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Janaina Carvalho Ferreira
A MULTIMODALIDADE EM CAPAS DE REVISTA DE AUTO-AJUDA
Santa Maria, RS
2006
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Janaina Carvalho Ferreira
A MULTIMODALIDADE EM CAPAS DE REVISTAS DE AUTO-AJUDA
Trabalho final de graduação apresentado ao Curso de Letras – Português – Área de Artes,
Letras e Comunicação do Centro Universitário Franciscano, como requisito parcial para
obtenção do grau licenciada em Letras – Habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas da
Língua Portuguesa
Orientadora: Valeria Iensen Bortoluzzi
Santa Maria, RS
2006
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Janaina Carvalho Ferreira
A MULTIMODALIDADE EM CAPAS DE REVISTAS DE AUTO-AJUDA
Trabalho final de graduação apresentado ao Curso de Letras – Português – Área de Artes,
Letras e Comunicação do Centro Universitário Franciscano, como requisito parcial para
obtenção do grau licenciada em Letras – Habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas da
Língua Portuguesa.
Valeria Iensen Bortoluzzi – Orientadora (UNIFRA)
Jandira Pilar (UNIFRA)
Laura Fabrício (UNIFRA)
Aprovado em................. de ........................ de
4
Ao meu avô e padrinho Vilson Carvalho (in
memorian) por ter me proporcionado 22 anos
de amizade, proteção e ensinamentos. E por
ter me ensinado a fazer do “limão uma
limonada”.
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RESUMO
O estudo das implicações discursivas causadas pelos elementos multimodais é fator
indispensável na sociedade contemporânea. Isto se deve ao fato de que hoje os textos não
comportam apenas palavras, mas também imagens. E saber como transitar entre essas
linguagens (verbal e não-verbal) é condição fundamental para professores de língua
portuguesa. Pensando nos discursos produzidos pelas imagens, indaga-se por que o gênero
textual/discursivo capa de revista é constituído por imagens diversas e qual o propósito dessas
imagens e demais elementos visuais. Compreender como as linguagens verbal e não-verbal
produzem discursos e quais suas intenções em capas de revistas, que têm como objetivo
promover a auto-ajuda, é o escopo deste trabalho. Para desenvolver esta pesquisa fez-se uso
dos pressupostos teóricos da Análise Crítica do Discurso, entre eles Fairclough, Kress e van
Leeuwen, Meurer, Motta-Roth e Heberle, entre outros. O corpus é constituído por 26 capas de
revistas, 13 delas da revista Vida Simples e 13 da Bons Fluídos, ambas da Editora Abril do
período de janeiro a dezembro de 2005. As análises realizadas se mostram pertinentes, pois
explicitam o papel da linguagem não-verbal na constituição de sentidos, apresentando
diversos discursos. E confirmam que Vida Simples tem uma proposta de auto-ajuda centrada
na simplicidade, enquanto, a revista Bons Fluídos apóia-se na beleza (tanto interior quanto
exterior).
Palavras-chave: multimodalidade; implicações discursivas; gêneros textuais/discursivos.
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SUMÁRIO
RESUMO ................................................................................................................................... 5
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 7
2 REFERENCIAL TEÓRICO.................................................................................................... 9
2.1 A ACD E A MULTIMODALIDADE.................................................................................. 9
2.1.1 Análise Crítica do Discurso............................................................................................... 9
2.1.2 Multimodalidade.............................................................................................................. 15
2.2 GÊNERO CAPA DE REVISTA ........................................................................................ 18
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS........................................................................................ 20
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES........................................................................................ 22
4.1 CAPA DA REVISTA VIDA SIMPLES: ........................................................................... 22
4.1.1 Gênero textual/discursivo – elementos recorrentes ......................................................... 22
4.1.2 – Configuração contextual e os efeitos construtivos ....................................................... 23
4.2 CAPA DA REVISTA BONS FLUÍDOS .......................................................................... 31
4.2.1 Gênero textual/discursivo – elementos recorrentes ........................................................ 31
4.2.2 Configuração contextual e os efeitos construtivos .......................................................... 32
4.3 CONFRONTO................................................................................................................... 37
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 40
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 42
ANEXOS ................................................................................... Erro! Indicador não definido.
7
1 INTRODUÇÃO
O ensino fundamental e médio das escolas brasileiras tem como documento orientador
os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Tratando-se da disciplina de Língua
Portuguesa, os PCNs apresentam dez objetivos que os alunos de ensino fundamental precisam
atingir. Destes, destaca-se o seguinte objetivo: “utilizar diferentes linguagens – verbal,
matemática, gráfica, plástica e corporal – como meio para produzir, expressar e comunicar
suas idéias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados,
atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação” (PCNs, 2000, p.8). Depreendese do objetivo mencionado, que é possível e necessário ensinar não somente a linguagem
verbal, através do texto escrito, mas também, a linguagem não-verbal (gráfica), empregando o
uso de imagens. Como a linguagem faz-se presente por meio de textos (escritos ou orais) e é
sabido que “todo texto se organiza dentro de determinado gênero” (...) (PCNs, 2000, p.26),
conseqüentemente, o uso de diferentes linguagens efetiva-se nos gêneros textuais/discursivos.
Portanto, o ensino de língua materna, segundo os PCNs deve ser realizado nessas perspectivas
– diversas linguagens e gêneros textuais/discursivos.
Diversos gêneros textuais/discursivos, como os anúncios publicitários, os manuais de
instrução, os hipertextos, as charges, as tiras, o livro didático, as capas de revistas, que são do
domínio dos alunos, possuem algo mais do que textos escritos (linguagem verbal) ou imagens,
possuem multimodalidade. Conforme Descardesi (2002, p.20),
(q)ualquer que seja o texto escrito, ele é multi-modal, isto é, composto por mais de
um modo de representação. Em uma página, além do código escrito, outras formas
de representação como a diagramação da página (layout), a cor e a qualidade do
papel, o formato e a cor (ou cores) das letras, a formatação do parágrafo, etc.
interferem na mensagem a ser comunicada. Decorre desse postulado teórico que
nenhum sinal ou código pode ser entendido ou estudado com sucesso em
isolamento, uma vez que se complementam na composição da mensagem.
Compreendendo
a
importância
do
elemento
multimodal
nos
gêneros
textuais/discursivos, procurei um gênero de fácil acesso, ou seja, que fosse possível para
qualquer pessoa visualizar sem despender dinheiro; constituído tanto por linguagem verbal
como não-verbal, e que despertasse a curiosidade em termos de inovação do corpus
selecionado. Seguindo esses critérios, escolhi as capas das revistas de auto-ajuda da Editora
Abril, intituladas Vida Simples e Bons Fluídos. Mesmo que a escola não disponha de revistas
desse tipo, levei em consideração a afirmação de Kress e van Leeuwen (1996, p.15): “fora da
8
escola, contudo, as imagens continuam tendo uma importante função, e não só em textos para
crianças”.
Portanto, os objetivos deste trabalho são analisar como se dá a multimodalidade nas
capas das revistas de auto-ajuda Vida Simples e Bons Fluídos da Editora Abril e quais as
implicações discursivas da multimodalidade nessas revistas.
Para alcançar esses objetivos, apresento o papel desempenhado pelo discurso nas
práticas sociais através da linguagem verbal e não-verbal. Conforme Fairclough (2001, p.23),
“é muito apropriado estender a noção de discurso a outras formas simbólicas, tais como
imagens visuais e textos que são combinações de palavras e imagens – por exemplo, na
publicidade”.
A pesquisa desenvolve-se levando em consideração os teóricos já citados - Kress e van
Leeuwen e Fairclough – e outros que são apresentados ao longo do texto. Estes estudiosos são
do campo da Análise Crítica do Discurso – ACD – (antigamente denominada de Lingüística
Crítica), que considera a língua como um fenômeno social, capaz de estabelecer relações de
poder e hegemonia e produzir transformações na sociedade. Quanto ao corpus selecionado,
que faz parte da mídia, a ACD postula que “a mídia é um lugar privilegiado de criação,
reforço e circulação de sentidos, que operam na formação de identidades individuais e sociais,
bem como na produção social de inclusões, exclusões e diferenças (...)” (FISCHER, 2001,
apud HEBERLE, 2004, p.89).
Este trabalho de final de curso estrutura-se da seguinte maneira: introdução do assunto
a ser pesquisado e sua relevância; referencial teórico com vistas a cobrir as análises
realizadas; metodologia utilizada na pesquisa; resultados e discussão; e considerações finais.
9
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 A ACD E A MULTIMODALIDADE
Este capítulo é constituído por conceitos teóricos necessários para o desenvolvimento
do trabalho. Esses conceitos em sua maioria são originários da Análise Crítica do Discurso.
2.1.1 Análise Crítica do Discurso
O termo discurso tem várias orientações dentro da lingüística: pode ser a fala em
oposição ao texto escrito; amostras da linguagem dos participantes (falante e receptor) de uma
interação e do contexto em que ela ocorre; as diferentes construções lingüísticas em diferentes
contextos; os modos de representação da sociedade e agente de mudança social, sendo essa a
acepção que utilizo neste estudo.
Discurso é “o uso de linguagem como forma de prática social e não como atividade
puramente individual ou reflexo de variáveis situacionais” (FAIRCLOUGH, 2001, p.90).
Dessa forma, é a linguagem que permeia as interações humanas e ela constrói os discursos
envolvidos nessas interações. Ao considerar esse conceito, surgem três atribuições ao
discurso: modo de ação, de representação e de dialogismo com a estrutura social. Como modo
de ação, ele é uma forma em que “as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente
sobre os outros” (FAIRCLOUGH, 2001, p.91). Nessa interação, as pessoas assumem papéis
(professor/aluno, médico/paciente, mãe/filho) que são representados pelos seus discursos.
Quanto ao dialogismo entre discurso e estrutura social, expõe-se que a estrutura social (tipo de
classe econômica, nível de escolaridade, profissão e hierarquia dos participantes do discurso)
condiciona os discursos a serem realizados. Ao tomar o discurso como prática social,
considero a relação entre essa e a estrutura social, em que há um condicionamento entre as
duas, de forma que são interdependentes.
Segundo Fairclough (2001, p.22), “qualquer evento discursivo (isto é, qualquer
exemplo de discurso) é considerado como simultaneamente um texto, um exemplo de prática
discursiva e um exemplo de prática social”. Eis, então o quadro tridimensional do discurso.
Fairclough (2001, p. 101), considera discurso como texto e afirma que “realmente
nunca se fala sobre aspectos de um texto sem referência à produção e/ou à interpretação
10
textual”. Um estudo nessa perspectiva considera o discurso alicerçado em seu quadro
tridimensional e, portanto se discurso é texto e conforme Hodge e Kress (1988, apud
Fairclough, 2001, p. 23) afirmam que “é muito apropriado estender a noção de discurso a
outras formas simbólicas, tais como imagens visuais (...)”, tem-se que imagens também são
textos e conseqüentemente discursos.
Fairclough apesar de tratar o evento discursivo como indissociável de seu quadro
tridimensional, conceitua cada um dos três componentes desse quadro. Ao texto compete uma
análise textual amparada no “vocabulário, gramática, coesão e estrutura textual” (Fairclough,
2001, p. 103). Quanto à análise da prática discursiva, aspectos formais dos textos também são
levados em consideração e, portanto a análise textual “abrange aspectos de sua produção e
interpretação como também as propriedades formais dos textos”. (Fairclough, 2001, p. 104).
A prática discursiva, para Fairclough (2001, p.106-107), “envolve processos de
produção, distribuição e consumo textual, e a natureza desses processos varia entre diferentes
tipos de discurso de acordo com fatores sociais”. Ele ainda menciona que “todos esses
processos são sociais e exigem referência aos ambientes econômicos, políticos e institucionais
particulares nos quais o discurso é gerado” (Idem, p. 99).
Quanto à prática social, Fairclough (2001, p.22), afirma que ela “cuida de questões de
interesse na análise social, tais como as circunstâncias institucionais e organizacionais do
evento discursivo e como elas moldam a natureza da prática discursiva (...)”. Para Meurer
(2005, p.83), a prática social trata “como as estruturas sociais moldam e determinam os textos
e como os textos atuam sobre as estruturas sociais”, dessa forma, reafirma-se a existência do
dialogismo entre prática e estrutura social. Fairclough analisa a prática social levando em
consideração a ideologia e a hegemonia. Meurer (2005, p.102), afirma que “a ideologia é vista
na ACD como forma de conceber a realidade que contribui para beneficiar certo(s) grupo(s)
em detrimento do outro”. Em estudo anterior, Meurer já havia explicitado que “a ideologia
perpassa nossas práticas discursivas e práticas sociais, e está implícita nas formas de ver,
recriar ou desafiar e mudar maneiras de falar e agir” (FAIRCLOUGH, 1989, apud MEURER,
2002, p.29). Quanto à hegemonia, ele explicita que “é a continuidade do exercício de poder de
uns sobre os outros” (MEURER, 2005, p.102).
11
Com essas características, afirma-se que “o discurso é uma prática, não apenas de
representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo
em significado” (FAIRCLOUGH, 2001, p.91).
O discurso possui um poder construtivo tríplice, ele “cria, reforça, ou desafia: a)
formas de conhecimento e crenças, b) relações sociais, e c) identidades ou posições sociais”.
(MEURER, 2005, p.82). Para Meurer (Idem: ibidem) a análise desses três efeitos “poderá
servir para evidenciar que, no discurso, e através dele, os indivíduos produzem, reproduzem,
ou desafiam as estruturas e as práticas sociais onde se inserem”.
Quanto à representação das formas de conhecimento e crença, Meurer (2002, p.20),
explicita que “a representação diz respeito à rede de conhecimentos e crenças que, em seus
textos, os indivíduos revelam sobre diferentes aspectos do mundo”. Isso é realizado através
dos discursos dos indivíduos conforme suas percepções de mundo. A respeito do segundo
poder construtivo, o autor afirma sobre as relações sociais que “os textos refletem, constituem
e podem desafiar e transformar tipos de relações entre indivíduos. Essas relações sociais
dizem respeito às conexões, dependências e entrelaçamentos interpessoais, envolvendo os
participantes do evento discursivo” (MEURER, 2002, p.26). Ao último poder, relacionado
com as identidades e posições sociais, afirma-se que “a identidade imbrica-se com as
representações da realidade que os indivíduos criam em seus textos e com os relacionamentos
sociais que os indivíduos articulam” (Idem: ibidem).
Esse poder construtivo tríplice materializa-se através de palavras e também em
imagens. Fairclough (2001, p.22), faz referência à necessidade do estudo das implicações
discursivas das imagens na construção de significado, quando cita que “os discursos são
manifestados nos modos particulares de uso da linguagem e de outras formas simbólicas, tais
como imagens”. Tomando a área publicitária, em que se insere o corpus deste trabalho,
Fairclough (1995, apud JORGE e HEBERLE, 2002, p.179), conceitua o discurso por ela
utilizado como sendo “usado como veículo para vender produtos, serviços, organizações,
idéias e pessoas”.
Conforme Meurer (2005, p.88), “na ACD o discurso é visto como uma forma de
prática social que se realiza total ou parcialmente por intermédio de gêneros textuais
específicos”. Em vista disso, dá-se agora atenção ao conceito de gênero textual/discursivo.
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As práticas sociais materializam-se em gêneros textuais/discursivos. O lingüista
Mikhail Bakhtin (2003, p.262) conceitua os gêneros discursivos como “tipos relativamente
estáveis de enunciados”. Segundo Pinheiro (2002, p.265), “a noção de gênero, desde
Aristóteles e Platão até Todorov e Bakhtin, está associada à recorrência de certas
especificidades e certos parâmetros a partir dos quais um texto é produzido e consumido”.
Fairclough (2001a, apud MEURER, 2005, p.81), faz menção ao termo gênero para
“designar um conjunto de convenções relativamente estável que é associado com, e
parcialmente realiza um tipo de atividade socialmente aprovado, como a conversa informal, a
compra de produtos em uma loja (...)”. Também afirma que “um gênero implica não somente
um tipo particular de texto, mas também processos particulares de produção, distribuição e
consumo de textos” (Idem: ibiden).
Meurer (2002, p.18), explicita o gênero textual/discursivo como “tipo específico de
texto de qualquer natureza, literário ou não, oral ou escrito, caracterizado e reconhecido por
função específica e organização retórica mais ou menos típica, e pelo (s) contexto (s) onde é
utilizado”. Conforme Motta-Roth (2002, p.78), “o gênero pode ser reconhecido por sua
estabilidade lingüística e por sua capacidade de se evidenciar em eventos comunicativos
recorrentes, o que leva a uma convencionalidade de uso”. Para ela, essa definição envolve o
estudo dos gêneros levando em consideração aspectos tanto textuais (lingüísticos) quanto
contextuais.
Marcuschi (2005, p.19), defende que “os gêneros são entidades sócio-discursivas e
formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa”. Define-os (Idem,
p.22-23) como “textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam
características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e
composição característica”. Importante esclarecer que o autor realiza uma importante
diferenciação entre gênero e tipo textual. Enquanto o gênero tem a definição anteriormente
apresentada, o tipo textual “é uma espécie de seqüência teoricamente definida pela natureza
lingüística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas)”
(Idem, p.22). Ao passo que existem poucos tipos textuais, entre eles a narração, dissertação,
descrição e argumentação, existe uma quantidade ilimitada de gêneros textuais/discursivos –
capas de revista, editoriais, artigos científicos, palestra, receita, bula de remédio, anúncios
publicitários, etc.
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Bazerman (2005, p.31), compreende gêneros textuais/discursivos como “fenômenos
de reconhecimento psicossocial que são parte de processos de atividades socialmente
organizadas”. Se há, conforme Fairclough, uma relação entre as atividades sociais e o
discurso, e este se configura em gêneros, pode-se fazer menção ao que explicita Bazerman
(2005, p.31): “gêneros emergem nos processos sociais em que as pessoas tentam compreender
umas às outras suficientemente bem para coordenar atividades e compartilhar significados
com vistas a seus propósitos práticos” .
Balocco (2005, p.65), define que “os gêneros textuais (orais ou escritos) constituem
um ‘inventário’ dos eventos sociais de determinada instituição, ao expressarem aspectos
convencionais daquelas práticas sociais, de determinada instituição, com diferentes graus de
ritualização”. A autora cita Kress et al.(1997, p.270), apresentando que “os gêneros textuais
não podem ser estudados isoladamente dos elementos não-verbais que os constituem”. Kress e
van Leeuwen (KRESS et al, 1997, apud BALOCCO, 2005, p.65) também expõem que “a
linguagem sozinha não é mais suficiente como foco de atenção para aqueles interessados na
construção e reconstrução social do significado”. Estes teóricos fazem referência a
importância dos elementos não-verbais na constituição dos sentidos expressos pelo gênero,
mostrando-nos a relevância dos elementos multimodais.
Quando se realiza um trabalho de linguagem na perspectiva dos gêneros
textuais/discursivos é necessário considerar a função do contexto para a compreensão das
mensagens expressas pelos gêneros, pois a “ocasião de uso da linguagem” é definida em
contexto da situação e contexto da cultura. (CLORAN, BUTTE E WILLIAMS, 1996, apud
MOTTA-ROTH E HEBERLE, 2005, p.14). Por contexto da situação tem-se “um sistema de
‘relevâncias motivadoras’ para o uso da linguagem” (HASAN, 1996c, apud MOTTA-ROTH
E HEBERLE, 2005, p.14), já um contexto da cultura é “um conjunto compartilhado de
contextos da situação” e cabe a esse contexto, “a padronização do discurso em termos dos
atos retóricos ou atos de fala por meio da linguagem em circunstâncias específicas, com
características retóricas recorrentes” (MOTTA-ROTH E HEBERLE, 2005, p.15).
O contexto da situação pode ser definido por três variáveis: campo, relação e modo. O
campo representa a prática social; a relação, a ligação entre os participantes da interação e o
modo, como a mensagem é transmitida, através da linguagem. Essas três variáveis
correlacionam-se a três metafunções de linguagem, respectivamente: metafunção ideacional,
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metafunção interpessoal e metafunção textual. Ao explicitar cada uma dessas metafunções,
evidencia-se qual o papel de cada uma dessas variáveis no contexto e nota-se que elas são
indissociáveis para a construção do contexto da situação, visto que todo gênero
textual/discursivo tem uma função, estabelece uma relação entre o produtor do gênero e seu
público-alvo e é a linguagem (verbal ou não-verbal) que possibilita que se efetive as práticas
sociais.
A variável campo é responsável por apresentar qual a função de determinado gênero,
ou seja, qual fim ele é destinado, como já mencionado, faz uso da metafunção ideacional para
cumprir-se. Segundo Motta-Roth e Heberle (2005, p.15), ela tem a capacidade de “expressar o
conteúdo do texto, possibilitando, assim, ao sujeito observador tirar partido da capacidade da
linguagem de representar as experiências do mundo interior e exterior”.
Já a variável relação trata das relações existentes entre os participantes de um gênero
textual/discursivo. Cabe a ela, caracterizar os envolvidos no evento, levando em consideração
os papéis desempenhados, o grau de controle, a existência ou não de relação hierárquica e a
distância social – mínima ou máxima entre os participantes envolvidos. É através da
metafunção interpessoal, que a variável relação se realiza.
A metafunção interpessoal “expressa as interações sociais das quais o sujeito participa,
possibilitando-lhe, assim, representar ações sobre os outros dentro da realidade social e
desencadear novas ações” (MOTTA-ROTH E HEBERLE, 2005, p.15).
A terceira variável, denominada de variável modo é responsável pelo tratamento
despendido à linguagem no gênero textual/discursivo. Está relacionada a metafunção textual,
“que expressa a estrutura e o formato do texto, possibilitando, assim ao sujeito estruturar a
experiência em textos coesos e coerentes a partir do sistema da língua” (Idem: ibiden).
Essas três variáveis têm relação com os “elementos textuais opcionais e obrigatórios
do gênero formulados como uma EPG” (MOTTA-ROTH E HEBERLE, 2005, p.17). A
Estrutura Potencial do Gênero (EPG) é a materialização das variáveis campo, relação e modo.
Nota-se que o texto depende de um contexto e o contexto é determinado por conjuntos de
textos.
15
É importante explicitar que o poder construtivo apresentado anteriormente não se
dissocia das três variáreis do contexto da situação, pois é através delas que ocorrem as
manifestações lingüísticas e ideológicas capazes de construir esses três aspectos.
2.1.2 Multimodalidade
Os gêneros textuais/discursivos produzem significados e estabelecem relações através
dos textos ou discursos neles veiculados. Esses, por sua vez, materializam-se através da
linguagem, seja ela verbal ou não-verbal. Todo o arranjo visual existente no gênero, ou seja, a
diagramação, cores, figuras, tipo de papel (no caso de texto escrito) ou até como as pessoas se
comportam nos textos orais (gestos, entonação de voz, expressões faciais) chamamos de
multimodalidade.
É necessário considerar que as imagens são constitutivas em textos e não funcionam
apenas como um enfeite. Para Kress e van Leeuwen (1996, p.39), “a multimodalidade dos
textos escritos tem sido ignorada no contexto educacional, na teoria lingüística ou no senso
comum popular. Hoje, na era multimídia, pode repentinamente ser percebida de novo”.
Unindo o entendimento de Kress e van Leeuwen (1996) a respeito da relevância da
multimodalidade com o que já foi exposto sobre seu conceito de gêneros textuais/discursivos,
torna-se imprescindível levarmos em consideração a implicação discursiva que o elemento
multimodal confere ao texto verbal, ou seja como (re)constrói, (re)configura, (re)compõe,
junto com a palavra, formas de conhecimento e crenças, relações sociais e identidades ou
posições sociais.
Dionísio (2005, p.159), cita que “imagem e palavra mantêm uma relação cada vez
mais próxima, cada vez mais integrada”. Conforme Kress e van Leeuwen já explicitaram, ela
também credita essa integração ao desenvolvimento de novas tecnologias. Dionísio classifica
nossa sociedade como “cada vez mais visual” (Idem, p.160). Os textos multimodais são
“textos especialmente construídos que revelam as nossas relações com a sociedade e com o
que a sociedade representa”. (Idem: ibidem). Ela entende que tanto as ações sociais quanto os
gêneros que explicitam essas ações são multimodais, pois se desenvolvem através de “no
mínimo dois modos de representação: palavras e gestos, palavras e entonações, palavras e
imagens, palavras e tipográficas, palavras e sorrisos, palavras e animações, etc” (2005, p.160161).
16
Dos tópicos da Gramática Visual (1996) de Kress e van Leeuwen e a pesquisa de
Rigolin (2002), embasada nesses autores, serão aplicados alguns conceitos neste estudo.
Quanto à representação e interação Kress e van Leeuwen (1996) afirmam que há uma relação
entre o produtor e o espectador da imagem. Distinguem dois tipos de participantes nessa
interação: “Participantes Representados (pessoas, lugares e coisas representadas em imagens)
e Participantes Interativos (pessoas que se comunicam com outras através de imagens, os
produtores e espectadores dessas imagens)” (KRESS e van LEEUWEN, 1996, p.119).
Conforme Rigolin (2002, p.8), em seu estudo sobre Kress e van Leeuwen, na
representação e na interação é possível identificar dois tipos de imagens: a imagem de
Demanda e a imagem de Oferta. A imagem de Demanda “consiste em um olhar fixo, ou um
gesto por parte do Participante Representado, o qual solicita alguma coisa ao Espectador” e a
imagem de Oferta “oferece o participante representado ao espectador como item de
informação, como objeto de contemplação”. Para que ocorra a demanda e a oferta é
necessário que o participante representado seja humanizado e os modos de representação
sejam subjetivos1.
Outro aspecto relevante ao corpus analisado é o ângulo da imagem, que pode ser
frontal ou oblíquo. O ângulo frontal da imagem representa o ângulo do máximo
envolvimento, enquanto que o oblíquo, distanciamento. “O ângulo frontal que é o ângulo do
máximo envolvimento, imprime ao espectador uma identificação com a imagem como se ela
fizesse parte do seu mundo” (KRESS e van LEEUWEN, 1996, p.149).
Existem, segundo Kress e van Leeuwen (1996), citados por Rigolin (2002, p.9) três
princípios de composição das imagens que são visualizados pelo espectador:
1) Valor de informação: o local dos elementos (participantes e sintagmas que
relatam uns aos outros e ao Espectador) tem valores informacionais específicos
anexados às várias zonas da imagem: direita e esquerda, parte superior e parte
inferior, centro e margem.
2) Saliência: é ela que pode estabelecer uma hierarquia de importância entre os
elementos, que são feitos para atrair a atenção do espectador em diferentes graus:
1
Subjetivo difere de objetivo para Rigolin (2002, p. 8) ao apresentar um texto científico, como “construído para
ser objetivo e imparcial de acordo com os valores de nossa cultura, ele não abre espaço para tais modos de
subjetividade”. A subjetividade proporciona diversas leituras do que o espectador visualiza
17
plano de fundo ou primeiro plano, tamanho, contrastes de tons e cores, diferença de
nitidez, etc.
3) Estruturação: a presença ou ausência de planos de estruturação (realizado por
elementos que criam linhas divisórias, ou por linhas de estruturação reais)
desconecta ou conecta elementos da imagem, significando que eles pertencem ou
não ao mesmo sentido.
Outro componente importante das imagens é a cor. Segundo Dondis (2003, p.64), “a
cor está, de fato, impregnada de informação, e é uma das mais penetrantes experiências
visuais que temos em comum”. Dondis (op. cit.), também afirma que “conhecemos a cor em
termos de uma vasta categoria de significados simbólicos”. O senso comum aplica
significados as cores, eis alguns: azul – cor fria, é neutralizante nas inquietações do ser
humano; proporciona sensação de calma e recolhimento; vermelho - cor quente, estimulante,
proporciona vigor e estimula a agir diante de algum obstáculo, atrai o olhar das pessoas
e chama a atenção e também está relacionado com ardor e paixão, ferocidade, força e
sexualidade; amarelo – irradia luz, brilho, calor, vida, riqueza; verde – simboliza a
harmonia, o equilíbrio e a esperança; laranja – possui características próximas ao
vermelho, mas em menor intensidade. Apresenta entusiasmo, comunicação, movimento,
energia.
Quanto às técnicas de comunicação visual, Dondis (2003, p.139), afirma que elas
“oferecem ao designer uma grande variedade de meios para a expressão visual do conteúdo”.
Essas técnicas não excluem seus opostos, mas devem “ser sutis a ponto de comprometer a
clareza do resultado”. (Idem, p.140). Entre as técnicas existentes (equilíbrio/ instabilidade,
simetria/ assimetria, regularidade/ irregularidade, simplicidade/ complexidade, unidade/
fragmentação, economia/ profusão, minimização/ exagero, previsibilidade/ espontaneidade,
atividade/ estase, sutileza/ ousadia, neutralidade/ ênfase, entre outras) destaca-se a economia
em oposição a profusão, em que Dondis (2003, p. 146) afirma:
(a) presença de unidades mínimas de meios de comunicação visual é típica da
técnica da economia, que contrasta de muitas maneiras com seu oposto, a técnica de
profusão. A economia é uma organização visual parcimoniosa e sensata em sua
utilização dos elementos. A profusão é carregada em direção a acréscimos
discursivos infinitamente detalhados a um design básico, os quais, em termos
ideais, atenuam e embelezam através da ornamentação. A profusão é uma técnica
de enriquecimento visual associada ao poder e à riqueza, enquanto a economia é
18
visualmente fundamental e enfatiza o conservadorismo e o abrandamento do pobre
e do puro.
Os conceitos tratados serão aplicados ao corpus deste trabalho que são os gêneros
textuais/discursivos capa de revista. Em vista disso, é relevante a apresentação de informações
que perpassam a produção desse gênero enquanto integrante da mídia.
2.2 GÊNERO CAPA DE REVISTA
O gênero textual/discursivo capa de revista recebe de Heberle (2004, p.91) a seguinte
referência: “a capa funciona como uma das mais importantes propagandas da revista”. “A
publicidade é um tipo de discurso proeminente nas sociedades contemporâneas e pode revelar
muito sobre nossa sociedade e nossa psicologia.” (COOK, 1992, apud HEBERLE E JORGE,
2002, p.179). A propaganda, segundo Heberle e Jorge, tem um discurso exortativo/persuasivo.
Essa qualificação ao discurso é aplicada porque ele “tenta manipular as pessoas a comprarem
um estilo de vida além de produtos” (DYLER,1982, apud HEBERLE E JORGE, 2002,
p.179).
As autoras expõem uma importante análise sobre o papel da publicidade (2002, p.179):
considerada um gênero específico da mídia, a publicidade atua na divulgação de
uma certa instituição, um certo produto ou serviço, tentando enfatizar a importância
dos mesmos para aqueles que possam vir a consumi-los, ou utilizá-los. Para que
uma propaganda possa melhor persuadir o público, ela é geralmente formada por
um texto cuidadosamente selecionado em seus componentes lingüísticos e, na
maioria das vezes, em seus componentes visuais.
Se levarmos em consideração, por exemplo, revistas femininas, como a Bons Fluídos
(dirige-se exclusivamente para o público feminino) pode-se afirmar que elas “têm um papel
altamente importante na manutenção de valores culturais, já que constroem uma leitora ideal
que é, ao mesmo tempo, produzida e ‘aprisionada’ pelo texto” (CALDAS-COULTHARD,
2005, p.121-122). Conforme Heberle (apud CAMERON, 1995; MEURER, 1998) “revistas
femininas podem ser consideradas uma forma de auto-ajuda, uma espécie de higiene mental,
de aconselhamento (...)”. Caldas-Coulthard também afirma que “vários tipos de ideologia são
as âncoras das revistas de mulheres: a ideologia de consumo, a ideologia de conselho e a
ideologia de informação” (2005, p.124). Para a autora, “a mulher é a principal compradora de
bens e serviços na sociedade de consumo. (...) Existe, conseqüentemente, uma ideologia do
agir e do fazer” (CALDAS-COULTHARD, 2005, p. 125). Quanto à ideologia de conselho,
19
Caldas (Idem: ibiden) cita que ele é essencial “para melhorarmos em todas as esferas de nossa
vida, principalmente no nível privado”. Por fim, a ideologia de informação cita que “as
revistas enquadram eventos do mundo dando importância a alguns tópicos e não a outros”
(Idem: ibiden).
A ideologia na linguagem pode ser verificada nas capas de revistas, já que ela “leva
para o terreno do senso comum representações sobre o mundo que manifestam o interesse de
um determinado grupo ou classe social, como se fosse neutro, universal ou de interesse de
todos” (SGARBIEIRI, 2005, p.152).
Segundo Dondis (2003, p.22), “qualquer acontecimento visual é uma forma com
conteúdo, mas o conteúdo é extremamente influenciado pela importância das partes
constitutivas, como a cor, o tom, a textura, a dimensão, a proporção e suas relações
compositivas com o significado”. Quanto ao estudo das cores, Dondis cita que “existem
muitas teorias da cor” (2003, p.65) e que é possível afirmar que “a percepção da cor é o mais
emocional dos elementos específicos do processo visual, ela tem grande força e pode ser
usada com muito proveito para expressar e intensificar a informação visual” (2003, p.69).
Sabe-se que as mulheres são relacionadas ao lado emocional, enquanto os homens ao racional
e que elas têm mais atração por elementos coloridos do que seus parceiros.
Por fim, em pesquisa a internet, foram coletadas informações referentes às revistas, do
qual retirei o corpus deste trabalho – suas capas:
Uma revista para quem quer viver mais e melhor! Mas pouca gente consegue de
maneira saudável e inteligente. VIDA SIMPLES é para quem quer descomplicar o
seu dia-a-dia, transformar sua casa num lugar ainda mais tranqüilo e gostoso,
trabalhar com mais alegria, cuidar da aparência sem descuidar de essência. Assine
já!
“Bons Fluídos – para quem busca bem-estar de corpo e alma” é a revista feita para
pessoas que vêem no equilíbrio, na inteligência e na sensibilidade o melhor meio pra viver
bem”.
Após a exposição desses pressupostos teóricos faz-se aplicação em nosso corpus de
estudo.
20
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS
A metodologia empregada neste trabalho usou como referencial teórico estudiosos da
Análise Crítica do Discurso (ACD). “A ACD concebe a linguagem como prática social
(FAIRCLOUGH e WODAK, 1997, apud WODAK, 2004, p.224), e considera o contexto de
uso da linguagem como um elemento crucial” (WODAK, 2000c; BENKE, 2000, apud
WODAK, 2004, p.224). Para o lingüista inglês Fairclough (1989, apud MEURER, 2005,
p.83) a preocupação maior da ACD é “a investigação do papel da linguagem em geral na
produção, manutenção e mudança de relações sociais de poder.” As pesquisas realizadas na
ACD “se voltam especificamente para os discursos institucional, político, de gênero social, e
da mídia (no sentido mais amplo), que materializam relações mais ou menos explícitas de luta
e conflito” (Wodak, 2004, p.224).
Além do lingüista inglês citado no parágrafo anterior, fez-se referência aos trabalhos
de Kress e van Leeuwen (1996), Meurer (2002; 2005), Motta-Roth (2002; 2005), Heberle
(2002; 2004), Caldas-Coulthard (2005), Dondis (1997), entre outros.
Durante todo o texto não foi feita distinção entre gênero textual e gênero discursivo.
As capas das revistas foram consideradas como um gênero textual/discursivo2.
O corpus de estudo concentrou-se em 13 edições da revista Vida Simples e 13 da
revista Bons Fluídos, da Editora Abril. Todos os exemplares são de assinante da revista e
pertencem ao período de janeiro a dezembro de 2005. Em um ano, são editados 12
exemplares, mas, nessas revistas, o mês de dezembro é contemplado com duas edições, por
isso o estudo realizou-se em 13 edições de cada capa de revista. Na revista Vida Simples, foi
levada em consideração somente a chamada existente acima da imagem; as demais não foram
analisadas neste estudo por não terem ligação com o elemento visual. Considerou-se somente
como esses elementos abaixo da imagem estão dispostos. Além de considerações já
apresentadas na introdução, o gênero textual/discursivo, escolhido como corpus da pesquisa,
mostrou-se pertinente por ser de fácil acesso, pois mesmo que não se compre uma revista,
basta prestar atenção a uma banca de revistas e encontrar as capas dos materiais à venda; são
revistas de uma editora nacional com grande abrangência e repercussão no país; possuem
reportagens interessantes quanto a questões espirituais e comportamentais que podem ser
trabalhadas em sala de aula e não são tão conhecidas como a revista Veja e Claudia, da
2
Isto se deve à falta de consenso entre os estudiosos quanto à terminologia a empregar.
21
mesma editora. Por questões de curiosidade, sempre atentamos primeiramente para a capa de
uma revista do que para uma reportagem em especial.
Por conveniência, as capas das revistas Vida Simples foram identificadas como VS e
cada uma foi seguida por um algarismo, um número que se refere ao mês da edição, como por
exemplo:VS1 é a capa da revista Vida Simples de janeiro; VS 5 corresponde a capa da revista
Vida Simples de maio; e assim sucessivamente. O mesmo ocorreu para as capas da revista
Bons Fluídos, que seguiram a mesma numeração da revista anterior, mas foram identificadas
como BF1, BF2, etc. A quantidade de capas analisadas – 13 – é justificada porque possibilitou
apresentar a recorrência do gênero textual/discursivo capa de revista.
A pesquisa se estruturou seguindo os seguintes passos:
1) Estudo do referencial teórico;
2) Levantamento dos componentes visuais das capas de revistas;
3) Relação entre os elementos não-verbais e verbais;
4) Investigação da proposta da revista;
5) Confrontamento das capas de cada revista, com vistas à investigação das
semelhanças e diferenças existentes.
22
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Ao longo do capítulo 2, tentei deixar claro que as capas de revista são gêneros
textuais/discursivos constituídos por imagens, entendidas como textos. Para a ACD,
orientação teórica que embasa este trabalho, os textos são a materialização discursiva,
portanto, textos são discursos. Então o que proponho a seguir é uma, dentre muitas,
possibilidades de leitura e interpretação de textos/discursos, representados aqui pelo gênero
capa de revista de auto-ajuda. A interpretação busca descortinar as implicações discursivas do
gênero. Essas implicações, segundo a ACD, são trazidas à tona, nos textos, quando da
determinação da configuração contextual do gênero e dos efeitos construtivos do discurso.
Elas são apresentadas nos subtítulos que seguem esta introdução.
4.1 CAPA DA REVISTA VIDA SIMPLES:
4.1.1 Gênero textual/discursivo – elementos recorrentes
Para caracterizar a capa da revista Vida Simples como um gênero textual/discursivo
considero as seguintes características: as 13 capas possuem o nome da revista em destaque na
parte superior, logo abaixo há uma frase que aponta o público-alvo da revista (“para quem
quer viver mais e melhor”); após há o chamamento para a reportagem principal e uma
delimitação quanto ao assunto a ser tratado. Prosseguindo, há um texto não-verbal que está
relacionado com o texto-verbal anterior. Abaixo da imagem, existem dois conjuntos de
reportagens: 1) sempre constituído por três manchetes, dispostas em 3 colunas com
distanciamento igual entre elas, formadas por um título (tema) e logo após pela delimitação do
assunto; 2) o restante da revista, identificado como “mais:” em que estão dispostas manchetes
linearmente sobre diversos assuntos, conforme figura 1.
Público-alvo
Nome da revista
Chamamento para
reportagem principal
Delimitação
do assunto
Texto não-verbal
Conjunto 2 de
reportagens
Conjunto 1 de
reportagens
Figura 1 - Exemplo de capa da revista VS
23
Além dessas características, todas as capas possuem uma única cor de fundo, assim
como a fonte das letras dos textos verbais. Outros elementos identificáveis na capa são o valor
da revista, o mês e ano da publicação, o número da edição, o selo da Editora Abril e o selo de
assinante.
Como já mencionei no referencial teórico, segundo Marcuschi (2005), o gênero possui
um estilo e composição característica, conforme as particularidades apresentadas acima
referentes à capa da revista Vida Simples. De acordo com a conceituação de Meurer (2002),
para gênero textual/discursivo, a capa é um tipo específico de texto não literário, escrito, com
uma organização retórica recorrente, que possui, como será demonstrado a seguir, uma função
específica. Essa função é a variável campo que, como veremos, “realiza um tipo de atividade
socialmente aprovada” (FAIRCLOUGH, 2001 a, apud MEURER, 2005, p.81).
É possível afirmar que a capa de VS (assim como a própria revista) é produzida por
uma equipe de profissionais da comunicação subjugados a um editor, é distribuída, seja em
bancas de revistas, seja diretamente nos endereços de assinantes e, quanto ao consumo, tem-se
a investigação de qual tipo de leitor tem interesse em assuntos de auto-ajuda (relacionados a
uma vida mais agradável, próspera em sentidos espirituais e comportamentais). Mesmo que a
grande maioria das pessoas tenha a intenção de promover a auto-ajuda, não são todas que têm
condições financeiras e tempo disponível para dar atenção a uma leitura desse tipo.
Os textos que compõem a capa estão todos construídos com a fonte da mesma cor e
tipo, diferenciando-se somente o tamanho de algumas letras. O nome da revista possui fonte
em tamanho maior do que os demais textos, e a disposição do elemento principal visual
encontra-se ao centro da capa. Esta organização também pode ser vista na disposição dos
demais elementos verbais na capa. Todos possuem um lugar determinado.
O texto que remete para a reportagem principal está relacionado com o elemento
visual posto logo abaixo dele.
4.1.2 – Configuração contextual e os efeitos construtivos
Em um instante imediato, considero que a variável campo das capas das revistas Vida
Simples serve para chamar a atenção dos leitores para as idéias propostas pela revista. Mas a
constituição principal das capas desta revista (um pequeno texto relacionado a uma imagem)
24
apresenta aos leitores a reportagem principal da edição. O chamamento do leitor para a
reportagem principal da revista se estabelece através da associação entre texto e imagem nas
13 edições analisadas.
Quanto à variável relação, levo em consideração que os participantes desta prática
social e discursiva (leitura) são os leitores e o produtor da capa. Levando em consideração as
categorias de Motta-Roth e Heberle (2005), os papéis de agente são de autor e leitor; há um
grau de controle do autor em relação ao leitor, pois é esse que condiciona a leitura que este
realizará da reportagem, que é a principal, por outro lado, é importante destacar que cabe ao
leitor efetivar a auto-ajuda proposta pelo autor, pois pelos textos verbais das capas as ações
estão direcionadas aos leitores, não há uma relação hierárquica entre os participantes, pois
mesmo que o leitor seja condicionado para a leitura da reportagem principal, ele pode ou não
lê-la, a distância entre eles é considerada máxima, pois não há contato diário e direto.
A metafunção textual tem papel fundamental na capa da revista, visto que é o arranjo
entre a linguagem verbal e não-verbal (as duas são constitutivas) que produz sentido ao leitor
levando a compreensão do que encontrará na reportagem central da edição.
Na intenção de reconstruir conhecimentos e crenças, são reveladas, nas capas, várias
atitudes a serem tomadas para obter uma vida tranqüila, equilibrada, com valores espirituais e
comportamentais elevados, como: saber perdoar, valorizar os amigos, ter uma relação
saudável com o dinheiro, construir relações matrimoniais duradouras, entre outras, como será
exposto individualmente nas descrições realizadas em cada capa. Também faço menção aos
significados que as imagens centrais imputem aos leitores, estes significados devem-se a
como é visto o mundo, seja qual a interpretação dada à cor vermelha, à foto de um casal, a um
urso de pelúcia, etc.
Para representar as identidades sociais construídas, aponto para o papel crucial da capa
da revista em aconselhar os leitores. Note que, por trás da capa da revista, há a instituição de
imprensa, que tem como função principal levar ao consumo seja ele das idéias da revista que
chegam aos leitores por meio da capa da mesma ou da própria revista como produto cultural.
O produtor da capa é provavelmente um profissional da área da comunicação. Infiro isto
porque este gênero não apresenta a assinatura do produtor do texto, como acontece em uma
charge ou artigo de opinião, por exemplo, mas sei que, dentro das áreas do conhecimento, é
este o profissional encarregado para tal função. A outra identidade, a qual também possuo, a
25
do leitor da capa de VS, como consta logo abaixo ao nome da revista, é a de quem quer viver
mais e melhor. Sendo esta a identidade do receptor da capa de VS, posso atribuir outras
características que configuram sua identidade: pertence à classe social média, pois é
necessário ter um poder aquisitivo relativamente razoável (“bom”) para adquirir a revista;
também em relação a sua condição social, muitas vezes dá-se-lhe um bom nível de
escolaridade (no mínimo ensino médio) que lhe confere a habilidade de compreender a
ligação entre a imagem e o texto; não há distinção entre sexo; tanto homens como mulheres
interessam-se pelos temas abordados; têm tempo disponível para fazer esse tipo de leitura,
pois constantemente são impelidos a estar informados de assuntos econômicos, políticos e
sociais, aos espirituais cabe uma segunda colocação. Se a intenção do produtor da capa é a de
aconselhamento, é óbvio que irá apresentar conselhos muito significativos ao leitor que tem
problemas, até porque do contrário não se estabelece a prática discursiva de auto-ajuda.
As explicações acima apresentadas são recorrentes nas 13 edições da revista, portanto,
não serão novamente repetidas. Mas, será realizada a exposição da relação entre imagem e
texto das 13 edições analisadas.
As 13 capas, mês a mês, propõem soluções para os seguintes problemas enfrentados
pelo leitor (nota-se que essas dificuldades são da grande maioria da população):
-
Janeiro: diferenciar a paixão do amor e saber como cultivá-lo;
-
Fevereiro: lidar de maneira saudável com o dinheiro;
-
Março: educar os filhos de modo a construir valores morais nas crianças;
-
Abril: entender que trabalhar proporciona prazer e que é possível tirar satisfação
do trabalho diário;
-
Maio: conhecer os argumentos quanto à alimentação e entender os que defendem
uma dieta alimentar vegetariana;
-
Junho: enfrentar as dificuldades dos relacionamentos amorosos e construir um
casamento sólido e feliz diariamente;
-
Julho: descomplicar o mundo em que vivemos, mesmo lotado de informações e
atribuições;
-
Agosto: defender os objetivos sem perder a serenidade, vivendo em paz;
26
-
Setembro: apresentar como as ações individuais afetam o coletivo e que é
necessário participar politicamente de todos as esferas sociais;
-
Outubro: compreender a importância dos amigos, entendendo as mudanças que a
amizade vem passando;
-
Novembro: a partir do lado feminino que existe em todas as pessoas, é possível
usar o “sexto sentido” pra lidar com os sentimentos e viver em um mundo melhor;
-
Dezembro: os benefícios do perdão, para quem perdoa e a para quem é perdoado;
-
2ª edição de dezembro: a importância da organização na vida para atingir os
objetivos e cumprir as promessas de ano novo.
Quanto às relações sociais estabelecidas entre os participantes da interação, o produtor
geralmente ordena o leitor a participar ativamente do processo de auto-ajuda, pois se ele não
agir, o processo não acontece. Com o uso de questionamentos, caracterizações positivas do
tema a ser discutido na reportagem, verbos no imperativo, o leitor é convocado a participar. É
necessário perceber que isso se faz através de textos verbais e também com o auxílio de textos
não-verbais. As imagens têm a função de fixar no leitor o tema que está sendo discutido nas
capas. Nos parágrafos seguintes, serão apresentados tanto os elementos verbais quanto nãoverbais que possibilitam perceber esse poder construtivo tríplice, característico dos gêneros
textuais/discursivos.
Na capa da revista Vida Simples de janeiro (VS 1), há como elemento visual principal
a imagem de um regador vermelho pendurado em um gancho que, por sua vez, está preso em
uma parede de madeira. Acima da imagem, tenho os textos verbais: “O que é o amor?” e
“Saiba por que ele é diferente da paixão e aprenda a cultivar esse sentimento que traz a maior
felicidade do mundo.” O texto que vem logo acima da imagem, assim como nas demais
revistas, pode ser dividido em duas partes: 1) Frase título e 2) Delimitação do assunto, em que
fica claro como será abordada pela revista a reportagem principal da edição. Ao destacar o
verbo cultivar do texto, associo-o imediatamente ao regador que auxilia a regar flores,
ajudando no cultivo. A cor vermelha do regador sugere a cor do amor e a cor de fundo da
capa é representada por uma parede de madeira. Nota-se que esta madeira não está tratada,
polida ou invernizada, remetendo à simplicidade. Quanto ao tamanho da fonte da pergunta “O
que é o amor?” da frase título, essa é a segunda maior fonte da capa, o que atrai a atenção do
leitor (este tamanho de fonte se repete nas demais 12 edições).
27
Na VS 2, o elemento não-verbal central é uma banana amarela, cor esta predominante
em toda a capa da revista, a não ser nas letras dos textos. Esta cor remete ao ouro, e
conseqüentemente, à riqueza, e tem como reportagem central o valor do dinheiro. As palavras
do texto verbal que estão associadas à imagem da banana são dinheiro, armadilha, bolso e
preço de banana. A banana pode levar às seguintes conotações: é uma fruta gostosa, que assim
como o dinheiro proporciona coisas agradáveis; tem a casca escorregadia, que pode levar
alguém ao chão caso escorregue em uma. Isso também ocorre com o dinheiro, pois falta de
atenção com ele ou uma relação de dependência, também pode levar ao chão no sentido
figurado; é uma fruta barata remetendo a coisas de baixo valor financeiro que existem na vida
e são boas. Com o pronome de tratamento “você” utilizado no texto, o produtor confere ao
leitor a responsabilidade pelo tratamento dado ao dinheiro.
Já o texto não-verbal da VS 3 é a imagem de uma peça de brinquedo formada por uma
casinha (estrutura e telhado). O texto verbal é composto pela pergunta “Como educar as
crianças?”, que possui relação com a imagem ao lembrarmos que os brinquedos são utilizados
por crianças e servem como objeto de ensino (brinquedos educativos). A delimitação à
pergunta realizada vem logo em seguida com o seguinte texto verbal: “Parece fora de moda
falar de moral e estabelecer limites, mas a verdade é que todo mundo precisa de valores para
viver. (Se você não ajudar seus filhos a construí-los, alguém vai)”. Esse texto está produzido
para leitores que possuem filhos ou são responsáveis por crianças, imbuídos da missão de
transmitirem valores morais aos pequenos. A cor de fundo é a laranja (quase vermelho) que
serve como um alerta para a responsabilidade dos pais.
A capa da edição de abril traz a imagem de um rolo de pintura. O texto verbal é
formado por: “O lado bom do trabalho” e “Mais que uma obrigação, trabalhar pode ser um
prazer. Saiba como tirar satisfação e felicidade do que você faz (e veja com outras cores essas
preciosas horas do dia)”. A recorrência ao trabalho está evidente no texto e então se dá a
relação com a imagem, que é um objeto utilizado para o trabalho – pintar – e também por
analisar que uma parede, por exemplo, descascada fica mais bonita após uma boa pintura, que
resulta em satisfação para quem executa o trabalho. Visualizo também que a capa funciona
como uma parede, ao analisar que suas bordas ainda não estão completamente pintadas. Além
disso, a tranqüilidade expressa pela cor azul faz referência a quão prazeroso é trabalhar as
preciosas hora do dia, que geralmente, segundo as Leis trabalhistas do nosso país a quantidade
é de 8 horas diárias trabalhadas.
28
Na VS 5, tem-se uma pequena alface plantada em uma terra limpa e preta (que é a cor
de fundo da revista) e os seguintes textos verbais: “Por que ser vegetariano?” e “Comer carne
faz mal à saúde? Podemos viver só de vegetais? E, afinal, temos o direito de nos alimentar de
outros animais? Saiba separar o joio do trigo nessa salada de argumentos”. A imagem do
vegetal remete aos elementos verbais presente na chamada: vegetariano, comer, saúde,
vegetais, alimentar, joio do trigo e salada. O aspecto saudável tanto do vegetal quanto da terra
levam a entender que ser vegetariano é mais saudável do que ser carnívoro.
A capa da VS 6 possui como elemento não-verbal central uma fotografia antiga de um
casal posta em uma moldura. Acima dela, existem os seguintes textos verbais: “Felizes para
sempre” e “Viver bem é o sonho de muitos casais, mas poucos conseguem transformá-lo em
realidade. Saiba como enfrentar os desafios da convivência e construir um casamento
duradouro, dia a dia”. Esses textos relacionam-se a imagem ao sugerir que uma foto antiga
remete a um casamento duradouro, de vários anos. Noto que para isso colabora o texto
“Felizes para sempre”, frase tradicional esperada de casamentos. A cor praticamente branca
texturizada de fundo da capa identifica uma parede em que o quadro está pregado.
Na VS 7, um simples banco de madeira e uma sombra por ele produzida é a imagem
central. Os textos verbais são “Descomplique” e “O mundo parece estar complexo demais?
Anda difícil lidar com tanta informação? Pois vai continuar assim. Mas acredite: é possível
viver bem nessa confusão (puxe um banquinho que a gente diz como)”. O banco serve como
elemento que chama o leitor (homem do mundo globalizado que vive apressado e com muitas
atribuições) para, a partir da reportagem, receber a idéia proposta pela redação (“a gente”)
para conseguir viver de forma mais descomplicada em uma vida que continuará complicada.
A intenção não é transformar o padrão de vida, como sair da cidade e ir para o campo e em
meio a uma vida bucólica ter mais tranqüilidade, mas sim de modificar alguns
comportamentos externados diariamente em situações de estresse. A cor laranja remete a
coragem, vitalidade, expressa uma atitude positiva frente a vida.
Já na VS 8, é um barquinho de papel branco a imagem central e como textos verbais
têm-se: “Como viver em paz” e “Sim, é possível defender o que você quer sem perder a
serenidade. Aprenda a tocar o barco sem fazer tempestade em copo d´água”. A paz relacionase com a cor branca do barco e se pensarmos na idéia de abstração e tranqüilidade que
navegar em um mar calmo proporciona, alcançando a serenidade. O produtor da revista
29
afirma ser possível viver em paz e avisa ao leitor que irá ensiná-lo a “tocar o barco”. Há
relação hierárquica do produtor sobre o leitor, pois é o primeiro que irá instruir o segundo
nessa conquista.
Na edição de setembro, há um peão do jogo de xadrez como texto não-verbal e como
textos verbais: “Política: o que você pode fazer” e “As decisões que afetam a vida de todos
começa pela opinião de cada um. Gente comum que fez valer suas idéias ensina a participar e
a ser ouvido (na democracia, peão também ganha jogo)”. A ligação entre os dois textos se dá
quando se analisa a peça de xadrez – peão – peça simples, que engloba o povo brasileiro,
identificado como gente comum, que não é um grande empresário ou representante de algum
partido político, pode mudar o país através de seu movimento (engajamento político-social).
Cada pessoa pode realizar isso e assim nota-se que estamos todos interligados, a
responsabilidade é colocada em todos. Faz-se referência ao Brasil por constar no texto a
palavra democracia e a cor verde que é a cor de fundo da capa, também proporciona esse
entendimento, além dessa cor também significar equilíbrio (entre as pessoas e suas atitudes) e
esperança nessas atitudes.
A VS 10 possui a imagem de um ursinho de pelúcia que está colocado em cima de
uma prateleira. Os textos verbais são: “Amizade verdadeira” e “Nestes tempos cada vez mais
individualistas, os amigos ganharam importância e assumiram novos papéis. Conte com eles
(eles contam com você)”. A cor de fundo faz referência a uma parede de madeira onde está
apoiada a prateleira em que o ursinho de pelúcia está sentado. A relação entre o texto verbal e
o não-verbal se dá quando associarmos a imagem de amigo verdadeiro construída pelos ursos
de pelúcia. É realmente isto que os amigos são: verdadeiros.
A capa de novembro, diferente das anteriores não tem um objeto como centro, mas
sim, a imagem de uma simples casa com uma luz acesa na janela e os textos verbais são:
“Aprenda com as mulheres” e “Saiba usar a intuição, ouvir seus sentimentos e cuidar do que
você gosta. O lado feminino que todos nós temos pode transformar o mundo num lugar mais
suave e acolhedor”. A cor que predomina na revista é azul, visto que mesmo se tratando de
aprender com as mulheres, não se utiliza um rosa, identificador do feminino, mas sim o azul
que traz serenidade, tornando a vida mais suave e a simples casa remete a acolhimento. Ao
citar ‘todos’, a capa exclui a possibilidade da revista ser somente para um determinado
público – feminino ou masculino.
30
Na VS 12.1, um apetitoso bombom de chocolate em seu papelzinho, identifica o texto
não-verbal e como textos verbais: “O valor do perdão” e “Você é quem mais ganha quando
perdoa alguém. Entenda como é possível reencontrar a paz superando uma mágoa. E
experimente (sua vida pode ficar mais doce)”. Relacionar a imagem ao texto verbal é possível
ao identificar a palavra doce que imediatamente remete ao bombom e por conseqüência doce
pode ser perdoar alguém, e se considerarmos que ao comermos um doce sentimos satisfação
por realizar uma vontade. Ao perdoar uma pessoa há dois ganhos: para quem perdoa e para o
perdoado. A cor das letras desses textos verbais é marrom, fazendo menção com a cor do
chocolate, confirmando o quão doce é o perdão. A cor de fundo da capa é um bege claro que
pode ser associado à cor do leite condensado, o qual é utilizado na fabricação de bombons e
por também ser muito doce.
Na VS 12.2, há um calendário com a data 31 de dezembro em destaque, como texto
não-verbal. Esse calendário está pendurado em um prego, que por sua vez está preso em uma
parede. Os textos verbais são: “Como realizar seus planos” e “Sem organização fica difícil
chegar lá. Entenda por que a disciplina, na medida certa, ajuda a manter o foco nas suas
escolhas. E a cumprir, enfim, suas promessas de ano novo”. A data em destaque na imagem
refere-se ao último dia do ano que acaba apontando que nessa data todos fazem promessas e
planos. A cor vermelha é um alerta para o ano que se acaba e para as promessas feitas para o
ano seguinte. Além disso, como nessa época do ano, temos o natal, o vermelho também é
pertinente, já que simboliza as roupas do papai Noel, figura típica do mês de dezembro.
Com a descrição de todas as capas fica claro que o elemento central da capa, que é
composto por uma imagem, auxilia na construção do significado do texto verbal. As cores
utilizadas também confirmam isso. O texto não-verbal não possui um grande arranjo
ornamental, fazendo ligação ao nome da revista – Vida Simples. Através dos textos verbais
verifica-se que o leitor é o agente fundamental para modificar a sua vida para melhor e
também das pessoas que o rodeiam. O produtor da capa não banaliza a vida, não esconde os
problemas, mas apresenta atitudes simples que possibilitam alcançar o objetivo de “viver mais
e melhor”.
A respeito dos pressupostos teóricos de Kress e van Leeuwen (1996, apud Rigolin
2002, p.8) posso dizer que nas 13 capas existem participantes representados – “coisas
representadas em imagens”, mas que não há imagem de demanda, pois os elementos centrais
31
das capas não são humanizados. Todas as imagens estão em um ângulo frontal, conferido
envolvimento total com o espectador, já que elas comportam significados. Quanto ao valor de
informação, notamos que o local da informação, neste caso da imagem, é central, pois as
imagens são o núcleo da informação e o texto verbal está relacionado a ela e vice-versa.
Quanto à saliência, a hierarquia de importância se dá ao tamanho das fontes dos textos
verbais, em que a de maior tamanho é o nome da revista e logo após a frase título. A posição
do elemento não-verbal é central, o que atrai imediatamente a atenção do espectador/leitor.
Identifica-se a imagem e logo após associa-se ao texto verbal, construindo o significado
expresso pela capa. Entre a imagem e o texto verbal anterior a ela não existem planos de
estruturação, já que as duas linguagens pertencem ao mesmo campo de sentidos.
As leituras e interpretações textuais apresentadas neste capítulo apontam a recorrência
de
constituintes
das
capas
de
Vida
Simples,
confirmando-as
como
gêneros
textuais/discursivos; os diversos discursos/textos construídos com a multimodalidade e o
arranjo entre os textos (verbais e não-verbais) asseguram a proposta da revista, em ter uma
vida melhor amparada na simplicidade.
4.2 CAPA DA REVISTA BONS FLUÍDOS
4.2.1 Gênero textual/discursivo – elementos recorrentes
Para caracterizar as capas desta revista como um gênero textual discursivo, faço
menção à existência de elementos recorrentes. Os elementos recorrentes são tanto verbais
quanto não-verbais. A linguagem verbal está estruturada através de diversos textos
(chamadas) na capa sobre os mais diversos assuntos. Em todas as edições, existe muito
colorido nas capas, cada manchete possui uma cor diferente, mas uma mesma fonte.
Todas as capas possuem uma chamada que se destaca, mas que, mesmo assim, não é a
reportagem central da edição. Das 13 edições, 12 possuem mulheres como “pano de fundo”,
com exceção da edição de setembro, em que, além de uma mulher, há a presença de um
cachorro.
As manchetes da capa não possuem uma organização, são dispostas aleatoriamente,
mas nunca estão sobrepostas aos rostos que aparecem na capa. Assim, como na revista
anterior, a capa possui o selo da Editora Abril e de assinante da revista, o valor e número da
32
edição, o mês e ano da publicação. O nome da revista está acompanhado da seguinte frase:
“Bem-estar de corpo e alma”, mas a partir da edição de maio a frase sofre modificação para
“A revista do bem-estar”. Na seção a seguir cada capa será detalhada, assim como as
implicações discursivas.
Na figura 2 apresentamos todos os itens acima detalhados:
Público-alvo
Chamada-reportagem
Nome da revista
Chamada-reportagem
Chamada-reportagem
Chamada-reportagem
Chamada-reportagem –
com maior fonte
Figura 2 - Exemplo de capa da revista BF
4.2.2 Configuração contextual e os efeitos construtivos
Esta capa de revista, assim como a anterior, também, tem a intenção de vender as
idéias da revista Bons Fluídos. Mas, ao contrário de Vida Simples, Bons Fluídos têm várias
reportagens na capa, não destacando a principal. Apesar de conter uma chamada em maior
fonte, por análise ao interior da revista, não é possível afirmar a existência de uma reportagem
principal, todas ganham a mesma atenção, seja pela quantidade de páginas ou pelos
tratamentos dispensados pelos jornalistas.
Como para caracterizar um gênero, utilizam-se três variáveis, e a variável campo já
está identificada no parágrafo anterior, passo a caracterizar as outras duas: relação e modo.
A variável relação, que trata justamente da relação entre quem produz e quem recebe o
gênero, caracteriza que os participantes desta prática social e discursiva (leitura) são o
produtor da capa e os leitores. Existe entre eles, novamente, um grau de controle do autor em
33
relação ao leitor, pois é esse que condiciona as chamadas para as reportagens da revista que
merecem a atenção do leitor, não há uma relação hierárquica entre os participantes, pois
mesmo que o leitor seja condicionado para essas leituras, cabe a ele decidir lê-las ou não. Em
algumas capas, como, por exemplo, a da figura 1, é possível verificar que o produtor insere-se
a ajudar o leitor (“Nós ajudamos você a organizar idéias e fazer projetos para este ano
novinho em folha”) ou apresenta a ajuda através de outra pessoa, eximindo-se da
responsabilidade (“Um autor de muito sucesso diz (e prova) que ela pode ser criada”) e
também põe toda a responsabilidade ao leitor (“Descubra qual é o seu signo e confira as
previsões para 2005, o Ano do Galo”).
A variável modo que trata do arranjo da linguagem, desenvolve-se apresentando uma
linguagem não-verbal como constitutiva, mas com pouca referência direta à linguagem verbal,
também constitutiva. O papel dos textos verbais é apresentar ao leitor as reportagens da
revista e as imagens servem como elemento que constrói uma ideologia para o público-alvo.
Apresenta belas imagens, mulheres bonitas, saudáveis, magras, felizes, com muito colorido
em suas roupas, sendo possível associar que bons fluídos resultam em imagens dessa
caracterização. A revista tem o complemento de ser a revista do bem-estar tanto do corpo
quanto da alma, assim o corpo tem alusão às imagens e a alma a algumas (existem chamadas
direcionadas para cuidados estéticos) das chamadas de capa. Essa análise entre imagem e
texto verbal permite configurar o sistema de conhecimento e crenças.
Aos outros dois aspectos construtivos do discurso tem-se:
-
Recompondo relações sociais: as relações estabelecidas entre o produtor do
texto (tanto o verbal como o não-verbal) mostram uma informalidade ao tratar com a leitora,
como já expressa a edição de janeiro, quando em uma manchete de capa tem-se: “Está a fim
de mudar? Nós ajudamos você a organizar idéias e fazer projetos para este ano novinho em
folha” ou na BF 4: “Tudo muda. E daí? A natureza ensina a aceitar a beleza das coisas que
passam... E voltam”. Pelas imagens apresentadas, que serão posteriormente descritas, o leitor
quase sempre tem alguém que o encara e com isso ele se sente convencido a participar das
práticas sociais propostas nas capas.
-
Recompondo identidades sociais: o leitor dessa revista é identificado através da
capa da mesma como uma mulher que se preocupa com o corpo, fazendo dietas, utilizando
cremes e praticando exercício. Mas ela também quer cuidar da sua alma e de seu lado
34
espiritual, pois lê sobre os ensinamentos budistas, pratica terapias alternativas, deseja um
verão zen, consulta à astrologia e numerologia, busca o otimismo para viver, enfim é uma
mulher completa, tanto de corpo quanto mente. Como o público-alvo é feminino, conforme
confirma a chamada da BF 4: “mulheres de idades misteriosas contam como deixar a pele
linda”. As exposições a seguir apresentam a descrição individual de cada capa quanto aos
elementos verbais e não-verbais.
A BF 1 tem uma bela mulher (dentes brancos, olhos verdes, sobrancelhas feitas, pele
do rosto lisa e limpa) com os cabelos amarrados e negros. As imagens de mulher com esses
atributos de beleza são recorrentes nas demais capas, algumas vezes o que muda na
constituição física é cor e o corte de cabelo. A mulher tem o rosto apoiado nas mãos e está em
um ângulo inclinado, encarando o leitor. Na tentativa de associar alguma chamada à imagem
de bela mulher talvez ela (vagamente) possa estar relacionada à chamada “máscara de
beleza”, já que a mulher tem um belo rosto que possa ser devido a cuidados com produtos de
beleza.
Na capa de fevereiro, há uma mulher com o rosto fora do foco, pois ele é dirigido para
a sua mão esquerda que tem entre os dedos areia escorrendo. A areia sugere a chamada
“Verão Zen” e a mão pode ser associada à chamada “Reiki, johrei, passe: como acontece a
cura pelas mãos”.
A BF 3 tem uma bela mulher com cabelos presos, sorrindo, que apesar de estar de
costas para o leitor tem o olhar dirigido para ele. A cor de fundo é amarela e significa vida,
calor que pode ter relação com a chamada: “Você é quente como o fogo? Estável como a
terra? Leve como o ar? Descubra a influência das forças da natureza em seu jeito de ser”. Por
remeter ao calor essa associação apresentada pode também ser associada ao fato da modelo
estar com as costas de fora e cabelos presos, com o intuito de refrescar-se.
Na edição de abril, novamente tem-se as características físicas da bela mulher descrita
na BF 1. Mas desta vez, ela está segurando um pequeno bolo de aniversário com uma vela
acesa que faz menção a edição de aniversário da revista e associa-se a chamada “Presente!!
Bons Fluídos faz 5 anos e você ganha uma miniagenda de aniversário”.
A capa BF 5, mostra diferentemente das imagens anteriores uma mulher de corpo
inteiro. Ela está sorrindo, sentada em um sofá com o rosto novamente inclinado e apoiado em
35
um dos braços. Está em uma posição descontraída, mostrando informalidade, vestindo roupas
leves e também parece haver um ambiente ao fundo. Nesta capa visualiza-se que o nome da
revista sobrepõem-se ao rosto da modelo. Faço a seguinte inferência: o mais importante é o
nome da revista que tem letras consideravelmente grandes se comparadas com as demais
chamadas, remetendo ao que a modelo expressa – bons fluídos. Outra tentativa de fazer uma
ligação entre as linguagens pode ser associando a bela imagem à chamada “açaí, jasmim,
gengibre, sândalo. Esses ingredientes deixam as mulheres do mundo mais bonitas”.
A BF 6, seguindo a capa anterior tem uma mulher encostada em uma parede em que
aparece um pouco além de seu tronco. Em suas mãos existem belas flores e ela veste calça
jeans e uma bata de chita azul com estampa floral. Essa roupa pode fazer menção à chamada
“Junho é mês de festa – tem paixão no ar – chita na moda”.
A capa do mês seguinte - BF 7 - tem diferentemente das seis capas anteriores, uma
mulher com a imagem iniciando no lado esquerdo da capa, que está deitada em almofadas e
tem seu braço esquerdo tapando seu sorriso, mas pelo olhar é possível deduzir essa expressão
facial. Essa imagem pode esta relacionada com duas chamadas: “Confie na sua intuição –
como desenvolver mais e mais essa força que existe em você!” – pois ao associar intuição
com o sexto sentido ou como o “terceiro olho” posso compreender porque só aparecem os
olhos da mulher. E a chamada “Tudo para deixar o quarto aconchegante, o sono tranqüilo e o
amanhecer mais feliz.”, referindo-se as almofadas em que a mulher está deitada que deixam o
quarto aconchegante.
A capa de agosto - BF 8 - tem uma mulher que não está olhando para o leitor e tem o
colo tapado por rosas cor de rosas. Ela está bem maquiada e penteada, utilizando brincos de
pérola, noto que isso não aconteceu nas capas anteriores. Associo essa imagem ao texto
verbal: “Astrologia – Alegria e leveza são promessas para este semestre. Veja as previsões
para o seu signo até o fim do ano” porque me parece que a modelo está toda arrumada para o
2º semestre do ano.
A BF 9, possui um cachorro que está dentro de uma bolsa e as alças dessa bolsa são
seguradas por uma mulher. É a única capa em que não aparece o rosto da mulher e a imagem
do animal pode ser associada ao texto verbal “Independência, flexibilidade, autoconfiança. A
convivência com os bichos desperta o que há de melhor em nós”. Não há destaque nas letras
dessa chamada em questão de tamanho, visto que há uma reportagem com fonte maior, mas
36
que não é possível de ser associada à imagem, assim como é a que trata de animais. A cor rosa
que compõe a capa remete a sensibilidade feminina, que proporciona a atingir o que o texto
verbal citado informa.
A capa da revista do mês de outubro - BF 10 - tem uma mulher deitada em uma
almofada verde que está encarando o leitor. Sua expressão facial está tranqüila, relaxada e
feliz. Talvez essa imagem possa ser associada às chamadas: “SPA em casa. Tire um dia só
para se cuidar. Preparamos um plano delicioso para você ficar linda.” e/ou “Ser leve é bom
demais! Veja como.” Outra inferência feita é em relação ao colorido da capa, como possuem
várias cores, a imagem pode ter relação com a chamada: “As cores falam de você”.
A capa de novembro tem a imagem de uma mulher loira de cabelos curtos com uma
flor em sua mão direita. Essa flor tapa parte do lado direito do seu rosto. Não há nenhuma
referência verbal a flor que ela possui em sua mão. Talvez, possa-se associar a flor à chamada
“Conforto e beleza na casa atraem prosperidade para sua vida”, pois as flores são utilizadas
para embelezar as casas.
A penúltima capa analisada - BF 12.1 - tem como elemento visual uma mulher de
cabelos soltos segurando um chapéu, como se estivesse saudando o leitor, ao mesmo tempo
em que o está encarando. Também é possível inferir um saudação ao novo ano que está
chegando.
A BF 12.2 tem uma mulher deitada sobre um tapete de palha, vestindo blusa branca e
segurando flores amarelas. Relaciono essa imagem e o fundo amarelo da capa da revista ao
ano-novo que está chegando e por isso ela está relaxada esperando sua chegada. A cor branca
remete a paz e o amarelo à riqueza, já que são esses alguns dos sentimentos desejados para
um ao que se inicia. Como ela está em uma posição confortável e alegre, talvez se possa
associar isso ao texto “Vida nova – 12 atitudes simples para você conquistar auto-estima,
confiança, iniciativa, bom-humor...”
Como exposto nos parágrafos anteriores, a imagem ideal de beleza feminina e de
alegria teve pouca ligação direta com os textos verbais das capas, já que associações foram
possíveis inferências e não certezas absolutas, com exceção da BF 9. O que posso afirmar é
que há muita ligação se considerar o nome da revista e o que ele significa. As imagens
perpassam a ideologia da revista e atingem seu público-alvo, mulheres que procuram auto-
37
ajuda, mas também se interessam pela beleza externa. Remete a idéia, também, de que não há
beleza interna sem beleza externa e vice-versa.
Com os pressupostos teóricos de Kress e van Leeuwen (1996) afirmo que estas capas
de revistas possuem participantes representados que estão nas 12 capas de mulheres (exceção
à capa de setembro). Conseqüentemente também há uma imagem de demanda, pois nessas
capas o participante representado tem um olhar fixo no espectador. Quanto ao valor de
informação, a imagem ocupa toda a página, apresentando belas mulheres sorrindo, numa
atmosfera de bons fluídos. Isso se consegue associando a leitura dos textos das capas que
remetem tanto ao físico quanto ao espiritual do universo feminino. Quanto à saliência a
imagem do rosto alegre e bonito das modelos está sempre em destaque, para não
desassociarmos duas coisas: essa beleza é o resultado de Bons Fluídos e cabe ao leitor fazer
uso da revista (prática social) para atingir isso, já que está sendo encarado pelas modelos.
Quanto a estruturação, tanto imagem quanto texto verbal não se separam por linhas divisórias,
já que se complementam e pertencem ao mesmo sentido.
4.3 CONFRONTO
Esta seção apresenta como a multimodalidade se estabelece de diversos modos e
possibilita a construção de diferentes implicações discursivas (discursos/textos) nas capas das
revistas analisadas. Afirmo isso, pois, ao confrontar as capas de Vida Simples com Bons
Fluídos notei, claramente, diferenças quanto à construção dos textos verbais e não-verbais,
apesar das duas terem como intuito à auto-ajuda.
Em VS temos uma capa organizada, com uma única imagem central que faz referência
à reportagem principal; as imagens são de objetos/utensílios/alimentos simples que são do
conhecimento de todos, como um regador, um quadro, um rolo de pintura, uma fruta, um
doce, um urso de pelúcia, etc; não há rebuscamento nas imagens, elas estão apresentadas da
forma mais natural e simples possível; existe apenas uma cor de fundo que serve de apoio
para imagem central e esta cor também auxilia a construção do discurso do elemento
multimodal. É notável um arranjo simples e organizado tantos nos textos verbais quanto nos
textos não-verbais desta capa de revista. Isso se deve à proposta da revista que é de
proporcionar uma vida com qualidade de forma simples, não fazendo apelo ao materialismo e
consumismo em que o mundo globalizado se insere, não há referência ao luxo, dinheiro, bens
de consumo, etc, mas ao que a vida proporciona para todos: amor, paz, trabalho prazeroso,
38
amigos, etc. Além disso, cabe a nós, leitores de Vida Simples, através de atitudes “simples”
como cultivar o amor, saber perdoar, valorizar os amigos, alimentar-nos com qualidade, etc.,
alcançar tudo o que de bom a vida oferece. O foco de Vida Simples está em apresentar
conselhos e soluções para as questões básicas para o desenvolvimento humano, mas muito
difíceis de serem efetivadas, devido ao orgulho, à falta de tempo, à ganância, etc. A capa da
revista é um manual de auto-ajuda, solucionando ânsias, carências e dúvidas do ser humano a
quem cabe (através da leitura) encontrar a resolução, é ele que lê Vida Simples e efetiva a
auto-ajuda.
Já Bons Fluídos possui uma capa completamente contrária à Vida Simples. Como a sua
organização multimodal é oposta a da capa da revista anterior, suas implicações discursivas
também são opostas as apresentadas no parágrafo anterior. Apesar de também promover um
aconselhamento, uma auto-ajuda aos leitores, seu público-alvo é definido: mulheres, ao
contrário da outra capa, que não faz distinção entre sexos. Talvez por isso, exista muito
colorido nas capas, já que as mulheres são atraídas pelo visual. Em todas as capas, há um
elemento humano que dialoga com o leitor. Esse elemento, que é representado por belas e
felizes modelos, está, com exceção de três capas (BF 2, BF 8 e BF 9), sempre encarando o
leitor, como se o estivesse chamando para a leitura e conseqüentemente para agir como
protagonista da auto-ajuda. Em Vida Simples, também é o leitor o agente da mudança, mas
não há elemento humano nas capas e sim seres inanimados.
Bons Fluídos possui muito colorido, diversos acessórios compõem o cenário junto às
modelos, como flores, almofadas, cachorro, sofá, etc. A linguagem verbal está apresentada em
diversas cores, fontes, tamanhos e localizações. Apesar das manchetes não cobrirem os rostos
das mulheres, elas não têm um lugar definido, como possuíam as manchetes de Vida Simples.
Pelas manchetes da capa é possível deduzir que Bons Fluídos dá atenção tanto para o corpo
quanto para alma, mesmo que a delimitação da revista tenha mudado de “Bem-estar de corpo
e alma” para “A revista do bem-estar”. Ao contrário de Vida Simples, as imagens de Bons
Fluídos não têm uma posição central, pois às vezes as modelos estão do lado direito da capa,
outras vezes do esquerdo, ou estão deitadas, sentadas ou em pé. E, além disso, os seres
inanimados de Vida Simples ocupavam um pequeno espaço; já as modelos de Bons Fluídos
são apresentadas ocupando quase que toda a capa desta revista.
39
Ao atentar para as propostas das capas das revistas, também infiro que em Vida
Simples apresenta-se um estilo de vida, que leva o leitor a realizar reflexões sobre seu
comportamento, conseqüentemente ele realiza um trabalho de compreensão, ao passo que,
Bons Fluídos não produz chamadas que demandem do leitor um grande esforço para
compreendê-las, ela apresenta a informação aliada a um mínimo esforço, o que significa lazer
para o leitor. Outra ressalva a ser feita é que os elementos multimodais de Vida Simples
produziam implicações discursivas não muito amplas, ao contrário de Bons Fluídos, já que, na
própria análise desse corpus, as interpretações estavam sempre aliadas ao advérbio “talvez”,
pois a imagem sugeria diversas interpretações, ou, em algumas vezes, uma associação muita
vaga com o texto verbal. Isso, no entanto, não ocorreu em Vida Simples, pois a união entre
linguagem verbal e não-verbal para a construção dos discursos era nítida. Bons Fluídos
remete a um estilo de vida feliz em todos os aspectos (físicos, mentais, espirituais) e as
imagens sugerem ao leitor esse estilo, enquanto Vida Simples apresenta uma vida feliz,
baseada na simplicidade.
Seguindo os pressupostos de Dondis (1997) quanto às técnicas de comunicação visual,
associamos Vida Simples à economia e Bons Fluídos à profusão.
As diferenças entre as duas capas representam que cada revista “vende” a auto-ajuda
de maneira diferente e efetiva isso com arranjos multimodais também diferentes. E isso tem
implicações discursivas muito importantes, pois o leitor não está apenas comprando uma
imagem, mas uma forma de perceber a vida (discursos).
A prática discursiva e social a que Farclough faz menção se realiza nas duas capas,
pois ao se tratar do que as pessoas fazem – prática social – as duas servem para a prática da
leitura com vistas à auto-ajuda, mas apresentam esse propósito de modos diferentes e
conseqüentemente para leitores diferentes, implicando a prática discursiva que envolve
produção, distribuição e consumo do gênero textual/discursivo.
40
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise das capas das revistas, para um leigo em estudos lingüísticos, pode parecer
algo trivial, sem importância ou significado. Eis então uma lacuna na interpretação das
linguagens (verbal e não-verbal), que acaba por gerar leitores sem criticidade, que compram
revistas apenas por consumismo ou por elas terem uma capa atrativa. Se os leitores fossem
críticos, poderiam compreender o real papel da capa da revista, que é de promover o consumo
e a venda de idéias.
Neste trabalho, apresentei como os elementos multimodais são capazes de produzir
significado nos textos e o quão rico de discursos constitui-se o gênero textual/discursivo capa
de revista.
Em Vida Simples, várias possíveis interpretações aliadas a referenciais teóricos foram
realizadas na questão de cores, da representação da imagem, como assim também realizou-se
nas capas de Bons Fluídos. Essas análises apresentaram como é possível construir diversos
discursos alterando as imagens (principalmente) e as chamadas de capa de uma revista. As
diferenças multimodais deixam claro que, enquanto uma capa de revista vende a imagem
comportamental, a outra promove a auto-ajuda através do bem-estar físico e espiritual.
Asseguro isso citando que “a capa funciona como uma espécie de lente interpretativa da
edição: o título da revista, os tons, as cores, as imagens de beleza e sucesso servem para
posicionar as leitoras favoravelmente ao conteúdo da revista” (McCRACKEN, 1993, apud
HEBERLE, 2004, p. 102).
Como toda imagem possui um significado, ou seja, algum campo a cumprir, é possível
realizar um trabalho de ensino com os textos não-verbais. Trabalho diferente do hoje
realizado na maioria das escolas, já que não basta apenas identificar imagens, mas ler e
interpretá-las para compreender suas implicações discursivas. E também é possível construir
uma rede de sentidos se for levada em consideração a união da linguagem verbal com a nãoverbal.
O jogo de sedução do texto publicitário oferece diversos significados e os professores
necessitam saber explorá-los para então qualificar sua prática docente. Importante observar
que, além do ensino da língua portuguesa, o professor, com o auxílio das capas de Vida
Simples, pode trabalhar questões comportamentais com alunos, tendo em vista a formação de
41
um cidadão que cresce tanto em conhecimento quanto em valores. Quanto a Bons Fluídos,
também pode-se levar em consideração a diversidade em que se constrói um ser humano feliz
e confrontar qual o estilo de vida é mais útil a ser seguido, o de Vida Simples ou de Bons
Fluídos.
Acredito que, com esse estudo, disponibilize-se subsídios para professores de língua
portuguesa qualificarem sua formação quanto ao papel constitutivo da linguagem não-verbal.
Assim, será possível orientar seus alunos para a compreensão das relações entre imagem e
texto verbal. Esse suporte tem como intenção apresentar como é rico o trabalho com imagens
e sustentar o que os PCNs preconizam quanto a trabalhar com diversas linguagens e enfatizar
também a importância dos gêneros textuais/discursivos no ensino, pois é através desses
pontos que os alunos utilizam a língua para agir em situações sócio-comunicativas.
O discurso como forma de ação social também aponta aos professores que é possível
identificar as relações entre quem produz e quem consome determinado gênero, como é
possível reconstruir identidades e sistemas de conhecimentos e crenças. É através da
linguagem que nos mostramos ao mundo e interagimos com ele
Hoje, era da tecnologia, é preciso reconhecer a importância do ensino voltado para o
estudo (leitura e interpretação) dos elementos multimodais nos gêneros textuais/discursivos e
compreender que são as diversas linguagens que possibilitam, no ambiente escolar, a
construção de leitores críticos do que vêem ou lêem. Assim será possível efetivar, com
qualidade e habilidade, práticas discursivas, interagindo através das diversas práticas sócias
que fazemos diariamente.
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BONS FLUÍDOS. São Paulo: Editora Abril, n. 68, jan. 2005.
BONS FLUÍDOS. São Paulo: Editora Abril, n. 69, fev. 2005.
BONS FLUÍDOS. São Paulo: Editora Abril, n. 70, mar. 2005.
BONS FLUÍDOS. São Paulo: Editora Abril, n. 71, abr. 2005.
BONS FLUÍDOS. São Paulo: Editora Abril, n. 72, maio. 2005.
BONS FLUÍDOS. São Paulo: Editora Abril, n. 73, jun. 2005.
BONS FLUÍDOS. São Paulo: Editora Abril, n. 74, jul. 2005.
BONS FLUÍDOS. São Paulo: Editora Abril, n. 75, ago. 2005.
BONS FLUÍDOS. São Paulo: Editora Abril, n. 76, set. 2005.
BONS FLUÍDOS. São Paulo: Editora Abril, n. 77, out. 2005.
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BONS FLUÍDOS. São Paulo: Editora Abril, n. 79, dez. 2005.
BONS FLUÍDOS. São Paulo: Editora Abril, n. 80, dez. 2005. Edição Especial
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VIDA SIMPLES. São Paulo: Editora Abril, Edição 32, set. 2005.
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VIDA SIMPLES. São Paulo: Editora Abril, Edição 34, nov. 2005.
VIDA SIMPLES. São Paulo: Editora Abril, Edição 35, dez. 2005.
VIDA SIMPLES. São Paulo: Editora Abril, Edição 36, dez. 2005. Edição Especial
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Janaina Carvalho Ferreira A MULTIMODALIDADE EM