qualquer
recurso financeiro estadual para a saúde até o ano de 1988, independente da modalidade de
habilitação em que se encontravam, ou de indicadores demográficos e ou de saúde. Essa
característica de participação estadual de financiamento tampouco fortaleceu o processo de
regionalização ordenada do SUS no estado, já que regiões com menor oferta de serviços,
tiveram menores valores repassados pelo Estado.
Na gestão do Governador Olívio Dutra, de 1999 a 2002, a então Secretaria Estadual de
Saúde e Meio Ambiente (SSMA) estabelece em seus eixos prioritários de atuação a
descentralização da gestão, criando a Municipalização Solidária da Saúde (MSS), através do
Decreto Estadual nº 30.582, de 10 de junho de 1999, onde dispõe sobre o repasse regular e
automático de recursos do fundo estadual de saúde para os fundos municipais de saúde.
Criada com o objetivo de fortalecer a gestão municipal na MSS os recursos do Tesouro
Estadual são transferidos do Fundo Estadual de Saúde para os Fundos Municipais de Saúde,
sem qualquer vinculação com modalidades previamente definidas de gasto. Assim cada
município tem autonomia para decidir em que vai gastá-lo, desde que sua aplicação seja
aprovada pelo respectivo Conselho de Saúde e o gasto seja realizado em projetos e atividades
classificadas na função saúde, conforme estabelecido na legislação federal.
Para receber os recursos, o gestor municipal precisa apresentar para aprovação um Plano de
Aplicação e Relatórios de Gestão, com a prestação de contas ao respectivo Conselho de Saúde,
realizada em audiência pública na Câmara de Vereadores, trimestralmente. Essas regras de
gasto e prestação de contas estão definidas na legislação federal desde 1993, por promulgação
da Lei Federal nº 8.689/93, que dispõe sobre a extinção do INAMPS. Nessa lei, como em boa
parte dos dispositivos legais que tiveram associados aos princípios e diretrizes do processo de
reordenamento do sistema de saúde, que emergiu no período adjacente da 8ª Conferência
Nacional de Saúde e Assembléia Nacional constituinte, participação da sociedade e
permeabilidade no funcionamento da “máquina” de governo são considerados mecanismos
imprescindíveis à adequação das políticas de saúde a da própria sociedade. Não é por outro
motivo que uma das marcas produzidas pelo movimento social que lhe deu sustentação (o
conhecido “Movimento Nacional de Reforma Sanitária”, em alguns momentos referido como
“Partido Sanitário”) foi “Saúde e Democracia”.
Segundo a metodologia criada a partir de 1999, os recursos da Municipalização Solidária
da Saúde são transferidos em 4 parcelas anuais. Como a criação da MSS deu-se em junho, foi
pactuado na CIB o seguinte cronograma de execução:
1ª parcela – no segundo do trimestre do ano vigente
2ª parcela – no terceiro semestre do ano vigente
3ª parcela – no quarto trimestre do ano vigente
4ª parcela – no primeiro trimestre do ano subseqüente.
No ano de 1999, o critério adotado para distribuição de recursos foi per capita, fazendose a distribuição aos 467 municípios então existentes (cabe salientar que a partir do ano 2000,
30 novos municípios foram criados no Estado). Ainda em 99 foi criada uma “fração” da
Municipalização Solidária da Saúde, com o objetivo de minimizar o impacto das oscilações
populacionais ocasionado pelo verão e a fração para populações itinerantes, atingidas por
barragens, assentamentos, assentado, Indígena e acampados sem terra. Esse contingente
populacional, excluído das estatísticas demográficas oficiais por decorrência da sua extrema
mobilidade territorial, também tem associada em si uma precária condição de acesso aos bens
e serviços de consumo, inclusive na saúde.
Para o repasse dos recursos a partir do ano 2000, atendendo aos preceitos do artigo 35 da
Lei Orgânica da Saúde (LOS), de 19 de setembro de 1990, foram utilizados os seguintes os
critérios para o cálculo dos valores a serem repassados aos municípios, com o argumento de
alcançar uma maior eqüidade na distribuição de recursos: (a) População total,(b) População
menor de 14 anos, (c) População maior de 60 anos,(d) Capacidade instalada,(e) Mortalidade
Infantil e (f) Prioridade Regional.
A partir do ano de 2001, com a possibilidade de acesso aos dados do Sistema de
Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), foi acrescido aos critérios de
cálculo da MSS, atendendo a LOS artigo 35, o Inverso da Arrecadação Municipal e o
Percentual de Recursos Próprios Utilizados na Saúde.
No ano de 2002, os mesmos critérios e bases de cálculos foram utilizados. Desta forma, a
metodologia adotada contemplou a aplicação de todos os indicadores previstos no artigo 35 da
LOS 8080/90.
Cabe relatar ainda que além da Municipalização Solidária da Saúde, o Estado institui
também neste período o programa saúde solidária, pelo qual, com o objetivo de reorganizar e
qualificar a rede de serviços hospitalares do estado foi também estabelecido mecanismo de
repasse financeiro a toda a rede hospitalar estabelecida.
Conclusões
A análise realizada aponta que a adoção de metodologias de alocação financeira para a
distribuição de recursos, permite a descentralização dos serviços de saúde, propiciando a
efetiva formação de sistemas locais de saúde resolutivos.
No entanto, para a implantação destas, e necessário o efetivo compromisso dos Gestores
com a implantação do SUS, que venha de fato fortalecer as instancias locais de saúde,
ressalta-se também a necessidade de sistemas de informações efetivos e mecanismos de
acompanhamento que propiciem a efetiva participação do controle social no acompanhamento
dos mesmos.
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