COLÉGIO BOM JESUS CORAÇÃO DE JESUS
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Professora: Sônia Rivello
MANUEL ANTÔNIO DE ALMEIDA
Terceirão 2011
BIOGRAFIA
Manuel Antônio de Almeida nasceu no Rio de Janeiro em
1831. Filho de família pobre, quis estudar desenho na Academia de
Belas Artes, mas abandonou o curso para matricular-se na
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde se formou em 1855.
Entretanto, não exerceu a profissão de médico e passou a escrever
no Correio Mercantil, onde obteve brilhante atuação.
Em 1854, o romance Memórias de um sargento de milícias
foi publicado em folhetins através do Correio Mercantil. No ano
seguinte saiu m livro. A obra passou quase despercebida da crítica
literária.
O doutor Maneco, como era conhecido, ocupou os cargos de
administrador da Tipografia Nacional e oficial da Secretaria do
Ministério da Fazenda. Tornou-se também um dos diretores da
Academia Imperial de Música e Ópera Nacional.
Faleceu em 28 de novembro de 1861, vítima no náufrago do
vapor Hermes, quando voltava da festa de inauguração do canal de
Campos a Macaé. Lançara-se candidato à vida pública naquele
mesmo dia.
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INTRODUÇÃO
Memórias de um sargento de milícias pode ser considerada
uma obra ímpar dentro da época romântica brasileira, porque foge
dos padrões desse estilo. O estranhamento causado por sua
publicação talvez tenha sido o que gerou desinteresse em grande
parte dos leitores da época, acostumados aos textos bem
comportados de Joaquim Manuel de Macedo. De certa forma, as
Memórias de um sargento de milícias contrariam a solenidade
retórica dominante durante o período romântico, substituída pelo tom
humorístico, sarcástico e caricatural, mais próxima do que se pode
chamar gênero neopicaresco do que das narrativas sentimentais
da época.
Observe uma concepção atualizada sobre a obra:
“Por outro lado, Memórias de um sargento de milícias
significa uma transgressão total dos modelos narrativos vigentes à
época de sua publicação: ele quebra o idealismo romântico
dominante na aparição do gênero romance no Brasil, da mesma
maneira que Lazarilho de Tormes e a picaresca se opõem às
novelas de cavalaria.” (GONZÁLEZ, Mário M. A saga do anti-herói.
São Paulo: Nova Alexandria, 1994, p. 291)
Valoriza-se mais o coloquialismo, a fala mais popular das
personagens saídas do centro do Rio de Janeiro do início do século
XIX, a gente miúda saída dos arredores mais humildes da cidade, do
que o padrão linguístico das classes mais letradas. Em lugar do
herói idealizado e mítico capaz de superar obstáculos para realizar o
seu amor e atender sua amada, surge um ani-herói (herói
neopícaro), talhado bem próximo da realidade humana das pessoas
comuns e sujeito a defeitos e atrapalhações que não condiziam com
os modelos seguidos no Romantismo.
As Memórias de um sargento de milícias constituem a
primeira afirmação do nacionalismo nas letras brasileiras ao libertarse dos padrões discursivos lusitanos e empregar não apenas
personagens populares, mas também o linguajar dessa gente. Essa
renúncia ao estilo vigente na época é, indiscutivelmente, a principal
grandeza da obra. O autor escorou-se numa tradição genuinamente
popular, fugiu dos modelos folhetinescos e mundanos de sua época
e dos estilo dominante. Manuel Antônio de Almeida abrasileirou o
romance. Suas personagens não possuem a cortesia castradora dos
esteriótipos vigentes. Em lugar do bom-mocismo estéril e monótono,
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a picardia e o mau caráter que antecipariam a criação
marioandradiana de Macunaíma e que serviria de precursor da
personagem realista Brás Cubas, por exemplo.
O narrador penetra no tempo de D. João VI, substitui o
protótipo do bom burguês que se tornaria clichê no romance urbano,
para buscar no mundo criativo e popular uma renovação
abrasileirada da estória picaresca: o malandro de origens espúrias
toma lugar e acento definitivo nas letras pátrias e abre caminho para
uma modernização precursora do fazer literário.
Em Memórias de um sargento de milícias tudo tem cheiro de
povo, sem as sofisticações ou as formalidades que se faziam
espalhar pelos romances de Macedo e seus pares. Manuel Antônio
de Almeida cria um mundo carnavalesco, onde a indústria não
havia estancado o artesanato, e a sobrevivência fazia-se na base da
parceria, da troca de bens, da amizade ou mesmo do furto
esporádico, simples desaperto. Um mundo onde a ordem
(aristocracia lusitana e funcionalismo público) confunde-se com a
desordem (rebeldia e independência do zé-povilho), como tão bem
observa o prof. Antonio Candido.
O romance constitui um verdadeiro painel dos tempos de D.
João VI, uma quase crônica do centro velho cariocas e das diabruras
de um certo Leonardinho, verdadeiro paladino da mentira e da
vadiagem, anti-herói, malandro e peralta-mor.
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BIOBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias.
15ª ed., Série Bom Livro. São Paulo: Ática, 1988.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 38ª ed. São
Paulo: Cultrix, 2001.
CANDIDO, Antonio. “Dialética da malandragem (Caracterização das
Memórias de um sargento de milícias)”. Revista do Instituto de
Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1970,
nº 8.
GONZÁLEZ, Mario M. A saga do anti-herói. São Paulo: Nova
Alexandria, 1994.
Ação de velhaco; engano, logro.
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PROBLEMÁTICA E PRINCIPAIS TEMAS
ANÁLISE E RESUMO DA OBRA
A obra apresenta elementos que escapam à típica
caracterização dos rigidez de certos moldes em voga no
Romantismo, mas não atende de forma direta às perspectivas do
Realismo, que sequer havia começado na Europa.
É um romance que apresenta variáveis, tais como: novela
neopicaresca, romance de costumes e romance de aventuras. E
pode ser considerado por alguns como romance anti-romântico, o
que implicaria tendências precursoras do Realismo, que só se
confirmariam a partir das Memórias póstumas de Brás Cubas (1881),
de Machado de Assis. A presença da realidade objetiva é
inquestionável, mas apenas isto não configura uma tendência
realista na linha flaubertiana.
A obra é humorística e estabelece contatos sutis com o
gênero picaresco através do protagonista, que traz em si toda a
esperteza e picardia de um anti-herói. Leonardinho é o antecessor
em linhagem direta de Macunaíma e o abrasileiramento de Lazarillo
de Tormes. Leonardinho é o típico malandro carioca, cheio de
picardia, esperteza, sarcasmo e desejo de vingança.
Retrato vivo dos costumes bem brasileiros do início do
século XIX, Memórias de um sargento de milícias focaliza um sem
número de tipos populares do Rio de Janeiro. Esse painel pitoresco
retrata a alegria de viver, a malícia da época, as fofocas, as beatices,
as crendices, as festas, as profissões, as modas, as procissões, os
costumes e hábitos do povo brasileiro.
Os temas fundamentais são as críticas ao autoritarismo
policial, à religião, ao clero imoral, ao interesse econômico, ao
casamento como meio de ascensão social e à vadiagem como meio
de vida. Há, ainda, uma espécie de paródia do próprio Romantismo
nesse romance às avessas, que abandona os adocicados finais
felizes para deixar nas entrelinhas uma sucessão de fatos tristes que
poderão vir a acontecer.
1 ORIGEM, NASCIMENTO E BATISMO
Era no tempo do rei.
Uma das quatro esquinas que formam as ruas do Ouvidor e da
Quitanda, cortando-se mutuamente, chamava-se nesse tempo — O canto
dos meirinhos —; e bem lhe assentava o nome, porque era aí o lugar de
encontro favorito de todos os indivíduos dessa classe (que gozava então de
não pequena consideração). Os meirinhos de hoje não são mais do que a
sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei; esses eram gente temível e
temida, respeitável e respeitada; formavam um dos extremos da formidável
cadeia judiciária que envolvia todo o Rio de Janeiro no tempo em que a
demanda era entre nós um elemento de vida: o extremo oposto eram os
desembargadores. Ora, os extremos se tocam, e estes, tocando-se,
fechavam o círculo dentro do qual se passavam os terríveis combates das
citações, provarás, razões principais e finais, e todos esses trejeitos judiciais
que se chamava o processo.
Daí sua influência moral.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de
milícias. 15ª ed., Série Bom Livro. São Paulo: Ática, 1988, p. 9)
Leonardo Pataca veio para o Brasil junto com a Família Real
graças à influência de um tio e foi nomeado meirinho. Em Lisboa, era
ajudante de alfaiate.Durante a viagem, no navio, fica conhecendo
uma saloia chamada namora Maria Hortaliça, uma camponesa,
simples verdureira das ruas lisboetas. Os dois enamoraram-se. Ele
dá uma pisadela no pé da moça e recebe de volta um beliscão. À
noite os dois se encontram. A pisadela e o beliscão são mais fortes.
Não se separam mais. Sete meses depois desse encontro nasce
Leonardinho:
Quando saltaram em terra começou a Maria a sentir certos enojos:
foram os dois morar juntos: e daí a um mês manifestaram-se claramente os
efeitos da pisadela e do beliscão; sete meses depois teve a Maria um filho,
formidável menino de quase três palmos de comprido, gordo e vermelho,
cabeludo, esperneador e chorão; o qual, logo depois que nasceu, mamou
duas horas seguidas sem largar o peito. E este nascimento é certamente de
tudo o que temos dito o que mais nos interessa, porque o menino de quem
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falamos é o herói desta história.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., pp. 10-1)
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O nascimento de Leonardinho traz o primeiro índice do estranhamento que
irá marcar a personagem. A ambiguidade é deixada nas entrelinhas,
permanecendo no ar a ideia de que Maria, talvez, já estivesse grávida ao
embarcar e conhecer Leonardo. Tal incerteza será dirimida mais tarde.
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O capítulo se encerra com o batizado de Leonardinho, que
tem a parteira por madrinha (Comadre) e o barbeiro por padrinho
(Compadre). A festa transcorre com muita animação. Leonardo
Pataca canta uma mocinha, aplaudida com entusiasmo pelos
presentes.
ESTILO INDIVIDUAL
Enquanto os pais brigam, o menino Leonardo rasga os
documentos (autos de um processo) deixados pelo pai numa
mesinha. Faz com eles cartuchos. Leonardo Pataca, enfurecido com
o filho, dá-lhe um ponta-pé no traseiro e atira-o a quatro braças de
Como já foi fartamente destacado, as Memórias de um
sargento de milícias fogem das características gerais do
Romantismo, apresentando características próprias. O estilo da
obra, bem como de seu autor, apresenta tendências bem pessoais e
marcantes. Veja algumas dessas tendências:
• Emprego de linguagem coloquial marcada por incorreções
e linguajar lusitano do interior ou das periferias de Lisboa. Boa parte
das personagens são imigrantes portugueses ou gente simples do
povo.
• Ausência de personagens idealizadas e da análise
psicológica: o romance prefere focalizar os costumes, hábitos e
cacoetes das pessoas de camadas sociais inferiores, numa
construção mais realista da sociedade carioca e brasileira do início
do século XIX.
• Presença do humor, do ridículo e do burlesco: o tom geral
da obra segue a tendência da zombaria, marcado que está pela
utilização de personagens que tendem para a caricatura, para o
ridículo. Essa tendência resulta do que se chama carnavalização. A
presença do elevado (espiritual católico) e do decadente (crendices
populares e humor vulgar) fundamentam a classificação como
romance carnavalesco.
• Presença da ironia.
• Presença da metalinguagem: A obra volta-se para si
mesma, comentando os procedimentos que estão sendo a serem
empregados:, palavras utilizadas, explicações sobre capítulos ou
personagens que desaparecem de cena.
• Presença de digressõesão: a narrativa não segue a ordem
linear dos fatos, é episódica e, não raro, foge da narrativa para
comentar assuntos paralelos ou para dar explicações sobre o próprio
livro (metalinguagem).
• Presença de narrador intruso, que o tempo todo se
intromete para dar explicações, analisar fatos ou personagens e
conversar com o leitor. O narrador posiciona-se de modo favorável
ao protagonista, a ponto de divertir-se com as suas estripulias.
• Presença do leitor incluso, com quem o narrador procura
estabelecer conversação: “Por estas palavras vê-se que ele
suspeitara alguma coisa; e saiba o leitor que suspeitara a verdade”.
A obra utiliza diversas figuras de linguagem e recursos, tais
como hipérboles, comparações, metáforas, perífrases, trocadilhos,
metonímias, linguagem forenses, sarcasmos, barbarismos etc.
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2 PRIMEIROS INFORTÚNIOS
Sete anos se passam. Leonardo ainda trabalha como
meirinho, mas começa a estranhar que um colega o procure em
casa quando sabe que está no trabalho. Certa tarde volta mais cedo
do trabalho. Depois de entrar em casa, deixa os laudos de um
processo sobre uma pequena mesa. Ao entrar no quarto, descobre
que é traído pela mulher com outros homens. O amante escapa pela
janela. Leonardo Pataca dá uma surra em Maria Hortaliça, que
também lhe diz muitos desaforos. Naquela tarde, Maria acaba
fugindo com um capitão de navio para Portugal.
À vista disto nada havia a duvidar: o pobre homem perdeu, como
se costuma dizer, as estribeiras; ficou cego de ciúme. Largou apressado
sobre um banco uns autos que trazia embaixo do braço, e endireitou para a
Maria com os punhos cerrados.
— Grandessíssima!...
E a injúria que ia soltar era tão grande que o engasgou... e pôs-se
a tremer com todo o corpo.
A Maria recuou dois passos e pôs-se em guarda, pois também não
era das que se receava com qualquer coisa.
— Tira-te lá, ó Leonardo!
— Não chames mais pelo meu nome, não chames... que tranco-te
essa boca a socos...
— Safe-se daí! Quem lhe mandou pôr-se aos namoricos comigo a
bordo?
Isto exasperou o Leonardo; a lembrança do amor aumentou-lhe a
dor da traição, e o ciúme e a raiva de que se achava possuído
transbordaram em socos sobre a Maria, que depois de uma tentativa inútil
de resistência desatou a correr, a chorar e a gritar:
— Ai... ai... acuda, Sr. compadre... Sr. compadre!...
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., pp. 12-3.)
ESTILO DA ÉPOCA
Apesar de contemporânea do Romantismo, a obra Memórias
de um sargento de milícias apresenta traços estéticos que o
ultrapassam. Sua composição não segue a trilha deixada pelos
demais ficcionistas desse estilo. A fragmentação do enredo deixa
margens de dúvida se não seria um precursor do estilo digressivo e
fragmentário de Machado de Assis. Suas personagens passam
longe das idealizações românticas, estão mais próximas do
Realismo e não raro configuram tipos sociais. A ausência de um
final feliz definido é outro elemento fora dos parâmetros românticos
mais comuns. A linguagem coloquial é rápida, a presença da ironia,
da metalinguagem, do leitor incluso e da carnavalização
descaracterizam a obra enquanto romântica.
Sem dúvida, a situação classificatória do romance é
controversa. Desse modo,devemos enxergar a presente obra como
um romance de costumes, que apresenta também tendência à
novela neopicaresca, pela presença do anti-herói Leonardinho, não
nos preocupando tanto com sua classificação estilística dentro dos
moldes românticos. Vale ressaltar apenas que é uma “obra ímpar” e
aceitar essas suas diferenças.
Para o professor Antonio Candido: ...Leonardo não é um
pícaro saído da tradição espanhola; mas o primeiro grande malandro
que entra na novelística brasileira, vindo de um tradição quase
folclórica e correspondendo, mais do que se costuma dizer, a uma
certa atmosfera cômica e popularesca do seu tempo, no Brasil.
(CANDIDO, Antonio. “Dialética da malandragem (Caracterização
das Memórias de um sargento de milícias)”. Revista do Instituto de Estudos
Brasileiros da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1970, nº 8, p.71.)
Mario M. González considera que “Memórias de um sargento
de milícias pode ser visto como o ponto de partida de uma picaresca
à brasileira, dentro do contexto maior de uma neopicaresca latinoamericana.”
(GONZÁLEZ, Mário M. Op. cit., p.282)
Alguns críticos enxergam na obra uma precursora do
Realismo no Brasil. Há, sem dúvida, elementos realistas, mas ainda
predominam componentes românticos, os elementos realistas, mas
ainda predominam componentes românticos, os elementos
considerados realistas presentes no livro filiam-se mais à narrativa
neopicaresca brasileira, que tem por preocupação retratar
naturalmente os costumes populares sem idealiza-los, do que
propriamente elementos precursores do Realismo.
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distância. Esbraveja furioso, chamando-o “filho de uma pisadela e
um beliscão...” Leonardinho foge e entra aos gritos na barbearia do
padrinho, o que causa um acidente com a bacia de água morna
derramada sobre um cliente.
Desse dia em diante, Leonardinho passa a morar com o
padrinho. Maria foge com o capitão de um navio. Leonardo Pataca
desaparece. A madrinha ajuda a cuidar do menino.
3 DESPEDIDAS ÀS TRAVESSURAS
O barbeiro é um homem velho e que dedica toda a sua
atenção e carinho ao afilhado. Mima Leonardinho demais. A
comadre sempre discute com o compadre, porque o considera
benevolente demais para com as traquinagens de Leonardinho. O
compadre não castiga o menino como deve. Preocupado com o
futuro do afilhado, o padrinho decide que o afilhado será padre. A
comadre prefere vê-lo nos ofícios.
Leonardinho, entretanto, só quer saber de vadiagem e de
dar preocupações para o padrinho: malcriações, caretas para os
fregueses, atira pedras nos telhados dos vizinhos... Ninguém na
vizinhança gosta de Leonardinho. O padrinho resolve ensinar o bê-abá ao afilhado e manda-o fartar-se de travessuras porque depois da
missa de domingo começaria a aprender. Leonardinho leva a frase
ao pé da letra.
Às quartas-feiras e em outros dias da semana saía do Bom Jesus e
de outras igrejas uma espécie de procissão composta de alguns padres
conduzindo cruzes, irmãos de algumas irmandades com lanternas, e povo
em grande quantidade; os padres rezavam e o povo acompanhava a reza.
Em cada cruz parava o acompanhamento, ajoelhavam-se todos, e oravam
durante muito tempo. Este ato, que satisfazia a devoção dos carolas, dava
pasto e ocasião a quanta sorte de zombaria e de imoralidade lembrava aos
rapazes daquela época, que são os velhos de hoje, e que tanto clamam
contra o desrespeito dos moços de agora. Caminhavam eles em charola
atrás da procissão, interrompendo a cantoria com ditérios em voz alta, ora
simplesmente engraçados, ora pouco decentes; levavam longos fios de
barbante, em cuja extremidade iam penduradas grossas bolas de cera. Se ia
por ali ao seu alcance algum infeliz, a quem os anos tivessem despido a
cabeça dos cabelos, colocavam-se em distância conveniente, e escondidos
por trás de um ou de outro, arremessavam o projétil que ia bater em cheio
sobre a calva do devoto; puxavam rapidamente o barbante, e ninguém podia
saber donde tinha partido o golpe. Estas e outras cenas excitavam vozeria e
gargalhadas na multidão.
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Era a isto que naqueles devotos tempos se chamava correr a via-
sacra.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., pp. 18-19.)
6. Luisinha: Enteada de D. Maria, casa-se com José Manuel
depois do fim do romance com Leonardinho. Após a morte do
marido, casa-se com o antigo namorado.
Leonardinho aproveita para seguir a procissão com dois
meninos de seu tamanho.
7. Vidinha: Moça por quem Leonardinho apaixona-se.
Tocava e cantava modinhas. Era bela, talentosa, volúvel e ciumenta.
4 FORTUNA
8. Major Vidigal: É um personagem histórico do Rio da
época. Foi chefe dos granadeiros. Representa a autoridade policial.
Homem que causa respeito e temor nas pessoas.
O compadre desespera-se atrás do afilhado, sem que
ninguém lhe dê notícias do menino.
Leonardo Pataca apaixonara-se por uma cigana, também
infiel, e que o abandona por causa do padre mestre-de-reza. Pataca
apela para um feiticeiro, que lhe impôs uma série de cerimônias para
atrair o amor da cigana. Durante uma dessas cerimônias,
exatamente à meia-noite, batem violentamente à porta da casa do
feiticeiro. É o temido Major Vidigal (chefe dos granadeiros), que leva
todos presos por vadiagem, inclusive o Leonardo Pataca.
9. D. Maria: Mulher gorda e rica, que tem mania de ações
judiciais. Numa destas consegue ser tutora de Luisinha.
Outras personagens: A vizinha, Maria Regalada (amante
do Major Vidigal). José Manuel (primeiro marido de Luisinha),
Teotônio (malandro e bicheiro), Chiquinha (filha da Comadre e
segunda mulher de Leonardo Pataca), Toma-Largura (funcionário da
Despensa Real).
5 O VIDIGAL
Era o Vidigal um homem alto, não muito gordo, com ares de
moleirão; tinha o olhar sempre baixo, os movimentos lentos, e voz
descansada e adocicada.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., p. 21.)
O major é o árbitro supremo de tudo que diz respeito à
polícia da época. De suas sentenças não cabe apelação. Exerce
uma espécie de inquisição policial, costuma caçar os criminosos e os
vagabundos. Todos têm por ele respeito e temor.
Durante a prisão de Leonardo Pataca, o Major obrigou todos
os presentes na casa do feiticeiro a dançarem até não se
agüentarem mais, chicoteando-os. Leonardo Pataca é levado para a
Casa da Guarda (depósito de presos) e depois transferido para a
cadeia.
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A passagem mostra claramente a presença da crítica ao comportamento
dos fiéis nas celebrações da Igreja. O texto reflete claramente a presença
da carnavalização, como observa Todorov em sua obra.
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período. A condição e o comportamento dessas personagens fica
clara nas palavras do prof. Alfredo Bosi: “Esse contínuo esforço de
driblar o acaso das condições adversas e a avidez de gozar os
intervalos de boa sorte impelem os figurantes de Memórias, e, em
primeiro lugar, o anti-herói Leonardo, ‘filho de uma pisadela e de um
beliscão’ para a roda viva de pequenos engodos e demandas de
emprego, entremeadas com ciganagens e patuscadas que dão
motivo ao romancista para fazer entrar em cena tipos e costumes do
velho Rio”.
(BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 38. ed. São
Paulo, 2001, pp. 133-134.)
1. Leonardo Pataca: Pai do protagonista. Era alfaiate em
Portugal e torna-se oficial de justiça (meirinho) no Rio. É um
mulherengo incorrigível.
Espertalhão e interesseiro, seu
comportamento moral pode ser colocado em questão, como pode
ser percebido na discussão com a primeira mulher.
2. Maria Hortaliça: Mãe de Leonardinho, foi “quitandeira das
praças de Lisboa, saloia rechonchuda e bonitota”. Maria é uma
mulher infiel que acaba fugindo com um capitão e navio e deixa
definitivamente a história. Esconde do marido que está grávida de
outro.
6 PRIMEIRA NOITE FORA DE CASA
Leonardinho acompanha a procissão de rua, diverte-se com
as estripulias de um grupo de moleques com quem se juntara. Acaba
passando a noite num acampamento de ciganos, para desespero do
padrinho que o procura por toda parte.
Leonardo Pataca, graças à comadre, é colocado em
liberdade de manhã e volta para casa.
7 A COMADRE
A comadre é uma mulher baixa, gorda, bonachona, ingênua;
tola, até certo ponto, mas esperta em outros. É parteira de ofício,
mas benze quebranto. Gosta de ir à missa e ouvir os cochilos das
beatas. Foi por esse hábito que ficou sabendo da prisão de
Leonardo Pataca.
Comentário: A “bondosa” comadre é uma mulher de hábitos
controversos e fofoqueira. A presença do catolicismo em
combinação com atitudes que se poderiam dizer heréticas, como
benzeduras, confirma o caráter eclético de seu comportamento.
8 O PÁTIO DOS BICHOS
3. Leonardinho: Protagonista da obra. É um anti-herói
típico: peralta, malandro, vadio e especialista em pregar peças e
preparar vinganças. Ele representa o herói neopícaro, o anti-herói,
que não serve de exemplo para ninguém. Sua fata de vocação e seu
comportamento vadio fazem dele o primeiro malandro da literatura
brasileira.
A sala onde ficam os velhos oficiais é chamada pelos
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gaiatos e o povo de “pátio dos bichos”. Os soldados permanecem a
serviço do rei, à espera de qualquer ordem. A Comadre procura um
tenente coronel para que este interceda junto ao major Vidigal em
favor de Leonardo Pataca.
4. Comadre: É madrinha de Leonardinho, parteira e
benzedeira do lugar. Seu comportamento católico aparentemente
fervoroso fica em dúvida por causa da mania de benzer quebranto e
doenças.
Comentário: A expressão irônica “pátio dos bichos” sugere o caráter
parasitário dos militares que acompanham D. João VI em sua fuga
de Portugal. O estado de inércia desses militares no Brasil define
bem a exploração do erário público.
5. Compadre: É padrinho de Leonardinho, barbeiro por
profissão, ganhou dinheiro de forma desonesta. Protege demais o
afilhado, estragando-o com seus mimos e atenções.
9 O – ARRANJEI-ME – DO COMPADRE
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Rapaz travesso e vadio; indivíduo alegre, faceiro, brincalhão; cômico,
malicioso.
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O padrinho vivia bem, apesar de ser um humilde barbeiro. A
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origem do dinheiro remontava do ofício de barbeiro e sangrador a
bordo de um navio que vinha para o Brasil. O barbeiro obteve
sucesso junto a alguns doentes durante a viagem. O capitão fica
doente e manda chamar o barbeiro. Este não consegue curar o seu
superior. O capitão moribundo confia ao barbeiro as economias para
que entregue à sua filha. Depois da morte do capitão, o barbeiro fica
com tudo e nunca procura a jovem herdeira.
Comentário: Uma característica precursora do realismo presente
em Memórias de um sargento de milícias é a ausência de
personagens idealizadas. O bondoso barbeiro é um exemplo dessa
vocação do autor para a elaboração de personagens reais, nas quais
os defeitos superam as qualidades. O comportamento imoral do
compadre indica a distância entre a aparência social que ele sugere
e a realidade de seu caráter.
10 EXPLICAÇÕES
O velho tenente-coronel lembra-se do filho ilegítimo que
possui em Portugal. Esse rapaz desvirginara uma moça verdureira
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em Portugal, sem casar-se com ela. Ao saber que ela estava no
Brasil, casada com Leonardo Pataca, resolve ajudar para aplacar
seu problema de consciência. Por isso, auxilia Pataca e também se
oferece à comadre para cuidar do menino Leonardinho. O tenentecoronel age por meio de um amigo, que consegue a libertação de
Leonardo.
Comentário: O nascimento de Leonardinho finalmente é explicado
pelo narrador. Leonardinho não é filho de Leonardo Pataca, mas do
filho ilegítimo do tenente-coronel. Maria Hortaliça já estava grávida
quando embarcou para o Brasil. Por isso Leonardinho nasceu com
quase “três palmos de comprimento, gordo e vermelho, cabeludo,
esperneador e chorão”. Não se trata, portanto, de uma criança
prematura, como se supunha no início da narrativa.
11 PROGRESSO E ATRASO
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Os barbeiros tinham alguma atribuições além das que hoje conhecemos. A
sangria era uma delas.
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Chama-se a esse tipo de ação narrativa em direção ao passado de flashback ou retrocesso.
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ESTRUTURA DA OBRA
Os episódios parecem ter sido escritos de forma autônoma,
mostrando-se como uma seqüência de situações, ou seja, pequenos
relatos cuja unidade é dada a partir da presença do protagonista
Leonardinho. Alguns críticos preferem ver a obra como novela, por
causa dessa autonomia dos capítulos, em lugar de romance, como
se acostuma normalmente considerar sua classificação.
A) Ação: A ação é dinâmica e contínua, criando uma
atmosfera de romance de aventuras, graças às peripécias de
Leonardinho e da troca contínua dos pares amorosos. Quando há
ausência de ação de uma personagem, ela sai de cena e retorna
somente quando a sua participação é ativa. O enredo é montado a
partir de fragmentos para dar mostras da história de Leonardinho.
B) Foco narrativo: O romance é narrado na terceira pessoa
por um narrador onisciente, mas que interfere constantemente na
narrativa para justificar a obra (metalinguagem) ou à procura de
dialogar com o leitor (leitor incluso ou inclusão do leitor). Essas
intromissões do narrador são notáveis e tornam a obra mais
interessante e mais rica. Vale destacar que essas técnicas não eram
ainda comuns na literatura brasileira.
C) Tempo: O tempo da obra é cronológico, estabelecido
pela primeira frase do livro: “Era no tempo do rei”. Assim, a ação
narrativa transcorre nas primeiras décadas do século XIX, período
da regência de D. João VI no Brasil e no governo de D. Pedro I, o
que coincide com a vida de Leonardo durante sua estada entre os
granadeiros.
D) Espaço: O espaço é o Rio de Janeiro, caracterizado de
forma bem realista e através de descrições precisas do centro velho
e dos subúrbios, de onde saem as personagens.
E) Personagens: As personagens formam uma galeria de
tipos populares do centro velho do Rio de Janeiro, composta de
meirinhos, parteiras, granadeiros, vadios, sacristãos, brancos,
pardos e pretos – elementos do povo, de todas as raças e
profissões. Dessa maneira, o autor não pretende individualiza-las
psicologicamente, mas criar personagens planas, verdadeiros tipos
sociais, o que demonstra a intenção de destacar os costumes dessa
“fauna” social do tempo do rei e produzir apenas alegorias desse
31
Além disto recebeu o Leonardo ao mesmo tempo carta de
seu pai, na qual o chamava para fazer-lhe entrega do que lhe
deixara seu padrinho, que se achava religiosamente intacto.
.......................................................
Passado o tempo indispensável do luto, o Leonardo, em
uniforme de Sargento de Milícias, recebeu-se na Sé com Luizinha,
assistindo à cerimônia a família em peso. Daqui em diante aparece o
reverso da medalha. Seguiu-se a morte de D. Maria, a do LeonardoPataca, e uma enfiada de acontecimentos tristes que pouparemos
36
aos leitores, fazendo aqui ponto final.
O padrinho encontra muitas dificuldades para ensinar o
afilhado. Leonardinho aprende com lentidão e não manifesta
qualquer inclinação para as coisas da Igreja ou para qualquer outra
profissão que seja. Sua especialidade é mesmo a vadiagem.
A vizinha briga constantemente com o menino. Ela e o
barbeiro discutem por causa de Leonardinho, que imita com
perfeição a velha beata para a diversão do padrinho. O barbeiro ri
muito e considera-se assim vingado.
12 ENTRADA PARA A ESCOLA
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. cit., pp. 134-135.)
Leonardinho entra para a escola.
Comentário: O capítulo final é marcado por novas surpresas e um
título carregado de ambigüidades. O casamento de Leonardo e
Luisinha, sem dúvida, faz parte de um episódio feliz. Entretanto, a
morte de algumas personagens não combina sugestivamente com o
título. Outro aspecto interessante é o final desse capítulo, que
também encerra o romance Memórias de um sargento de milícias.
Não há propriamente um final determinado, porque o narrador não
coloca realmente um ponto final. Fica no ar o que seria essa “enfiada
de acontecimentos tristes”, dos quais o narrador pretende poupar o
leitor. Dessa forma, consideramos que o romance é uma obra
aberta.
Era este um homem todo em proporções infinitesimais, baixinho,
magrinho, de carinha estreita e chupada, excessivamente calvo; usava de
óculos, tinha pretensões de latinista, e dava bolos nos discípulos por dá cá
aquela palha. Por isso era um dos mais acreditados da cidade. O barbeiro
entrou acompanhado pelo afilhado, que ficou um pouco escabriado à vista
do aspecto da escola, que nunca tinha imaginado. Era em um sábado; os
bancos estavam cheios de meninos, vestidos quase todos de jaqueta ou
7
8
robissões de lila , calças de brim escuro e uma enorme pasta de couro ou
papelão pendurada por um cordel a tiracolo: chegaram os dois exatamente
9
na hora da tabuada cantada. Era uma espécie de ladainha de números que
se usava então nos colégios, cantada todos os sábados em uma espécie de
10
cantochão monótono e insuportável, mas de que os meninos gostavam
muito.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., p. 39.)
O capítulo descreve o professor e a escola da época.
Destaca, ainda, a importância corretiva da palmatória. Leonardinho
apanha várias vezes por causa de suas estripulias. Isso desde o
primeiro dia de aulas. Leonardinho vende os objetos dos colegas e
foge da escola para vadiar. Até abandonar a escola.
36
O último parágrafo é ambíguo, sem o final feliz tradicional das novelas
românticas. Com efeito, pretendeu o autor empregar mais uma de suas
ironias, o que caracteriza uma obra aberta na concepção de Umberto
Eco.
30
7
Sobrecasaca.
Espécie de tecido antigo, de lã, fino e lustroso.
9
Falação fastidiosa que está sempre repisando as mesmas ideias.
10
Doutrina muito conhecida e repetida.
8
11
Comentário: O capítulo indica a ausência completa de interesse de
Leonardinho quanto à própria formação. Seu comportamento indica
a preferência pela vadiagem e pela malandragem. Não é por acaso
que Leonardinho pode ser considerado o primeiro malandro carioca
(ou brasileiro, por extensão). Sua capacidade de driblar as
adversidades e tirar proveito da situação destaca-se nesse capítulo.
13 MUDANÇA DE VIDA
A muito custo, o padrinho convence o afilhado a voltar para
a escola, onde passou dois anos. Leonardinho aprende a ler muito
mal e a escrever melhor ainda. Leonardinho apanha sempre.
(...) Achava ele um prazer suavíssimo em desobedecer a tudo
quanto se lhe ordenava; se se queria que estivesse sério, desatava a rir
como um perdido com o maior gosto do mundo; se se queria que estivesse
quieto, parece que uma mola oculta o impelia e fazia com que desse uma
idéia pouco mais ou menos aproximada do moto-contínuo. Nunca uma
pasta, um tinteiro, uma lousa lhe durou mais de 15 dias: era tido na escola
pelo mais refinado velhaco; vendia aos colegas tudo que podia ter algum
valor, fosse seu ou alheio, contanto que lhe caísse nas mãos: um lápis, uma
pena, um registro, tudo lhe fazia conta; o dinheiro que apurava empregava
sempre do pior modo que podia. Logo no fim dos primeiros cinco dias de
escola declarou ao padrinho que já sabia as ruas, e não precisava mais de
que ele o acompanhasse; no primeiro dia em que o padrinho anuiu a que ele
fosse sozinho fez uma tremenda gazeta; tomou depois gosto a esse hábito,
e em pouco tempo adquiriu entre os companheiros o apelido de gazeta
11
12
mor da escola, o que também queria dizer apanha bolos mor . Um dos
principais pontos em que ele passava alegremente as manhãs e tardes em
que fugia à escola era a igreja da Sé
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., pp. 40-41.)
Numa dessas fugas, Leonardinho faz amizade com um
pequeno sacristão da Sé. Percebe que na igreja terá um campo mais
vasto para suas diabruras e traquinagens, e convence o padrinho a
fazê-lo coroinha. O barbeiro sente-se realizado, pois acredita que é
meio caminho para tornar o afilhado padre.
11
12
Considerando que gazetear significa deixar de comparecer às aulas para
ir passear ou para vadiar, a expressão indica que Leonardinho é o maior
faltante às aulas.
Referência aos castigos físicos que eram impostos aos alunos que
cometiam erros ou desobediências.
12
O Leonardo começou a procurar com os olhos alguma coisa ou
alguém que tinha curiosidade de ver; deu com o que procurava: era
Luizinha. Há muito que os dois se não viam; não puderam pois ocultar o
embaraço de que se acharam tomados. E foi tanto maior essa emoção, que
ambos ficaram surpreendidos um do outro. Luizinha achou Leonardo um
guapo rapagão de bigodes e suíça; elegante até onde pode sê-lo, um
34
soldado de granadeiros, com o seu uniforme de sargento bem assente .
35
Leonardo achou Luizinha uma moça espigada, airosa mesmo, olhos e
cabelos pretos, tendo perdido todo aquele acanhamento físico de outrora.
Além disso seus olhos, avermelhados pelas lágrimas, seu rosto
empalidecido, se não verdadeiramente pelos desgostos daquele dia,
seguramente pelos antecedentes, tinham nessa ocasião um toque de beleza
melancólica, que em regra geral não devia prender muito a atenção de um
sargento de granadeiros, mas que enterneceu ao sargento Leonardo, que,
apesar de tudo, não era um sargento como qualquer. E tanto assim, que
durante a cena muda que se passou, quando os dois deram com os olhos
um no outro, passaram rapidamente pelo pensamento do Leonardo os
lances de sua vida de outrora, e, remontando de fato em fato, chegou
àquela ridícula mas ingênua cena da sua declaração de amor a Luizinha.
Pareceu-lhe que tinha então escolhido mal a ocasião, e que agora isso teria
um lugar muito mais acertado.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. cit., p. 131.)
47 CONCLUSÃO FELIZ
Cumprido o luto, Leonardinho e Luisinha reatam o namoro.
Os dois pretendem se casar, mas necessitam do consentimento do
Major, porque a granadeiro não é permitido casar. A solução é
procurar Maria Regalada que comunicará há pouco novo endereço.
Ao chegar na casa da amiga, D. Maria surpreende-se com a
presença do Major Vidigal, que a essa altura já está vivendo com a
Maria Regalada. Foi esse o preço pela liberdade de Leonardinho.
Por influência da mulher, Vidigal dá um jeito: consegue baixa para
Leonardinho da tropa de linha e nomeia-o sargento de milícias.
Depois disto entraram todos em conferência. O major desta
vez achou o pedido muito justo, em conseqüência do fim que se
tinha em vista. Com a sua influência tudo alcançou; e em uma
semana entregou ao Leonardo dois papéis: — um era a sua baixa de
tropa de linha; outro, sua nomeação de sargento de milícias.
34
35
Colocado (sobre); assentado.
Elegante.
29
Comentário: O caráter cômico da passagem é evidente e
exemplifica o bom humor que domina toda a narrativa. O
comportamento do herói caracteriza-se como pouco ortodoxo,
porque mesmo aparentemente acalmado pela prisão e pela
profissão de granadeiro, Leonardo não deixa de lado sua tendência
de malandro e marginal. Entre a obrigação e a diversão, com certeza
Leonardo prefere a segunda.
43 DESCOBERTA
Leonardinho é cumprimentado pela façanha por um amigo
indiscreto na frente do Major Vidigal, que percebe o artifício e
prende-o imediatamente.
 Bravo! como esta não fazes duas em toda a tua vida; foi limpa;
ele há de ficar te obrigado para sempre, e eu com ele, porque sou seu
amigo e teu também!
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. cit, p. 123.)
Depois da lua-de-mel com Luisinha, José Manuel começa a
mostrar que não é grande coisa.
D. Maria une-se à comadre para soltar Leonardinho.
44 EMPENHOS / 45 AS TRÊS EM COMISSÃO
A comadre e D. Maria recorrem a Maria Regalada para soltar
Leonardinho. Maria Regalada é uma pessoa muito alegre e mora na
Prainha. É uma antiga conhecida do Major Vidigal. Maria Regalada e
a Comadre intercedem a favor do relaxamento da prisão de
Leonardinho. O Major resiste, mas Maria Regalada cochicha algo em
seu ouvido, e ele promete não apenas soltar o rapaz, mas fazer algo
que deixaria as três ainda mais contentes.
46 A MORTE É JUIZ
José Manuel sofre um ataque cardíaco por causa de uma
ação movida por D. Maria e morre. Leonardinho é solto e visita
Luisinha durante o velório. Sua aparência agrada a jovem viúva
Luisinha. Cresce a admiração entre os dois.
28
Para vingar-se da vizinha, com quem o padrinho discutira,
Leonardinho e o pequeno sacristão jogam na cara da beata fumaça
de incenso e derramam cera em sua mantilha. A vizinha pede
providências ao padre, que nada pode fazer porque o menino fingese de inocente.
13 NOVA VINGANÇA E SEU RESULTADO
O padre mestre-de-cerimônias mantém relações com a
cigana que abandonara Leonardo Pataca. No dia da festa da igreja,
o padre prepara-se para proferir seu sermão, aliás sua única
atividade séria durante todo o ano. Leonardinho, encarregado de
avisar a hora do sermão, vai até a casa da cigana e informa que o
sermão será às dez horas, quando na verdade ocorrerá às nove. O
padre estranha o horário. Em vista da molecagem de Leonardinho, o
13
padre chega atrasado e furioso. Corre para o púlpito , onde já está
um capuchinho italiano a fazer o sermão em italiano para
desentendimento geral dos fiéis. O padre toma o lugar do
capuchinho, depois de discutirem. O sacristão é despedido.
Leonardinho tem que deixar a Sé. Isso serve de motivo para as
14
críticas da vizinha por causa dos maus bofes do menino.
Comentário: A intenção evidente de Leonardinho era de prejudicar
o padre mestre-de-cerimônias por causa de seus amores com a
cigana. Leonardinho considerava o religioso culpado pela prisão do
pai. Durante a bronca na sacristia entre muitos presentes,
Leonardinho fez de tudo para denunciar o caso do padre com a
cigana, mas nada conseguiu. A passagem é uma evidente ironia
contra o comportamento imoral do clero da época.
15 ESTRALADA
Leonardo Pataca descobre que o padre mestre-decerimônias irá ao aniversário da cigana e contrata Chico-Juca para
criar confusão na festa. Leonardo avisa o Major Vidigal, que aparece
de surpresa e prende todo mundo, inclusive o padre que estava de
13
Tribuna geralmente elevada, situada lateralmente dentro de uma igreja, de
onde o sacerdote faz o sermão aos fiéis.
14
Temperamento, gênio.
13
ceroulas curtas e largas, de meias pretas, sapatos de fivela, e
15
solidéu à cabeça.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., p. 50.)
16 SUCESSO DO PLANO
O padre não chega a ir para a cadeia, mas fica exposto na
Casa da Guarda por algumas horas, à vista do público. Depois da
humilhação, o padre arrepende-se e deixa a cigana. Leonardo
consegue reconquistar a antiga amante. Os dois passam a viver
juntos. A Comadre censura essa atitude, porque deseja livrar-se de
uma sobrinha cujas despesas pesam bastante e casá-la com
Leonardo Pataca.
17 D. MARIA
D. Maria era uma mulher velha e muito gorda; devia ter sido
muito formosa no seu tempo, porém dessa formosura só lhe
restavam o rosado das faces e alvura dos dentes [...].
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., p. 53.)
16
Tinha bom coração, era benfazeja , devotada aos
17
pobres.Tinha mania de demandas .
Por causa da procissão, todos estão em sua casa: o
compadre, o Leonardinho, a comadre e a vizinha. A conversa gira
em torno das peraltices do menino, que aproveita para pisar na saia
da vizinha, que se rasga quando a beata quer se levantar. Todos
discutem o futuro do garoto. D. Maria sugere que seja colocado num
cartório para ser procurador de causas.
18 AMORES
Leonardinho não atende aos desejos do padrinho. Não vai
para Coimbra; não se torna padre; não trabalha em cartório.
Transforma-se num vadio, um “vadio-mestre, vadio-tipo”. Já moço,
vive sem trabalhar. Não pensa em nada.
Teotônio imita o Major para risada geral. Entretanto, o major está
presente sem que o outro saiba. O Major sai e manda Leonardinho
prender o jogador.
Leonardinho é bem recebido na casa do pai. Simpatiza com
Teotônio e acaba revelando a missão da qual está incumbido. Arma
um plano com Teotônio para enganar o Major.
Estava já a noite muito adiantada, ordenaram os dois que saíssem
ao mesmo tempo muitos convidados, e o Leonardo, partindo adiante deles,
foi correndo ter com o major.
— Aí vem o bicho, Sr. major.
— Cerca, cerca! disse o major.
E cada um se dividiu para seu lado.
O major colou-se à porta de um corredor, e pôs-se de olho alerta.
Veio-se aproximando ao major um vulto assobiando tranqüilamente
o estribilho de uma modinha. Quando se achou em pequena distância o
major deu um salto donde estava e segurou-o.
Um ai franzino se fez ouvir, acompanhado de um:
— Me largue! Que é isto?
O major prestou atenção, não tendo reconhecido a voz do Teotônio,
e viu que tinha segurado num pobre corcunda, aleijado, ainda em cima, da
perna direita e do braço esquerdo.
— Ora, vá-se para o inferno, disse o major; suma-se daqui. Também
não sei o que andam fazendo a estas horas pelas ruas estas figuras.
O aleijado safou-se apressadamente livre do susto, e lá foi
continuando a assobiar o seu estribilho.
Fez-se depois disto o mais profundo silêncio, e o major não viu mais
passar senão os convidados da patuscada, não vendo entre eles o Teotônio.
Então ardeu com o caso; e reunindo os granadeiros disse para
Leonardo:
— Ele não saiu...
— Saiu, replicou este; até de jaqueta branca e chapéu de palha: eu
o vi tomar ali para a porta onde estava o Sr. major.
— De jaqueta branca e chapéu de palha? perguntou o major.
— Sim, senhor, e de calça preta: não o peguei porque logo vi que
não havia de escapar ao Sr. major.
— Ah! patife, patife, resmungou: destas nunca levei... Era o
corcunda, o aleijado...
— Ele sabe fazer muito bem de corcunda e de aleijado, disse um
dos granadeiros; já o vi uma vez fazer isso, que era mesmo tal e qual...
Era com efeito o Teotônio o aleijado que o major tinha segurado.
32
33
O Leonardo ria-se às furtadelas do logro que levara o major.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., p. 122.)
15
Pequeno chapéu ou boina de lã ou de seda, em forma de calota, com que
os eclesiásticos cobrem a tonsura ou pouco mais.
16
Que faz o bem, caridosa.
17
Litígios ou ações judiciais.
14
32
33
Às escondidas; rápida e disfarçadamente.
Manobra, artifício com que se ilude, engana alguém.
27
Era com efeito ele.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., p. 115.)
42 GRANADEIRO
Toma-Largura é abandonado na calçada, porque os
granadeiros não aguentam carregá-lo bêbado até a Casa da Guarda
no largo da Sé.
Leonardinho é transformado em granadeiro, depois de preso
pelo Vidigal, que o obriga a sentar praça no Regimento Novo. O
Major requisita-o para ajudar nas tarefas policiais, uma forma de
vingança encontrada pelo Major.
Leonardinho mostra-se competente no serviço, mas participa
de uma estripulia, na qual imita o major Vidigal defunto com o fim de
ridicularizá-lo.
Quando o major bateu, e foi entrando, acompanhado da sua gente,
ficou tudo gelado de medo: o sujeito que se achava amortalhado teve um
grande estremeção e ficou depois imóvel, como se fosse de pedra,
representando com mais propriedade do que talvez desejasse o papel de
morto. Segundo seu costume, o major fez continuar por um pouco a
brincadeira em sua presença. Depois começou a indagação das ocupações
de cada um, e, conforme o que colhia, os foi mandando embora, ou pondo
de parte, para lhes dar melhor destino. Durante toda esta cena, que levou
seu tempo, o amortalhado deixou-se ficar imóvel, na mesma posição, com a
cabeça coberta. Corrida toda a roda, disse-lhe o major:
— Homem, você por estar morto não tenha tanta pressa de ir para o
inferno: fale primeiro com a gente.
E tirando-lhe o pano da cara acrescentou:
— Ora, vamos ver a cara do defunto...
Um grito de espanto, acompanhado de uma gargalhada estrondosa
dos granadeiros, interrompeu o major. Descoberta a cara do morto,
reconheceu-se ser ele o nosso amigo Leonardo!...
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., p. 117.)
Como sempre acontece a quem tem muito onde escolher, o
pequeno, a quem o padrinho queria fazer clérigo mandando-o a Coimbra, a
quem a madrinha queria fazer artista metendo-o na Conceição, a quem D.
18
Maria queria fazer rábula arranjando-o em algum cartório, e a quem enfim
cada conhecido ou amigo queria dar um destino que julgava mais
conveniente às inclinações que nele descobria, o pequeno, dizemos, tendo
tantas coisas boas, escolheu a pior possível: nem foi para Coimbra, nem
para a Conceição, nem para cartório algum; não fez nenhuma destas coisas,
nem também outra qualquer: constituiu-se um completo vadio, vadio-mestre,
vadio-tipo.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., pp. 56-57.)
Leonardo Pataca arranja-se com Chiquinha, filha da
Comadre. Dona Maria ganha uma demanda para ser tutora de uma
sobrinha órfã, Luisinha. O Compadre e o afilhado vão visitá-las com
frequência. Luisinha é bem desenvolvida, mas desajeitada.
Leonardinho sai rindo dela, mas não consegue mais esquecê-la.
[...] Leonardo lançou-lhe os olhos, e a custo conteve o riso. Era a
sobrinha de D. Maria já muito desenvolvida, porém que, tendo perdido as
graças de menina, ainda não tinha adquirido a beleza de moça: era alta,
magra, pálida: andava com o queixo enterrado no peito, trazia as pálpebras
sempre baixas, e olhava a furto; tinha os braços finos e compridos; o cabelo,
cortado, dava-lhe apenas até o pescoço, e como andava mal penteada e
trazia a cabeça sempre baixa, uma grande porção lhe caía sobre a testa e
19
olhos, como uma viseira.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., p. 58.)
19 DOMINGO DO ESPÍRITO SANTO / 20 O FOGO NO CAMPO
Era esse dia domingo do Espírito Santo. Como todos sabem, a
festa do Espírito Santo é uma das festas prediletas do povo fluminense.
Hoje mesmo que se vão perdendo certos hábitos, uns bons, outros maus,
ainda essa festa é motivo de grande agitação; longe porém está o que agora
se passa daquilo que se passava nos tempos a que temos feito remontar os
leitores. A festa não começava no domingo marcado pela folhinha,
começava muito antes, nove dias cremos, para que tivesse lugar as
novenas. O primeiro anúncio da festa eram as Folias.
42 NOVAS DIABRURAS
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., p. 58.)
Depois de alguns dias cabisbaixo, Leonardinho é incumbido
de participar da prisão de Teotônio, um trapaceiro e espertalhão que
toca e canta modinhas e é também jogador. Teotônio está em casa
de Leonardo Pataca por ocasião do batizado da filha do meirinho,
26
18
Termo pejorativo para advogado que usa de ardis e chicanas para
enredar as questões; pej. Advogado muito falador, porém de poucos
conhecimentos; incompetente; ou pessoa que advoga sem ser formada
em Direito.
19
Essa passagem é um bom exemplo de desidealização presente na obra.
15
Leonardinho apaixona-se por Luisinha. Após a festa do
divino, o casal torna-se mais íntimo.
41 REPRESÁLIAS
Conversaram por todo o caminho como se fossem dois conhecidos
muito antigos, dois irmãos de infância, e tão distraídos iam que passaram à
porta da casa sem parar, e já estavam muito adiante quando os sios de D.
Maria os fizeram voltar. A despedida foi alegre para todos e tristíssima para
os dois. Entretanto, como sempre que se despedia, o compadre prometeu
voltar, e isso serviu de algum alívio, especialmente ao Leonardo, que tomara
tudo o que se acabava de passar mais em grosso.
Quando Vidinha chegou à casa achou ainda toda a família no maior
susto e confusão pelo desatino que ela acabava de praticar: as duas velhas,
ao vê-la entrar, lançaram-se-lhe ao pescoço, e cobriram-na de abraços, de
beijos e de lágrimas. Ela estava ainda porém sob a influência das emoções
violentas por que acabava de passar, e não pôde corresponder àquelas
provas de amizade; atirou-se sobre uma banquinha, e levou algum tempo
calada, sem dar a menor resposta às mil perguntas que lhe eram dirigidas.
Esse silêncio mais aumentava a ansiedade da família [...]
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., pp. 62-63.)
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., p. 112.)
Comentário: Ainda que de maneira irônica em vários momentos, o
narrador menciona festas populares que eram realizadas no Rio de
Janeiro e no Brasil da época. A passagem transcrita no início
demonstra a preocupação do narrador com as tradições populares
que se perdem com o passar dos anos.
Depois que Vidinha chega a casa, todos dão pela falta de
Leonardinho. Mandam procurar por toda parte, mas não o
encontram. A família suspeita de que Leonardo fugiu para não
enfrentar os ciúmes de Vidinha. Nem a madrinha tem notícias do
afilhado. Logo surge a suspeita de que tivesse sido preso pelo Major,
mas não o localizam na Casa da Guarda. A Comadre também
procura em vão pelo afilhado.
Toma-Largura não pára mais de seguir Vidinha, que resolve se
vingar do incômodo conquistador. Marca-se uma festa nos
Cajueiros. O Toma-Largura é convidado e bebe em demasia. No
meio da festa deu-se por ofendido, não sabemos por que, e começou por
21 COTRARIEDADES
Surge um outro pretendente para Luisinha. É o espertalhão
José Manuel, que passa a cortejar a moça com olhos na herança de
D. Maria, de quem Luisinha é a única herdeira.
Leonardo fica fora de si quando alertado pelo padrinho.
22 ALIANÇA
A comadre e o compadre aliam-se em favor do afilhado num
plano contra o velhaco e astuto José Manuel.
agarrar nas pontas da esteira que servia de mesa, e fazer voar sobre a
cabeça dos convivas pratos, garrafas, copos e tudo o mais. Os dois primos
quiseram contê-lo, mas não o conseguiram: Vidinha chorava, as velhas se
maldiziam; uns tentavam restabelecer a paz, e outros aumentavam a
desordem. Reinava por conseqüência uma algazarra infernal.
30
Quando menos o esperavam, viu-se surdir dentre as moitas o
major Vidigal fechando um círculo de granadeiros que partiam de sua
31
esquerda e de sua direita, e que encerravam toda a súcia .
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., pp. 114-115.)
O Vidigal chegara com o grupo de granadeiros e a um deles
dá ordem para levar o Toma-Largura reconhece Leonardo:
23 DECLARAÇÃO
Leonardinho consegue confessar seu interesse por Luisinha,
numa cena marcada por muita comicidade por causa do desajeito do
rapaz.
Luizinha estava no vão de uma janela a espiar para a rua pela
rótula; Leonardo aproximou-se tremendo, pé ante pé, parou e ficou imóvel
como uma estátua atrás dela, que, entretida para fora, de nada tinha dado
fé. Esteve assim por longo tempo calculando se devia falar em pé ou se
devia ajoelhar-se. Depois fez um movimento como se quisesse tocar no
16
— Devagar com a louça, camarada, bradou este; lembre-se que
ainda não ajustamos contas a respeito daquele caldo...
O toma largura acabava de reconhecer no granadeiro o nosso
amigo Leonardo, como toda a família o tinha reconhecido apenas ele
apareceu.
30
31
Vir a público.
Reunião de indivíduos de má índole ou de má fama; malta, bando.
25
escorraçando-o de casa. Leonardinho é despedido do emprego.
Toma-Largura deseja vingar-se do espertinho.
39 CIÚMES
Vidinha era ciumenta até não poder mais: ora, as mulheres têm
uma infinidade de maneiras de manifestar este sentimento. A umas dá-lhe
para chorar em um canto, e choram aí em ar de graça dilúvios de lágrimas:
isto é muito cômodo para quem as tem de sofrer. Outras recorrem às
represálias, e nesse caso desbancam incontinenti a quem quer que seja:
esta maneira é seguramente muito agradável para elas próprias. Outras não
usam da mais leve represália, não espremem uma lágrima, mas assim por
um espaço de oito ou quinze dias, desde que desponta a aurora, até que cai
a noite, resmungam um calendário de lamentações, em que entram seu pai,
sua mãe, seus parentes e amigos, seu compadre, sua comadre, seu dote,
seus filhos e filhas, e tudo por aí além; [...] capaz de fazer amolecer um
cérebro de pedra. Outras entendem que devem afetar desprezo e poucocaso: essas tornam-se divertidas, e faz gosto vê-las. Outras enfim deixamse tomar de um furor desabrido e irreprimível; praguejam, blasfemam,
quebram os trastes, rompem a roupa, espancam os escravos e filhos,
descompõem os vizinhos: esta é a pior de todas as manifestações, a mais
desesperadora, a menos econômica, e também a mais infrutífera. Vidinha
era do número destas últimas.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., pp. 108-109.)
Vidinha descobre tudo e vai tomar satisfação com a mulher
do Toma-Largura, já que é extremamente ciumenta. Leonardinho vai
atrás dela, mas encontra o Major Vidigal no caminho e acaba preso.
40 FOGO DE PALHA
Vidinha xinga Toma-Largura e a mulher. Mas, como os dois
não reagem, pega a mantilha e vai-se embora. Toma-Largura
resolve conquistar Vidinha, pois fica encantado com a moça. Além
disso, vingaria o que Leonardinho fez e satisfaria também o seu
desejo de conquista amorosa. Segue Vidinha para saber onde a
moça mora.
ombro de Luizinha, mas retirou depressa a mão. Pareceu-lhe que por aí não
ia bem; quis antes puxar-lhe pelo vestido, e ia já levantando a mão quando
também se arrependeu. Durante todos estes movimentos o pobre rapaz
suava a não poder mais. Enfim, um incidente veio tirá-lo da dificuldade.
Ouvindo passos no corredor, entendeu que alguém se aproximava, e
tomado de terror por se ver apanhado naquela posição, deu repentinamente
dois passos para trás, e soltou um — ah! — muito engasgado. Luizinha,
voltando-se, deu com ele diante de si, e recuando espremeu-se de costas
contra a rótula; veio-lhe também outro — ah! — porém não lhe passou da
garganta, e conseguiu apenas fazer uma careta.
A bulha dos passos cessou sem que ninguém chegasse à sala; os
dois levaram algum tempo naquela mesma posição, até que o Leonardo, por
um supremo esforço, rompeu o silêncio, e com voz trêmula e em tom o mais
20
sem graça que se possa imaginar perguntou desenxabidamente :
— A senhora... sabe... uma coisa?
E riu-se com uma risada forçada, pálida e tola.
Luizinha não respondeu. Ele repetiu no mesmo tom:
— Então... a senhora... sabe ou... não sabe?
E tornou a rir-se do mesmo modo. Luizinha conservou-se muda.
— A senhora bem sabe... é porque não quer dizer...
Nada de resposta.
— Se a senhora não ficasse zangada... eu dizia...
Silêncio.
— Está bom... eu digo sempre... mas a senhora fica ou não fica
zangada?
Luizinha fez um gesto de quem estava impacientada.
— Pois então eu digo... a senhora não sabe... eu... eu lhe quero...
muito bem.
Luizinha fez-se cor de uma cereja; e fazendo meia-volta à direita,
foi dando as costas ao Leonardo e caminhando pelo corredor. Era tempo,
pois alguém se aproximava.
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Leonardo viu-a ir-se, um pouco estupefato pela resposta que ela
lhe dera, porém não de todo descontente: seu olhar de amante percebera
que o que se acabava de passar não tinha sido totalmente desagradável a
Luizinha.
Quando ela desapareceu, soltou o rapaz um suspiro de desabafo e
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assentou-se, pois se achava tão fatigado como se tivesse acabado de lutar
braço a braço com um gigante.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., p. 68.)
20
Sem graça.
Pasmado, assombrado, atônito.
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Indignado, cheio de cólera, enfurecido, raivoso.
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17
23 A COMADRE EM EXERCÍCIO
Nasce a filha de Leonardo Pataca e Chiquinha. A comadre
realiza o parto.
Os leitores devem estar lembrados de que o nosso antigo
conhecido, de quem por algum tempo nos temos esquecido, o LeonardoPataca, apertara-se em laços amorosos com a filha da comadre, e que com
ela vivia em santa e honesta paz. Pois este viver santo e honesto deu em
tempo oportuno o seu resultado. Chiquinha (era este o nome da filha da
comadre), achou-se de esperanças e pronta a dar à luz. Já vêem os leitores
que a raça dos Leonardos não se há de extinguir com facilidade.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., p. 69.)
24 TRAMA
A comadre dá prosseguimento ao plano de desconceituar
José Manuel. Para isso, ela aproveita um escândalo ocorrido num
local chamado Oratório da Pedra: uma moça, que vivia em companhia
de sua mãe, velha, rica e devota, indo com ela rezar junto ao Oratório, na
ocasião da passagem da via-sacra, fugira, tendo levado consigo um pé de
meia preta contendo uma boa porção de peças de ouro. Falava-se muito no
caso, não porque fosse naquele tempo coisa de estranhar-se, mas porque
havia um mistério no sucesso: ninguém sabia com quem tinha fugido a
moça.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., p. 73.)
A comadre procura D. Maria e inventa que estava presente
no Oratória da Pedra e que o culpado por raptar a moça é José
Manuel. Assim, dá prosseguimento ao plano tramado com o afilhado
e o compadre.
26 DERROTA / 27 O MESTRE DE REZA
D. Maria chega a acreditar nas palavras da comadre,
principalmente por causa da maneira de falar de José Manuel.
D. Maria a princípio quis sustentar o segredo; afinal não se pôde
conter, e soltou contra José Manuel uma grande alicantina, dizendo que
toda a cidade estava cheia do horroroso escândalo que ele acabava de
cometer roubando uma filha família.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., p. 76.)
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prisão. Leonardinho esconde-se na casa de Vidinha. O Major
procura-o por toda parte com seu grupo de granadeiros, mas não o
encontra.
37 O VIDIGAL DESAPONTADO
O Major Vidigal jura vingança porque teve seu orgulho ferido
e também por causa das zombarias do povo.
O major tinha razão: riam-se com efeito dele; e os primeiros que o
faziam eram os granadeiros Apesar de que, escravos da disciplina,
empregavam os mais sinceros esforços para coadjuvá-lo; e apesar também
de que revertia para eles alguma glória das façanhas do major, não
puderam entretanto deixar de achar graça no que acabava de suceder, pois
conheciam a presunção do Vidigal, e repararam na cara desapontada com
que ele havia ficado. Depois, apenas o major pôs pé fora da soleira da casa
onde lhe tinha escapado Leonardo, uma multidão imensa que tudo havia
presenciado desatou a rir estrondosamente.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., p. 104.)
Os dois irmãos procuram o Major Vidigal para denunciar a
vadiagem de Leonardinho em casa das viúvas.
A Comadre procura o Major e chora ajoelhada a seus pés,
porque não sabe que o afilhado escapara da prisão. Suplica pelo
afilhado, é ridicularizada pelos granadeiros. No final, o major conta
que o rapaz escapara.
38 CALDO ENTORNADO
A Comadre dirige-se à casa das velhas e prega um sermão
ao afilhado. Exige que ele abandone a vadiagem e procure um
emprego. Ela mesma consegue para ele um trabalho na Ucharia
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Real . O Major não gosta disso, porque não pode mais prender
Leonardo por vadiagem.
Na Ucharia mora um certo Toma-Largura em companhia de
uma mulher bonita. É assim chamado por causa da sua aparência:
indivíduo grandalhão e desajeitado. Leonardinho demora-se cada
vez mais no trabalho e vai esquecendo Vidinha. Toma-Largura pega
Leonardinho tomando sopa com sua mulher e corre atrás dele,
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Despensa real.
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surgimento de um novo concorrente, une-se ao outro contra
Leonardinho. As velhas e a moça tomam o partido de Leonardinho.
Há brigas e confusões. Leonardinho decide sair de casa, mas as
velhas não consentem. Chega a Comadre.
José Manuel procura descobrir quem é o seu adversário e
quem fez a intriga junto a D. Maria. O Mestre de Reza encarrega-se
de descobrir para José Manuel quem é o intrigante.
Comentário: A figura do agregado destaca-se na literatura brasileira
do século XIX, principalmente em Machado de Assis (a figura de
José Dias é inesquecível). O agregado, como o texto transcrito deixa
bem claro, tornara-se uma instituição não apenas bem aceita pela
sociedade da época como comum. Leonardinho faria parte daquele
grupo de agregados que nada produz, assumido a sua posição
predileta de vadio e parasita. A ironia do narrador no final da
passagem já deixa clara a posição ocupada pelo protagonista.
28 TRANSTORNO
34
Morre o compadre e deixa todos os seus bens para
Leonardinho. Leonardo Pataca aparece para tomar conta do filho,
interessado em seus bens. Também a comadre. Leonardo muda-se
para a casa do filho. Ficam todos morando juntos. Os
desentendimentos entre Leonardinho e Chiquinha, mulher do pai,
exigem que Leonardo Pataca e a Comadre intervenham para
apaziguar os ânimos, mas quase sempre pioram a situação. Os
negócios assim iam mal, pois mais dia menos dia haveria grande barulho
em casa.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., p. 82.)
MALSINAÇÃO27
Depois das três mulheres conversarem, Leonardinho acaba
ficando. Vidinha alegra-se. Os primos são vencidos, mas decidem
que se vingarão de Leonardinho. Os dias vão passando. Tempos
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depois, os jovens todos resolvem armar uma nova patuscada . Os
dois irmãos aproveitam para cumprir a vingança e avisam o Major
Vidigal, que chega no meio da farra e prende Leonardinho por
vadiagem.
35 TRIUNFO COMPLETO DE JOSÉ MANUEL
José Manuel obtém o consentimento de D. Maria para casarse com Luisinha, depois de ganhar uma causa forense para a velha.
Leonardinho já havia mesmo esquecido Luisinha, que aceita o novo
pretendente com indiferença. O casamento é celebrado com grande
festa e muitas carruagens.
29 PIOR TRANSTORNO
Leonardinho, nervoso depois de voltar da casa de D. Maria
sem ter visto Luisinha, briga com Chiquinha.
Chiquinha, a amante de Leonardo-Pataca, era de um gênio assim;
e depois que moravam todos juntos, não perdia uma só dessas ocasiões em
virtude da antipatia que tinha ao rapaz, para fustigar de língua ao pobre
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Leonardo. Este, de um gênio colérico e pouco acostumado a ser
contrariado, ia às nuvens com semelhante coisa; e, se em ocasiões
ordinárias em que estava de bom humor eram constantes as brigas em
casa, calcule-se o que não faria nas ocasiões como naquela a que nos
referimos, que estivesse cheio de razões, e então por que motivo! Vendo
Chiquinha entrar o Leonardo pela porta adentro de cara amarrada e sem dar
— Deus te salve — a ninguém, sorriu-se com malignidade e concertou a
garganta, dizendo entre dentes:
— Melhor cara traga o dia de amanhã.
36 ESCAPULA
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., p. 83.)
Depois de preso pelo Major, Leonardinho aproveita-se de
um tumulto na rua e consegue escapar quando estão a caminho da
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Ação ou efeito de malsinar; denúncia, acusação, delação.
Reunião festiva para comer e beber; folia animada, divertida e barulhenta;
pândega, farra.
22
Leonardinho derruba a almofada de Chiquinha, que discute
com o rapaz. Leonardo Pataca assume as dores da mulher e
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ameaça surrar o filho com um espadim . Leonardinho, que não se
23
24
Indignado, cheio de cólera, enfurecido, raivoso.
Espada de pequeno tamanho.
19
esqueceu do pontapé da infância, foge de casa. Aliás, da própria
casa por direito de herança do compadre. A comadre procura pelo
afilhado, enquanto a vizinhança toda comenta o ocorrido.
30 REMÉDIO AOS MALES
Durante a fuga, Leonardinho chega até os Cajueiros.
Adormece e é acordado por gargalhadas. Rapazes e moças
participam de um piquenique. Leonardinho, faminto, resolve
aproximar-se da festa alheia e reconhece o antigo colega sacristão
da Sé. Leonardo fica conhecendo Vidinha, mulata de 18 a 20 anos e
apaixona-se por ela. Vidinha era cantora de modinhas e tocava viola.
32 JOSÉ MANUEL TRIUNFA
Apesar de ter procurado o afilhado por toda parte, comadre
não consegue encontrá-lo em parte alguma. Ela vai à casa de D.
Maria. Depara-se com a presença do padre mestre-de-rezas. A
comadre é repreendida por D. Maria por causa da intriga armada
contra José Manuel. A comadre percebe que José Manuel está
perdoado aos olhos da velha e que o mestre-de-rezas desvendara
tudo. A comadre desculpa-se com D. Maria. Depois sabe por D.
Maria que o interesse de seu afilhado por Luisinha não vai muito
bem e que José Manuel está adiantado quanto a isso.
33 O AGREGADO
O Leonardo, que talvez hereditariamente tinha queda para aquelas
coisas, ouviu boquiaberto a modinha, e tal impressão lhe causou, que
depois disso nunca mais tirou os olhos de cima da cantora. A modinha foi
aplaudida como cumpria. Levantaram-se então, arrumaram tudo o que
tinham levado em cestos, e puseram-se a caminho, acompanhando o
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Leonardo o farrancho.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., pp. 87-88.)
[...] agora não via senão os olhos negros e brilhantes, e os alvos
dentes de Vidinha; não ouvia senão o eco da modinha que ela cantara.
Estava pois embebido num êxtase contemplativo.
Passaram-se assim algumas semanas: Leonardo, depois de
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acabadas todas as cerimônias, foi declarado agregado à casa de Tomaz
da Sé, e aí continuou convenientemente arranjado. Ninguém se admire da
facilidade com que se faziam semelhantes coisas; no tempo em que se
passavam os fatos que vamos narrando, nada havia mais comum do que ter
cada casa um, dois, e às vezes mais agregados.
Em certas casas os agregados eram muito úteis, porque a família
tirava grande proveito de seus serviços, e já tivemos ocasião de dar
exemplo disso quando contamos a história do finado padrinho de Leonardo;
outras vezes porém, e estas eram em maior número, o agregado, refinado
vadio, era uma verdadeira parasita que se prendia à árvore familiar, que lhe
participava da seiva sem ajudá-la a dar os frutos, e o que é mais ainda,
chegava mesmo a dar cabo dela. E o caso é que, apesar de tudo, se na
primeira hipótese o esmagavam com o peso de mil exigências, se lhe batiam
a cada passo com os favores na cara, se o filho mais velho da casa, por
exemplo, o tomava por seu divertimento, e à menor e mais justa queixa
saltavam-lhe os pais em cima tomando o partido de seu filho, no segundo
aturavam quanto desconcerto havia com paciência de mártir, o agregado
tornava-se quase rei em casa, punha, dispunha, castigava os escravos,
ralhava com os filhos, intervinha enfim nos mais particulares negócios.
Em qual dos dois casos estava ou viria estar em breve o nosso
amigo Leonardo? O leitor que o decida pelo que se vai passar.
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., pp. 88-89.)
(ALMEIDA, Manuel Antônio de. Op. Cit., p. 94.)
31 NOVOS AMORES
A nova família de Leonardinho é formada por duas irmãs
viúvas, uma com três filhos e outra com três filhas. Os três filhos da
primeira têm mais de 20 anos e trabalham como empregados no
trem. As moças têm mais ou menos e mesma idade dos moços. São
bonitas. Uma delas é Vidinha.
Leonardo deixa-se ficar a convite do amigo Tomás da Sé,
esquecendo-se completamente de Luisinha.
Dois irmãos da nova família de Leonardinho estão
interessados em Vidinha, que mantém um certo namoro com um
deles. Vidinha é volúvel e namoradeira. O segundo irmãos, com
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Grupo de pessoas que se dirige a uma festa.
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Aquele que convive com uma família, como se dela fizesse parte, mesmo
não sendo parente.
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Memórias de um sagento de milícias