Revista Educare ISEIB - Montes Claros - MG v. 1 2005
A LITERATURA NO JORNAL, O JORNAL NA LITERATURA - A
ESCRITA DE MANUEL ANTÔNIO DE ALMEIDA E DE LIMA
BARRETO
Edwirgens Aparecida Ribeiro Lopes de Almeida 
RESUMO
Neste estudo, intencionamos discutir, sucintamente, a relação entre a literatura e o jornalismo presente na escrita de
dois grandes nomes da literatura nacional. Manuel Antônio de Almeida, contextualizado em meados do século XIX, e
Lima Barreto, nos primeiros anos do século XX. Buscaram, cada um em seu tempo, fazer da literatura um veículo de
fazer pensar a população, utilizando a escrita como meio de romper e problematizar o sistema político e social
vigente, revelando a realidade brasileira através da crítica, do romance publicado em folhetim e das crônicas.
PALAVRAS-CHAVE: literatura, jornal, imprensa, ficção, escrita.
“A instrução por meio do jornal é o método mais astucioso e infalível
para vencer a ignorância no que ela tem de mais terrível__ essa
presunção de suficiência que de ordinário se disputa no espírito dos
que pouco aprendem.”(ALMEIDA, 1991:88)
“ Seria tolice exigir que os jornais fossem revistas literárias, mas isto
de jornal sem folhetins, sem crônicas, sem artigos, sem comentários,
sem informações, sem curiosidade, não se compreende
absolutamente.” (BARRETO, 1993:81)
Contextualizada em tempos distintos, a literatura de Manuel Antônio de
Almeida e a de Lima Barreto comunga de alguns aspectos, dentre eles a busca da
identidade nacional, a escrita inusitada, o espaço central da narrativa representado pela
periferia da cidade do Rio de Janeiro, a crítica à imprensa; enfim, o objetivo de
documentar a realidade pela ficção através da função de escritores-jornalistas.
Com este intuito, acreditamos que se faz relevante determinarmos qual a
relação existente entre o jornalismo e a literatura. Podemos tomar como base a
concepção adotada por Alceu Amoroso Lima, em O Jornalismo como gênero literário,
onde ele define que a literatura é toda expressão verbal com ênfase nos meios de
expressão. Neste sentido, a literatura manipula a palavra, mas não exclui a verdade, o
bem, a história, a autobiografia, a filosofia, as ciências (LIMA, 1960:20/24). Nesta
concepção, entende-se que o jornalismo, por conseguinte, apresenta a condição
necessária para ser considerado um gênero literário, já que exercita o trabalho verbal e
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Mestranda em Literatura Brasileira pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista da CAPES.
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visa à transmissão de um pensamento ou de uma mensagem, aspecto este que chega a
diferir do caráter meramente literário em que uma palavra pode valer apenas pela
palavra.
Adentrando-nos nesta análise, convém lembrar que Alceu Amoroso Lima
adota o jornalismo não como literatura pura, como a poesia, mas admite que ambas
possuem afinidades similares, ou seja, o trabalho delicado e minucioso com a palavra
como meio de expressão. Com isto posto, se considerarmos a literatura apenas em seu
caráter estético e ficcional, então teremos que distanciá-la do jornalismo. No entanto,
como este faz uso da comunicação verbal, acreditamos que esteja apto a ingressar no
mundo das letras. Conforme nos acrescenta Amoroso Lima, esta preocupação com a
apreciação verbal define o aspecto jornalístico e o aproxima da literatura. Sendo assim:
O jornalismo tem sempre, por natureza, como veremos, um fim que
transcende ao meio. E por isso, sempre que esse reduzir o meio (a palavra)
a um simples instrumento de transmissão, deixará de ser jornalismo para
ser apenas publicidade ou propaganda, ou noticiário, ou anúncio (LIMA,
1960:23).
A esse respeito, pode-se depreender que o texto jornalístico apresenta o
aspecto crítico e informativo como sua primordial preocupação, no entanto, também
pode atuar como manipulador de massas, característica intimamente relacionada à
publicidade. No afã de exercer o papel fundamental da imprensa, o jornalista faz um
misto de verdade e criação. Neste sentido, destaca-se que, no novo jornalismo, os
aspectos informativos e ficcionais se misturam. Não se entende onde começa a crônica e
a reportagem, onde é literatura e jornalismo, onde é romance e matéria. Assim, Artur de
Távola, no Jornal O DIA, acrescenta que na literatura do jornal ou no jornalismo da
literatura ocorre “uma pausa de subjetividade, ao lado da objetividade da informação do
restante do jornal. Um instante de reflexão, diante da opinião peremptória do editorial”.
Nesta aproximação do limiar entre jornalismo e literatura, torna-se relevante
ressaltar que a liberação da imprensa nos primeiros anos do século XIX, motivada pela
transferência da família real portuguesa para o Brasil, foi um fator determinante para o
acesso do público às informações. Com o intuito de atrair, principalmente as mulheres
leitoras, a partir de 1836, os romances passaram a ser publicados, em capítulos, nos
números dos jornais dominicais. Com o sucesso crescente, os autores começaram a ser
convidados para escreverem especialmente para os jornais. Conforme Marlyse Meyer,
“O jornal é uma plataforma permanentemente aberta aos jovens que querem tentar a
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carreira literária e experimentar o gênero moderno por excelência que é o
romance”(MEYER, 1996:63). Assim, a literatura e o jornal passam a ocupar o mesmo
espaço e a exercerem funções análogas.
Neste contexto, nos primeiros anos da década de 1850, Manuel Antônio de
Almeida surgia no jornalismo carioca. Dentre vários textos críticos, o artigo Civilização
dos Indígenas, escrito em dezembro de 1851 e publicado no Correio Mercantil, é
reproduzido na primeira página do Jornal do Commercio, em fevereiro de 1852,
gerando grande discussão na sociedade deste período. Nesse artigo, Manuel Antônio faz
uma crítica exaltada à proposta do historiador Francisco Adolfo Varnhagen de
restabelecer as bandeiras, com o objetivo de ocupar as terras dos índios e incorporá-los
à sociedade imperial como mão-de-obra servil. Essa atualidade provocadora e crítica da
escrita de Manuel Antônio de Almeida pode ser percebida em sua prática diária no
jornalismo, nos dispersos e na própria obra Memórias de um sargento de milícias,
publicada no Correio Mercantil na seção dominical “A Pacotilha”. Segundo Bernardo
de Mendonça, as Memórias contêm “...uma das histórias mais exemplares e instrutivas
de extemporaneidade na cultura brasileira”(MENDONÇA, 1991:xii). Sobre este caráter
documental e informativo da obra, José Veríssimo acrescenta que o romance possui
grande valor no que se refere a sua fidelidade à sociedade carioca retratada. Para ele, as
pessoas,
“que procuram no romance não a distração de uma ingênua narrativa com
que o homem, eterna criança, se diverte ou consola, mas a história
psicológica da sociedade, a representação da vida nos traços mais
verdadeiros, mais vivos e ao mesmo tempo mais conformes ao tipo que da
perfeição plástica se fazem, lerão este livro com simpatia”(VERÌSSIMO,
1894: 296).
Neste mesmo viés investigativo, Astrogildo Pereira, em O Romance brasileiro
_ de 1753 a 1930, explicita que a obra revela uma mimesis dos costumes fluminenses da
época. Desta forma, a obra fornece
uma série de documentos de primeira ordem, em nada inferiores às famosas
aquarelas de Debret. Os tipos, os quadros, as cenas, as manchas, as
pequenas anotações vão marcando as páginas da narrativa, que se
desdobra em toda a sua naturalidade, às vezes não isenta de certa malícia.
O desenho é geralmente firme e exato, e o colorido é sempre delicioso. (...)
Manuel Antônio e Debret se completam, e eu não creio possível bem
compreender a vida do Rio no começo do século passado sem os ter lido e
visto (PEREIRA, 1952: 40).
Endossando este caráter documental e jornalístico da obra, torna-se relevante
ressaltar que Manuel Antônio faz uso do caráter informativo do jornal na composição da
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obra. Ao caricaturar personagens reais, como o Major Vidigal, delineia a realidade de
uma camada que, até então, esteve ausente das páginas literárias. Neste sentido,
acreditamos que Manuel Antônio pode ser interpretado como representante da cidade e
intérprete da baixa classe média, florescente, mas ainda minoritária e relegada ao papel
de coadjuvante da decisão política, uma vez que essas personagens, tais como o
padrinho, o meirinho, a parteira, a cigana, a comadre, o barbeiro, o “malandro” povoam
o Rio de Janeiro “no tempo do rei”. Conforme Cecília de Lara, citada por Ivete Walty
(1980), essa voz que particulariza e faz surgir uma nova classe social na literatura
indicia que na obra há outros discursos como o da crônica jornalística, o do relato
histórico ou o da narrativa folclórica. Sobre essa pluralidade de abordagens, diz Afrânio
Coutinho:
É saborosa a sua veia satírica aos costumes da sociedade do tempo
retratado, a época do rei, durante a qual sobrados motivos havia para a
análise cruel de um espírito sarcástico. Nada lhe escapa, nobres e
burgueses, policiais e funcionários, pequenos e grandes, padres e leigos,
políticos e serventuários da justiça (ALMEIDA, 1999:08).
Este intuito de documentar e satirizar a realidade carioca e, alegoricamente, a
sociedade brasileira presente nas Memórias estende-se às crônicas e artigos produzidos
por Manuel Antônio. O legado deixado pelo autor em dispersos é numericamente
reduzido e qualitativamente extenso. Composto por seis crônicas, oito ensaios de crítica
textual, dois artigos sobre ética e funções da imprensa, esses textos representam,
juntamente com as publicações romanescas em folhetins, a rápida e intensa passagem
do autor pelo, ainda precário, mundo jornalístico dos anos de 1800.
Nessa conjuntura, a ausência do capitalismo e da burguesia constituía
obstáculos para o avanço da imprensa no Brasil colonial. Mesmo com a entrada de
maior número de exemplares de livros e de jornais a partir da abertura dos portos em
1808, os jornais passavam pelo exame dos censores reais para que não se publicasse
contra a religião, o governo e os bons costumes. Entretanto, em meados do século XIX,
começa a haver uma “certa liberdade” de imprensa, embora vigiada, para que não
ofendesse o sistema vigente. Neste sentido, convém reiterar que, no período em questão,
tanto o povo em suas ações quanto a sua liberdade de expressão eram censurados. Sobre
este aspecto Nelson Werneck Sodré salienta que “... só existe imprensa livre quando o
povo é livre; imprensa independente em nação independente__ e não há nação
verdadeiramente independente em que o seu povo não seja livre”(SODRÈ,1966:09).
Assim, Portugal não tinha interesse no processo civilizatório brasileiro; portanto, não
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intencionava munir a população de novas fontes de informação, até porque era ciente da
grande influência da imprensa sobre o comportamento de massas e dos indivíduos.
Como acrescenta SODRÉ: “Logo a grande imprensa capitalista compreendeu, também,
que é possível orientar a opinião através do fluxo de notícias...”(SODRÉ, 1966:04).
Dessa forma, a imprensa, assim como outros meios de difusão de idéias e informações,
viveu sob controle político.
Em suma, sobrados motivos havia para aqueles cidadãos dotados de senso de
nacionalidade criticarem a imprensa no período colonial. Sob tal perspectiva, Manuel
Antônio de Almeida faz da imprensa uma matéria para compor o assunto do jornal. Em
ensaios escritos de 1857 a 1858, o escritor imprime a sua indignação sobre a falta de
ética profissional dos jornalistas e falta de liberdade da imprensa brasileira. Nos artigos
em forma de cartas, dirigidos ao jornalista Augusto Emílio Zaluar que fundara O
Parayba, jornal que circulava às quintas e aos domingos e que contava com a
participação efetiva de Quintino Bocaiúva, a profissão de jornalista é amplamente
discutida por Manuel Antônio. No artigo A informação contra a tirania, o gosto e a
preocupação com a qualidade e versatilidade da imprensa denotam a inserção do
escritor, cada vez mais envolvido com o mundo dos jornais. Ele ressalta a importância
da existência de um profissional competente e consciente de sua função social. Sobre o
jornal O Parahyba e o seu editor Zaluar, declara:
... há nele duas coisas que seduzem: a idéia em si mesmo, e o teu nome que
vai ligado a ela. Quanto a ti, devo dizer-te que no estado atual do século e
sobre tudo em um país como este nosso, não conheço esforço mais digno de
uma inteligência ativa e vigorosa do que esse de abrir caminho com a força
da palavra na vanguarda das lutas do progresso; nada podes fazer melhor
da tua mocidade, da sua consciência, e de tuas crenças do que empenhar
tudo no afanoso apostolado da imprensa periódica (ALMEIDA, 1991:87).
Ainda nesse artigo, Manuel Antônio de Almeida reitera o entusiasmo de ter
engajado na profissão, segundo ele, “mais original”, “mais moderna” que é a do
jornalista. Esta profissão, além de tornar públicas as questões sociais e políticas, é capaz
de puni-las. Neste sentido, acrescenta:
Que o teu jornal exerça a polícia moral nessas localidades onde a ação da
polícia dos códigos não aproveita por longínqua, por tardia, quando não
por abusiva, de si mesma. Só estas duas partes de cronista e advogado te
valerão um grande mérito, mas há ainda outra, a mais importante sem
dúvida dos que tomou a si o jornalismo de hoje: é a do professorado
(ALMEIDA, 1991:88).
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Esse depoimento deixa claramente exposto que o jornal é um espaço de
ensinamento e aprendizagem, um lugar destinado a fazer pensar a população, por isso, é
eleito pelo escritor como a função primordial da escritura jornalística. Logo,
Um jornal em uma localidade não é só um depositório de fatos diários, onde
se acumulam os elementos da história que o futuro há de vir buscar; não é
só seu tribunal a que são levadas todas as queixas e onde se distribuem com
a prontidão desejável prêmios ao mérito, castigos ao pecado: é também
uma escola, onde as lições fáceis, amenizadas e variadíssimas vão procurar
elas mesmas os discípulos, seduzi-los pelas suas vocações, instruí-los
desapercebidamente e muitas vezes contra a própria vontade (ALMEIDA,
1991:88).
Adentrando-nos pelos meandros do jornalismo literário de Manuel Antônio de
Almeida, deparamo-nos com a crítica às publicações anônimas, ao condená-las à “praga
da imprensa”. Nesta concepção, salienta:
A prática que tenho na redação de um dos grandes jornais da corte me
ensina que dois terços pelos menos das publicações anônimas que se
apresentam tem por origem a calúnia, a maledicência ou a frivolidade.
Poucas vezes se verifica a hipótese da necessidade de ocultar o nome de
quem reclama justiça (ALMEIDA, 1991:89).
Para Manuel Antônio, este anonimato presente no jornalismo literário e na
literatura jornalística deve-se à censura e à liberdade vigiada presente na sociedade da
época. Nelson Werneck Sodré em História da imprensa no Brasil ratifica este controle
da liberdade de escrita presente nos ideais republicanos e na Constituição de 1824, onde
declara que tanto o autor quanto sua escrita estavam sujeitos a responder a qualquer tipo
de ofensa à religião, ao governo ou aos costumes da época. Contudo, o escritorjornalista faz uso deste mesmo recurso do anonimato na publicação das Memórias e em
alguns textos de jornal. Na publicação de Memórias de um sargento de milícias nos
folhetins dominicais, a obra foi apresentada sem assinatura, e, na segunda edição, em
livro, sob o pseudônimo de “Um Brasileiro”. Ora, a obra apresenta caricaturas de
personagens reais e uma sátira à sociedade carioca do tempo do rei D. João VI. Logo,
podemos concluir que o anonimato e o pseudônimo faziam parte do dia-a-dia da
imprensa, engendrando um sistema de despistamentos políticos. Nos textos de jornal,
crônicas e críticas literárias, o escritor evoluiu entre duas assinaturas: a inicial A e o
sobrenome Almeida.
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No artigo “A independência dos jornais”, publicado em dezembro de 1858 no
jornal O Parahyba, Manuel Antônio de Almeida revela a constante preocupação com o
jogo de interesses capitalistas a que estão subordinados os jornais. Segundo ele, isso
acaba tolhendo-lhes a liberdade de expressão. A timidez provocada pela dependência do
menor ao maior jornal, assim como a do jornalista menos estabelecido na profissão, o
medo de romper ou contrariar a classe dirigente e o tamanho do prejuízo individual
fazem com que a imprensa, muitas vezes, não exerça a sua função primordial que é
informar a realidade. Acrescenta, ainda, que a imprensa não pode defender interesse
individual e aqueles escritores que atacam esta concepção exercem uma atitude nobre.
Sobre esta questão, declara:
Não há coisa alguma isolada e verdadeiramente individual na sociedade:
atrás da maioria aparente que disputa um interesse de fato ... O que hoje
aproveita a cem contra um, sendo ilegítimo, prejudicará amanhã a mil em
favor de cem. É o esquecimento desta doutrina que autoriza reação
aparentemente fundada, quando os jornais atacam o que se chama
interesses constituídos. Resistir a tais reações é uma das grandes virtudes
cívicas dos que tomam a pena por ofício (ALMEIDA, 1991:91).
Tais apontamentos tornam-se relevantes , pois ratificam a estreita ligação entre
o escritor literário e o jornalista, já que percebemos na obra Memórias de um sargento
de Milícias, assim como nos textos escritos para publicação em jornais, uma junção do
discurso literário eo discurso jornalístico. Diante disso, percebe-se que, através dos
folhetins, a ficção toma parte do jornal, assim como a presença de informações acerca
dos costumes da sociedade carioca oitocentista, nas Memórias, evidencia-se a presença
do discurso jornalístico possuindo o texto ficcional. Dessa forma, o conteúdo e a forma
de publicação folhetinesca da obra almeidiana revelam o exercício do autor no mundo
literário e jornalístico.
Essa literatura jornalística ou esse jornalismo literário remete-nos às
discussões apontadas por Nelson Werneck Sodré sobre a recorrente participação de
literatos no mundo da imprensa. Conforme SODRÉ, no século XIX, o sizudo Jornal do
Comércio não exitou em publicar numerosos folhetins literários, pois essa era uma
forma de abarcar os variados tipos de leitores. A literatura tinha importância para a
limitada camada culta do País, porque já evidenciava, sutilmente, a questão política do
Brasil, e interessava principalmente às mulheres leitoras, que buscavam na literatura
uma forma de entretenimento. Conforme estamos evidenciando, poderemos encontrar
uma intensa participação de literatos na imprensa da época, além de Manuel Antônio de
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Almeida, Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, Machado de Assis, dentre
muitos outros.
Essa aproximação entre a literatura e o jornal tem sua mais evidente
exemplificação na iniciativa tomada pelo jornal O Estado de São Paulo nos últimos
anos do século XIX, ao enviar o escritor literário Euclides da Cunha como
correspondente ao povoado de Canudos, no Nordeste, para acompanhar os
acontecimentos da Revolta. Os telegramas, cartas, relatórios, enfim, o documentário
produzido pelo repórter culminou na tão conhecida obra Os Sertões. Essa obra,
atualmente, pela história de sua produção e pelo seu conteúdo, assim como pela sua
forma, constitui uma fonte de análise tanto literária, quanto jornalística. Desta maneira,
acreditamos que o limiar entre escrita literária e escrita jornalística é muito estreito ou
quase inexistente.
Diante deste pressuposto, torna-se evidente que a imprensa, no início do século
XX, estava consolidada. Ingressara na fase industrial, era agora uma empresa. Seus
objetivos comerciais tornavam-se cada vez mais claros. Os grandes ou pequenos jornais
lutavam para atingir sempre mais consumidores. Conforme Nelson Werneck Sodré,
“Vendia-se informação como se vendia outra qualquer mercadoria. E a sociedade
urbana necessitava de informação para tudo, desde o trabalho até a diversão”(SODRÉ,
1966:315). A preocupação fundamental dos jornais, nessa época, era o fato político, por
isso endeusavam ou destruíam imagens, principalmente públicas. De acordo com Pierre
Bourdieu, no artigo A influência do jornalismo, essa ruptura com o sistema vigente e tal
caráter crítico e agressivo da imprensa, deve-se à inserção, cada vez mais crescente, de
jovens jornalistas no mercado. Esses seriam mais astuciosos a opor aos princípios e aos
valores da profissão (BOURDIEU, 1997:101/117).
Neste contexto, muitos jornais manipulavam informações em favor de
interesses particulares, subordinados ao poder, porém, alguns grandes jornais, que
haviam alcançado a estabilidade empresarial, comprometiam-se com a fidelidade e a
versatilidade das matérias publicadas. Com o crescente avanço da imprensa, muitos
homens de letras buscaram no jornal aquilo que a literatura não lhes oferecia:
notoriedade, reconhecimento e o próprio sustento.
Sob a ambiência dos últimos anos do século XIX e primeiros anos do século
XX, a literatura e o jornal brasileiros vêem surgir um grande questionador da realidade
brasileira. Lima Barreto, iniciando sua intensa atividade jornalística e literária, escreveu
para o jornal acadêmico “A Lanterna”. Em 1905, impulsionado pelo gosto pelas letras e
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pelas necessidades financeiras, passa a trabalhar como jornalista profissional,
escrevendo uma série de reportagens para o Jornal Correio da Manhã, e funda a Revista
Floreal.
Dois anos mais tarde, através da literatura, acentua as suas mais apuradas
críticas à sociedade e ao jornalismo como empresa com a publicação do romance
Recordações do Escrivão Isaías Caminha. Neste romance, um ingênuo jovem
provinciano vai para o Rio de Janeiro pensando em fazer a vida e virar doutor. O sonho
de ser doutor, segundo ele, “resgataria o pecado original do meu nascimento humilde,
amaciaria o suplício premente, cruciante e onímodo de minha cor”. Porém, o primeiro
contato com a cidade se encarregaria de ir dissipando aos poucos as primeiras ilusões,
uma vez que, trabalhando na redação do jornal O Globo, tem condições para manter a
pensão e a comida, no entanto seus sonhos são deixados em virtude de uma atitude
subserviente. Neste novo ambiente de aparências e de interesses escusos vai tomando
forma a sua revolta com a imprensa e a realidade brasileira. Assim, o jogo de
influências, a depreciação de imagens públicas, os arranjos, as aparências, enfim, um
mundo de expectativas mecânicas, de oportunismos e de indiferenças no ambiente do
jornal passam a ser visualizados e denunciados pelo narrador.
O romance Triste fim de Policarpo Quaresma, publicado inicialmente em
folhetins no Jornal do Comércio em 1911, trata do exercício do poder, das questões
democráticas, do direito à cidadania, ou seja, os primeiros anos da República aparecem
como tempos nada tranqüilos. Conforme salienta Sonia Brayner, em Labirinto do
espaço romanesco, Lima Barreto procura despertar a consciência de seu público contra
o perigo da estratificação de idéias e comportamentos através do emprego retórico
enfático do estereótipo profissional, por isso, em sua escrita, encontramos o deputado, o
doutor, o burocrata, o jornalista político, o cabo eleitoral. Com este propósito de excitar
o público a pensar, repensar, rever posições, modificar opiniões, a escrita barretiana nos
romances, nos contos e nas crônicas aparece como mobilizadora da opinião pública.
Beatriz Resende, em Lima Barreto e o Rio de Janeiro em fragmentos, acrescenta que o
papel social desta escrita faz-se presente em nossa contemporaneidade já que os
problemas político-sociais que constituíam a crítica dos primeiros anos do século XX
ainda enredam a literatura e o jornalismo pós-moderno: a corrupção, o abuso do poder, a
imprensa capitalista, a má administração, o desvio de dinheiro público, os “arranjos”
políticos, enfim, tudo isso culminando na falta de confiança no homem público e ,
conseqüentemente, na própria política.
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Percebe-se, então, que tanto na literatura quanto no jornalismo, a preocupação
de Lima Barreto com a situação política e social brasileira constitui o matiz de sua
escritura. As suas crônicas terminam por indicar que a questão fundamental da
cidadania no Brasil, o reconhecimento dos direitos humanos negados ao cidadão está
presente no discurso histórico e no discurso romanesco. A crônica configura-se como
um espaço de investigação e denúncia da realidade numa linguagem mais facilmente
compreendida pela população. Esta aproximação da linguagem àquela utilizada pelo
povo que se encontrava à “margem” da sociedade deveu-se a uma nova forma de fazer
jornalismo, propiciada pela participação efetiva dos homens das letras e detentores de
uma grande necessidade de mudança da realidade social. Como observa Nicolau
Sevcenko: “O desenvolvimento do “novo jornalismo” representa, contudo, o fenômeno
mais marcante na área da cultura, com profundas repercussões sobre o comportamento
do grupo intelectual”(SEVCENKO, 1983:94).
Esta inserção, cada vez mais constante, de intelectuais no campo jornalístico e
literário, fez com que a própria imprensa fosse com freqüência criticada e se tornasse
matéria da crônica. Lima Barreto estabelece uma série de confrontos com a imprensa
capitalista brasileira, evidentes na publicação de Recordações do escrivão Isaías
Caminha e em algumas de suas crônicas, compiladas em obras como Bagatelas e
Marginália. Com o declínio do folhetim em virtude do avanço da reportagem, da
entrevista, em detrimento do artigo político, o autor lastima essa transformação, pois
acredita que os interesses da cidade deixam de ser retratados. De acordo com Lima, não
seria correto exigir que os jornais fossem revistas literárias, mas não se compreenderia
jornal sem folhetins, sem artigos, sem comentários e sem informações.
Além dos jornais como O País, A notícia, O diário de notícias, o Rio-jornal,
Lima Barreto foi intenso colaborador na redação de revistas da época. Na revista
Careta, foi redator efetivo, mas a sua maior colaboração foi para a pequena imprensa.
Enquanto pensador e intelectual, tratava as revistas anarquistas com a mesma
importância atribuída aos grandes jornais da época. Em 1919, Lima Barreto publica a
obra Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá, onde reclama o pouco espaço destinado aos
artigos nas revistas e denuncia o interesse político presente nos grandes jornais. Sob a
voz do narrador Augusto Machado, diz: “__ É possível que tenhas raras emoções na
leitura das pequenas revistas, mas nos jornais de província - tão cheios de política e
intriga!”(LIMA, 1956:90). Essa imprensa menor, composta por jornais e revistas, era
menos empresarial ou ligada a associações com perfil de progressista a anarquista, que
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lhe permitia maior liberdade. Beatriz Resende, ao ilustrar a questão do aprisionamento
do jornal Spartacus pela polícia, cita a crônica O caso da Folha, publicada em 1920,
onde Lima comenta:
Neste último caso (o da apreensão de Spartacus e A Plebe) os grandes
jornais de todo o país não protestaram, ao que parece, porque se tratava de
jornais operários e apontados como anarquistas. Curioso motivo. Então só
os doutores, ou naturalizados doutores têm pensamento e podem exprimi-lo
nos jornais? Então só os jornais de grande tiragem são imprensa?
(RESENDE, 1993: 87)
Percebe-se que, para o cronista, o “doutor” é símbolo de uma dissimulação, é
uma pessoa que quer ser especial entre os outros cidadãos. Esse “doutor” torna-se uma
metáfora do poder tão criticado por Lima, e converte-se em personagem representante
da elite conservadora e reacionária em seus romances e nos melhores contos, como em
O homem que sabia javanês, Como o homem chegou, dentre outros. Em sua literatura,
há essa constante preocupação em denunciar a falta de liberdade da imprensa,
principalmente a imprensa menor, o privilégio inerente da classe dominante, enfim, a
preocupação com a liberdade de expressão. Logo, toda a escritura de Lima Barreto é
considerada um terreno propício para análises e reflexões sobre uma sociedade
periférica que vive desprovida dos direitos de todo cidadão, enfim, sobre a realidade
brasileira no início de século XX.
Diante destas colocações, torna-se relevante reiterar que tanto o discurso
jornalístico, quando é levado para o texto ficcional, quanto a ficção, quando é levada
para o jornal, constituem construções de discurso, portanto apresentam os anseios do ser
humano e podem expressar a realidade e refletir sobre ela. Assim, conforme Alceu
Amoroso Lima, a literatura e o jornal são expressões dotadas de interesses comuns que
são a documentação, o fazer pensar e a mudança de comportamentos da população.
Sobretudo, consideramos importante ressaltar que, como antecipadores do Realismo e
do Modernismo, respectivamente, Manuel Antônio de Almeida e Lima Barreto
apresentam escritas e temáticas que são recorrentes ainda na pós-modernidade. Neste
sentido, acreditamos que a escrita romanesca desses autores, assim como seus textos
jornalísticos, são terrenos férteis para tantas reflexões contemporâneas, ainda que
endossem a verdadeira e estreita ligação entre a literatura e o jornal, demonstrando a
atualidade de seus pensamentos e evidenciando que esses meios de comunicação fazem
uso um do outro para divulgação e veiculação de seus propósitos.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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