“Era no tempo do rei.”
Memórias de
um sargento
de milícias
Manuel Antônio de Almeida
“Já naquele tempo (e dizem que é defeito do
nosso) o empenho, o compadresco eram
uma mola real de todo o movimento social.”
Memórias de um sargento de milícias (1852)
guarda civil
Narração em terceira pessoa. Deve ser entendida como obra de
apontamento histórico, pois capta cenas e costumes do passado.
Romance satírico, picaresco
sem idealização
Personagem central: pícaro (espécie de marginal que vive ao
sabor do acaso); malandro; anti-herói (jeitinho brasileiro).
sem idealização
Personagens
caricaturas
Costumes populares
não burgueses
Local: Rio de Janeiro
Época: D. João VI (1808-21)
não imperial
Estilo
linguagem coloquial, descontraída, própria de jornal,
embora obedeça à norma gramatical;
conversa com o leitor;
obra romântica que ridiculariza o Romantismo:
“(... ) mas o homem era romântico, como se diz hoje, e babão, como
se dizia naquele tempo; não podia passar sem uma paixãozinha.”
romance considerado precursor do Realismo.
Ordem x Desordem social
os personagens do romance
agem de acordo com as necessidades, sem moralismos nem
escrúpulos, pois suas virtudes compensam seus pecados. Esta
“lei das compensações” (“política do favor”, “jeitinho brasileiro”) é
gerada pela necessidade de sobrevivência. Num universo onde
há senhores e escravos, os chamados “homens livres” (sem
poder político e econômico) não se preocupam muito com as
convenções sociais, a não ser quando estas lhes são favoráveis.
Enredo:
I – Origem, nascimento e batismo – Era no tempo do rei. Leonardo
Pataca, muito gordo e pachorrento, era um meirinho (oficial de justiça)
pouco procurado na rua do Ouvidor por ser moleirão. Ganhara o
apelido por queixar-se do valor que recebia por citação.Trabalhara
como algibebe (vendedor ambulante) em Lisboa. Quando veio para o
Brasil, conheceu no navio Maria da Hortaliça, saloia
(quitandeira) das praças de Lisboa:
Ao sair do Tejo, estando a Maria encostada à borda do
navio, o Leonardo fingiu que passava distraído por junto
dela, e com o ferrado sapatão assentou-lhe uma valente
pisadela no pé direito. A Maria, como se já esperasse por aquilo, sorriuse como envergonhada do gracejo, e deu-lhe também em ar de disfarce
um tremendo beliscão nas costas da mão esquerda. Era isto uma
declaração em forma, segundo os usos da terra: levaram o resto do dia
de namoro cerrado; ao anoitecer passou-se a mesma cena de pisadela
e beliscão, com a diferença de serem desta vez um pouco mais fortes;
e no dia seguinte estavam os dois amantes tão extremosos e familiares,
que pareciam sê-lo de muitos anos.
Foram morar juntos e sete meses depois manifestaram-se os
efeitos da pisadela e do beliscão: nasceu o Leonardo. Os
padrinhos foram a parteira e o barbeiro de defronte.
II – Primeiros infortúnios – A narrativa salta sete anos e revela o
herói como um verdadeiro flagelo: desde o nascimento
atormentava com seu choro. Quando aprendeu a caminhar,
passava o tempo fazendo travessuras. Pataca, por sua vez, que
já desconfiava de sua esposa, descobrira a traição. Enquanto
brigava com a mulher, o filho calmamente rasgava as folhas dos
autos trazidos pelo meirinho. Enlouquecido, Pataca suspende o
filho pelas orelhas e dá um pontapé em cheio no menino,
chamando-o de filho de uma pisadela com um beliscão. O
barbeiro tenta interceder sem sucesso. Pataca sai de
casa. Ao voltar à tarde, disposto à reconciliação,
percebe que Maria da Hortaliça fugira com o capitão
de um navio. O menino então ficara aos cuidados do
barbeiro.
III – Despedidas às travessuras – O padrinho, já com mais de
50 anos, nunca tivera filhos, portanto não tinha experiência para
cuidar de Leonardinho, além disso nutria enorme afeição por ele,
o que resultou numa educação frouxa e na aceitação cega de
todos os pecados do menino. Sonhava para o afilhado, agora
com 9 anos, a profissão de clérigo.
IV – A fortuna – Pataca vai a um feiticeiro para “saber sobre o
futuro”, pois andava apaixonado por uma cigana. Chega o Major
Vidigal e sua guarda.
V – O Vidigal – Como a polícia da cidade naquela época ainda
não era organizada, o Major Vidigal era a lei, o juiz supremo. Pois
o Vidigal, ao flagrar o Pataca completamente nu em um ritual de
feitiçaria, acaba impondo uma série de humilhações a ele,
culminando com sua prisão.
VI – Primeira noite fora de casa – Acompanhando a “Via-Sacra
do Bom Jesus”, Leonardo perde-se em travessuras com dois
meninos com quem fizera amizade. Eram ciganos e estavam
acostumados à vida à toa.
VII – A comadre – Carola e fofoqueira, a comadre passa a
participar mais da história, revelando-se sinceramente
interessada no destino do afilhado, embora não concordasse em
fazê-lo padre.
VIII – O pátio dos bichos – No palácio del-rei existia uma saleta
conhecida como pátio dos bichos, local por onde passavam três
ou quatro oficiais superiores velhos e ociosos. Um deles é
procurado pela comadre para interceder em favor da libertação
de Leonardo Pataca.
IX – O arranjei-me do compadre – Sem ter conhecido os pais, o
compadre foi criado por um barbeiro, de quem aprendeu o ofício.
Como também sabia “sangrar”, conheceu um marujo que o
colocou a bordo de um navio. Com sua lanceta o jovem barbeiro
promoveu diversas “curas”.
Antes de chegar ao Rio, o Capitão adoeceu e não teve a sorte
dos demais. Pouco antes de morrer, confiou ao barbeiro uma
caixa com moedas de ouro que seria a herança de sua filha.
Como não havia testemunhas, o barbeiro instituiu-se como
herdeiro do Capitão e foi assim que se arranjou na vida...
X – Explicações – Conta-se o motivo pelo qual o oficial do pátio
dos bichos ajuda Pataca a sair da prisão: ainda em Portugal, o
filho mau caráter deste oficial desonrara a Maria da Hortaliça. O
oficial, procurando satisfazer seu escrúpulo de pai, fazia o que
podia pela moça, tendo incumbido a comadre de o avisar quando
fosse preciso.
XI – Progresso e atraso – o compadre, que já começara a
ensinar o alfabeto a Leonardo, sofria porque o menino encalhara
no F. Tempos depois, conseguira avançar até o P, mas o difícil
mesmo era ensiná-lo a rezar o padre-nosso. À parte isso, o
barbeiro incomoda-se com a vizinha, que vive a fazer piadas e
ironias acerca da pretensão de fazer do menino um padre:
“- Então, vizinho, como vai o seu reverendo?”
XII – Entrada para a escola – Leonardo vai para a escola e sofre
muitos castigos por sua indisciplina.
XIII – Mudança de Vida – o compadre conseguiu, a muito custo,
que o menino fosse à escola por dois anos, porém na ia à aula, o
que lhe rendeu o apelido de gazeta-mor. Ia quase sempre à Igreja
da Sé, onde conheceu um menino que era sacristão e tão
travesso quanto ele. Pediu então ao padrinho para também ser
sacristão, formando uma dupla terrível com o novo parceiro:
durante a missa, jogaram fumaça e derramaram cera na vizinha
debochada, que depois foi queixar-se ao mestre-de-cerimônias, o
que lhes rendeu uma severa repreensão.
XIV – Nova vingança e seu resultado – os dois meninos
decidiram vingar-se do mestre-de-cerimônias. Sabedores de que
o padre tinha relações com uma cigana (a mesma do Pataca),
prepararam uma armadilha para ele. O padre enfurecido despede
o menino.
XV – Estralada – Pataca, ao descobrir que o padre era amante
da cigana, arma contra ele, fazendo o padre ser levado preso por
Vidigal (episódio do Chico-Juca).
XVI – Sucesso do plano – Pataca reata sua relação com a
Cigana.
XVII – D. Maria – aparece D. Maria, mulher rica e religiosa, amiga
do barbeiro e da comadre, que se interessara pelo destino que
deveria ter o Leonardo.
XVIII – Amores – alguns anos depois dos fatos narrados,
Leonardo era um “vadio-mestre”. Pataca casara-se com a filha da
comadre, Chiquinha. D. Maria, bastante envelhecida, era agora
tutora da sobrinha Luisinha. E Leonardo apaixonou-se por ela.
XIX – Domingo do Espírito Santo – Leonardo e o padrinho vão
visitar D. Maria (e Luisinha).
XX – O fogo no campo – Os quatro vão ao Campo para
ver os fogos de artifício. Na volta, Leonardo e Luisinha
caminham de mãos dadas.
XXI – Contrariedades – surge um rival para Leonardo: o Sr. José
Manuel, homenzinho de 35 anos, asqueroso e interesseiro, pois
Luisinha era a única herdeira de D. Maria.
XXII – Aliança – o compadre e a comadre estabelecem uma
aliança para combater José Manuel.
XXIII – Declaração – Leonardo declara-se à Luisinha.
XXIV – A comadre em exercício - nasce a filha de Pataca e
Chiquinha, de comportamento oposto ao de Leonardinho.
XXV – Trama – quando a comadre não fazia partos, tratava de
desconceituar José Manuel para D. Maria. Chegou a inventar que
ele havia roubado e desvirtuado uma jovem muito rica.
XXVI – Derrota – D. Maria busca satisfação de José Manuel
sobre o assunto e este jura inocência.
XXVII – O mestre-de-reza – José Manuel paga o mestre-de-reza
de D. Maria para ajudá-lo no caso.
XXVIII – Transtorno – o compadre adoece e morre. Como o
afilhado era o herdeiro universal do padrinho, Pataca apresentase para tomar conta do filho e, mesmo contra a vontade deste, o
leva para sua casa.
XXIX – Pior transtorno – Leonardinho e Chiquinha discutem e
Pataca expulsa o rapaz de sua casa. A comadre fica ao lado do
afilhado.
XXX – Remédio dos males – Leonardo vaga pela cidade e
acaba se deparando com um grupo de rapazes e moças que
jogavam baralho e riam muito. Leonardo reconheceu entre eles o
antigo sacristão da Sé, Tomás. Este apresentou-lhe Vidinha, uma
mulatinha muito atraente, de 18 a 20 anos, que cantava modinhas
e o deixou apaixonado.
XXXI – Novos amores – Leonardo hospeda-se na casa do amigo
e descobre que Vidinha era disputada por dois primos.
XXXII – José Manuel triunfa – a comadre, que continuava a
procurar o Leonardo, vai à casa de D. Maria e logo percebe que
José Manuel conseguira reverter sua situação, tornando-se
pretende de Luisinha.
XXXIII – O agregado – Leonardo torna-se agregado da casa de
Tomás, mas certo dia, ao ser surpreendido abraçado com
Vidinha, briga com um dos primos da moça e decide partir. Neste
momento, aparece a comadre.
XXXIV – Malsinação – a comadre insistia para Leonardo
acompanhá-la, mas as duas velhas da casa de Tomás queriam
que o rapaz ficasse. A comadre acaba fazendo amizade com as
velhas e tudo se resolve com a permanência de Leonardo.
Vidinha fica alegre com a decisão, exceto os dois primos, que
tramam contra Leonardo para que este seja preso por vadiagem
pelo Major Vidigal.
XXXV – Triunfo completo de José Manuel – D. Maria, como
sabemos, tinha mania de demandas. Pois José Manuel obteve
uma importante vitória na demanda do testamento em favor de
Luisinha. Com a confiança de D. Maria, aproveita e pede a mão
de Luisinha em casamento e é atendido.
XXXVI – Escápula – Leonardo foge quando se encontrava a
caminho da cadeia e retorna à casa de Vidinha. Vidigal,
indignado, jura vingança.
XXXVII – O Vidigal desapontado – ao entrar na casa da guarda,
o Major depara-se com a comadre que se atira a seus pés,
pedindo a libertação de Leonardo. Vidigal disse que ele havia
fugido e a comadre vai embora feliz.
XXXVIII – Caldo entornado – ao encontrar Leonardo, a comadre
o repreende, dizendo que este havia de arrumar uma ocupação,
caso contrário voltaria para as unhas do Vidigal. O rapaz
concordou e prometeu mudar. A comadre, então, consegue um
emprego para Leonardo na ucharia (despensa) real. Com isso, a
despensa de Vidinha passou a estar sempre abarrotada. No pátio
da ucharia morava um toma-largura (qualquer pessoa empregada
no serviço real) e uma moça bonita. O toma-largura era um
homem grande, forte e bruto. Pois o Leonardo foi à casa da moça
levar-lhe uma tigela de caldo de sopa. A moça convidou-o para
acompanhá-la. Em seguida o toma-largura os surpreende e corre
desatinadamente atrás de Leonardo, provocando grande
escândalo. Leonardo acaba despedido da ucharia.
XXXIX – Ciúmes – em seguida, o Vidigal já sabia dos detalhes
do acontecido e colocou-se em alerta. Vidinha, enciumada,
decide ir à ucharia falar com o toma-largura. Leonardo seguiu a
moça, pedindo que não fosse. No caminho, o Vidigal prende o
rapaz sem que Vidinha percebesse.
XL – Fogo de palha – Vidinha fora à ucharia para fazer um
desaforo ao casal e foi embora, sem saber que era seguida pelo
toma-largura.
XLI – Represálias – com desaparecimento, até então, não
explicado de Leonardo, todos na casa de Vidinha passaram a
odiá-lo. Enquanto isso, Vidinha passa a ser cortejada pelo tomalargura e, em pouco tempo, ela e os familiares já gostavam dele.
Um dia, a família saiu para uma patuscada, mas o toma-largura
bebeu demais e armou uma confusão, o que provocou o
aparecimento de Vidigal e dos granadeiros. Quando um deles se
aproximou do toma-largura para prendê-lo, todos se
surpreenderam: era Leonardo.
XLII – O granadeiro – pequeno flashback para explicar o
Leonardo granadeiro: Vidigal entendeu que era importante ter em
seu grupo um homem astuto e com uma “rica escola de
vadiação e peraltismo”. O problema é que, por vezes,
Leonardo enrolava o Major nas suas brincadeiras,
como o episódio do Papai lelê, seculorum (gravura),
sendo flagrado em pleno delito e depois perdoado.
XLIII – Novas diabruras – o Major planejara uma importante
diligência para prender um cantor satírico e banqueiro de jogo
chamado Teotônio, mas Leonardo que estava à frente da
operação tomou-se de simpatia pelo homem e, junto com ele,
enganou o Vidigal. O Teutônio, mestre em imitações e caretas,
fugiu como um aleijado.
XLIV – Descoberta – enquanto a patrulha do Vidigal se retirava,
um amigo de Teutônio abraçou Leonardo para agradecer por ter
enganado o Major, provocando a prisão imediata do novo
granadeiro.
Por esses tempos, ao se encontrarem na missa, a comadre e D.
Maria reclamavam de uma para outra o destino de seus
protegidos: a comadre falava das desgraças de Leonardo e D.
Maria do mau casamento de Luisinha, que sequer podia sair de
casa e vivia chorando.
XLV – Empenhos – como a comadre não teve sorte ao falar com
Vidigal, decidiu unir-se à D. Maria para que ambas fossem pedir
ajuda a um antigo amor do Major: Maria-Regalada.
XLVI – As três em comissão – foram à casa do Vidigal e
choraram muito pelo Leonardo, mas o Major parecia irredutível,
até que Maria-Regalada levantou-se e foi falar-lhe ao ouvido.
Leonardo finalmente seria solto.
XLVII – A morte é juiz – morre José Manuel. Leonardo, além de
livre, é promovido a sargento.
XLVIII – Conclusão feliz – Luisinha e Leonardo reatam o antigo
namoro (“quem quiser ver coisa de andar depressa é ver namoro
de viúva”). Mas como sargento de tropas, o rapaz não poderia se
casar, então foram falar com o Vidigal (agora vivendo com MariaRagalada). O Major concordou em fazer de Leonardo sargento de
milícias. Leonardo e Luisinha se casam e Pataca devolve os bens
do filho (herança do padrinho).
“Daqui em diante aparece o reverso da medalha. Seguiu-se a
morte de D. Maria, a do Leonardo-Pataca, e uma enfiada de
acontecimentos tristes que pouparemos aos leitores, fazendo
aqui ponto final.”
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