61 4 Análise de dados e discussão Neste capítulo, serão analisadas as entrevistas gravadas e as redações escritas pelos alunos com base no arcabouço teórico estudado para este trabalho. A análise cuidadosa das necessidades reais dos alunos com relação ao aprendizado de inglês como língua estrangeira pode facilitar e auxiliar a elaboração e implementação de um ensino mais direcionado. Decerto, essa análise tem mais chances de sucesso em um curso cujos alunos possuem as mesmas necessidades de aprendizado. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA Após analisar suas necessidades, o professor poderá ter uma certa facilidade em conduzir o curso com materiais, tópicos e metodologia que atinjam o objetivo comum a todos os alunos. No caso da turma em estudo, por ser ela composta por alunos com interesses e objetivos diversos de aprendizado, o departamento acadêmico do curso de inglês tem como desafio encontrar um denominador comum composto por temas e materiais que possam ser úteis e interessantes ao grupo como um todo. E, principalmente por se tratar de uma turma heterogênea, foi de grande importância implementar um questionário e entrevista que visasse investigar os interesses e objetivos dos alunos no curso. Antes de efetuarmos a análise dos dados propriamente dita cabe apresentarmos as categorias de análise desta pesquisa compostas pelas características de gêneros propostas por Swales (1990:58): o propósito comunicativo, a estrutura genérica, o conteúdo, o público-alvo e o estilo do gênero. Na análise correspondente ao estilo dos gêneros, este trabalho irá se concentrar nas escolhas de vocabulário e gramática. 62 4.1. Categorias de análise Propósito comunicativo do gênero O propósito comunicativo de um gênero já foi considerado a razão de existência do gênero, a finalidade para a qual ele foi produzido. De acordo com esta perspectiva, o propósito de um gênero é o que o valida e o torna pertinente dentro de determinada comunidade discursiva. Em 1990, Swales considerava o propósito comunicativo como sendo fundamental para se identificar um exemplar como sendo determinado gênero. Entretanto, como visto anteriormente (no 2.1), em 2001, o autor reviu o conceito de propósito comunicativo e argumentou que devido às intenções particulares de cada escritor tornava-se complexo classificar PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA alguns exemplares como sendo de determinado gênero com base no propósito. Além das intenções particulares, o autor também propôs a seguinte questão: (...) se os propósitos sociais ou as funções sociais são complexos, múltiplos e evasivos, como pode o propósito ser utilizado para se decidir se determinado discurso pertence a uma categoria genérica em contraste a outra? (Swales, 2004:69).28 Dentro deste pensamento, Swales argumenta que não é possível utilizar o propósito como sendo um dos padrões de similaridades dos gêneros, isto é, não se deve classificar diversos textos como sendo determinado gênero com base no propósito, pois este é mutável e bastante complexo, o que torna a classificação precária. Apesar desta nova abordagem do autor, resolvemos manter o propósito comunicativo como sendo um dos critérios de análise dos dados por ele ser extremamente relevante neste trabalho que tem por objetivo entender o que os alunos entendem como o propósito dos gêneros que produziram. Da obra do autor de 1990, reconhecemos que a seguinte afirmação feita por ele sobre os propósitos comunicativos ainda é pertinente para o estudo de gêneros: 28 “(...) if these social purposes or social functions are complex, multiple, and evasive, how can purpose be used to decide whether a particular discourse belongs in one generic category as opposed to another?” (Swales, 2004:69) 63 Estes propósitos são reconhecidos pelos membros especialistas da comunidade discursiva de origem e, portanto, constituem o conjunto de razões (rationale) para o gênero. Estas razões moldam a estrutura esquemática do discurso e influenciam e limitam (constrains) a escolha de conteúdo e de estilo (Swales, 1990:58). Esta afirmação de Swales alinha-se com a de Bhatia quando este diz que: Cada gênero é uma instância de realização bem sucedida de um propósito comunicativo específico, pela utilização de conhecimento convencionalizado sobre recursos discursivos e lingüísticos (Bhatia, 1993:16). A relação direta entre propósito, estrutura e conteúdo do gênero também é enfatizada por Biber quando este diz utilizar o termo “gênero” para as classes de texto que são determinadas com base em critérios externos relacionados ao propósito do autor ou falante (Biber, 1988:206). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA Estas três afirmações embasam a minha opção em manter o propósito comunicativo como sendo um dos critérios, mas não o principal, para a análise dos dados mesmo tendo sido este conceito revisto recentemente. Entendo que o propósito comunicativo varia de acordo com o produtor do gênero mesmo entre produtores da mesma comunidade discursiva. E é por isso que acredito ser ele relevante neste trabalho. Na análise dos dados, poderemos compreender o que os alunos entendem como sendo o propósito dos dois gêneros discursivos e do tipo textual que eles produziram. Nas redações analisadas neste trabalho, o propósito de cada uma foi estabelecido ou pelo enunciado do livro utilizado, cujo nome é New Cambridge Advanced English, editado pela Cambridge University Press, ou pelo enunciado da apostila elaborada pelo departamento acadêmico do curso. Estrutura genérica Assim como não é fácil identificar exemplares como sendo determinado gênero com base no propósito comunicativo, nem sempre é fácil fazer essa identificação com base na estrutura esquemática do texto. A criatividade do autor do texto e a mutabilidade dos gêneros são dois dos motivos que dificultam ou impossibilitam esta identificação. O que pode ser feito é, através de uma análise cuidadosa de um número significativo de exemplares do mesmo gênero, analisar 64 quais elementos são obrigatórios, recorrentes e opcionais nos textos que os tornam pertencentes a determinado gênero. Após esta análise, poderá ser possível identificar a estrutura genérica do texto. Segundo Meurer: Tanto na forma oral como na escrita, os gêneros textuais são caracterizados por funções específicas e organização retórica mais ou menos típica. São reconhecíveis pelas características funcionais e organizacionais que exibem e pelos contextos onde são utilizados (Meurer, 2000:150). Além de Meurer, Biber (1988) e Bonini (2001a)29 também consideram a estrutura textual o elemento principal do gênero, pois o foco está na composição textual (Bonini, 2004:8), isto é, em como as informações são organizadas em determinado gênero. A estrutura retórica de um gênero é composta por PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA movimentos retóricos que, segundo Bhatia, são “os aspectos táticos da construção do gênero” (Bhatia, 1993:19)30. E é essa organização das informações do texto que será analisada neste trabalho. Neste presente trabalho, a estrutura retórica das redações dos alunos em estudo será analisada à luz das entrevistas concedidas pelos próprios e da literatura do gênero. Será de grande valor avaliar como os alunos organizam os gêneros como texto e se isso reflete alguma preocupação com a forma. Conteúdo do gênero Segundo Johns, o conteúdo existente ou inexistente em um texto é definido pela comunidade ou contexto específico onde este gênero circula (Johns, 2002:13). As análises de conteúdo dos gêneros e tipo de texto em estudo serão feitas com base nas redações e nos comentários dos alunos sobre os conteúdos. No caso das redações que compõem o corpus deste trabalho, o conteúdo muitas vezes foi orientado pelo enunciado da redação. Será interessante observar se os alunos escreveram o conteúdo que é esperado da comunidade e do contexto onde o gênero circula. 29 Cabe aqui ressaltar que estes autores possuem focos diferentes de pesquisa. 30 “(…) the tactical aspects of genre construction” (Bhatia, 1993:19). 65 Público-alvo do gênero Quando se tem um propósito naquilo que vai ser escrito, o autor do texto tem em mente o seu público-alvo (Swales, 1990), isto é, a quem o seu texto irá interessar. Além de ser do interesse do leitor, é importante que o gênero e o seu tópico sejam do seu conhecimento para que ele o reconheça e o identifique como tal. A relação escritor-leitor é crucial, pois existe uma relação intrínseca entre os dois onde um identifica a existência do outro favorecendo, então, o entendimento do texto. Segundo Paltridge, conhecer o leitor é um fator muito importante na produção de um gênero (Paltridge, 2001:18). Mesmo que o autor do gênero não conheça o leitor propriamente dito é importante que ele saiba para que tipo de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA leitor ele está escrevendo para que a comunicação seja estabelecida e tanto autor quanto leitor ou leitores tenham conhecimento de mundo compartilhados que permita que o escritor escreva algo que faça sentido para o leitor e o leitor possa compreender o que foi escrito pelo autor do texto. Em cursos de formação de professores para o ensino de idiomas, é destacada a importância de se apresentar ao aluno um leitor, mesmo que imaginário, para que o aluno tenha um propósito em produzir o texto e, ao mesmo tempo, tenha um leitor em mente. Segundo Hedge (1988): É muito mais motivador para os alunos se os textos que eles escrevem em sala possam tornar-se peças genuínas de comunicação com leitores reais, como outros alunos, visitantes, o jornal local ou organizações locais... (Hedge, 1988).31 Desta forma, o aluno, possivelmente, terá uma maior preocupação com o seu texto, pois na medida em que ele tem um objetivo para a escrita ele pode se empenhar para que a sua mensagem seja transmitida de forma clara e coesa. 31 “It is much more motivating for students if the pieces of writing they do in class can become genuine pieces of communication with real audiences, such as other students, visitors, the local newspaper or organizations...” (Hedge, 1988) 66 Analisaremos, neste trabalho, se os alunos, ao escreverem, pensam no leitor sugerido pelo livro didático e pelo professor, através da análise das redações e das suas entrevistas. No caso das redações analisadas para este trabalho, será importante discutir a questão do professor como leitor. Isto é, até que ponto os alunos escreveram para um leitor imaginário ou até que ponto eles escreveram para o professor? Isso influencia o conteúdo do seu texto? Para Bambirra: o aluno sentir-se-á muito mais motivado se for proposto a ele que escreva para um leitor possível, integrante de sua realidade, e de uma forma mais natural e significativa (Bambirra, 2004:132). Será interessante verificar se os alunos consideram este “leitor possível” um leitor imaginário ou o leitor real, isto é, o professor. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA Este conceito de público-alvo será analisado nas entrevistas concedidas pelos alunos com base em suas redações. Escolhas léxico-gramaticais Swales (1990) apresenta o estilo como sendo um dos padrões de similaridades entre exemplares de gêneros. Segundo Bakhtin (1992:279), estilo é a “seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais”. O autor diferencia o estilo individual do estilo lingüístico ou funcional, sendo este último “um gênero peculiar a uma dada esfera da atividade e da comunicação humana. Cada esfera conhece seus gêneros, apropriados à sua especificidade, aos quais correspondem determinados estilos” (Bakhtin, 1992:284). Segundo Mattoso Câmara Jr., (1986:111), “os dois campos mais propícios à caracterização lingüística pelo estilo são o do vocabulário e da sintaxe”. Com base nestas duas definições de estilo e, tendo conhecimento da vastidão e da complexidade que envolvem os estudos de estilística, decidimos, para fins desta pesquisa, analisar o estilo dos gêneros através das escolhas léxicogramaticais feitas pelos alunos. O objetivo é perceber se as escolhas esperadas do gênero também se alinham com as escolhas feitas pelos alunos durante a escrita. Vale ressaltar que o próprio Mattoso Câmara Jr. adverte que “o estilo, em grande parte, depende da intenção da obra, e um escritor pode variar de estilo de 67 uma obra para outra” do mesmo modo que as obras de autores diferentes podem possuir estilos semelhantes. No que tange à “intenção da obra”, analisarei as redações dos alunos com base no propósito do gênero e com relação ao estilo individual, levarei em consideração este aspecto com base nas entrevistas dos próprios alunos e nas suas produções escritas. É sabido que as escolhas lexicais e gramaticais no processo da escrita variam de acordo com o registro, a cultura e o gênero, que por sua vez abarca o propósito, o leitor e a comunidade discursiva onde o texto estará inserido. Johns (2002:13) afirma que a linguagem de um texto é escolhida e utilizada de propósito (2002:13), logo, ao fazer as escolhas lexicais e gramaticais os alunos têm um propósito em mente acerca do texto que irão escrever. Até que ponto essa escolha assemelha-se ao que é esperado do gênero? PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA Para Hyland: para criar um texto bem estruturado e eficaz, os alunos necessitam conhecer os padrões léxico-gramaticais que ocorrem tipicamente nos diferentes estágios do texto, e a tarefa do professor é auxiliar os alunos para que eles dominem isso através da conscientização dos gêneros alvo e de uma gramática explícita de escolhas lingüísticas (Hyland, 2003:26).32 Através da análise das redações e das entrevistas poderemos observar até que ponto os alunos estavam cientes das suas escolhas e se estas escolhas estavam de acordo com o gênero. Segue, então, a análise dos dados, dividida em três partes, de acordo com os gêneros e tipo textual produzidos pelos alunos: ‘narrativa’, ‘resenha de filme’ e ‘carta de conselho’. As redações escritas pelos alunos e as entrevistas serão analisadas com base nas características de gêneros propostas por Swales e abordadas neste capítulo. 32 “To create a well-formed and effective text, students need to know the lexicogrammatical patterns which typically occur in its different stages, and the teacher’s task is to assist students towards a command of this through an awareness of target genres and an explicit grammar of linguistic choices” (Hyland, 2003:26). 68 4.2. Narrativa As aulas A segunda semana de aula (anexo K) da turma em estudo tinha como objetivo dar ênfase a duas habilidades lingüísticas do aprendiz: a fala e a escrita. Os objetivos eram, respectivamente, capacitar os alunos a conversarem sobre lendas urbanas e escreverem uma narrativa. A seguir, descreverei o plano de aula elaborado pelo departamento acadêmico do curso de idiomas onde estes aprendizes estudam. Na primeira aula desta segunda semana, o plano de aula sugeria que o professor começasse a aula introduzindo o tópico “lendas” para os alunos e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA pedindo para eles explicarem qual a relação entre as seguintes palavras e expressões e o tópico: folclore, tradição oral, lendas urbanas, fatos distorcidos, falta de documentação e disseminação de estórias. Com o auxílio de uma atividade multimodal, uma apresentação em powerpoint, eu conduzi uma discussão entre os alunos para que eles tivessem oportunidades de relatar estórias aos seus colegas e a mim referentes ao tema da aula: lendas urbanas. Após esta discussão e tendo como finalidade introduzir o tema, os alunos leram um texto sobre lendas urbanas, antigas e modernas, e como elas são transmitidas. Como o texto era muito longo, o plano de aula sugeria ao professor que este dividisse a turma em três grupos, ficando cada grupo encarregado de ler um trecho do texto. Depois, os alunos formariam um outro grupo com alunos que tivessem lido partes diferentes da sua e cada um resumiria a sua parte para o outro, oralmente. O próximo passo foi revisar todos os tempos verbais no passado através da leitura de narrativas. Esta atividade foi implementada através do recurso multimodal powerpoint e todos os alunos puderam ler as frases na tela da televisão e comentar o uso dos tempos verbais no passado. Como atividade complementar, os alunos fizeram dois exercícios na apostila: a primeira apresentava um texto com lacunas e pedia que eles colocassem os verbos dados entres parênteses na forma correta, utilizando o passado contínuo ou o passado simples. Já a segunda atividade oferecia frases isoladas, no passado, e pedia aos 69 alunos que eles escolhessem a melhor forma e a sublinhassem. Sempre eram oferecidas duas opções. Na segunda aula desta segunda semana, cujo tema era ‘lendas urbanas’, eu comecei a aula com uma revisão do vocabulário aprendido na aula anterior através de uma atividade lúdica de palavras-cruzadas. Como o título da lição era “How strange! – truth or fiction”, os alunos assistiram a partes de um filme intitulado The Amazing Falseworth, sobre um homem que diz ser um clarividente, e fizeram as atividades, baseadas no filme, contidas em suas apostilas. O plano de aula sugeria ao professor que a atividade escrita, uma narrativa na qual os alunos contassem o fim da estória, fosse feita de forma colaborativa, em sala de aula. E que, depois, eles escrevessem uma outra narrativa, individualmente, em casa. Antes de escreverem sozinhos a narrativa, os alunos fizeram uma atividade PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA cujo objetivo era descrever dois parágrafos deste tipo textual: a introdução e a conclusão. Para isto, eles tinham que identificar quais características do parágrafo referiam-se à introdução e à conclusão. Depois, eles tinham que identificar quais parágrafos, extraídos de textos distintos, eram introdução e quais eram conclusão. Na terceira atividade, os alunos deveriam identificar, em duplas, quais dos seis parágrafos da atividade anterior pertenciam a uma narrativa para, finalmente, em casa, criar uma estória com duzentas palavras que começasse e terminasse com os dois parágrafos extraídos de uma narrativa, do exercício anterior. Segundo as instruções desta redação, todos os alunos deveriam escrever um texto que começasse e terminasse exatamente da mesma forma, isto é, o livro propunha um parágrafo de abertura e outro de conclusão da narrativa, obrigatórios, que os alunos tinham que inserir. Baseados nos dois parágrafos, eles deveriam criar o corpo do texto o que, segundo Cumming (1995:384), demanda mais esforço cognitivo do aprendiz do que a criação de uma narrativa na íntegra, pois a sua narrativa deverá ser elaborada para se encaixar nos parágrafos inicial e final impostos. Ainda de acordo com o plano de aula, os alunos deveriam saber produzir, em sua narrativa, os seguintes tempos verbais: passado contínuo, passado simples, passado perfeito simples, passado perfeito contínuo e o futuro visto do passado como “was going to”, “would”, “was (about) to”. 70 Oito alunos da turma em análise optaram por escrever uma narrativa. Através da análise destas oito redações e das entrevistas conduzidas com os alunos eu analisarei as características de gêneros propostas por Swales: propósito, estrutura, conteúdo, público-alvo e escolhas léxico-gramaticais. Porém, antes de iniciar a análise propriamente dita, cabe aqui justificar a inserção da narrativa mesmo esta não sendo, segundo a teoria de gêneros, um gênero discursivo. 4.2.1. ´Narrativa’ segundo a teoria de gêneros Segundo a teoria de gêneros, a narrativa não é um gênero discursivo, mas sim uma “designação teórica” com o “predomínio de um tipo de uma seqüência de base” (Marcuschi, 2005:23-27) do tipo textual, assim como a argumentação, a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA descrição, a explicação, a injunção e o diálogo. Já Grabe (2002) afirma que a narrativa, assim como os textos expositivos são ‘macro-gêneros’ e afirma que se teóricos, pesquisadores, pedagogos e professores entenderem estes dois níveis dos gêneros, será mais fácil para eles auxiliarem o aluno no aprendizado, pois eles estarão a par do modo como leitores e escritores estruturam seus mundos. Apesar de teóricos da Narrativa Conversacional a considerarem gênero, optaremos por chamá-la de tipo textual, respeitando a opinião de teóricos e estudiosos de gêneros discursivos. Mesmo não sendo um gênero discursivo, como a ‘carta de conselho’ e a ‘resenha de filme’, optei por analisar o tipo textual ‘narrativa’ pela sua pertinência e relevância dentro dos dados desta pesquisa. A seguir, farei a análise dos dados. 4.2.2. A análise 4.2.2.1. Propósito do tipo textual ‘narrativa’ Contar e ouvir histórias faz parte da vida de todas as pessoas, seja no trabalho, na escola, entre amigos, em família ou até mesmo entre desconhecidos. Ao contá-las passamos para o outro um pouco do que nós somos, nossos valores, nossas crenças e o interlocutor passa a ser co-construtor desta história à medida 71 que ele reage à mesma, interage, tece comentários, faz avaliações ou até mesmo conta uma segunda história. Valores, idéias, julgamentos, ressentimentos e admiração são alguns dos sentimentos que podem ser expressos em uma narrativa. Essa performance pode ser consciente ou não e ela envolverá o ouvinte na narrativa e o tornará coconstrutor da mesma. O ato de contar histórias e a atuação do contador são discutidos por Langellier (2001) que expõe que, ao contar uma história, o narrador prioriza determinada forma e conteúdo que pode ser tanto os aspectos linguísticos e paralinguísticos como os tópicos e os assuntos da narrativa. Os conceitos de performance e identidade em narrativas também são discutidos pelo psicólogo social Elliot G. Mishler (1999:19) que também argumenta que a forma (como se PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA conta) e o conteúdo (o que se conta) estão presentes na narrativa e são articulados pelo narrador durante a contagem. O autor acrescenta que, ao contar uma história, o narrador não expressa apenas o que ele é, mas também o que ele gostaria de ser. Segundo a terminologia apresentada pelo lingüista americano William Labov, em 1972, dois atributos são fundamentais em uma narrativa: o ponto da narrativa e a sua reportabilidade. O ponto da narrativa é o motivo pelo qual ela está sendo contada e a reportabilidade é o que possibilita que a história seja reportável. Linde (1983:22) esclarece que: A reportabilidade de um dado evento ou seqüência de eventos não é fixa; ela não depende apenas da natureza dos eventos, mas da relação do narrador com o(os) interlocutor(es), da quantidade de tempo que passou entre o evento e o dia da contagem da estória e das habilidades pessoais do falante como narrador (Linde, 1983:22).33 Estas “habilidades pessoais” do narrador, mencionadas por Linde, é exatamente a performance, que não mostra e ajuda a construir apenas a sua identidade, mas também constrói o contexto ao redor dele. “É através da narrativa que compreendemos a experiência, o mundo que nos cerca”(Bastos, 2004:122). Em 1972, Labov apresentou um modelo estrutural de análise da narrativa. 33 "The reportability of a given event or sequence of events is not fixed; it depends not only on the nature of the events, but on the relation of the speaker and addressee(s), the amount of time that has passed between the event and the telling of the story, and the personal skills of the speaker as a narrator" (Linde, 1983:22). 72 Apresentarei este modelo, detalhadamente, na próxima seção, sobre a estrutura retórica da narrativa. No momento, gostaria de me ater a um dos estágios que a compõem e que, segundo o modelo laboviano, dialoga com o título desta seção: o propósito da narrativa. Segundo este modelo de análise, o ‘resumo’, como o próprio nome diz, resume e sinaliza ao interlocutor o tipo de narrativa que será contada. Ainda segundo o lingüista, ele é opcional e também possui uma função avaliativa, pois as avaliações desenvolvidas ao longo da narrativa são referentes a ele. Como foi mencionado na seção referente à aula sobre narrativa, todos os oito alunos que escreveram esta redação tiveram que começar da mesma forma, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA isto é, com o seguinte texto: “Three days of holiday with no work – wonderful! We all woke up to a fabulous sunny day, our first day off work, and decided to go for a walk along the cliffs and take a picnic with us”. Este parágrafo introdutório é, segundo a classificação de Labov, a “orientação” da narrativa, pois ele contextualiza o evento, isto é, a história: em um dia ensolarado de feriado um grupo decidiu caminhar nas montanhas e fazer um piquenique. Neste primeiro parágrafo, não há um resumo da narrativa, o que se alinha à proposta de Labov, quando este explicita que nem sempre há resumo na narrativa. Neste caso, o propósito da narrativa não fica claro, isto é, não fica claro por que o narrador resolveu contar esta história, por que ela é válida de ser contada. Vale ressaltar que em livros didáticos, o propósito do gênero e da narrativa perdem a sua força. Por isso, apenas um, dos oito alunos, incluiu o resumo em sua narrativa, como apresentarei a seguir. A aluna M.T. faz uso do ‘resumo’ ao escrever, no segundo parágrafo: “(...), we thought that this day was an adventury romantic day, but after a couple of ours our nightmare started” (anexo H1). Neste trecho, a aluna sinaliza o propósito da narrativa que será contada. Ao criar um clima de suspense, ela desperta no leitor o interesse em ler uma 73 história onde as coisas não aconteceram conforme as expectativas. Esta performance da aluna é a forma como ela escolheu para narrar a sua história (Mishler, 1999). Com relação à avaliação inserida no resumo, a aluna avalia a sua história como sendo um “pesadelo”. Quanto ao propósito do curso ao pedir para os alunos escreverem uma narrativa, a aluna B. diz que é para o aluno saber organizar o pensamento e se expressar em outra língua. Além disso, ela explica que o curso tem como objetivo preparar o aluno para escrever diversos tipos textuais, e um deles é a narrativa. Para ela, não é muito importante aprender a escrever narrativas em curso de inglês a não ser que o aluno tenha interesse em ser escritor. Para P., o propósito do curso ao pedir que os alunos escrevessem uma PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA narrativa é: “manter uma linha de raciocínio e um encadeamento de idéias assim, pra você ir seguindo uma linha sem fugir muito, entendeu? (...) aprender a escrever num molde que é dado pra você, entendeu? Não sair escrevendo livro. Uma argumentativa, por exemplo, você... sei lá, você vai escrever qualquer coisa que você tá pensando, aqui, ainda mais essa que você é obrigado a começar com uma frase, você tem que seguir um molde, você não pode sair muito daquilo. Então eu acho que é meio que uma disciplina pra escrever, você aprender a seguir um caminho que tão te dando” (anexo F). A disciplina exigida ao aluno ao escrever um texto conforme um modelo, mencionada por P., alinha-se ao argumento de Cumming (1995), apresentado no início desta seção, quando este afirma que escrever uma redação cujos parágrafos introdutório e final são impostos demanda um maior esforço cognitivo do aprendiz, pois este deve ser capaz de criar e escrever uma estória que se adeque a estes parágrafos. Quando o aluno diz “você não pode sair muito daquilo”, ele parece referir-se claramente a esta demanda sugerida pelo autor. A aluna B. cita o diário quando indagada se já havia escrito uma narrativa sem ser em contexto escolar. Para a aluna, o propósito de escrever em um diário, isto é, uma narrativa, é para ela mesma ler no futuro, por isso ela a contextualiza, para poder compreendê-la futuramente. A aluna explica que não tem o hábito de escrever narrativas na escola por esta dar menos ênfase a este tipo textual do que à dissertação e diz que escrever narrativas é mais fácil, pois o aluno pode inventar uma história, não precisando ter conhecimento específico de um dado assunto. Dos oito alunos que escreveram uma narrativa, sete atingiram o propósito deste tipo textual, pois contaram uma história que incluía o ponto da narrativa e 74 era ‘reportável’, segundo os termos apresentados por Labov (1972). No entanto, na redação escrita pelo aluno Ro. (anexo H5), o último parágrafo, cuja inserção deveria ser obrigatória, não fez sentido com o resto do texto. Talvez o aluno não tenha compreendido o significado do parágrafo. Segue, abaixo, o penúltimo e último parágrafos escritos pelo aluno: “The last day was the best, we simply went to the local park, we just played like children. Everybody who passed, looked our happiness in those toys, we were laughing provoking. But the best news came last. Incredibly, I had nothing wrong with me except a few bruises. And by 10 o’clock that night I was back home! What a day off work.(anexo H5). O ponto da narrativa do aluno era contar como os seus dias de folga foram bons e assim ele o faz ao longo do seu texto. Contudo, no último parágrafo, há PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA uma referência a algo que deu errado que o aluno não havia mencionado anteriormente. Neste caso, o propósito da narrativa não é atingido e o leitor não compreende a história devido à ausência de informações. Se uma história não pode ser compreendida ela não é reportável. Como mencionado por Linde, uma das características da reportabilidade da narrativa são as “habilidades pessoais do falante” (Linde, 1983:22), isto é, a sua performance e identidade como escritor e narrador. Apesar de todas as redações terem o primeiro e último parágrafos iguais, isto não impediu que as narrativas tivessem características próprias que expressassem a identidade do aluno como narrador. A aluna MT, por exemplo, insere o ponto de exclamação três vezes no terceiro parágrafo: “We didn’t know if she was capable to do this specially alone! At 7 pm I saw one light in the sky, it was the rescue helicopter! Julia arrived safe to the national park entrance and she call for help! (anexo H1). Neste trecho da redação, pode-se depreender que os pontos de exclamação são utilizados pela aluna para imprimir ênfase a sua estória, tornando-a reportável. Os alunos desta turma compreendem o propósito da narrativa e sabem produzi-lo, visto que todos contaram uma história. Mesmo que apenas uma aluna tenha incluído o ‘resumo’ em sua redação, isso não impediu que as estórias dos outros sete alunos tenham sido contadas efetivamente, atingindo o propósito comunicativo do tipo textual narrativa. 75 4.2.2.2. Estrutura do tipo textual ‘narrativa’ Para analisarmos a estrutura retórica das produções escritas dos alunos, tomaremos como referência o modelo Laboviano de análise da narrativa (Labov, 1972: 354-398), segundo o qual, esta possui: - Resumo: resume e sinaliza ao interlocutor o tipo de narrativa que será contada (opcional) - Orientação: contextualiza o evento - Complicação: é a história. Seqüência de eventos narrados no passado (perpassa toda a narrativa) - Avaliação (pode ocorrer livremente na narrativa): relevância da história, motivo de ela ser contada PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA - Resolução: etapa de finalização, existente em algumas narrativas O quadro a seguir apresenta um resumo da análise das redações dos alunos de acordo com o modelo laboviano. Os números correspondem aos parágrafos onde cada informação pode ser encontrada. Alunos Resumo (opcional) Orientação Complicação Avaliação 1 3 4 (uso de exclamação) Resolução (opcional) 2 M.T. A. our nightmare started x 1 2-3 2–3 (exclamação) Unfortunately 4 4 4 P. x 1 1 1-2 2 Re. x 1 4–5–6–7 -8 6 -9 9 M. x 1-2 2-3 2-4 4 L. x 1-2 2–3-4 2–4-5 5 Ro. x 1 2–3-4 2–3–4-5 5 F. x 1 3-4 3-4 4 Quadro 4: Estrutura genérica da narrativa (Langellier, 2001) 76 De acordo com o quadro, depreendemos que os alunos estão cientes da estrutura da narrativa, de acordo com a teoria de Labov. Como visto na seção anterior sobre o propósito da narrativa, apenas uma aluna inseriu o resumo, o que não afetou os outros sete textos por ser este elemento opcional. Como o primeiro parágrafo foi igual e compulsório para todos os alunos, todas as redações continham a orientação, pois era neste parágrafo que o evento era contextualizado. No entanto, dois alunos também inseriram a orientação no segundo parágrafo: A aluna M. continua a contextualização no segundo parágrafo ao escrever: PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA “We were walking under the sun and it was about 12 o’clock when we decided to eat our snack” (anexo H4). A aluna L. também fornece mais informações sobre o contexto da narrativa no segundo parágrafo: “I was there; in that park, with lots of friends but the best thing in my opinion was the company of a guy called Henrique” (anexo H3). Quanto à complicação, a parte estrutural onde o aluno narra a seqüência de eventos, contando a história propriamente dita, uma aluna a inseriu apenas no terceiro parágrafo, dois alunos no segundo e no terceiro, um aluno no primeiro, outro aluno no quarto, quinto, sexto, sétimo e oitavo parágrafos, dois alunos no segundo, terceiro e quarto e uma aluna no terceiro e quarto parágrafos. Esta variação ocorreu por dois fatores: em primeiro lugar, porque os alunos escreveram quantidades diferentes de parágrafos, visto que não havia nenhuma instrução sobre a quantidade de parágrafos que deveria ser escrita. Além disso, como mencionado por Labov, a complicação “perpassa toda a narrativa” (1972:390), logo, espera-se que haja variação dentre os textos conforme o seu tamanho e estrutura. No que diz respeito à avaliação, para Labov, ela está presente em toda a narrativa e refere-se a como o narrador se coloca moralmente e emocionalmente 77 diante do fato narrado. A avaliação pode ser externa, com um comentário externo à história ou encaixada, utilizando estratégias como repetição, alongamento, entre outras. Esta performance, segundo Langellier (2001), intensifica a narrativa contada e pode ser alcançada com o uso de determinados recursos, tais como: Estratégias de avaliação da ‘Narrativa’ PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA - inserção de detalhes: Trechos extraídos das redações dos alunos “He was beautful, funny, smart, had a long beard and long hair (anexo H3, aluna L.). - apelo à audiência: “Oh my god, there I was, lying on the floor with my auncle hurting so bad” (anexo H6, aluna F.). - estratégia de foco (Rimmon-Kenan, 1983), na qual a narradora descreve as ações como se fosse uma câmera focalizando a cena: “Marlin started everything, she covered the sand-floor with the picnic-towel, and we started to put all the food over it and in two minutes everybody was siting around and eating (anexo H7, aluna Re.). - discurso direto34: “-You know, Jessica, you are right! Let’s be happy!” (anexo H7, aluna Re) - discurso indireto35: “Suddenly, he invited me to explore the park and I agreed when I saw a beautiful and blue butterfly. We were following it when he asked me where we were” (anexo H3, aluna L.). Quadro 5: Estratégias de avaliação utilizadas pelos alunos Todos os oito alunos desta turma inseriram a ‘avaliação’ em suas narrativas. A etapa de finalização, a ‘resolução’, que nem sempre ocorre nas narrativas, neste caso, foi inserida pelos oito alunos em suas redações por uma razão: o último parágrafo foi imposto aos alunos e todos deveriam inseri-lo em suas redações. Era justamente neste parágrafo que se dava a resolução da narrativa: 34 Para Langellier (2001:150), o discurso direto é o evento narrado onde o narrador interage com os participantes da narrativa (no caso, uma colega falando com a outra durante o piquenique), já o discurso indireto é um evento narrativo onde há a interação do narrador com o leitor (no caso, eu, a professora). 35 Para Langellier, o uso do discurso indireto também “intensifica a experiência” (Langellier 2001:150). 78 “But the best news came last. Incredibly, I had nothing wrong with me except a few bruises. And by 10 o’clock that night I was back home. What a day off work!” A variação correspondente ao parágrafo onde a resolução foi incluída ocorreu devido ao fato de os alunos terem escrito números de parágrafos diferentes. Isto, por sua vez, relaciona-se à performance do aluno ao escrever a narrativa, que, além do conteúdo (o que conta), imprime a sua identidade na forma como narra (Langellier, 2001). A quantidade de parágrafos é uma das formas que o narrador utiliza para contar a sua história. Certamente, estes alunos estão prontos para este tipo textual de acordo com a sua estrutura retórica. Quanto à percepção da estrutura, o aluno P. diz, em sua entrevista, que a estrutura do seu texto seria semelhante a um texto narrativo autêntico. Como podemos observar na tabela, a percepção do aluno com relação PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA ao seu texto é real e coerente. 4.2.2.3. Conteúdo do tipo textual ‘narrativa’ Um dos experimentos utilizados por Bereiter e Scardamalia (1987) para se investigar o processo de escrita em língua estrangeira baseou-se em pedir aos alunos que escrevessem uma história, mas que a concluíssem com uma frase previamente estabelecida pelo professor, isto é, todos os alunos deveriam terminar o texto da mesma forma. Segundo os autores, esta é uma estratégia interessante, pois permite ao pesquisador investigar e ter acesso às estratégias cognitivas utilizadas pelos aprendizes durante a escrita. Como vimos na descrição da aula em análise neste estudo, estes alunos também tiveram o conteúdo previamente estabelecido tanto do primeiro parágrafo quanto do último. Segundo a aluna B., escrever uma narrativa é mais difícil do que uma carta de conselho, pois o aluno precisa “botar argumentos sólidos, que você precisa pensar, e geralmente é uma coisa mais complicada” (anexo D). A aluna acrescenta que o mais difícil ao escrever uma narrativa é “não entrar em contradição, não esquecer um pedaço” (aluna B., linha 84), isto é, a aluna afirma que na narrativa é muito importante a coerência do texto, “estar sempre ligando os pedaços da redação”, “não esquecer um detalhe, não citar uma coisa à toa”. 79 Ela utiliza a palavra ‘correlação’ para sintetizar o que acha mais difícil na narrativa. Depois, a aluna acrescenta que também tem dificuldades em ter idéias em excesso e acabar por “escrever um livro, não (...) uma redação”. Para P., o mais difícil ao escrever uma narrativa é o conteúdo, pois o aluno quer contar uma estória interessante e elaborada, mas lhe falta vocabulário para contá-la. Ele diz que a história pode ficar “meio pobre com relação ao que você tinha pensado” (anexo F). Com relação ao conteúdo da narrativa, concluímos que os oito alunos estão prontos para produzi-lo, no entanto, de acordo com as entrevistas, compreendemos que eles encontram dificuldades em tornar o texto coerente e coeso. Também de acordo com as suas percepções, depreendemos que eles acreditam não ter vocabulário suficiente para escrever uma narrativa. Estes obstáculos mencionados pelos alunos podem ser superados se eles forem expostos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA a diversos exemplares deste tipo textual. Retomando um pensamento de Santos (2002), abordado no capítulo 2 desta dissertação, o contato com uma gama de ‘escolhas léxico-gramaticais’ pode favorecer uma produção autônoma e criativa do gênero ou tipo textual em questão. 4.2.2.4. Público-alvo do tipo textual ‘narrativa’ Segundo Bruner e Weisser, "o que une as pessoas em uma comunidade é esse reconhecimento compartilhado, essa sensação de “eu sei que você sabe que eu sei o que você quer dizer” (1995:156). Logo, o narrador deseja escrever uma estória que seja reportável para um leitor que vá compreendê-la. A aluna B., ao escrever uma narrativa no curso de inglês, diz que pensa no professor como leitor e avaliador do seu texto, por isso ela se preocupa mais em atingir os objetivos da redação. Isto ocorre porque o hipergênero influencia o gênero e o tipo textual. Ela acrescenta que, por esse motivo, ela não esquece em nenhum momento que está escrevendo uma redação que será avaliada. Este comentário alinha-se a Flower (1989:191) quando este explica que um dos motivos que leva um texto escrito por um aprendiz ao fracasso é não conseguir imaginar o leitor do seu texto e o seu ponto de vista. 80 O aluno P. acredita que pensar no leitor ao escrever uma narrativa é fundamental, pois se o texto ficar confuso, o leitor não irá compreendê-lo. Ele explica que “se você escrever e ah, essa parte ficou confusa (...), quem vai ler não vai entender direito, (...)não consegui expressar direito o que eu queria falar, entendeu? Vou dar uma melhorada pra ficar mais, pra entender melhor, entendeu?” (anexo F). Este comentário do aluno dialoga com a afirmação de Johns, apresentada no capítulo de fundamentação teórica desta dissertação, quando a autora explica o quanto é importante para o escritor respeitar o leitor e suas expectativas para com o texto. Ao mencionar a importância de fazer-se claro para com o leitor, o aluno está exatamente demonstrando este respeito descrito por Johns. O papel do leitor na narrativa é fundamental para que a história seja reportável. Se ele não tiver conhecimentos compartilhados com o narrador a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA respeito de alguns elementos da narrativa, esta provavelmente não despertará tanto interesse ou até mesmo não será compreendida pelo leitor. Retomando um pensamento de Swales (1990), apresentado no capítulo 2, o fato de o leitor compartilhar conhecimentos, culturas e contextos com o narrador o permite identificar determinado gênero. Alguns alunos deste estudo relataram que escrevem para o professor como leitor. Isto acarreta uma maior preocupação deles em serem aprovados, conseqüentemente, dão menos atenção à estória que estão contando. Se os alunos estivessem escrevendo uma narrativa não apenas para avaliação, mas que fosse ser lida por outras pessoas, além do professor, provavelmente, eles passariam por um esforço cognitivo maior em tornar a história mais interessante e reportável. 4.2.2.5. Escolhas verbais do tipo textual ‘narrativa’ A performance de uma narrativa, ou seja, a maneira que o narrador escolhe para contar uma história é particular e única (Langellier, 2001). A sua intenção e a forma como deseja que a estória seja interpretada pelo ouvinte norteiam desde as escolhas lexicais até gestos e expressões faciais, como no caso da oralidade. Werlich (1973) afirma que o que caracteriza os traços linguísticos da narrativa são “o verbo de mudança no passado, um circunstancial de tempo e 81 lugar. Por sua referência temporal e local, este enunciado é designado como enunciado indicativo de ação”. Por estarmos inseridos em uma cultura que valoriza e estimula a contagem de estórias, podemos facilmente identificar este tipo textual (Christie, 1986:225). Em geral, os verbos são conjugados no passado em uma narrativa por ser ela a contagem de uma história, seja ela real ou não. De acordo com o plano de aula em estudo, os alunos, ao término desta segunda semana de aula, deveriam saber utilizar os seguintes tempos verbais utilizados em narrativa: passado contínuo, passado simples, passado perfeito, passado perfeito contínuo e o futuro visto do passado (was going to, would, was (about) to). É importante ressaltar que, apesar de todos estes tempos verbais já terem sido ensinados em níveis anteriores, neste nível, os alunos deveriam ser capazes PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA de utilizá-los em uma narrativa corretamente e adequadamente. Análise dos tempos verbais em ‘narrativa’ Seguem, abaixo, as ocorrências de empregos de tempos verbais no passado (corretamente ou não), sem serem levados em conta os parágrafos obrigatórios apresentados no material didático. Passado contínuo: Aluno Trecho da redação MT A P Re “a light (which was) crossing the sky” “he was not working yet” “when was leaving the park” “everybody was sitting around and eating”; “everybody were thinking about the gold years at University” “We were walking under the sun”; “I was looking to the bees”; “I was rolling and hitting at the trees”; “everybody was looking at me”; “everything in my body was acheing”, “all them came to see how I was feeling”, “a lot of friend was there doing me company” – “We were following it”; “the night was coming in few hours”; “he was hugging me” “we were laugh” “tom, a very special friend from work, was teaching me”; “I was going down the cliff”; ”I was lying on the floor” M L Ro F Ocorrências de Passado Contínuo 1 1 1 3 8 3 1 3 82 Passado Simples: Aluno MT PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA A P Re M L Ro F Trecho da redação “when we started the trip, we went to the supermarket”; “I bought”; “when we arrived”; “we stoped the car”; “me and my girlfriend took one trekking”; “we thought”; “this day was an adventury romantic day”; “out nightmare started”; “we tried to use”; “we supposed to”; “But what happened was”; “my girlfriend forgot the cellphone”; “we didn’t have any way to call for help”; “we didn’t know how to go back”; “we started to think”; “we never stoped”; “when we were near”; “the place was wet”; “I sliped”; “I couldn’t fell my legs”; “couldn’t walk”; “we stoped near the waterfall”; “ate something”; “Julia started to do”; “we didn’t know”; “I saw one light”; “it was”; “Julia arrived” “we left”; “we didn’t knew him”; “he accepted”; “we went”; “we found”; “it was”; “we stoped”; “everything became”; “I felt”; “I started”; “I was sure”; “was not there”; “the neighbor and my wife tried”; “I was”; “I started”; “I couldn’t find”; “I tried to”; “we had”; “the kids were”; “the neighbor seemed”; “my youngest child wanted”; “I went”; “I couldn’t find”; “I was sure”; “it was”; “it couldn’t be”; “I asked”; “I said”; “everything was”; “I said”; “I found”; “it seemed”; “asked him”; “I could”; “I jumped”; “we started”; “he was”; “finished”; “I saw”; “I was”; “my bag and camera were” “we chose”; “when this day off appeard”; “decided”; “we sit and talked”; “we realized was 6p.m.”; “started to”; “when we gave the first step”; “Meg slipped”; “fell on the cliffs”; “we didn’t have”; “she was dead”; “we continued”; “Joca stopped”; “and fell”; “he had a heart attack”; “we didn’t have”; “this was”; “we recorded”; “I triped over” “we all finished”; “we decided”; “we all were”; “the fresh air of the mountain was”; “we were”; “we made”; “the purpose was”; “Marlin started”; “she covered”; “we started”; “everything was”; “the group seemed”; “the atmosphere was”; “I started”; “Everybody started”; “we finished”; “the quiet atmosphere turned into”; “we all understood”; “the golden years were” “it was”; “we decided”; “it was”; “I couldn’t wait”; “I was”; “I put”; “a lot of bees came”; “I started”; “I fell”; “I arrived”; “all them came”; “they took”; “I passed” “I was”; “the best thing was”; “he was”; “(he) had”; “he talked”; “(he) said; “he was”; “I was”; “he invited”; “I agreed”; “I saw”; “he asked”; “we were”; “we were”; “I started”; “I was”; “I felt down”; “Henrique was”; “I felt”; “I couldn’t believe”; “Henrique asked”; “I trusted”; “(he) kissed”; “I said” “we had”; “(it) was”; “we all went”; “we still wanted”; “I bought”; “the last day was”; “we simply went”; “we just played”; “everybody who passed looked” “I was”; “I didn’t like”; “I never wanted”; “the day Ocorrências de Passado Simples 29 41 19 19 13 24 10 13 83 was”; “the picnic was”; “I was”; “I was”; “he droped”; “I thought”; “I was”; “I didn’t know”; “where was the brake”; “my friends took” Passado Perfeito: Aluno MT A P Re M L Ro F Trecho da redação “our new neighbour that had just moved in”; “we had decided to invite hime”; “we had never go to”; “I had put”; “I had left”; “I had done”; “who had passed”; “I had left the kid” “Twenty minutes had passed”; “(he) had died” “The last six months had been” “I had decided” Ocorrências de Passado Perfeito 0 8 2 1 0 0 0 1 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA Passado Perfeito Contínuo: Aluno MT A P Re M L Ro F Trecho da redação “had been attending” Ocorrências de Passado Perfeito Contínuo 0 0 0 1 0 0 0 0 Futuro visto do passado (was going to, would, was (about) to): Aluno MT A P Re M L Ro F Trecho da redação “I was going to eat” Ocorrências de Futuro visto do passado 0 0 0 0 1 0 0 0 84 O quadro a seguir apresenta a compilação do número de ocorrências dos tempos verbais característicos da narrativa, cujas inserções nas redações foram solicitados aos alunos. MA A P RE M L RO F TOTAL Passado contínuo: Passado Simples Passado Perfeito: Passado Perfeito Contínuo 1 1 1 1 8 3 1 3 19 29 41 19 19 13 24 10 13 168 0 8 2 1 0 0 0 1 0 0 0 1 0 0 0 0 1 12 Futuro visto do passado (was going to, would, was (about) to) 0 0 0 0 1 0 0 0 1 Quadro 6: Ocorrência de tempos verbais da narrativa PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA Em suma Passado Simples - 85% Passado Contínuo - 9% Passado Perfeito - 6% Passado Perfeito Contínuo - 0% Futuro visto do passado - 0% Gráfico 1: Ocorrência de tempos verbais nas oito narrativas escritas pelos alunos Discussão A análise da ocorrência de formas verbais na narrativa, como pode ser conferido no gráfico acima, aponta que os alunos se sentem mais confortáveis utilizando o passado simples (85% de ocorrência nas oito narrativas) do que qualquer outra forma verbal. Se analisarmos os questionários respondidos pelos alunos, veremos respostas do tipo: “difícil é não confundir os verbos (tempos verbais)” e “(...) tenho dificuldades em concordar os tempos verbais”. A aluna 85 Ta. também diz que o que ela tem mais dificuldades ao escrever é a concordância dos verbos. Esta dificuldade dos alunos com relação à forma verbal pode explicar a opção pelo uso do passado simples em detrimento de outras formas verbais. A desvantagem que essa opção traz consigo é que a coerência da narrativa fica prejudicada, pois não há indicações temporais mais complexas. O receio em ‘confundir os tempos verbais’, como explicitou um aluno, gera uma narrativa superficial e, como outra aluna disse, diferente do que ela estava querendo contar. Retomando um pensamento de Bazerman (1994), discutido no capítulo 2, é necessário que os alunos sejam estimulados a serem responsáveis pelo próprio aprendizado, através de um encorajamento à autonomia para que possam perceber suas próprias dificuldades e busquem superá-las. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA Considerações sobre a análise Tendo em mente as perguntas que norteiam este trabalho, farei as considerações sobre a análise do tipo textual ‘narrativa’. A primeira questão diz respeito ao conhecimento que os alunos têm da narrativa. Sem dúvida, eles conhecem este tipo textual já tendo o lido ou escrito, tanto em português quanto em inglês. Alguns alunos, como B. já o produziram sem ser no meio escolar, ao escrever estórias em seu diário pessoal. Pelo que pudemos constatar em suas narrativas, os alunos conhecem a estrutura genérica deste tipo textual e, provavelmente, sem nunca terem tido acesso ao modelo proposto por Labov (1972), escreveram estruturas semelhantes a este modelo, de forma adequada. Isto ocorre porque não é o modelo teórico que faz com que os indivíduos conheçam o gênero e tipo textual, mas sim a exposição à língua. No que tange ao conteúdo e à estrutura da narrativa eles estão prontos para produzi-la. No entanto, suas escolhas verbais demonstram uma precariedade na utilização dos tempos verbais o que, em uma narrativa, pode comprometer sua reportabilidade e compreensão. Cinco alunos desta turma têm a percepção que têm dificuldades em utilizar os tempos verbais e compreendem que isto prejudica a escrita da narrativa. Apesar de estes alunos terem tido a oportunidade, em sala de aula, de revisar os tempos verbais, o que as estatísticas desta análise demonstram é que esta 86 revisão não foi suficiente para que a produção destes tempos verbais na narrativa ocorresse conforme desejada. Como é sabido que há restrições com relação ao tempo de aula e ao plano de aula que deve ser cumprido, é importante que seja estimulada a autonomia dos aprendizes para com o aprendizado para que eles possam identificar suas dificuldades e procurar superá-las. Para Santos (2006): O aluno autônomo é capaz de se posicionar frente a uma situação de aprendizagem, elaborar projetos pessoais como, por exemplo, buscar informações para superar uma dificuldade de aprendizagem e utilizá-las, bem como estabelecer e seguir metas, participar de projetos coletivos, ter uma postura crítica e analisar diferentes visões a fim de tomar conclusões ponderadas 36. Neste mesmo artigo, a autora apresenta a definição de ‘autonomia’ segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN): "capacidade a ser desenvolvida pelos alunos e como princípio didático geral, orientador das práticas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA pedagógicas" (PCN;1998: 94). Cabe ao professor e à instituição de ensino auxiliar o aluno na busca pela sua autonomia no aprendizado, de forma sistemática e progressiva durante todo o seu percurso escolar para que ela se torne natural para ele, como parte do processo. Através do estímulo da autonomia, o aluno pode ser capaz de identificar suas próprias dificuldades e relatá-las ao professor a quem cabe orientá-lo e ajudálo. Isto significa que o fato de o aluno tornar-se autônomo não diminui a responsabilidade do professor e da instituição de ensino. No caso da turma em estudo, se os alunos tivessem sido estimulados, desde o ciclo básico ou intermediário, a tornarem-se aprendizes autônomos, eles, provavelmente, teriam identificado as suas dúvidas com relação aos tempos verbais da narrativa e teriam procurado ajuda. No entanto, eles tiveram uma postura passiva e contaram apenas com a revisão feita em sala de aula, que não foi conduzida de acordo com as dificuldades pessoais. É importante ressaltar que não era esperado que os alunos desta turma fossem autônomos pois não houve um trabalho, neste sentido, ao longo do percurso deles no curso. No entanto, cabe refletirmos sobre as conseqüências que 36 Citação extraída, em 24/01/2007, do artigo veiculado na Internet: Revisitando algumas orientações didáticas dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Endereço eletrônico: http://www.linguaestrangeira.pro.br/artigos_papers/PCN.htm 87 um aprendizado passivo e centralizado no professor acarreta aos alunos e ao seu aprendizado. Após a análise da ‘narrativa’, analisaremos o gênero discursivo ‘carta de conselho’. 4.3. Carta de conselho A aula Na nona semana de aula (anexo I), cujos objetivos eram capacitar os alunos a conversar sobre estresse e a escrever uma carta de conselho, eu apresentei o tema através de uma atividade multimodal em powerpoint. Nesta atividade, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA elaborada pelo departamento acadêmico do curso de inglês, os alunos deveriam comparar, em pares, as fotos apresentadas na atividade, descrevendo-as e dizendo o que elas tinham em comum e de diferente. Logo após, a atividade introduzia perguntas mais personalizadas que os alunos deveriam conduzir entre eles, tais como: em que situações eles se sentem estressados e o que eles sugerem que o outro faça para aliviar o estresse. Desta maneira, foi apresentado o tópico “conselho”, que mais tarde seria amplamente abordado para a produção escrita. Após esta atividade, eu pedi aos alunos para fazerem as atividades no livro referentes ao tema “dar conselhos”. Nestas atividades, os alunos puderam entrevistar colegas sobre o assunto estresse, dar sugestões para aliviá-lo, utilizando algumas expressões para dar conselhos sugeridas pelo livro, tais como: “If I were you...”, “It’s a good idea to...”, “You could always...”, “The best thing to do is...”, “Have you tried...-ing?”, “Try...-ing instead of...-ing”, “If you don’t... you’ll...” ou “Why don’t you...?”. Na atividade a seguir, os alunos tinham em seus livros uma lista de problemas pessoais e eles deveriam, oralmente, se queixar destes problemas e receber conselhos dos amigos. O objetivo desta atividade era que os alunos alternassem papéis para que ambos tivessem a oportunidade de pedir e receber conselhos utilizando as expressões lexicais sugeridas pelo livro. A atividade 88 ainda sugeria que os alunos reagissem ao conselho dado pelo colega com expressões como: “That’s easier said than done.”, “That’s all very well, but...”, “That sounds like a good idea, but...” ou “Hmm, I’m not sure that would work.” Antes de os alunos iniciarem a atividade escrita, eu pedi que eles lessem nas suas apostilas uma carta pedindo um conselho. O enunciado do exercício ainda mencionava que havia quinze erros gramaticais (concordância verbal e nominal, preposição, modais) na carta e que os alunos deveriam lê-la, sublinhando os erros e corrigindo-os. Após a correção destes erros, os alunos deveriam escrever uma carta de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA conselho baseada no enunciado da apostila. Ainda segundo a apostila, “no exame de CAE, poderá ser pedido que você escreva uma carta de conselho como a sugerida no livro”37 (Notebook, Diploma 4, p.27). O exercício na apostila enumerava as seguintes sugestões sobre o gênero ‘carta de conselho’: Leia todas as informações cuidadosamente e marque todos os pontos que você acha que devem ser incluídos. Antes de escrever, tenha em mente: ● Por que você está escrevendo; ● Para quem você está escrevendo e, consequentemente, qual registro que deve ser usado: mais formal ou informal; ● Faça um rascunho da carta e confira se todos os pontos considerados importantes foram incluídos e bem organizados; ● Releia a sua carta quando estiver pronta e decida se está apropriada e eficaz. (Notebook, Diploma 4, p.27).38 37 “In the CAE exam you may be asked to write a letter of advice such as the one suggested in your book” (Notebook, Diploma 4, p.27). 38 “Read all the info very carefully and highlight all the points that should be included. Before you write, bear in mind: why you are writing; who you are writing to and consequently, what register to use (more or less formal); make a draft of the letter and check if all the important points have been included and well organized. Re-read your letter when it is ready and decide whether it is appropriate and effective.” (Notebook, Diploma 4, p.27) 89 A carta de conselho deveria, então, ser escrita em casa e tinha o seguinte enunciado e propósito: “Imagine que um amigo lhe escreveu dizendo que ele ou ela tem UM problema de cada grupo mencionado acima. Escreva uma carta como resposta dando o seu conselho (cerca de 250 palavras) 39 (New Cambridge Advanced English, 2001:142). A seguir, farei uma análise das dez redações escritas pelos alunos sobre o gênero ‘carta de conselho’ e das entrevistas feitas com cinco dos dezesseis alunos. Esta análise será feita com base nas características de gêneros discursivos propostas por Swales. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA 4.3.1. Propósito do gênero ‘carta de conselho’ Como foi mencionado no capítulo 2.1 desta dissertação, o indivíduo estabelece o propósito do gênero para depois vir a produzi-lo (Bakhtin, 1992:301). No gênero ‘carta de conselho’ parece que o propósito é bem claro: aconselhar uma pessoa, conhecida ou não, sobre algum problema. O próprio livro-texto sugere que antes de os alunos começarem a escrever, eles devem “ter em mente” o motivo da escrita da carta. Baugh (1996), em seu livro que aborda diversos tipos de cartas, Handbook for Practical Letter Writing, explica que muitas pessoas relatam que não escrevem cartas ou que têm dificuldades em escrevê-las, pois não sabem como começar o seu texto. A autora sugere que a pessoa comece a carta mencionando os seguintes ítens: - Qual o objetivo da minha carta – para que eu estou escrevendo? - Para quem eu estou escrevendo – quem receberá esta carta? - O que eu devo dizer sobre o assunto – o que as pessoas precisam saber versus o que é simplesmente legal que elas saibam? 39 “Imagine that a friend has written to you saying that he or she has ONE problem from EACH group of problems above. Write a letter in reply giving your advice (about 250 words).” (New Cambridge Advanced English, 20039 “In the CAE exam you may be asked to write a letter of advice such as the one suggested in your book” (Notebook, Diploma 4, p.27). 90 - Qual resposta ou ação eu desejo do receptor – OU Que pontos chave eu quero que o receptor se lembre? (Baugh, 1996:6). Segundo a autora, se o indivíduo incluir em sua carta as respostas a estas quatro perguntas, ele já terá metade do conteúdo esperado nesta carta. Observa-se que o primeiro ítem é o objetivo da carta. Comparando as sugestões oferecidas pelo material didático com as sugestões oferecidas pelo livro sobre o gênero ‘carta’, podemos ver que há mais semelhanças do que diferenças: Ambos os livros dão atenção ao propósito, sugerindo que o autor saiba claramente por que ele está escrevendo esta carta; contudo, enquanto o material didático sugere que o aluno tenha isto em mente, o livro sobre o gênero sugere ao PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA aluno que ele inclua esta informação em seu texto. É possível que o propósito comunicativo seja enumerado por ambos os autores por causa da delicadeza da situação de quem pede conselho. Manter o objetivo em mente auxilia o escritor a buscar uma solução bastante apropriada. Como esta seção tem por objetivo discutir o propósito do gênero, vou me ater a primeira sugestão dada por ambos os livros. A partir de agora, analisarei as dez redações tendo em mente a seguinte pergunta: Os alunos mencionaram na própria carta o propósito de a estarem escrevendo? Seis alunos apresentam o propósito da carta de modo bastante explícito, como é o caso da aluna Re. que escreve no terceiro parágrafo: “I can understand your wory and I will try to help you” (anexo I2). Logo a seguir, ela começa a dar conselhos para a amiga. Também deixando claro o propósito da sua escrita, a aluna K., logo na primeira linha, escreve: “I think I have a solution for your problem of weaking up earlier” (anexo I4) A partir deste momento, ela começa a listar as sugestões. O propósito também é explicitado pela aluna B. que escreve: 91 “I know how worried you are about lose weight, (...). Because of this I decided to writte you this letter in order to help you” (anexo I5). Também no primeiro parágrafo, Th. escreve: “I think I have an advice for each of your problems” (anexo I9). Ta. e Rei. também mencionam que irão dar alguns conselhos para o(a) amigo(a). Apesar do material didático deixar claro que o aluno deve “ter em mente” o propósito do seu texto, ele não menciona que o aluno deve incluir essa informação PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA na carta, ao contrário do que é apresentado por Baugh em seu livro sobre cartas. Talvez isso explique por que quatro alunos não apresentaram o propósito de forma objetiva, como veremos a seguir. A aluna A., por exemplo, não explicita claramente o objetivo da carta, mas fica implícito que desde que ela leu a carta da colega ela ficou preocupada com ela. Depois, ela acrescenta que a amiga pode sempre escrever para ela, quando quiser. Ela não escreve: “estou escrevendo para ...” mas deixa claro que a escrita está ocorrendo após ter recebido a carta da amiga. Segue, abaixo, o trecho do texto da aluna A onde encontra-se o propósito da mesma: “After reading your letter, I’ve got really concerned about you, having to deal with all these new problems that comes with age without having much friends around. First, I want to tell you that I enjoy very much corresponding with you and that you can fell comfortable to write me as much as you want to and about anything” (anexo I1). A aluna M. também não deixa claro o propósito da sua carta, o que ela faz é mencionar, no primeiro parágrafo, que, após ler a carta da amiga, ela começou a pensar nos seus problemas. Logo a seguir, ela começa a dar sugestões para a amiga. No final da carta, ela sugere qual foi o propósito da mesma quando escreve: “I hope you like my advice” (anexo I3). 92 Tanto La. quanto F. não mencionam o propósito e já iniciam a carta dando conselhos. Ambas utilizam bastante a expressão “If I were you”. Baugh cita dois elementos como sendo importantes em uma carta: brevidade e clareza (1996:16-22). Quando o autor da carta explicita o propósito da mesma para o leitor ele está, ao mesmo tempo, sendo breve e claro pois ele irá direto ao assunto e o leitor, desde o início, estará ciente do conteúdo da carta. O professor ou o material didático deve deixar claro para o aluno que apresentar o propósito faz parte deste gênero, caso contrário, o aluno fará como os quatro alunos acima citados, nesta mesma seção, que escreveram a carta, deram conselhos para o amigo, mas não explicitaram, no início, que isso seria feito. Na atividade em estudo, o propósito foi apresentado na tarefa, talvez por isso os alunos não mencionaram-no. Mas, até que ponto é realmente importante explicitar o propósito? O escritor não pode contar com a inferência e o conhecimento de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA mundo do leitor, no caso, o amigo, para depreender o conteúdo do texto e o propósito do mesmo? Decerto, em alguns casos, o propósito fica claro mesmo sem estar explicitado, em palavras. Porém, contar apenas com a inferência do leitor pode ser danoso para a compreensão do texto, ainda mais em se tratando de uma carta de conselhos. Neste caso, a polidez e a clareza do propósito mostram-se ainda mais necessárias para evitar mal-entendidos e incompreensão por parte do leitor que pode julgar o colega de forma equivocada, sem compreender as suas intenções. Contando apenas com o discurso escrito, o leitor necessita ser apresentado ao propósito do texto. Esta preocupação com o leitor já foi discutida no capítulo 2, quando citamos Bakhtin (1992) e seu argumento sobre não se subestimar a relação do escritor com o leitor. A seguir, com base nas entrevistas concedidas pelos alunos, discutirei suas percepções sobre o propósito do professor e do curso de idiomas ao solicitarem que escrevessem o gênero ‘carta de conselho’. Para a aluna A. é importante para o aluno aprender a escrever tanto uma carta formal quanto informal, pois ele deve ser capaz de se comunicar com qualquer leitor em diversos contextos. Este comentário da aluna retoma um pensamento de Camacho (2006), apresentado no capítulo 2 deste trabalho, segundo o qual os alunos devem ter, em sua competência lingüística, as duas formas: padrão (formal) e não-padrão (informal) para que eles possam escolher a 93 que irão utilizar de acordo com as situações vivenciadas por eles (Camacho, 2006:61). Seguindo esta linha de raciocínio, é importante ensinar aos alunos a produzir textos informais e formais respeitando as suas diferenças lingüísticas e contextuais para que eles possam produzi-los de forma autônoma e criativa e atender às expectativas dos leitores. O propósito do curso ao ensinar o gênero ‘carta de conselho’ é, segundo a aluna T., analisar o vocabulário e a forma como o aluno desenvolve o texto. R. acredita ser de muita importância o ensino do gênero “carta de conselho” pois ele acha que é importante para o aluno exercitar situações cotidianas, como escrever para amigos. Como podemos perceber, temos aqui três alunos com percepções distintas sobre o propósito de se ensinar o gênero “carta de conselho”. Enquanto que para um aluno o objetivo é ensinar os dois registros, outra aluna acredita ser o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA vocabulário e o desenvolvimento do texto o foco do ensino. Um terceiro aluno acredita que o propósito deste ensino está em capacitar o aluno a operar em situações coloquiais. Apesar de, aparentemente, distintas, estas três percepções interagem entre si e mostram-se pertinentes, pois envolvem referências ao registro informal, ao léxico e à fluência, três elementos que compõem o propósito do departamento acadêmico e do professor ao ensinar o gênero ‘carta de conselho’. A seguir, analisaremos os dados com base na estrutura retórica do gênero ‘carta de conselho’. 4.3.2. A estrutura do gênero ‘carta de conselho’ No livro Handbook for Practical Letter Writing, Baugh (1996:37-45) apresenta um modelo estrutural de uma carta. Segundo ela, a carta pode ser dividida em três partes: abertura, meio e conclusão e cada parte tem o seu objetivo: a abertura da carta deve conter o propósito de a mesma estar sendo escrita, já o meio da carta deve ser utilizado para “embasar, explicar ou elaborar” a idéia principal e, finalmente, na conclusão, o escritor deve esclarecer “qual ação ou resposta” ele espera do leitor ou qual informação relevante deve ser enfatizada. Em discordância com esta teoria da estrutura do gênero, a aluna A. explica que uma carta de conselho não precisa ter “começo, meio e fim”, como ocorre em 94 uma dissertação e isto, segundo a aluna, torna a escrita do gênero mais fácil, pois ela não precisa ser “elaborada” (anexo B). Muito provavelmente, a aluna teve esta percepção sobre a estrutura deste gênero, pois quando lhe foi pedido para escrevê-lo, a estrutura não foi ensinada explicitamente e não houve um modelo a ser seguido. A necessidade de apresentar modelos de um mesmo gênero ao aluno já foi discutida no capítulo 2, através da afirmação de Bazerman (1997), quando este argumentou que para aprender um gênero é necessário que o aprendiz tenha contato e possa analisar alguns de seus modelos. Ainda com base na proposta de Baugh de estrutura do gênero, farei, a seguir, uma análise das dez redações escritas pelos alunos. Vale repetir que o material didático não forneceu ao aluno nenhuma informação sobre a estrutura retórica que deveria ser utilizada, portanto, não há um certo ou errado nas produções dos alunos. Desejo apenas verificar o que eles estão produzindo no PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA último semestre do curso em comparação com o que se espera do gênero, de acordo com sua literatura. A ordem numérica, abaixo, refere-se aos parágrafos onde as informações em negrito se encontram: Alunos Abertura: propósito Meio: “embasar, explicar ou elaborar” a idéia principal, os conselhos A 1 (propósito implícito) 1–2–3 (propósito explícito) 1 (propósito implícito) 1 (propósito explícito) 1–2 (propósito explícito) X X 1 (propósito explícito) 1 (propósito explícito) 1 (propósito explícito) 2-3 Conclusão: ação ou resposta” ele espera do leitor e qual informação relevante deve ser enfatizada. 3-4 4–5–6- 7 2-3 -4-5 6 1–2–3–4 5 3–4-5 6 1-2–3–4 1–2–3–4–5-6 2–3-4 5 7 5 2–3 4 2–3–4–5–6 7 Re M K B L F MT Ta Rei Quadro 7: Estrutura genérica das redações sobre ‘carta de conselho’ 95 O que podemos depreender desta análise é que sete dos dez alunos apresentaram o propósito no primeiro parágrafo, sendo que dois de forma implícita. Um aluno também mencionou o propósito da carta no segundo parágrafo e um outro aluno também mencionou no terceiro parágrafo. Dois alunos não mencionaram o propósito. Não houve um padrão para o que Baugh considera como sendo o “meio” da carta de conselho que é “embasar, explicar ou elaborar” a idéia principal, neste caso, os conselhos. Dois alunos incluíram estas informações nos parágrafos dois e três, uma no quatro, cinco e seis, uma no dois, três, quatro e cinco, duas no um, dois, três e quatro, uma no três, quatro e cinco, uma nos parágrafos de um a seis e outra nos parágrafos de dois a seis. Segundo Baugh, o encerramento da carta deve conter que ação ou resposta o autor espera do leitor, o que é discutível pois nem toda carta espera uma resposta, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA como por exemplo, uma carta de felicitações ou de pêsames. Todos os dez alunos mencionaram esta informação no último parágrafo de sua carta, no entanto, como os alunos escreveram quantidades de parágrafos diferentes uns dos outros, esta informação variou: um aluno incluiu esta informação tanto no parágrafo três quanto no quatro, três no parágrafo sete, duas no parágrafo seis, três no cinco e uma no quatro. A seguir, apresentarei trechos de três cartas onde encontra-se a ação ou resposta que o aluno espera do leitor. I hope could helped you. Do my recommendation an be cool (anexo I10). I hope you follow at least one of my advices. Send me news soon, please (anexo I4). I really hope my letter have been helpful to you. Please write me as soon as you can talking how you feel (anexo I1). Como já foi mencionado, não houve nenhuma informação ao aluno sobre quantos parágrafos a carta deveria conter, então, podemos encontrar bastante diversidade neste número: um aluno escreveu quatro parágrafos (anexo I9), cinco escreveram cinco (anexos I1, I4, I6, I7, I8), dois escreveram seis (anexos I3, I5) e dois escreveram sete parágrafos (anexos I2, I10). Apesar desta variação, percebese que as informações requeridas pelo gênero foram incluídas adequadamente nas redações. 96 Respondendo às perguntas desta pesquisa, os alunos têm conhecimento da estrutura do gênero carta de conselho e estão prontos para produzi-la. 4.3.3. Conteúdo do gênero ‘carta de conselho’ Com relação ao conteúdo do gênero ‘carta de conselho’, para a aluna A., este é o gênero mais fácil para escrever no curso de inglês, pois, segundo ela, “você não precisa pensar, não é uma coisa que nem uma narrativa, por exemplo, uma dissertação, que você precisa botar argumentos sólidos, que você precisa pensar, e geralmente é uma coisa mais complicada... Uma carta de conselho, você pode escrever qualquer coisa, assim, sabe? É mais informal” (anexo B). Durante a entrevista, a aluna volta a mencionar a facilidade que encontra ao escrever uma carta de conselho. Para a aluna, pelo fato de o aprendiz poder PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA escolher o conteúdo do que quer escrever, ele pode fazer opções que lhe sejam mais fáceis. Ela acrescenta que não há necessidade, neste gênero, de se utilizar um vocabulário mais difícil, devido à informalidade, o que facilita a escrita do mesmo. Todavia, Berkenkotter, Huckin e Ackerman (1988) argumentam que a dependência de um discurso escrito baseado no oral (informal) pode interferir no aprendizado de estruturas textuais mais complexas. Para a mesma aluna, o conteúdo de uma carta de conselho deve ser de utilidade para o leitor, contendo “conselhos inteligentes” (anexo D). No entanto, ela diz que se fosse produzir este texto sem ser para ser avaliado pelo professor, ele seria mais breve e objetivo, pois, no caso do curso de inglês, há um número mínimo de palavras que o aluno tem que escrever; nesta carta em específico o aluno deve escrever, no mínimo, 250 palavras. Com este exemplo, podemos compreender como a tarefa interfere no gênero. A aluna T. espera do conteúdo de uma carta de conselho a solução para o seu problema. Mas a aluna acrescenta que esta carta que ela escreve no curso diferencia-se da carta de conselho que escreve na vida real, pois, no curso o conteúdo é um só: aconselhar. Já a carta real pode conter vários outros assuntos, além do conselho, por ela realmente conhecer o leitor e ser amigo dele. Este enfoque da aluna retoma um assunto já abordado no capítulo Fundamentação teórica, onde fora apresentado o argumento de Bhatia (1999) sobre manipular os gêneros criativamente para atingir finalidades complexas. 97 Para a aluna, o mais difícil é escrever um texto persuasivo e convincente em inglês, onde ela assegure ao leitor que seus conselhos e argumentos tenham fundamentos. Já R. acredita que o conteúdo de uma carta de conselho é o que a torna mais fácil de ser escrita. No entanto, ele acha a conclusão a parte mais difícil do gênero. Para P. é difícil dar conselhos quando não se tem domínio do vocabulário em inglês, pois, segundo ele, o conselho fica “pobre” ao ser escrito em inglês. Em suma, estes alunos têm conhecimento do conteúdo de uma carta de conselho, no entanto, eles podem não estar prontos para este gênero, pois eles acham que, por se tratar de um registro informal não há a necessidade de elaboração do conteúdo. Ao mesmo tempo, eles estão a par da responsabilidade que é o ato de dar conselhos e o quanto estes devem ser embasados e persuasivos. Logo, é necessário que o aluno tenha conhecimento da língua inglesa para PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA embasar os seus conselhos e encorajar o leitor a segui-los. Apesar de considerarem o conteúdo deste gênero mais fácil de ser escrito, os alunos têm noção das limitações que um escritor não-nativo enfrenta como a falta de vocabulário em língua inglesa e a falta de convívio com as normas sociais da língua. Se retomarmos um conceito de Savignon (1991), abordado no capítulo 2, poderemos compreender que a ausência de convívio social e familiar com a língua pode ser um obstáculo para o falante ou escritor não-nativo. 4.3.4. Público-alvo do gênero ‘carta de conselho’ Quanto ao público-alvo do gênero ‘carta de conselho’, segundo a aluna A., ao escrever a carta, ela pensou no professor como leitor, pois, segundo ela, não há um conselho real. A aluna T., diferentemente, pensa nela mesma como leitora quando está escrevendo a carta, como se a carta fosse endereçada a ela. Ela se usa como referência e cita ela própria como exemplo, pois, como ela estava de dieta na época da escrita da redação, ela escreveu a carta no curso como se fosse para ela própria com sugestões que ela própria estava seguindo na vida real. Assim como a aluna A, a aluna B. também pensa, algumas vezes, no professor ao escrever. Mas, em outras circunstâncias, ela cria um personagem, como se estivesse realmente escrevendo para um amigo para quem ela quisesse 98 dar conselhos. Também com relação à questão do leitor, o que ela enfatiza é que quando escreve, ela pensa no leitor e se este irá compreender o seu texto. Esta afirmação da aluna alinha-se com o posicionamento de Widdowson (1983:39), apresentado no capítulo Fundamentação teórica, quando este afirma que esta preocupação com o entendimento e compreensão do leitor favorece o sucesso do evento comunicativo e faz com que o escritor atue como locutor e interlocutor podendo, assim, prever as inferências do leitor durante a leitura. R. também fica em dúvida se escreve pensando no professor como leitor ou em outra pessoa. Ele explica que sua carta poderia muito bem ser um exemplar escrito fora do contexto escolar, no dia-a-dia, então ele também pensa em um leitor “real”, que não está avaliando a sua escrita. Alinhando-se a esta noção do leitor “real”, o aluno P. explica que sempre pensa no leitor, pois disto dependerá o seu texto; do grau de intimidade que ele PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA tem com ele. Ele, assim como a aluna B., pensa em um personagem como leitor da sua carta. Apesar de o enunciado pedir para os alunos imaginarem para quem eles estão escrevendo, nem todos os alunos conseguem criar um personagem que necessite de conselhos e acabam por pensar no professor como seu público-alvo. É interessante perceber as diferentes estratégias de cada aluno, como no caso da aluna T., que se utiliza como modelo para escrever a carta. Como escrever para um leitor imaginário é tarefa difícil, é desejável que os alunos escrevam para leitores reais, como por exemplo, os colegas de classe ou até de outras turmas para que eles tenham um leitor real e não um leitor avaliador, como é o caso do professor. As estratégias utilizadas pelos alunos são relevantes, mas podem tornar a produção do texto artificial e distante do que seria produzido em um contexto real. 4.3.5. Escolhas léxico-gramaticais do gênero ‘carta de conselho’ Um comentário recorrente durante as entrevistas foi que o gênero “carta de conselho” é o mais fácil de se escrever principalmente por causa do vocabulário informal. A opinião da aluna B. alinha-se a este argumento pois ela diz que na carta informal o aluno “não se preocupa com as regrinhas, são menos regrinhas, 99 o vocabulário é mais fácil de se lembrar, a gente aprende mais vocabulário informal” (anexo D). Segue, abaixo, um trecho da carta escrita pela própria aluna onde podemos perceber a informalidade do seu discurso através do uso do imperativo e de expressões coloquiais: “ Try drinking water instead of go to eat fast food everytime you are hungry. Try to do it more naturally you can and, for God, don’t take drugs to reduce apetite by yourself” (anexo I5) R. também concorda com essa questão enfatizando a facilidade de se escrever um texto informal. Ele acrescenta que: “Na carta o vocabulário é mais solto, mais parecido com o que você fala, é... o jeito que você fala, e... descrição e resenha, no caso, é mais diferente do jeito que se fala, você tem que usar registros mais formais e vocabulário mais formal, redundância também.(risos) Por isso fica mais difícil, não é o jeito que você tá habituado a escrever,normalmente” (anexo E). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA No trecho abaixo, extraído da carta escrita pelo próprio R., podemos perceber um alinhamento entre a sua redação e o seu comentário anterior sobre a similaridade da carta informal com o discurso oral: You told that you can’t sleep at night. On my opinion you could make somethings I’m gonna say: - take a bath before sleeping - stop drinking soda at dinner - change the bed and the pillows too (anexo I10) O uso de marcadores para listar os conselhos acompanhado do imperativo aproxima o discurso escrito do discurso oral. Essa facilidade mencionada pelos alunos ao escrever cartas informais pode ser justificada por diversos fatores que diferenciam o discurso escrito formal do informal. Segundo Berkenkotter, Huckin e Ackerman, no texto formal as frases são mais longas, há mais abstrações, mais subordinações e outras formas de elaboração sintática, mais artigos definidos, menos palavras autoreferentes, mais vocabulário derivado do latin e mais estruturas hierárquicas de parágrafos” (Berkenkotter, Huckin e Ackerman, 1988:36). Como fora abordado na seção anterior sobre o conteúdo da carta de conselho, estes autores questionam a preferência dos alunos por escrever textos informais. Segundo os autores: 100 (...) parece que a dependência ou preferência por uma escrita baseada na língua falada, em um estilo informal, pode interferir no desenvolvimento dos procedimentos de conhecimentos necessários para construir estruturas textuais apropriadas ao discurso expositório formal (Berkenkotter, Huckin e Ackerman, 1998:36).40 Segundo estes autores, embora o discurso informal possibilite ao aprendiz expressar suas idéias, ele, muitas vezes, impede que o escritor o faça de forma clara, coerente, coesa e com a utilização de um vocábulario e sintaxe mais complexos que possibilitem uma melhor elaboração de idéias. No meu entendimento, a conseqüência disto é que os alunos podem não estar prontos para produzir o gênero. Por acreditarem que não há necessidade de um maior esforço cognitivo ao produzir um discurso informal, eles podem não fazer escolhas léxicogramaticais apropriadas o que, conseqüentemente, pode prejudicar o aprendizado PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA do gênero. Discussão Nestas considerações sobre a análise do gênero ‘carta de conselho’, é importante retomar as perguntas que norteiam esta pesquisa: 1- quais características do gênero são observadas nas redações dos alunos? 2- qual conhecimento os alunos têm do gênero que produzem? 3- o quanto os alunos estão prontos para aprender, entender e produzir este gênero? 4- qual percepção os alunos têm do gênero quanto às características, os propósitos e às expectativas dos leitores? Em primeiro lugar, os alunos têm conhecimento do gênero ‘carta de conselho’, sua estrutura retórica e conteúdo. Quanto a estarem prontos para a produção do gênero, todos eles produziram as cartas com conselhos pertinentes e coerentes. No entanto, a percepção que eles têm de que este é um gênero fácil de 40 “(…) it seems that dependence on or preference for an oral-based, informal style of writing can interfere with the development of the procedural knowledge needed to construct text structures appropriate to formal expository discourse” (Berkenkotter, Huckin e Ackerman, 1998:36). 101 ser produzido impede que eles façam uso de um vocabulário e sintaxe mais elaborados, o que pode vir a deixar o texto pouco persuasivo e consistente. Britton (1983:13-19) argumenta que escritores experientes transferem a espontaneidade e criatividade do discurso oral para o escrito. Esta visão é totalmente rejeitada por Bereiter e Scardamalia (1983:20-) que argumentam que é justamente a necessidade de aquisição de novas estratégias cognitivas que torna o aprendizado da escrita totalmente diferente da oral. Torna-se relevante, então, oferecer aos alunos um ensino deste gênero com ênfase na sua complexidade para que os alunos possam desmistificar a crença a respeito da simplicidade e facilidade do mesmo. É importante mostrar aos alunos que vocabulário coloquial não é vocabulário básico, ao contrário, ele inclui expressões idiomáticas, gírias e estruturas gramaticais próprias que devem ser ensinadas e aprendidas. A mudança nesta percepção dos alunos pode favorecer PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA um melhor aprendizado do gênero ‘carta de conselho’. A seguir, analisarei o gênero ‘resenha de filme’. 4.4. Resenha de filme A aula Na décima semana de aula (anexo M), o objetivo com relação à produção escrita dos alunos era que eles fossem capacitados a escrever o gênero ‘resenha de filme’. Na última aula anterior à décima semana, eu pedi aos alunos que cada um escolhesse um livro na biblioteca do curso e o trouxesse para a aula na semana seguinte. No começo da aula, os alunos tinham que ler o texto da contra-capa do seu próprio livro e, individualmente, decidir o gênero do livro e se valeria à pena lê-lo ou não. Depois, os alunos deveriam identificar os adjetivos utilizados no texto da contra-capa do livro e procurar pelos seus significados no dicionário. A mim caberia encorajá-los a observar o vocabulário no livro paradidático e fazer anotações sobre a estória do livro. Logo após, em pequenos grupos, eles deveriam trocar informações sobre o livro lido por cada um e, finalmente, deveriam escolher o melhor livro do grupo. 102 Após esta escolha, eles deveriam sugerir este livro escolhido para o restante da turma. O próximo estágio foi a escrita de uma resenha de filme. Vale ressaltar que a escolha pela resenha ser de filme e não de livro se deveu ao fato de que apenas um ou dois alunos tinham lido algum livro nos últimos anos, comprometendo a escrita deste gênero. Sendo assim, após a decisão pela resenha de um filme e não de livro, a eles foi dado um tempo para fazerem anotações sobre um filme que tinham assistido recentemente, utilizando as seguintes dicas sugeridas no livrotexto: PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA - Estilo: o quão bem escrita é a estória e se o filme merece ser assistido - Sobre o autor: sua biografia e outros livros ou roteiros escritos por ele - Os personagens: que tipo de pessoas eles são - Roteiro: o que acontece na estória - Cenário: onde a ação ocorre - Por que você gostou e por que outras pessoas gostariam de assisti-lo. Com base em suas anotações, eles discutiriam suas respostas com os colegas e, em casa, fariam um exercício de múltipla escolha na apostila sobre o livro e filme Bridget Jones e um outro exercício no qual preencheriam as lacunas sobre o livro e filme Harry Potter. Na aula seguinte, após a correção do exercício para casa, eu apresentei uma atividade em powerpoint onde os alunos puderam aprender expressões utilizadas para responder a comentários feitos sobre um livro ou filme. Em seguida, eles fizeram uma atividade no livro-texto referente a estas expressões. Como último estágio para preparar os alunos para escreverem uma ‘resenha de filme’, eles fizeram uma atividade, em sala, na apostila. Com base nas duas resenhas lidas sobre os filmes Bridget Jones e Harry Potter, eles deveriam, em grupos, responder às seguintes perguntas: qual foi a melhor resenha, qual delas os motivou a ler o livro e ver o filme e por quê e se quem escreveu a resenha fez um bom resumo da estória e deu opiniões pessoais sobre o livro e filme. Na outra etapa, a apostila continha o conteúdo que deveria ser incluído em cada parágrafo do gênero resenha de filme/livro. A seguir, analisarei tanto as redações sobre o gênero “resenha de filme” quanto as entrevistas dos alunos sobre o gênero, à luz das características de 103 gêneros propostas por Swales (1990:58): propósito, estrutura, conteúdo e públicoalvo, além das escolhas léxico-gramaticais. 4.4.1. Propósito do gênero ‘resenha de filme’ Como embasamento teórico para a análise do gênero ‘resenha de filme’ utilizarei o livro Resenha – Leitura e Produção de textos técnicos e acadêmicos. Segundo os autores deste livro, “podem ser consideradas resenhas os textos que trazem tanto o resumo do objeto quanto o comentário ou avaliação do autor do texto sobre ele” (Machado, Lousada & Abreu-Tardelli, 2004:110). Em outras palavras, o propósito pedagógico do gênero ‘resenha de filme’ é apresentar um PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA resumo do filme assistido assim como uma análise do mesmo, onde o escritor expresse sua opinião sobre o filme. A análise do propósito do gênero ‘resenha de filme’ neste trabalho será realizada através das próprias redações e das entrevistas. Dos dez alunos que escreveram este gênero, apenas uma não cumpriu o propósito do mesmo, segundo a definição do livro Resenha, pois não resumiu a estória do filme. A aluna escreveu sobre o filme Batman e em todo o seu texto citou os aspectos positivos do filme como o cenário e os atores, mas em nenhum momento ela mencionou a estória do filme. Quanto a fazer uma apreciação do filme, todos os alunos a fizeram em mais de um parágrafo, e, inclusive, retomaram a crítica na conclusão da resenha. Durante a entrevista, os alunos foram questionados a respeito do propósito do departamento acadêmico ao pedir para eles produzirem uma resenha de filme. Para a aluna T., o propósito pedagógico do curso ao ensinar o gênero resenha de filmes é capacitar o aluno a compreender o conteúdo que faz parte da caixa de um DVD. Ela diz que “(...) às vezes pegar atrás da capa do DVD tá em inglês, assim, que os primeiros só chegam em inglês, né?” (anexo C). Para a aluna, aprender a produzir este gênero auxilia o aprendiz na aquisição de novo vocabulário relacionado a ele e facilita a sua compreensão do texto na próxima vez que ela se encontrar nesta situação, no caso, alugando DVD área um (em inglês) em uma vídeo-locadora. A aluna compreende a escrita como uma 104 ferramenta para auxiliar a leitura quando diz: “a gente assimila muito mais quando a gente escreve do que só lendo”. Para R., o propósito do curso de inglês ao ensinar o aluno a escrever o gênero é “treinar a fluidez do inglês, é... também a parte gramatical´(anexo E, linha 62) e para P. é “saber descrever e explicar algum fato que você viveu ou que você viu, se foi bom, por que, saber justificar, assim. Tipo o filme, você viu o filme, aí tem que explicar como era o filme, o que faz parte do filme, por que você gostou, por que você não gostou, o que era bom, o que era ruim, entendeu? Você saber botar no papel isso, porque você viu, então você tem todas essas opiniões, e te obrigar a botar isso no papel é importante.”(anexo F, linha 108). Neste comentário, o aluno refere-se a um modelo de movimentos retóricos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA do gênero, que será o tema da próxima seção deste capítulo. Como foi mencionado no primeiro parágrafo desta seção, de acordo com a descrição do gênero proposta pelos autores do livro Resenha, este gênero deve ter como propósito descrever um filme e avaliá-lo. É importante ressaltar que o propósito do gênero varia de acordo com o seu veículo, por exemplo se é uma resenha encontrada na contracapa de um livro ou filme ou se foi publicada no caderno de entretenimento de um jornal, por exemplo. Obedecendo a essa variação, podemos dizer que o gênero ‘resenha de filme’ possui os seguintes propósitos: conferir aprovação artística e atrair e convencer outras pessoas para assistir o filme. Os dez alunos que escreveram este gênero cumpriram o seu propósito, pois todos descreveram o filme, cada um priorizando determinado aspecto do mesmo e todos o avaliaram, justificando suas opiniões. Isto significa que os alunos têm conhecimento do gênero e estão cientes do seu propósito em termos pedagógicos. 4.4.2. Estrutura do gênero ‘resenha de filme’ Com relação à estrutura retórica do gênero resenha de filme, para produzilo, a aluna T. utilizou um modelo autêntico do mesmo, extraído da contra-capa de uma caixa de DVD, em português. No entanto, ela acrescenta que pelo fato de o modelo ser muito curto, ela “prolongou” (anexo C) o seu texto para se encaixar 105 no formato proposto pelo curso. O aluno R. também citou o DVD como modelo do gênero resenha de filme: “pego lá uns dvds lá em casa e via como era a estrutura mais ou menos, aí pesquisava na internet, vi o que as pessoas acharam sobre o filme e... olhavam um pouco se tiver também do filme, pra saber mais ou menos como é que é, depois eu elaborava a minha resenha. Entendeu?” (anexo E, linha 115) O aluno R. explica a estrutura do gênero: “primeiro você começa falando do filme em geral, depois você conta o enredo e termina elogiando o diretor, o ator...” (anexo E, linha 54). Para o aluno, a resenha está associada apenas a elogios e não à críticas negativas. No mesmo livro Resenhas, os autores sugerem uma ordem para a estrutura do gênero: “informações sobre o contexto e o tema do livro (neste caso, filme) resenhado, o(os) objetivo(s), a apreciação, comentários e a conclusão”. É PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA importante, então, analisar as produções destes alunos e ver se a estrutura utilizada por eles se aproxima da estrutura sugerida pela literatura do gênero. A numeração abaixo refere-se aos parágrafos: alunos Ro P Rob Ta Ta C G MT F A informações sobre o contexto e o tema do livro (neste caso, filme) resenhado 1 -2 1–2-4 1 -2 1-2 3 x 2 2 2-3 2–3–4-5 o(os) objetivo (s) a apreciação comentários a conclusão x x x x x x x x x x 1 -3-5 - 6 4 6 3-5 x 5 3-4 x 4 1-3 3 3 1-3 2 4 1-2 2-3 4 1-3 3-4 4 3–4 1 4 4-5 1 5 1 – 6 (incluiu x 6 uma crítica negativa) Quadro 8: Estrutura genérica das redações sobre ‘resenha de filme’ Os dados apresentados sugerem que, ao escrever o gênero “resenha de livro ou filme” o aluno não segue, necessariamente um padrão estrutural. Nove dos dez 106 alunos forneceram informações sobre o tema e o contexto do filme sendo que a maioria não se limitou ao primeiro parágrafo, dando mais informações ao longo do texto ou até, nem fornecendo estes dados no primeiro parágrafo. Todos os dez alunos incluíram críticas aos filmes assistidos o que demonstra que eles entenderam o propósito do gênero. Além disso, sete entre dez alunos incluíram comentários extras sobre o filme, além de resumí-lo e criticá-lo. Todos os alunos escreveram uma conclusão para o seu texto, sendo que cinco alunos utilizaram a expressão: “I reccommend...”, um utilizou “it’s a filme recommended...” dois escreveram: “you have to see it...”, outro concluiu seu texto com: “So is the best film in my opinion” e a última aluna concluiu seu texto apresentando as críticas com relação ao filme. De acordo com os dados, podemos concluir que os alunos desta turma não fazem uso de um padrão estrutural único do gênero resenha de filme, no entanto PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA eles têm conhecimento dos movimentos retóricos que compõem o gênero o que demonstra que eles devem ser capazes de produzi-lo. 4.4.3. Conteúdo do gênero ‘resenha de filme’ De acordo com o livro Resenha, o conteúdo deste gênero deve conter as seguintes informações: No início de uma resenha, encontramos informações sobre o contexto e o tema do livro resenhado. Em seguida, o(os) objetivo(s) da obra resenhada. Antes de apontar os comentários do resenhista, sobre a obra, é importante apresentar a descrição estrutural da obra resenhada. Isso pode ser feito por capítulos ou agrupamento de capítulos. Depois, encontramos a apreciação do resenhista sobre a obra. Aliás, é importante que haja tanto comentários positivos quanto negativos. Finalmente, a conclusão, em que o autor deverá explicar/reafirmar sua posição sobre a obra resenhada (Machado, Lousada & Abreu-Tardelli, 2004:114).41 Seguem abaixo, trechos, extraídos das ‘resenhas de filme’, escritos pelos alunos com base no conteúdo do gênero sugerido pelo livro Resenha: 107 Contexto Cidade de Deus A great production and direction by Fernando Meirelles, shows the begining of the ‘industry of drug’ in Rio de Janeiro, especifically in Cidade de Deus (anexo J1). Tema Dirty Dancing tell a love story with happen in the summer of the year 60, when a dreamer girl (Jennifer Grey) meet a young teacher of dance (Patrick Swayze) in a trip hotel (anexo J4). Apreciação Zorro’s legend The plot is wonderful, Zorro’s legend has amazing action sequences, just the right amount of emotion and dialogue as Sharp as the weaponry. You couldn’t miss the ‘Z action!’. This classic will wake you up (anexo J2). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA Comentários Shrek 2 is a film made by Dreamworks. This film is for people from all over the ages, it is good for children, but it is better for adults, because they can understand more the child (anexo J7). Conclusão Batman Begins So is the best film in my opinion, because have a message to us (anexo J10). Os alunos entrevistados têm opiniões diversas sobre o conteúdo do gênero ‘resenha de filme’. O aluno R. considera uma tarefa difícil escrever o gênero quando o professor não indica o filme a ser resenhado, cabendo ao aluno fazer esta escolha. No entanto, ele considera fácil escrever sobre o filme. Embora sem ser explícito, R. parece sentir dificuldades com o processo de escolha antes de escrever, e o conteúdo seria mais uma consideração na escolha do filme. Para o aluno P., o conteúdo do gênero resenha de filme é fácil de ser produzido, pois ele consegue escrever o que tem em mente sobre o filme. No entanto, ele diz ter dificuldades em relacionar as partes do texto, através do uso de conectivos: “eu já me enrolo de tentar puxar o que escrevi antes com o que eu 41 Observa-se que essa citação menciona, também, a estrutura, como apresentado na seção 4.4.2. No entanto, utilizarei o mesmo trecho de Resenha para destacar os elementos de conteúdo, os quais são detectados nos elementos estruturais do gênero ‘resenha’. 108 escrevi depois, nessa ligação eu já me enrolo” (anexo F, linha 20). O aluno P. também descreve o conteúdo do gênero: “(...) eu acho que no comentário sobre o filme primeiro vai fazendo a introdução, o filme, a produção, de onde surgiu a idéia de se fazer esse filme e tal e depois começar a comentar. O... esqueci a palavra em português (risos), o casting,primeiro comenta o elenco, aí vai falando de cada ator, depois fala do diretor, “ah, o diretor também de tal filme”, aí depois fala do filme em si, das cenas...” (anexo F, linha 76). Para o aluno P. a facilidade para o aluno de inglês como língua estrangeira em produzir o gênero é que, neste caso, o aluno escreve sobre algo que realmente vivenciou e tem conhecimento, o que facilita a escrita: “Mais fácil é que quando você viu o filme, você sabe o que você viu, você saiu do filme com uma opinião, se você gostou, então é fácil você falar de um fato que você viveu, viu, já tem uma opinião sobre isso, acho mais fácil” (anexo F, linha 90). Como pode ser observado, os alunos conhecem o conteúdo do gênero, o que PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA pode ser justificado através do pensamento de Anthony (2000), já discutido no capítulo 2. Segundo o autor, a vivência e experiência com o gênero possibilitam a eficácia do seu aprendizado. Neste caso, como os alunos têm contato com o gênero ‘resenha de filme’ em suas vidas cotidianas, o aprendizado em língua inglesa foi bem sucedido. Compreende-se que os alunos têm conhecimento do conteúdo do gênero e parecem estar prontos para produzir o gênero, pois todos escreveram sobre um filme e teceram comentários sobre o mesmo, dando sua opinião pessoal. Mais uma vez, percebe-se a importância de ensinar ao aluno um gênero que faz parte do mundo dele. 4.4.4. Público-alvo do gênero ‘resenha de filme’ No que tange ao papel do leitor do gênero ‘resenha’, o aluno R. explica que ele, como leitor, procura ler o gênero quando alguém indica determinado livro para ele para que ele possa concluir se terá interesse em lê-lo ou não: “e quando eu vou na livraria, olho a orelha e tal, pra ver se eu me interesso pelo livro, e corro atrás (anexoE, linha 44)”. Ao ser indagado sobre suas dificuldades e facilidades ao ler uma resenha em língua inglesa, o aluno afirma que suas dificuldades são relacionadas ao vocabulário e nomes próprios, muitas vezes, por ele desconhecidos. 109 O aluno P. refere-se ao público-alvo deste gênero como sendo o leitor de jornal que lê a seção “O bonequinho viu”, do Jornal O Globo, apesar de o aluno dizer que raramente lê esta seção do jornal. Segundo o aluno, é mais comum ele ler a contra-capa de um DVD, alinhando-se ao comentário dos colegas. Ele, inclusive, descreve o momento em que é leitor deste gênero: “A capinha de DVD atrás eu acho que eu leio mais, sei lá, tô na casa de um amigo vendo filme, aí: “deixa eu ver, tá começando o filme, deixa eu ver a estória” (anexoF, linha 74). Ou seja, os alunos se vêem como os leitores. No entanto, a questão de leitor também está relacionada com a relação entre leitor e autor, o que o autor sabe do leitor, das expectativas do leitor (neste caso, o leitor espera críticas positivas e negativas), os valores e cultura do leitor. Será que estes alunos têm alguma percepção disto? Ao produzir o gênero, o aluno R. diz que pensa no professor como leitor, o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA que alinha-se com o hipergênero (Bonini, 2001a, 2003b) ‘redação de curso de inglês’. De fato, o leitor, neste caso específico, é o professor. Mais uma vez, seria interessante que os alunos soubessem que suas resenhas seriam lidas pelos colegas ou por outros professores, quem sabe até compondo o mural da escola ou da sala de aula. A conseqüência disto seria a circulação dos textos produzidos pelos alunos com leitores reais, não apenas para terem uma avaliação do seu trabalho, mas para terem leitores com real interesse em saber mais sobre o filme resenhado. Se não for possível obter leitores reais para as redações dos alunos, Hedge (1988) sugere que o próprio professor responda às redações, através de comentários sobre o conteúdo ao invés de apenas corrigi-las. Segundo a autora, o aprendiz acostumar-se-á a ter um leitor real no próprio professor e não alguém que apenas corrigirá os erros e dará notas. Neste caso, a relação entre leitor e escritor (isto é, aprendiz) passa a ser uma relação pedagógica. 4.4.5. Escolhas léxico-gramaticais do gênero ‘resenha de filme’ Ao ser questionado por que ele preferiu escrever uma ‘carta informal’ quando havia também a opção de escrever uma ‘resenha de filme’, o aluno R. respondeu que na resenha de filme ou livro há uma preocupação maior em se usar 110 um registro formal o que confere ao gênero uma maior dificuldade em ser produzido. Para o aluno, “é mais diferente do que se fala” e “por isso fica mais difícil, não é o jeito que você tá habituado a escrever normalmente” (anexo E, linha 149). Segundo o aluno P., na resenha de filme é necessário que o escritor tenha conhecimento do vocabulário específico para aquele gênero o que torna a sua produção mais difícil em língua estrangeira. Segue, então, trechos extraídos da resenha escrita pelo aluno P. onde há a inserção de vocabulário específico do gênero ‘resenha de filme’. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA “ The film is starring for Antonio Bandeiras (Zorro) and still it has (...) famous actors in the cast. It is a Hollywood production, in which are envolved millions of dollars and a great ticket office is expected. The plot is wonderful” (anexo J2). Neste trecho, podemos depreender que o aluno tem conhecimento do vocabulário específico do gênero (to star, cast, production, plot), no entanto ele se confunde ao escrever “ticket office” quando deveria ter escrito “box office”. Essa confusão com relação ao vocabulário alinha-se ao argumento do próprio aluno sobre a dificuldade em escrever uma resenha de filme em inglês devido ao vocabulário específico. Outro exemplo dessa dificuldade pode ser observado a seguir, onde fica claro como o desconhecimento de vocabulário específico é um obstáculo real para a produção e compreensão de uma resenha. “The art direction is fantastic too, the figurin is totally real – just like the ilumination and the mise-em-scene aspects” (anexo J1). Neste caso, como o aluno não tinha conhecimento da palavra ‘figurino’ em inglês ele utilizou um similar nesta língua, que, no entanto, tem outro significado. Também com relação ao vocabulário, os autores do livro Resenha explicam que o texto escrito neste gênero deve ser polido em suas críticas. O motivo é claro: como um indivíduo está criticando um trabalho produzido por outra pessoa ou pessoas, neste caso, um filme, é necessário que os comentários sejam pertinentes, verdadeiros, mas, ao mesmo tempo polidos para que não haja insultos e a resenha mantenha a sua integridade e confiabilidade. A seguir, apresentarei a análise das críticas positivas e negativas (polidez) na produção dos alunos. 111 “ I recommend this film because it is well directed, well produced, wel photographed and well acted” (anexo J1). No trecho acima, o aluno faz uso do advérbio de modo “well”, repetidamente, para enfatizar os aspectos positivos do filme. Já a aluna T., opta pelo uso de adjetivos, como pode ser observado a seguir. “ I recommend this film because is a lovely story about love and soundtrack is wonderfull” (anexo J4). O aluno G., ao comentar que o filme “Cidade de Deus” não ganhou o Oscar, utilizou uma linguagem bastante polida, através de advérbios de grau (just) e de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA tempo (already) para reiterar sua crítica positiva ao filme. “God City didn’t win the Oscar, it lost the Foreing category. Just be on Oscar is already a reason to give the congratulations to director and all cast” (anexo J6). Nove alunos escreveram apenas críticas positivas do filme. A aluna A. foi a única que incluiu críticas negativas ao filme resenhado, no entanto, ela o fez de forma bastante polida, como pode ser observado no trecho abaixo. “The good aspects of the film are many. The only flaw is to be a little slow certain times. But if you have a minimum of patience the picture will certainly please you a lot” (anexo J9). As palavras grifadas dão ênfase à opinião da aluna sobre o filme, o que auxilia o leitor a perceber que a característica negativa do filme não diminui a sua importância e qualidade. Esta aluna, além de ter conhecimento do gênero, tem noção das normas de polidez para produzi-lo. Assim como ela, os outros nove alunos, apesar das restrições por serem aprendizes não-nativos da língua, fazem escolhas lexicais e gramaticais apropriadas para o gênero. 112 Discussão O objetivo desta seção foi analisar as produções escritas dos alunos e seus comentários ao longo das entrevistas sobre o gênero ‘resenha de filme’ com base nas características de gêneros propostas por Swales. Os alunos têm conhecimento do propósito, da estrutura, do conteúdo e do público-alvo do gênero. A questão agora é, após esta cuidadosa análise, discutir se os alunos realmente escreveram o gênero proposto de acordo com a literatura sobre “resenha de filme”. Apesar de a estrutura ter sofrido variações com a inclusão de informações variando de texto para texto, todos os alunos, com exceção de um, incluíram tanto um resumo do filme quanto suas críticas, realizando a estrutura e o conteúdo do gênero. Todos os alunos seguiram um estilo polido, dentro do que é esperado do gênero, sendo que houve variações PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510552/CA quanto ao grau de formalidade ou informalidade. Quanto à questão do leitor, os alunos compreendem que ou eles mesmos são os leitores ou é o professor. No próximo capítulo, apresentarei e discutirei outras questões pertinentes a este trabalho.