VOZ DO LEITOR
Os processos de constituição dos currículos e da formação de
professores/as como experiências de políticas educacionais
cotidianas
Maria Regina Lopes Gomes1
Em
nossa pesquisa de doutorado temos defendido a importância de
pensar os temas currículo e formação de educadores como processos
complexos (MORIN, 2007) e, por efeito, interdependentes que dizem
respeito à produção e à negociação de políticas educacionais que não se
esgotam nem se reduzem às prescrições oficiais, geralmente marcadas
1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do
Espírito Santo, aluna da Linha de Pesquisa Cultura, Currículo e Formação de Educadores.
pelas lógicas dos distanciamentos e/ou polarizações entre pensar e agir,
saber e fazer, teoria e prática.
Nesse sentido, apostamos que são com essas negociações (BHABHA,
1998),
usos
(CERTEAU,
compartilhamentos
dos
1996),
intercâmbios,
fazeressaberes
tensões,
(ALVES,
conflitos
2001)
e
dos/as
professores/as, alunos/as, diretores/as, pedagogos/as e demais sujeitos
que habitam os cotidianos da educação, que os currículos e os processos
de formação vão se constituindo e, ao mesmo tempo, tecendo as políticas
educacionais. Ou seja, estamos considerando como políticas de currículo e
de
formação
de
educadores
também
e,
sobretudo,
os
diferentes
movimentos das redes de saberes, fazeres e poderes tecidas e negociadas
por esses sujeitos nos cotidianos das escolas.
Assumimos com Certeau (1996) que a vida cotidiana, que enreda artes de
fazer e artes de viver, não se deixa capturar plenamente nem se limita
aos “discursos oficiais” sobre currículo e formação de professores, mas
produz movimentos de ampliação dos territórios inicialmente demarcados
pelos planejamentos, programas, projetos e/ou propostas curriculares
oficiais, oportunizando diferentes modos de apropriação e invenção dos
espaços praticados, habitados como lugar da vida cotidiana pública.
Desse modo, nos interessam as experiências (LARROSA, 2004) desses
sujeitos que, em suas atividades e movimentos no lugar do próprio tecem
os currículos e, ao mesmo tempo, os processos de formação, ou seja,
para nós, esses processos e movimentos só podem ser pensados nas
tessituras que os constituem.
Assim, indo em direção às idéias de pensamento complexo (MORIN,
2007), à noção de redes (ALVES, 2004; FERRAÇO, 2000) e de usos e
sujeitos praticantes (CERTEAU, 1994, 1996), argumentamos que são nas
tramas cotidianas, por meio das artes de fazer e viver dos sujeitos, que
esses campos se ampliam, se potencializam, ganham novos e outros
sentidos e, sobretudo, se instituem e se constituem como políticas de
educação.
O acompanhamento dos processos cotidianos, o uso das narrativas e das
conversas com os/as praticantes das instituições educacionais, tem nos
permitido entender que a vida presente nas atividades desses praticantes
sempre escapa e amplia nossa compreensão sobre currículo e formação,
nos propondo, e até nos impondo, outras relações com esses campos
discursivos vinculados aos processos constituídos no cotidiano e dentro da
vida, nas experiências da multidão (NEGRI, 2003).
As experiências com pesquisa e os diálogos com Larrosa (2004) nos
instigam em relação aos processos vividos, as experiências entre e com os
sujeitos da experiência. “Entre e com” o sujeito que, para o autor, seria
algo como um território de passagem, algo como uma superfície de
sensibilidade na qual aquilo que passa afeta de algum modo, produz
alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns
efeitos (p. 160). Nesse sentido, as dimensões subjetivas do trabalho
dos/as professores/as, isto é, suas redes de subjetividades precisam ser
tomadas como processos políticos, que potencializam os debates sobre
currículo e formação de educadores/as, uma vez que, nos parece
fundamental no mundo contemporâneo retomar a defesa da escola e da
educação pública como espaçostempos de trabalho coletivo e expansão da
vida.
REFERÊNCIAS:
– ALVES, Nilda. Tecer conhecimento em rede. In: ALVES, Nilda; GARCIA,
Regina Leite (orgs). O sentido da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
– _______. Decifrando o pergaminho. In: OLIVEIRA, Inês Barbosa de e
ALVES, Nilda. (Orgs). Pesquisa no/do cotidiano das escolas. RJ: DP&A,
2001.
– BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
– CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano:1. artes de fazer.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1994.
– ________ et alli. A invenção do cotidiano: 2. morar e cozinhar.
Petrópolis/RJ: Vozes, 1996.
– FERRAÇO, Carlos Eduardo. O cruzamento das sombras vivido ou a busca
pela estabilidade no caos. In: SILVA, Alacir Araújo de e BARROS, Maria
Elizabeth Barros de (orgs). Psicopedagogia: alguns hibridismos possíveis.
Vitória: Saberes Instituto de Ensino, 2000: 137-202.
– LARROSA, J. Linguagem e educação depois de Babel. Belo Horizonte:
Autêntica, 2004.
– MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre:
Sulina, 2007.
– NEGRI, Antonio. Cinco lições sobre império. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
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