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Professores do ensino fundamental e Formação de conceitos em Vygotsky – Analisando
o Sistema de Numeração Decimal
Madeline Gurgel Barreto Maia – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Marcilia Chagas Barreto – Universidade Estadual do Ceará
Instituição Financiadora: CAPES
O artigo objetivou evidenciar o nível de elaboração conceitual apresentado por professoras
das séries iniciais do Ensino Fundamental acerca do Sistema de Numeração Decimal - SND.
Foram analisados, o significado atribuído pelas professoras em relação ao termo “sistema” e a
clareza nas relações de base dez entre as ordens. A elaboração conceitual foi vista na
perspectiva de Vygotsky que aponta a existência de dois tipos de conceitos: os espontâneos e
os científicos. A metodologia adotada foi o Estudo de Caso, sendo utilizado
fundamentalmente o Método Clínico. Esta técnica foi apoiada por entrevista semi-estruturada.
Foram pesquisados oito sujeitos, com formação em Pedagogia e professoras das séries iniciais
do Ensino Fundamental, com o mínimo de três anos de experiência. As professoras não
atingiram o nível de conceito científico em relação ao SND, tendo dificuldades de
compreender o termo SND, seu significado, suas relações, utilizando muitas vezes
erroneamente a base dez.
Palavras-chave: Sistema de Numeração Decimal; Formação de professores; Elaboração de
conceitos.
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INTRODUÇÃO
O presente artigo objetiva evidenciar o nível de elaboração conceitual apresentado por
professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental acerca do Sistema de Numeração
Decimal – SND. Trata-se de um conteúdo importante no currículo desse nível de ensino,
entretanto, trabalhos (CUNHA, 2002) apontam para dificuldades de professores com este
conceito, bem como desvinculação entre as atividades didáticas por eles propostas no trabalho
com a aritmética e o SND.
Dificuldades também foram detectadas junto a alunos das séries iniciais
(CARRAHER, CARRAHER e SCHILIEMAN, 2003; NUNES, 1997; ZUNINO,1995) com
este conteúdo. As avaliações procedidas nacionalmente indicam baixo índice de desempenho
das crianças, sendo estas, segundo os últimos resultados do SAEB (2005), capazes apenas de
resolver problemas elementares de aplicação de algoritmos simples.
Os professores das séries iniciais, em sua maioria, são licenciados em pedagogia e não
têm apreço pela matemática. Entretanto, são eles os responsáveis por introduzir os alunos no
mundo da Matemática formal. Assim sendo, pareceu-nos indispensável investigar que
concepções portam estes professores acerca deste importante conteúdo curricular. Foram
tomados como base teórica elementos vygotskyanos ligados à elaboração de conceitos
científicos. Para o autor, tal construção se dá a partir dos conceitos cotidianos – aqueles que
são adquiridos no dia a dia – os quais em um processo de reelaboração tornam-se científicos.
(VIGOTSKY, 2001)
As questões que nortearam a pesquisa foram: Que nível conceitual acerca do SND têm
os professores das séries iniciais? O SND é entendido numa abordagem de conceito científico
ou seu entendimento ainda fica no âmbito de conceitos cotidianos? Os professores
compreendem e percebem as relações de base dez que regem o SND? Que relações
estabelecem entre os conteúdos trabalhados em sala de aula e o referido sistema?
ELEMENTOS METODOLÓGICOS
Esta pesquisa teve cunho qualitativo, visto que não nos interessou perceber quantos dos
professores eram capazes de responder a que quantidade de questões. O que se desejou saber foi
como os professores compreendiam, explicavam e justificavam o uso do SND. Dentro dessa
perspectiva, o trabalho caracterizou-se como um estudo de caso de abordagem clínica. No estudo
de caso é possível coletar uma grande quantidade de informações que podem ser aprofundadas e
que, segundo Vieira e Matos (2001) proporciona ainda facilidade operacional por permitir a
utilização de uma amostra reduzida.
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André (1995) identifica algumas características do estudo de caso, tais como: o uso da
observação participante, da entrevista e análise de documentos, da existência de interação
entre pesquisador e objeto pesquisado, possibilidade de modificação nos rumos da pesquisa,
importância no processo e não nos resultados, a não intervenção do pesquisador no ambiente
investigado e coleta de dados descritivos.
Na tentativa de se considerar todo contexto em que a situação investigada se insere e
ainda as relações entre diferentes variáveis que a envolvem, optou-se pela abordagem clínica
(CARRAHER, 1998). Faz-se necessário levar em conta a variedade de significados presentes
numa dada situação, permitindo assim que ao se investigar a prática pedagógica se
desconsidere a análise de elementos isolados considerando-os em seu conjunto. Acredita-se
que isso permite a veiculação e reelaboração de conhecimentos, atitudes, valores, crenças,
modos de ver e sentir a realidade e o mundo.
Para a coleta de dados apresentou-se aos sujeitos uma lista de exercícios a serem
resolvidos, após o que se procedeu entrevista semiestruturada, objetivando perceber
justificativas dadas pelos entrevistados para a forma idiossincrática através da qual resolveram
as questão acerca do SND.
Tendo-se em vista que o SND é um conceito amplo formado por outros conceitos,
foram selecionados apenas alguns de seus componentes: o significado do termo sistema e as
relações com base dez. Esses componentes foram retirados de livros didáticos das séries
iniciais do Ensino Fundamental (BONJORNO, 2000 e 2001; DANTE, 2000). Os livros
tinham uma unidade e/ou capítulo específico intitulado Sistema de Numeração Decimal e
traziam os conceitos como pontos fundamentais a serem discutidos e dominados pelos alunos
até o final do quinto ano.
Participaram desta investigação oito docentes de duas escolas públicas do município
de Eusébio - CE, com o mínimo de três anos de experiência no trabalho com Matemática nos
anos iniciais do Ensino Fundamental. Tal escolha deveu-se às considerações de Tardif acerca
do “saber da experiência” – aquele advindo dos próprios professores no exercício de suas
funções e na prática, são saberes específicos baseados em seu trabalho do dia-a-dia e
conhecimento de seu meio, validados pela experiência cotidiana (TARDIF, 2006; p.36).
Todos os sujeitos tinham formação em Pedagogia, com exceção de uma professora que ainda
estava concluindo o curso. A escolha deste nível de ensino se justifica por ser nele que se
trabalha formalmente o Sistema de Numeração Decimal e por serem os anos nos quais os
pedagogos são habilitados a ensinar.
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VYGOTSKY E A FORMAÇÃO DE CONCEITOS
A chave para o estudo da formação de conceitos, para VYGOTSKY (2000), é a
análise do emprego funcional da palavra e do seu desenvolvimento, e suas diversas formas de
aplicação. A formação de conceitos não pode vir desvinculada da linguagem.
Essa questão nos leva a considerar o desenvolvimento da consciência, através do uso
da linguagem, que impulsiona o pensamento, proporcionando avanços na compreensão
conceitual. A linguagem vai colaborar na elaboração de conceitos, nas formas de organização
do real, na mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Através da linguagem as
funções mentais superiores são socialmente formadas e culturalmente transmitidas
(MARTINS, 2005). Percebe-se que o significado da palavra tem importância capital, já que
segundo Vygotsky (2001, p. 398) ela “reflete de forma mais simples a unidade do pensamento
e da linguagem”.
Para se chegar à efetiva formação de conceitos, trava-se um longo processo, uma
construção gradativa. Há de se considerar a percepção, a elaboração mental, a palavra e a
relação entre o conceito e o objeto por ele representado. Para Vygotsky, (2000, p.67) “um
conceito não é uma formação isolada, fossilizada e imutável, mas sim uma parte ativa do
processo intelectual, constantemente a serviço da comunicação, do entendimento e da solução
de problemas”. Logo, o processo de aquisição e construção de conceitos se desenvolve por
meio de diferentes estratégias.
Vygotsky afirma que um “conceito é um ato real e complexo de pensamento que não
pode ser ensinado por meio de treinamento, só podendo ser realizado quando o próprio
desenvolvimento mental (...) já tiver atingido o nível necessário” (2003, p.104). O conceito
expresso pela palavra representa ato de generalização; o significado das palavras evoluem.
O autor indica a existência de dois tipos de conceitos: os espontâneos e os científicos.
Os primeiros “são um produto do aprendizado pré-escolar e, em contra partida, os conceitos
científicos são produto do aprendizado escolar” (VIGOTSKY, 2001, p.145).
Segundo o autor, ao tratar os conceitos espontâneos, o sujeito não o faz, de início, de
forma consciente, pois sua atenção se centra no objeto sobre o qual realiza a ação, e não no
pensamento em si. Já o conceito científico, (VYGOTSKY apud. MARTINS, 2005, p.58) seu
nascimento, “começa não com um encontro imediato com coisas, mas com um
relacionamento mediado para um objeto... a trajetória é oposta – do conceito para as coisas”.
Esse tipo de conceito é o aprendido na escola, apresentado como parte de um sistema
hierárquico, começa a se desenvolver com sua definição verbal. Estes dois tipos de conceitos
se influenciam mutuamente no processo de desenvolvimento, não podendo um existir sem o
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outro (VYGOTSKY, 2003). É no uso de conceitos cotidianos que o sentido das definições e
explicações de conceitos científicos constrói-se.
A trajetória de formação de conceitos científicos, é composta por três estágios. O
primeiro é o dos sincréticos que se desenvolve em três fases, o segundo é o dos complexos
que ocorre em cinco fases e o último é o dos pré-conceitos dividido em quatro fases.
No estágio dos sincréticos, o que caracteriza o pensamento é a existência de imagens
sincréticas que são equivalentes funcionais dos verdadeiros conceitos. O indivíduo faz um
agrupamento de objetos numa “agregação desorganizada ou amontoado”. A relação entre os
objetos é ainda composta por impressões subjetivas, não sistematizadas.
No estágio dos complexos, os objetos isolados associam-se baseados em relações
reais. Há coerência e objetivo, embora ainda diferenciado do objetivo presente no pensamento
conceitual. Vygotsky (2003, p.76) afirma que “um complexo não é formado no plano do
pensamento lógico abstrato, as ligações que o criam, assim como a que ele ajuda a criar,
carecem de unidade lógica”. Este é o ponto que diferencia o complexo de conceito. As
ligações entre elementos do complexo podem ser tão diversas “a ponto de qualquer conexão
factual levar à inclusão de um elemento em um complexo” (idem).
No estágio dos pré-conceitos já existe um nível mais elevado de abstração, embora
ainda com manutenção de características de estágios anteriores. É tomado um atributo comum
como característica, mas diferentemente do pensamento por complexos, o atributo tomado
como referência não se perde facilmente. Nesta fase, os vínculos presentes no pensamento por
complexos vão desaparecendo. Vygotsky (2001, p.222) afirma que os pré-conceitos são
conceitos em potencial, isto é, “uma formação pré-intelectual que surge cedo demais na
história da evolução do pensamento”. Somente com o processo de abstração bem
desenvolvido é que se chega à formação do conceito propriamente dito. Para o autor, o
processo de abstração, acompanhado do desenvolvimento do pensamento por complexos,
conduz à formação de verdadeiros conceitos (VYGOTSKY, 2001). Nos conceitos, os sujeitos
envolvidos no processo devem “abstrair, isolar elementos e examinar os elementos abstratos
separados da totalidade da experiência concreta de que fazem parte” (idem; p. 220). Nessa
perspectiva o autor atribui à “palavra” papel decisivo no processo de formação de conceitos.
Através da palavra é que o conceito abstrato é expresso, é sintetizado e é incorporado à
realidade.
OS PROFESSORES E SEUS CONCEITOS DE SND
Dentro da nossa cultura, o SND tem posição relevante, pois praticamente todas as
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nossas medidas e operações matemáticas tomam por base o sistema decimal. Assim sendo,
foram analisados aqui, o significado atribuído pelas professoras em relação ao termo
“sistema” e a clareza nas relações de base dez entre as ordens. Considerou-se a forma como
elas demonstravam compreender, explicar e justificar o uso do sistema de base dez.
De acordo com a teoria adotada, não se pode analisar um conceito a partir de uma
única situação. Há que se considerarem diferentes contextos onde os conceitos investigados
sejam aplicados, relacionados e refletidos. Assim sendo, para que se considere o processo de
formação de conceitos, há de se considerar todo o desenvolver da investigação, inclusive o
fato de, por vezes, o sujeito investigado recorrer a explicações ligadas a níveis conceituais
mais primitivos para se alçar a um outro mais avançado.
Pelo caráter dialético da própria teoria, o “psiquismo” fica nesse movimento e não
permite que sejam criados rótulos onde um professor seja visto como pensando sempre em
nível sincrético ou somente complexo ou até de um pré-conceito ou conceito. Desta forma,
não se pretende aqui apontar o “nível” de formação conceitual de cada professora, mas
ressaltar que a partir de uma afirmação, situação, explicação ou momento pôde-se perceber
elementos de pensamentos sincréticos, complexos, pré-conceitos ou conceitos.
Foram considerados aqui como pensamentos em níveis sincréticos aqueles nos quais
os professores não conseguiam dar explicação nenhuma. Diante das indagações, as relações
estabelecidas entre os objetos não correspondiam às verdadeiras relações do SND, e as
justificativas dadas eram baseadas em “regras” sem significado dentro do sistema.
Os pensamentos em nível complexo foram os que evidenciaram alguma relação
estabelecida com a base dez nas atividades abordadas. Ou seja, quando os professores
conseguiam perceber, mesmo que de forma incipiente, a ligação entre os fundamentos do
Sistema de Numeração Decimal e a questão em investigação.
Consideraram-se pré-conceitos os pensamentos em que as explicações estavam
articuladas com características intrínsecas ao SND, porém ainda com a presença de elementos
que não necessariamente representavam relações de base de dez do Sistema em estudo.
Os pensamentos classificados como conceitos foram os que se mostraram bem
localizados dentro do SND e articularam diferentes conceitos; quando as professoras
perceberam as relações de base dez entre as ordens, agrupamentos, operações, conteúdos,
entre outros. Conseguir estabelecer vínculos relacionais e generalizados entre o sistema em
investigação e os demais conceitos aqui abordados foi o principal aspecto considerado.
Investigou-se inicialmente a concepção acerca do termo: Sistema de Numeração
Decimal; como as professoras justificavam que ele fosse assim denominado. P1 e P3
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afirmaram ser um termo “arbitrário”, e não estabeleceram qualquer ligação com a sistemática
organização em base dez que o caracteriza. P3 acrescentou que ... é como se fosse o batismo
dos números. P1 ponderou que ...ainda não houve um matemático, um matemático mesmo
bom que fizesse outra numeração... acho que a gente poderia criar um sinônimo pra poder
mudar e não ficar na mesma mesmice, não houve ainda uma pessoa que acordasse... Com
estas afirmações, percebe-se por parte das professoras, um nível elementar de construção
conceitual, não evidenciando relação entre o termo “decimal” e a base dez e seus
agrupamentos e transformações entre as ordens que caracterizam o sistema.
A percepção que as professoras apresentaram está direcionada à necessidade de o
sistema em estudo receber um nome qualquer. Demonstraram, assim, ausência do
estabelecimento de qualquer relação complexa entre os conceitos envolvidos com o SND.
Em relação à base dez que caracteriza o SND, P3 afirmou: não lembro disso, faz muito
tempo que vi. Considerou-se que, nestes aspectos, as professoras demonstraram ter o
pensamento de nível sincrético, já que os elementos que elas consideram são desconexos e
demonstram não perceber relação lógica entre o nome dado ao SND e sua base dez.
Pôde-se notar uma percepção diferente junto a P2 e P4. Elas fazem uso da História da
Matemática e, embora trazendo apenas elementos rudimentares, é a partir deles que elas
conseguem explicar porque o nosso sistema de numeração recebe o nome de Decimal. Nas
palavras de P2: pela necessidade de contar ele surge... antigamente não se sabia os
números... era usado pedrinhas, palitinhos, coisas para representar números, aí surgem os
números e numerais e aí decimal, por que eles são agrupados de dez em dez... de dez
unidades se forma a dezena, dez dezenas a centena e assim vai. P2 percebe a questão do
agrupamento na base dez como fator fundamental, mas ela aponta como elemento importante
no SND, apenas a contagem. É como se apenas o ato de contar dependesse da existência do
sistema decimal. Durante o processo de entrevista clínica, tendo que justificar as suas
respostas, P2 conclui: para a aprendizagem do SND os alunos precisam saber fazer
transformações entre as ordens. Isso evidencia um estágio de formação de conceitos que se
aproxima dos complexos, pois ela chega a perceber várias relações necessárias ao conceito
científico do SND, porém volta seu pensamento para questões mais elementares como o uso
da contagem e da representação da quantidade por símbolos numéricos.
P4 após apontar a história dos “pastores que contam suas ovelhas”, como fonte de
criação do SND, conclui afirmando que acredita que decimal ... é alguma coisa de dez, você
conta ... de dez em dez. Embora se aproxime da questão do agrupamento na base dez associa
também a questão da contagem como fator relevante dentro do SND. Isso se configura como
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o início de um pensamento por complexos, pois já existe uma ligação com a base do sistema,
que se pode inferir ser algo relativo a agrupamentos de dez, embora as professoras não
consigam ir além em suas explicações acerca do sistema, apresentando um nível de
generalização ainda elementar, mas relacionado aos princípios do SND.
Já P5 consegue fazer relações com as ordens que compõem o sistema, mas considera
apenas as que compõem a “parte fracionária” dos números – em suas palavras – são os
décimos, centésimos e milésimos. Ela não considera o agrupamento na base dez entre as
ordens como o fizeram P2 e P4. Isso pôde ser percebido quando se perguntou a P5 sobre qual
seria a base de organização do Sistema de Numeração Decimal, ao que ela respondeu não,
não sei, não vou mentir pra você. De forma semelhante se posiciona P1. Ela afirma que o
sistema envolve exclusivamente o trabalho com o que denomina números quebrados,
exemplificando-os: 1,6; 3,4. E acrescenta: como as pessoas não estão habituadas a trabalhar
com números quebrados, sentem dificuldades no trabalho com o SND. Comenta que o uso
desses números só se dá em concursos e no trabalho com medidas. Considera que no dia a dia
... não lembra de usar o SND ... muita gente não usa, a não ser que seja uma área específica
que exija. Acrescenta que uma dona de casa é uma pessoa que nunca teve acesso ao sistema
decimal.
A palavra decimal em nenhum momento assume, para P1 e P5, um significado de
relação com a questão da base dez e dos conseqüentes agrupamentos entre as ordens que se
podem fazer. O grau mais elevado de abstração que conseguem fazer é a ligação entre a
“palavra” decimal e os “números decimais” que ensinam a seus alunos. Ainda assim não
fazem nenhuma relação desse conceito com a vida, o dia a dia em que estão inseridas.
Percebe-se que o SND, para essas professoras, está relacionado com os decimais e
raramente é percebido como fazendo parte da compreensão das relações entre um conjunto
mais amplo de números. P1 contrapõe os números decimais, isto é, os “quebrados” aos
naturais, afirmando que ... natural é uma coisa e decimal é outra. A conceituação destas
professoras foi considerada em nível sincrético, sem relação entre o “nome” e as
características do SND. Isso mostra um nível de conceituação onde as idéias estão reunidas
artificialmente com base em “suposições” observadas de forma não sistemática, já que apenas
uma “observação” com base na representação numérica é percebida.
P6 e P7 são enfáticas em afirmar que o nome Sistema de Numeração Decimal vem da
base dele que é dez (P7). Evidenciam elementos componentes do conceito científico do SND,
já que percebem a vinculação entre o nome e a base dez, tal pensamento configura-se como
um pensamento caracteristicamente complexo. P6 afirma que ser necessário que os alunos
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compreendam a existência de apenas dez algarismos e que com esses dez você faz infinitos
números. Segundo a professora tudo na matemática é a partir desses dez algarismos. Ela faz
comparação entre a matemática e o Português: ...nós não temos o alfabeto? A partir daquelas
vinte e seis letras você não desenvolve todas as palavras? Do mesmo jeito é na matemática,
tudo vai partir dos dez algarismos que fazem parte do sistema decimal. Acredita que os
alunos precisam conhecer as classes, compreender o SND, compreender a composição e a
maneira de ler o número. Considera importante os alunos usarem o Quadro Valor e Lugar –
QVL – para a escrita dos números corretamente: se eles se engancharem eles vão para o
QVL e aí eles conseguem escrever porque fica fácil. Para P6 o conceito do SND é claro e
relacionado com outros conceitos, o que mostra uma capacidade de generalização dentro do
pensamento em nível de pré-conceito, pois ela consegue considerar outros conceitos como
articulados na composição do SND.
P7, ao final da entrevista, afirmou surpresa a sua concepção de SND: é um sistema
porque é a forma... é a maneira de sua organização... é o sistema adotado de dez em dez.
Observou-se que naquele momento a professora organizou alguns elementos dispersos que ela
tinha em torno do conceito de SND e conseguiu fazer uma generalização de tal forma que a
aproximou do conceito científico. Nesse momento, assim como P6 ela pensa em nível préconceito.
CONCLUSÕES
As Professoras evidenciaram, tanto em seu processo de resolução das questões
propostas, quanto na discussão de sua maneira particular de perceber o Sistema de Numeração
Decimal, que ainda não pensam em nível de conceito científico.
Dificuldades elementares foram verificadas quando da não justificação da própria
denominação do sistema. Faltava-lhes a percepção das relações com a base dez. O
agrupamento nesta base foi realizado por algumas das professoras, porém com poucos casos
de compreensão de como ele efetivamente se processa. Tal colocação reflete o que Vygotsky
coloca como “operar com os conceitos sem ter consciência deles”. Os sujeitos evidenciaram
trabalhar constantemente com o conceito espontâneo da base dez.
Ficou evidente que as entrevistadas utilizaram-se de formas de resolver e justificar as
perguntas que lhes eram lançadas, tomando por base o modo como elas aprenderam em suas
vidas de estudante no Ensino Fundamental e Médio, sem conseguir lhes fazer qualquer crítica
e fazendo poucas reflexões com base nos princípios do SND. As docentes parecem utilizar os
conceitos ainda muito movidas por hábito. Elas afirmaram com frequência que não sabiam
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explicar, apenas “aprenderam daquele jeito”. Demonstraram que as experiências vividas com
a Matemática, durante o seu próprio processo de escolarização, não foram consideradas
positivas.
Foram identificados momentos em que os pensamentos se mostraram tanto em nível
sincrético, como complexo, embora algumas entrevistadas tenham atingido o estágio dos préconceitos. Contudo, houve uma maior incidência de pensamentos em níveis sincréticos,
evidenciando que diversas são as incompreensões das professoras, quanto aos conceitos
abordados. Elas apresentaram ausência no domínio de conceitos simples, mas fundamentais
para o trabalho com o SND, bem como dos princípios que regem tal tema e que são essenciais
para a aprendizagem e o desenvolvimento do educando em sala de aula.
A análise realizada mostra que as lacunas existentes podem comprometer o trabalho
com os alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental, já que as incompreensões
encontradas entre as professoras são semelhantes às dificuldades dos alunos da Escola Básica.
Questiona-se, assim, como as professoras podem provocar a formação do conceito científico
de SND, junto a seus alunos, se elas próprias evidenciaram muitas vezes estar apenas no nível
sincrético de elaboração de tal conceito. Ter o conceito bem desenvolvido é condição
indispensável para que se estabeleçam as necessárias relações entre o sistema e os conteúdos
previstos no currículo das séries iniciais do Ensino Fundamental.
Somente com esta
percepção as professoras poderão fugir da utilização de regras e procedimentos vazios de
sentido, no ensino da Matemática.
Ressalte-se, entretanto, que mesmo diante de lacunas conceituais, em diversos
momentos da entrevista clínica, as professoras investigadas elaboraram, e desenvolveram
conceitos. Foi possível ver o percurso da reflexão e crescimento de cada uma, sobre a esfera
conceitual investigada, inclusive processos em que os conceitos em investigação estavam
sendo desenvolvidos. As perguntas da entrevistadora promoveram, em muitos casos,
reestruturação de conceitos por parte das entrevistadas.
Isto levanta um ponto para a reflexão em torno do processo de formação continuada
que tem sido oferecido a estas professoras para o trabalho com a Matemática. As professoras
em análise participaram de diversos processos de capacitação durante a sua vida profissional,
os quais não as tornaram capazes de perceber as relações entre a base de todos os
conhecimentos numéricos de nossa cultura – o Sistema Decimal – e os conteúdos que
ensinam cotidianamente em suas aulas. Quais aspectos estão sendo enfatizados nestas
capacitações que não levam as professoras a perceber as origens e relações dos conceitos
matemáticos? Recomenda-se que as oportunidades de qualificação levem em consideração as
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relações existentes entre os diversos aspectos da matemática com a qual elas trabalham.
Somente assim, pode-se abrir uma possibilidade de as professoras contribuírem efetivamente
para a elaboração dos conceitos matemáticos junto a seus alunos.
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