1 Professores do ensino fundamental e Formação de conceitos em Vygotsky – Analisando o Sistema de Numeração Decimal Madeline Gurgel Barreto Maia – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Marcilia Chagas Barreto – Universidade Estadual do Ceará Instituição Financiadora: CAPES O artigo objetivou evidenciar o nível de elaboração conceitual apresentado por professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental acerca do Sistema de Numeração Decimal - SND. Foram analisados, o significado atribuído pelas professoras em relação ao termo “sistema” e a clareza nas relações de base dez entre as ordens. A elaboração conceitual foi vista na perspectiva de Vygotsky que aponta a existência de dois tipos de conceitos: os espontâneos e os científicos. A metodologia adotada foi o Estudo de Caso, sendo utilizado fundamentalmente o Método Clínico. Esta técnica foi apoiada por entrevista semi-estruturada. Foram pesquisados oito sujeitos, com formação em Pedagogia e professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental, com o mínimo de três anos de experiência. As professoras não atingiram o nível de conceito científico em relação ao SND, tendo dificuldades de compreender o termo SND, seu significado, suas relações, utilizando muitas vezes erroneamente a base dez. Palavras-chave: Sistema de Numeração Decimal; Formação de professores; Elaboração de conceitos. 2 INTRODUÇÃO O presente artigo objetiva evidenciar o nível de elaboração conceitual apresentado por professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental acerca do Sistema de Numeração Decimal – SND. Trata-se de um conteúdo importante no currículo desse nível de ensino, entretanto, trabalhos (CUNHA, 2002) apontam para dificuldades de professores com este conceito, bem como desvinculação entre as atividades didáticas por eles propostas no trabalho com a aritmética e o SND. Dificuldades também foram detectadas junto a alunos das séries iniciais (CARRAHER, CARRAHER e SCHILIEMAN, 2003; NUNES, 1997; ZUNINO,1995) com este conteúdo. As avaliações procedidas nacionalmente indicam baixo índice de desempenho das crianças, sendo estas, segundo os últimos resultados do SAEB (2005), capazes apenas de resolver problemas elementares de aplicação de algoritmos simples. Os professores das séries iniciais, em sua maioria, são licenciados em pedagogia e não têm apreço pela matemática. Entretanto, são eles os responsáveis por introduzir os alunos no mundo da Matemática formal. Assim sendo, pareceu-nos indispensável investigar que concepções portam estes professores acerca deste importante conteúdo curricular. Foram tomados como base teórica elementos vygotskyanos ligados à elaboração de conceitos científicos. Para o autor, tal construção se dá a partir dos conceitos cotidianos – aqueles que são adquiridos no dia a dia – os quais em um processo de reelaboração tornam-se científicos. (VIGOTSKY, 2001) As questões que nortearam a pesquisa foram: Que nível conceitual acerca do SND têm os professores das séries iniciais? O SND é entendido numa abordagem de conceito científico ou seu entendimento ainda fica no âmbito de conceitos cotidianos? Os professores compreendem e percebem as relações de base dez que regem o SND? Que relações estabelecem entre os conteúdos trabalhados em sala de aula e o referido sistema? ELEMENTOS METODOLÓGICOS Esta pesquisa teve cunho qualitativo, visto que não nos interessou perceber quantos dos professores eram capazes de responder a que quantidade de questões. O que se desejou saber foi como os professores compreendiam, explicavam e justificavam o uso do SND. Dentro dessa perspectiva, o trabalho caracterizou-se como um estudo de caso de abordagem clínica. No estudo de caso é possível coletar uma grande quantidade de informações que podem ser aprofundadas e que, segundo Vieira e Matos (2001) proporciona ainda facilidade operacional por permitir a utilização de uma amostra reduzida. 3 André (1995) identifica algumas características do estudo de caso, tais como: o uso da observação participante, da entrevista e análise de documentos, da existência de interação entre pesquisador e objeto pesquisado, possibilidade de modificação nos rumos da pesquisa, importância no processo e não nos resultados, a não intervenção do pesquisador no ambiente investigado e coleta de dados descritivos. Na tentativa de se considerar todo contexto em que a situação investigada se insere e ainda as relações entre diferentes variáveis que a envolvem, optou-se pela abordagem clínica (CARRAHER, 1998). Faz-se necessário levar em conta a variedade de significados presentes numa dada situação, permitindo assim que ao se investigar a prática pedagógica se desconsidere a análise de elementos isolados considerando-os em seu conjunto. Acredita-se que isso permite a veiculação e reelaboração de conhecimentos, atitudes, valores, crenças, modos de ver e sentir a realidade e o mundo. Para a coleta de dados apresentou-se aos sujeitos uma lista de exercícios a serem resolvidos, após o que se procedeu entrevista semiestruturada, objetivando perceber justificativas dadas pelos entrevistados para a forma idiossincrática através da qual resolveram as questão acerca do SND. Tendo-se em vista que o SND é um conceito amplo formado por outros conceitos, foram selecionados apenas alguns de seus componentes: o significado do termo sistema e as relações com base dez. Esses componentes foram retirados de livros didáticos das séries iniciais do Ensino Fundamental (BONJORNO, 2000 e 2001; DANTE, 2000). Os livros tinham uma unidade e/ou capítulo específico intitulado Sistema de Numeração Decimal e traziam os conceitos como pontos fundamentais a serem discutidos e dominados pelos alunos até o final do quinto ano. Participaram desta investigação oito docentes de duas escolas públicas do município de Eusébio - CE, com o mínimo de três anos de experiência no trabalho com Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Tal escolha deveu-se às considerações de Tardif acerca do “saber da experiência” – aquele advindo dos próprios professores no exercício de suas funções e na prática, são saberes específicos baseados em seu trabalho do dia-a-dia e conhecimento de seu meio, validados pela experiência cotidiana (TARDIF, 2006; p.36). Todos os sujeitos tinham formação em Pedagogia, com exceção de uma professora que ainda estava concluindo o curso. A escolha deste nível de ensino se justifica por ser nele que se trabalha formalmente o Sistema de Numeração Decimal e por serem os anos nos quais os pedagogos são habilitados a ensinar. 4 VYGOTSKY E A FORMAÇÃO DE CONCEITOS A chave para o estudo da formação de conceitos, para VYGOTSKY (2000), é a análise do emprego funcional da palavra e do seu desenvolvimento, e suas diversas formas de aplicação. A formação de conceitos não pode vir desvinculada da linguagem. Essa questão nos leva a considerar o desenvolvimento da consciência, através do uso da linguagem, que impulsiona o pensamento, proporcionando avanços na compreensão conceitual. A linguagem vai colaborar na elaboração de conceitos, nas formas de organização do real, na mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Através da linguagem as funções mentais superiores são socialmente formadas e culturalmente transmitidas (MARTINS, 2005). Percebe-se que o significado da palavra tem importância capital, já que segundo Vygotsky (2001, p. 398) ela “reflete de forma mais simples a unidade do pensamento e da linguagem”. Para se chegar à efetiva formação de conceitos, trava-se um longo processo, uma construção gradativa. Há de se considerar a percepção, a elaboração mental, a palavra e a relação entre o conceito e o objeto por ele representado. Para Vygotsky, (2000, p.67) “um conceito não é uma formação isolada, fossilizada e imutável, mas sim uma parte ativa do processo intelectual, constantemente a serviço da comunicação, do entendimento e da solução de problemas”. Logo, o processo de aquisição e construção de conceitos se desenvolve por meio de diferentes estratégias. Vygotsky afirma que um “conceito é um ato real e complexo de pensamento que não pode ser ensinado por meio de treinamento, só podendo ser realizado quando o próprio desenvolvimento mental (...) já tiver atingido o nível necessário” (2003, p.104). O conceito expresso pela palavra representa ato de generalização; o significado das palavras evoluem. O autor indica a existência de dois tipos de conceitos: os espontâneos e os científicos. Os primeiros “são um produto do aprendizado pré-escolar e, em contra partida, os conceitos científicos são produto do aprendizado escolar” (VIGOTSKY, 2001, p.145). Segundo o autor, ao tratar os conceitos espontâneos, o sujeito não o faz, de início, de forma consciente, pois sua atenção se centra no objeto sobre o qual realiza a ação, e não no pensamento em si. Já o conceito científico, (VYGOTSKY apud. MARTINS, 2005, p.58) seu nascimento, “começa não com um encontro imediato com coisas, mas com um relacionamento mediado para um objeto... a trajetória é oposta – do conceito para as coisas”. Esse tipo de conceito é o aprendido na escola, apresentado como parte de um sistema hierárquico, começa a se desenvolver com sua definição verbal. Estes dois tipos de conceitos se influenciam mutuamente no processo de desenvolvimento, não podendo um existir sem o 5 outro (VYGOTSKY, 2003). É no uso de conceitos cotidianos que o sentido das definições e explicações de conceitos científicos constrói-se. A trajetória de formação de conceitos científicos, é composta por três estágios. O primeiro é o dos sincréticos que se desenvolve em três fases, o segundo é o dos complexos que ocorre em cinco fases e o último é o dos pré-conceitos dividido em quatro fases. No estágio dos sincréticos, o que caracteriza o pensamento é a existência de imagens sincréticas que são equivalentes funcionais dos verdadeiros conceitos. O indivíduo faz um agrupamento de objetos numa “agregação desorganizada ou amontoado”. A relação entre os objetos é ainda composta por impressões subjetivas, não sistematizadas. No estágio dos complexos, os objetos isolados associam-se baseados em relações reais. Há coerência e objetivo, embora ainda diferenciado do objetivo presente no pensamento conceitual. Vygotsky (2003, p.76) afirma que “um complexo não é formado no plano do pensamento lógico abstrato, as ligações que o criam, assim como a que ele ajuda a criar, carecem de unidade lógica”. Este é o ponto que diferencia o complexo de conceito. As ligações entre elementos do complexo podem ser tão diversas “a ponto de qualquer conexão factual levar à inclusão de um elemento em um complexo” (idem). No estágio dos pré-conceitos já existe um nível mais elevado de abstração, embora ainda com manutenção de características de estágios anteriores. É tomado um atributo comum como característica, mas diferentemente do pensamento por complexos, o atributo tomado como referência não se perde facilmente. Nesta fase, os vínculos presentes no pensamento por complexos vão desaparecendo. Vygotsky (2001, p.222) afirma que os pré-conceitos são conceitos em potencial, isto é, “uma formação pré-intelectual que surge cedo demais na história da evolução do pensamento”. Somente com o processo de abstração bem desenvolvido é que se chega à formação do conceito propriamente dito. Para o autor, o processo de abstração, acompanhado do desenvolvimento do pensamento por complexos, conduz à formação de verdadeiros conceitos (VYGOTSKY, 2001). Nos conceitos, os sujeitos envolvidos no processo devem “abstrair, isolar elementos e examinar os elementos abstratos separados da totalidade da experiência concreta de que fazem parte” (idem; p. 220). Nessa perspectiva o autor atribui à “palavra” papel decisivo no processo de formação de conceitos. Através da palavra é que o conceito abstrato é expresso, é sintetizado e é incorporado à realidade. OS PROFESSORES E SEUS CONCEITOS DE SND Dentro da nossa cultura, o SND tem posição relevante, pois praticamente todas as 6 nossas medidas e operações matemáticas tomam por base o sistema decimal. Assim sendo, foram analisados aqui, o significado atribuído pelas professoras em relação ao termo “sistema” e a clareza nas relações de base dez entre as ordens. Considerou-se a forma como elas demonstravam compreender, explicar e justificar o uso do sistema de base dez. De acordo com a teoria adotada, não se pode analisar um conceito a partir de uma única situação. Há que se considerarem diferentes contextos onde os conceitos investigados sejam aplicados, relacionados e refletidos. Assim sendo, para que se considere o processo de formação de conceitos, há de se considerar todo o desenvolver da investigação, inclusive o fato de, por vezes, o sujeito investigado recorrer a explicações ligadas a níveis conceituais mais primitivos para se alçar a um outro mais avançado. Pelo caráter dialético da própria teoria, o “psiquismo” fica nesse movimento e não permite que sejam criados rótulos onde um professor seja visto como pensando sempre em nível sincrético ou somente complexo ou até de um pré-conceito ou conceito. Desta forma, não se pretende aqui apontar o “nível” de formação conceitual de cada professora, mas ressaltar que a partir de uma afirmação, situação, explicação ou momento pôde-se perceber elementos de pensamentos sincréticos, complexos, pré-conceitos ou conceitos. Foram considerados aqui como pensamentos em níveis sincréticos aqueles nos quais os professores não conseguiam dar explicação nenhuma. Diante das indagações, as relações estabelecidas entre os objetos não correspondiam às verdadeiras relações do SND, e as justificativas dadas eram baseadas em “regras” sem significado dentro do sistema. Os pensamentos em nível complexo foram os que evidenciaram alguma relação estabelecida com a base dez nas atividades abordadas. Ou seja, quando os professores conseguiam perceber, mesmo que de forma incipiente, a ligação entre os fundamentos do Sistema de Numeração Decimal e a questão em investigação. Consideraram-se pré-conceitos os pensamentos em que as explicações estavam articuladas com características intrínsecas ao SND, porém ainda com a presença de elementos que não necessariamente representavam relações de base de dez do Sistema em estudo. Os pensamentos classificados como conceitos foram os que se mostraram bem localizados dentro do SND e articularam diferentes conceitos; quando as professoras perceberam as relações de base dez entre as ordens, agrupamentos, operações, conteúdos, entre outros. Conseguir estabelecer vínculos relacionais e generalizados entre o sistema em investigação e os demais conceitos aqui abordados foi o principal aspecto considerado. Investigou-se inicialmente a concepção acerca do termo: Sistema de Numeração Decimal; como as professoras justificavam que ele fosse assim denominado. P1 e P3 7 afirmaram ser um termo “arbitrário”, e não estabeleceram qualquer ligação com a sistemática organização em base dez que o caracteriza. P3 acrescentou que ... é como se fosse o batismo dos números. P1 ponderou que ...ainda não houve um matemático, um matemático mesmo bom que fizesse outra numeração... acho que a gente poderia criar um sinônimo pra poder mudar e não ficar na mesma mesmice, não houve ainda uma pessoa que acordasse... Com estas afirmações, percebe-se por parte das professoras, um nível elementar de construção conceitual, não evidenciando relação entre o termo “decimal” e a base dez e seus agrupamentos e transformações entre as ordens que caracterizam o sistema. A percepção que as professoras apresentaram está direcionada à necessidade de o sistema em estudo receber um nome qualquer. Demonstraram, assim, ausência do estabelecimento de qualquer relação complexa entre os conceitos envolvidos com o SND. Em relação à base dez que caracteriza o SND, P3 afirmou: não lembro disso, faz muito tempo que vi. Considerou-se que, nestes aspectos, as professoras demonstraram ter o pensamento de nível sincrético, já que os elementos que elas consideram são desconexos e demonstram não perceber relação lógica entre o nome dado ao SND e sua base dez. Pôde-se notar uma percepção diferente junto a P2 e P4. Elas fazem uso da História da Matemática e, embora trazendo apenas elementos rudimentares, é a partir deles que elas conseguem explicar porque o nosso sistema de numeração recebe o nome de Decimal. Nas palavras de P2: pela necessidade de contar ele surge... antigamente não se sabia os números... era usado pedrinhas, palitinhos, coisas para representar números, aí surgem os números e numerais e aí decimal, por que eles são agrupados de dez em dez... de dez unidades se forma a dezena, dez dezenas a centena e assim vai. P2 percebe a questão do agrupamento na base dez como fator fundamental, mas ela aponta como elemento importante no SND, apenas a contagem. É como se apenas o ato de contar dependesse da existência do sistema decimal. Durante o processo de entrevista clínica, tendo que justificar as suas respostas, P2 conclui: para a aprendizagem do SND os alunos precisam saber fazer transformações entre as ordens. Isso evidencia um estágio de formação de conceitos que se aproxima dos complexos, pois ela chega a perceber várias relações necessárias ao conceito científico do SND, porém volta seu pensamento para questões mais elementares como o uso da contagem e da representação da quantidade por símbolos numéricos. P4 após apontar a história dos “pastores que contam suas ovelhas”, como fonte de criação do SND, conclui afirmando que acredita que decimal ... é alguma coisa de dez, você conta ... de dez em dez. Embora se aproxime da questão do agrupamento na base dez associa também a questão da contagem como fator relevante dentro do SND. Isso se configura como 8 o início de um pensamento por complexos, pois já existe uma ligação com a base do sistema, que se pode inferir ser algo relativo a agrupamentos de dez, embora as professoras não consigam ir além em suas explicações acerca do sistema, apresentando um nível de generalização ainda elementar, mas relacionado aos princípios do SND. Já P5 consegue fazer relações com as ordens que compõem o sistema, mas considera apenas as que compõem a “parte fracionária” dos números – em suas palavras – são os décimos, centésimos e milésimos. Ela não considera o agrupamento na base dez entre as ordens como o fizeram P2 e P4. Isso pôde ser percebido quando se perguntou a P5 sobre qual seria a base de organização do Sistema de Numeração Decimal, ao que ela respondeu não, não sei, não vou mentir pra você. De forma semelhante se posiciona P1. Ela afirma que o sistema envolve exclusivamente o trabalho com o que denomina números quebrados, exemplificando-os: 1,6; 3,4. E acrescenta: como as pessoas não estão habituadas a trabalhar com números quebrados, sentem dificuldades no trabalho com o SND. Comenta que o uso desses números só se dá em concursos e no trabalho com medidas. Considera que no dia a dia ... não lembra de usar o SND ... muita gente não usa, a não ser que seja uma área específica que exija. Acrescenta que uma dona de casa é uma pessoa que nunca teve acesso ao sistema decimal. A palavra decimal em nenhum momento assume, para P1 e P5, um significado de relação com a questão da base dez e dos conseqüentes agrupamentos entre as ordens que se podem fazer. O grau mais elevado de abstração que conseguem fazer é a ligação entre a “palavra” decimal e os “números decimais” que ensinam a seus alunos. Ainda assim não fazem nenhuma relação desse conceito com a vida, o dia a dia em que estão inseridas. Percebe-se que o SND, para essas professoras, está relacionado com os decimais e raramente é percebido como fazendo parte da compreensão das relações entre um conjunto mais amplo de números. P1 contrapõe os números decimais, isto é, os “quebrados” aos naturais, afirmando que ... natural é uma coisa e decimal é outra. A conceituação destas professoras foi considerada em nível sincrético, sem relação entre o “nome” e as características do SND. Isso mostra um nível de conceituação onde as idéias estão reunidas artificialmente com base em “suposições” observadas de forma não sistemática, já que apenas uma “observação” com base na representação numérica é percebida. P6 e P7 são enfáticas em afirmar que o nome Sistema de Numeração Decimal vem da base dele que é dez (P7). Evidenciam elementos componentes do conceito científico do SND, já que percebem a vinculação entre o nome e a base dez, tal pensamento configura-se como um pensamento caracteristicamente complexo. P6 afirma que ser necessário que os alunos 9 compreendam a existência de apenas dez algarismos e que com esses dez você faz infinitos números. Segundo a professora tudo na matemática é a partir desses dez algarismos. Ela faz comparação entre a matemática e o Português: ...nós não temos o alfabeto? A partir daquelas vinte e seis letras você não desenvolve todas as palavras? Do mesmo jeito é na matemática, tudo vai partir dos dez algarismos que fazem parte do sistema decimal. Acredita que os alunos precisam conhecer as classes, compreender o SND, compreender a composição e a maneira de ler o número. Considera importante os alunos usarem o Quadro Valor e Lugar – QVL – para a escrita dos números corretamente: se eles se engancharem eles vão para o QVL e aí eles conseguem escrever porque fica fácil. Para P6 o conceito do SND é claro e relacionado com outros conceitos, o que mostra uma capacidade de generalização dentro do pensamento em nível de pré-conceito, pois ela consegue considerar outros conceitos como articulados na composição do SND. P7, ao final da entrevista, afirmou surpresa a sua concepção de SND: é um sistema porque é a forma... é a maneira de sua organização... é o sistema adotado de dez em dez. Observou-se que naquele momento a professora organizou alguns elementos dispersos que ela tinha em torno do conceito de SND e conseguiu fazer uma generalização de tal forma que a aproximou do conceito científico. Nesse momento, assim como P6 ela pensa em nível préconceito. CONCLUSÕES As Professoras evidenciaram, tanto em seu processo de resolução das questões propostas, quanto na discussão de sua maneira particular de perceber o Sistema de Numeração Decimal, que ainda não pensam em nível de conceito científico. Dificuldades elementares foram verificadas quando da não justificação da própria denominação do sistema. Faltava-lhes a percepção das relações com a base dez. O agrupamento nesta base foi realizado por algumas das professoras, porém com poucos casos de compreensão de como ele efetivamente se processa. Tal colocação reflete o que Vygotsky coloca como “operar com os conceitos sem ter consciência deles”. Os sujeitos evidenciaram trabalhar constantemente com o conceito espontâneo da base dez. Ficou evidente que as entrevistadas utilizaram-se de formas de resolver e justificar as perguntas que lhes eram lançadas, tomando por base o modo como elas aprenderam em suas vidas de estudante no Ensino Fundamental e Médio, sem conseguir lhes fazer qualquer crítica e fazendo poucas reflexões com base nos princípios do SND. As docentes parecem utilizar os conceitos ainda muito movidas por hábito. Elas afirmaram com frequência que não sabiam 10 explicar, apenas “aprenderam daquele jeito”. Demonstraram que as experiências vividas com a Matemática, durante o seu próprio processo de escolarização, não foram consideradas positivas. Foram identificados momentos em que os pensamentos se mostraram tanto em nível sincrético, como complexo, embora algumas entrevistadas tenham atingido o estágio dos préconceitos. Contudo, houve uma maior incidência de pensamentos em níveis sincréticos, evidenciando que diversas são as incompreensões das professoras, quanto aos conceitos abordados. Elas apresentaram ausência no domínio de conceitos simples, mas fundamentais para o trabalho com o SND, bem como dos princípios que regem tal tema e que são essenciais para a aprendizagem e o desenvolvimento do educando em sala de aula. A análise realizada mostra que as lacunas existentes podem comprometer o trabalho com os alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental, já que as incompreensões encontradas entre as professoras são semelhantes às dificuldades dos alunos da Escola Básica. Questiona-se, assim, como as professoras podem provocar a formação do conceito científico de SND, junto a seus alunos, se elas próprias evidenciaram muitas vezes estar apenas no nível sincrético de elaboração de tal conceito. Ter o conceito bem desenvolvido é condição indispensável para que se estabeleçam as necessárias relações entre o sistema e os conteúdos previstos no currículo das séries iniciais do Ensino Fundamental. Somente com esta percepção as professoras poderão fugir da utilização de regras e procedimentos vazios de sentido, no ensino da Matemática. Ressalte-se, entretanto, que mesmo diante de lacunas conceituais, em diversos momentos da entrevista clínica, as professoras investigadas elaboraram, e desenvolveram conceitos. Foi possível ver o percurso da reflexão e crescimento de cada uma, sobre a esfera conceitual investigada, inclusive processos em que os conceitos em investigação estavam sendo desenvolvidos. As perguntas da entrevistadora promoveram, em muitos casos, reestruturação de conceitos por parte das entrevistadas. Isto levanta um ponto para a reflexão em torno do processo de formação continuada que tem sido oferecido a estas professoras para o trabalho com a Matemática. As professoras em análise participaram de diversos processos de capacitação durante a sua vida profissional, os quais não as tornaram capazes de perceber as relações entre a base de todos os conhecimentos numéricos de nossa cultura – o Sistema Decimal – e os conteúdos que ensinam cotidianamente em suas aulas. Quais aspectos estão sendo enfatizados nestas capacitações que não levam as professoras a perceber as origens e relações dos conceitos matemáticos? Recomenda-se que as oportunidades de qualificação levem em consideração as 11 relações existentes entre os diversos aspectos da matemática com a qual elas trabalham. Somente assim, pode-se abrir uma possibilidade de as professoras contribuírem efetivamente para a elaboração dos conceitos matemáticos junto a seus alunos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRÉ, M. Etnografia da Prática Escolar. Curitiba: Papirus, 1995. BONJORNO, R. A. e BONJORNO, J. R. Matemática – pode contar comigo. São Paulo: Editora FTD, 2000. BONJORNO, R. 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