PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) #nãovaitercopa: A Expressão Identitária por meio do Instagram1 Pietro Giuliboni Nemr Coelho2 Mestrando do PPGCom-ESPM Resumo Neste artigo, refletimos sobre a formação de identidade do ponto de vista da utilização da hashtag #nãovaitercopa no Instagram, aplicativo para smartphones. Após coleta de imagens em websites de monitoramento como o Iconosquare, realizamos uma análise contextual e discutimos os processos que envolvem essa prática digital e como eles se relacionam dentro do ambiente físico das manifestações e protestos que vêm ocorrendo no território nacional desde o primeiro semestre de 2013, tendo como base teórica autores como Stuart Hall, Roger Silverstone, Lúcia Santaella, Iuri Lotman, Erving Goffman, Arjun Appadurai e Edgar Morin, abordando os conceitos de mercadoria, desvios, consumo, identidade e fachadas pessoais. Palavras-chave: identidade; consumo; hashtag; comunicação; mercadoria. O termo hashtag, muito utilizado em websites de mídias sociais, como o Twitter e o Facebook, representa a união de uma frase ou palavra-chave (tags) e o sinal gráfico de uma cerquilha (#), com o objetivo de categorizar e organizar mensagens pertencentes a um determinado assunto ou tópico 3 . Atualmente, a utilização de hashtags é uma prática frequente atualmente, sendo aproveitada para a realização de campanhas publicitárias, mensagens humorísticas, e até mesmo mobilizações de cunho social/político; ao analisar sua utilização como uma forma de troca de informações e tópicos entre usuários e empresas, pode-se inserir as hashtags em uma categoria de mercadoria, partindo de sua definição como sendo “qualquer 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho COMUNICAÇÃO E CONSUMO: materialidades e representações da cidadania, do 4º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 08, 09 e 10 de outubro de 2014. 2 Aluno do Curso de Mestrado do PPGCom-ESPM, email: [email protected] 2 Aluno do Curso de Mestrado do PPGCom-ESPM, email: [email protected] 3 Dicionário Oxford. Disponível em: <http://www.oxforddictionaries.com/definition/english/hashtag>. 3 Dicionário Oxford. Disponível em: <http://www.oxforddictionaries.com/definition/english/hashtag>. Último acesso em 26 de maio de 2014. 1 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) coisa destinada à troca” (APPADURAI, 2010, p.22), e que possui um valor dentro do ambiente digital, que pode ser tanto social, ao mobilizar um grupo de indivíduos para determinada causa, quanto econômico, ao ser utilizado por alguma empresa ou marca para a divulgação de determinado produto ou a elaboração de alguma campanha que lhe trará retorno financeiro. Neste artigo, o foco é utilização de hashtags em mobilizações de cunho social/político dentro do território nacional, prática que vem acontecendo com frequência principalmente desde o primeiro semestre de 2013, quando o reajuste das tarifas de transporte público em R$0,20, o que causou revoltas e protestos por parte da população nas principais capitais do país, que reivindicavam o retorno ao preço normal e maiores investimentos em setores como saúde, segurança e educação. A série de protestos, marcada por vandalismos, violência e a formação de Black blocs4, deu origem a uma série de frases, apoiadas por hashtags, e que logo passaram a fazer parte do cotidiano brasileiro, ganhando forças e expandindo-se para outros países, divulgando o que estava ocorrendo no Brasil. As frases #vemprarua 5 e #nãosãosó20centavos rapidamente se espalharam pelas redes sociais, dando origem a vídeos, fotos, cartazes e gritos de guerra que, de certa forma, pressionaram as autoridades à reverem o reajuste do preço da passagem dos ônibus. As manifestações, que marcaram o primeiro semestre de 2013, continuaram mesmo após o retorno das tarifas ao preço normal, uma vez que deu voz aos grupos de protesto para reivindicarem maiores investimentos nas áreas públicas, como já foi citado, e para expor o descontentamento com alguns políticos que governam o país atualmente; tais episódios deram origem a uma nova frase, que logo foi difundida pelo mundo todo, divulgando o protesto de grupos de brasileiros contra um dos 4 Tática de ação direta, de corte anarquista, empreendida por grupos de afinidade, que se reúnem, mascarados e vestidos de preto, para protestar em manifestações de rua, utilizando-se da propaganda pela ação para desafiar a ordem ideológica, econômica e política que constitui uma sociedade ou um Estado. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Black_bloc>. Último acesso em 26 de maio de 2014. 5 #vemprarua foi, e ainda é, a principal representante dos protestos e manifestações que ocorrem no território nacional desde 2013. Para saber mais <http://vemprarua.org/>. 2 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) maiores eventos esportivos do mundo, a Copa do Mundo da FIFA, que ocorre nos meses de junho/julho de 2014, e que demandou investimentos na construção de estádios e melhoras da infraestrutura das cidades-sede dos jogos, como era de se esperar, desviando verbas das áreas defendidas pelos protestantes. O repúdio por essas despesas deu origem à frase #nãovaitercopa, que será analisada neste artigo, uma vez que acaba contradizendo o conceito tradicional de “País do Futebol”, ao mesmo tempo em que permite aos envolvidos em seu uso definirem uma identidade A hashtag #nãovaitercopa nos leva a uma discussão sobre sua utilização e as eventuais transformações de identidade nos usuários do Instagram que a utilizam, que passam a adotar uma posição dentro do contexto das manifestações e protestos que ocorrem no território nacional. Partindo deste princípio, a hashtag será analisada dentro do ambiente digital, mais especificamente dentro do aplicativo (encurtado para app) social Instagram6. Para a análise tomamos os períodos de 17 de junho a 01 de julho de 2013, as 2 primeiras semanas em que a frase começou a aparecer dentro do aplicativo, e 12 a 26 de maio de 2014, 2 semanas recentes durante a elaboração deste artigo, com o intuito de verificar as mudanças de utilização que podem ter ocorrido e a relação disso com a formação de identidade dos usuários. Para auxiliar nesse processo, será consultado o site Iconosquare7, que permite a busca de todas as ocorrências da hashtag durante os períodos estipulados, bem como a consulta de cada foto. A partir dessa coleta de dados, será feita uma análise à luz das teorias da comunicação e mídia, com autores como Lúcia Santaella, Roger Silverstone, Erving Goffman, entre outros. Nesta discussão, reconhecemos o ambiente digital do Instagram como semiosfera (LOTMAN, 1996), um espaço semiótico fechado e abstrato necessário para o funcionamento da cultura, composto por um sistema de signos dinâmicos que 6 Aplicativo para smartphones que permite o compartilhamento de fotos nas redes sociais dos usuários, utilizando filtros, hashtags, e outros artifícios para personalizarem as imagens. 7 Website/ferramenta de monitoramento do app Instagram, que permite ao usuário verificar estatísticas de engajamento, promover seu perfil e suas fotos, realizar buscas por hashtags e usuários, e criar relatórios de performance. < http://iconosquare.com> 3 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) se comunicam dialogicamente e de maneira interdependente. Aqui são analisados os sistemas verbais e imagéticos típicos do aplicativo, acessados por meio de um sistema audiovisual (smartphones), se misturam e compõem novas semânticas (relações entre os signos e o que eles significam), pragmáticas (relações dos signos com seus usuários) e sintaxes (relações entre os signos) (NUNES, 2010, p.18), que serão analisados neste artigo. O objetivo é observar se há relação entre as práticas adotadas dentro do ambiente digital analisado e a formação de uma identidade nacional dos usuários do aplicativo. Tal observação nos permitirá refletir sobre a força que os aplicativos sociais eventualmente possuam frente às práticas adotadas pelas pessoas que os utilizam no ambiente off-line, contribuindo para discussões sobre a importância das redes sociais dentro da educação e formação de cidadãos, bem como a de mobilização social. Identidade, espaços, filtros e hashtags A utilização de filtros e hashtags dentro do Instagram permite aos usuários a personalização de suas fotos e a exposição de suas ideias (no caso das frases e/ou palavras escolhidas na descrição de cada foto), fatores estes que contribuem para a formação da identidade de cada um deles dentro desse ambiente digital. Para entender melhor o conceito de identidade aqui trabalhado, retomamos a evolução do conceito ao longo dos anos a partir de Stuart Hall (2011), passando de algo completamente individual, que nascia com o indivíduo e ia se desenvolvendo com ele, para uma relação com outras pessoas e suas respectivas culturas, as quais o sujeito entrava em contato, em diálogo com a sociedade; chegando enfim ao sujeito pós-moderno: (...) o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração móvel”, formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. (...) O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. (HALL, Stuart, 2011, p.13) 4 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) Esse conceito de identidade do sujeito pós-moderno é adequado para a discussão proposta, principalmente quando se fala sobre o ambiente digital e as diversas comunidades que ele agrega, com as redes sociais, que permitem ao sujeito participar em grupos de temáticas diversas, de acordo com seus gostos e interesses. No caso do Instagram, ao adotar uma hashtag, o usuário assume uma posição dentro de determinado contexto, criando uma identidade dentro daquele ambiente, que pode ser transportada para o mundo físico, no caso dos protestos contra a Copa do Mundo, por exemplo. Se pensarmos na identidade brasileira como um todo, em seu contexto histórico, observaremos que ela sofreu alterações conforme mudanças políticas, econômicas e sociais foram ocorrendo, além da colonização por diferentes povos, o que ocasionou na formação de um país de inúmeras identidades, que se encaixam em diferentes contextos, por assim dizer (LUCAS, Fábio, 2002). No caso da hashtag #nãovaitercopa, ela auxilia na formação da identidade daqueles que a utilizam e apoiam, e vai contra uma identidade nacional muito divulgada ao redor do mundo, que vê o Brasil como sendo “o país do futebol”. Ainda nessa discussão sobre a identidade do sujeito pós-moderno, pode-se citar o conceito de espaços citado por Lúcia Santaella (2010), segundo o qual as tecnologias móveis, como os celulares e smartphones permitiram o redimensionamento dos lugares, fazendo com que o sujeito possa ocupar vários lugares: Com o telefone celular, uma pessoa ganha o dom da ubiquidade, podendo estar em dois lugares ao mesmo tempo, e ambos vão para um segundo plano para favorecer um terceiro lugar, o espaço comunicacional que, nesse caso, coloca as pessoas em uma situação de presença ausente (...), significando que elas estão presentes e, ao mesmo tempo, não estão. (SANTAELLA, 2010, p.102) Partindo deste princípio, o usuário de um smartphone que se utiliza do Instagram pode atuar em diferentes frentes, em diferentes discussões, de um mesmo local, adotando diferentes identidades características daquele lugar: 5 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) Não mais contidos dentro de sua fisicalidade, lugares estão carregados de identidades humanas e culturais que se relacionam com aquelas dos espaços, ou seja, das áreas que estão fora dos lugares específicos. Essa interação vai muito além de contextos físicos, na medida em que o espaço providencia o contexto para os lugares, mas deriva seus significados de lugares particulares. (RELPH, 1976, p.8 apud SANTAELLA, 2010, p.104) Com base nesses conceitos, pode-se afirmar que, quando o usuário se utiliza da hashtag #nãovaitercopa, além de indicar um apoio à causa, faz com que ele assuma uma identidade dentro daquele contexto, podendo assumir outras fora daquele momento. #nãovaitercopa: simbolismos e representações Ao realizar uma busca pela hashtag #nãovaitercopa dentro do Iconosquare, percebe-se logo de início a força que a frase possui junto a seus usuários, que já compartilharam 4.119 fotos entre 17 de junho de 2013 até 26 de maio de 2014, com temáticas e tratamentos variados sobre o assunto. A partir de uma seleção destas 4.119 fotos, nas duas primeiras semanas em que a frase foi divulgada, observamos 33 fotos que retratam o período das manifestações já citadas neste artigo, com imagens de cartazes, rostos pintados e frases de protesto e reivindicações por melhores condições de vida no país, sempre acompanhadas da frase analisada e, em alguns casos, de frases pertencentes ao mesmo contexto. A fim de realizar uma análise mais específica e detalhada, selecionamos algumas das 33 imagens e a partir das mesmas observamos elementos comuns, tendo como base a análise visual proposta por Iqani (2012), levando em consideração as cores, formas e outros elementos gráficos utilizados, e também a análise de discurso proposta por Orlandi (2007) nos casos em que houverem frases dentro das fotos. Destas 33 imagens a princípio selecionadas, analisamos apenas cinco fotos por uma questão de espaço e tempo dentro dos limites deste artigo, o que foi feito sem prejuízo para as interpretações e considerações finais decorrentes, pois as imagens analisadas 6 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) apresentam características de composição e presença de elementos representativa das 33 inicialmente coletadas. Figura 1: imagens coletadas durante as 2 primeiras semanas em que a hashtag #nãovaitercopa foi utilizada. Fonte: Iconosquare Na Figura 1 temos três exemplos das imagens coletadas. Nelas podemos observar alguns elementos comuns, como a bandeira do Brasil, máscaras, cartazes, objetos usados pela polícia, como cápsulas de gás lacrimogênio, entre outros. A 7 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) bandeira é utilizada como um símbolo de paz e patriotismo, de uma luta por uma vida e um país melhor, sinalizando que os manifestantes buscam condições melhores de vida via o exercício de seus papéis como cidadãos, apropriando-se coletivamente de bens materiais e simbólicos e assumindo uma identidade dentro da comunidade através do consumo (GARCIA CANCLINI, 1995), lutando por aquilo que acreditam ser o melhor. No entanto, entendemos que há uma contradição com relação a isso, uma vez que em uma delas pode-se observar uma mancha de sangue próxima à frase “Ordem e Progresso”, o que acaba retomando o verdadeiro significado por trás da frase presente na bandeira, aonde o termo “Ordem” representa o conceito de repressão8, fato esse que pode ser desconhecido aos manifestantes, que se apoiam equivocadamente nos dizeres para buscar melhores condições sem o uso da violência. Vemos também uma cápsula de gás lacrimogênio, uma máscara de gás quebrada e um lenço “com cheiro de vinagre”, como informado na legenda da foto. Nas outras observamos manifestantes vestidos com a bandeira e, ao fundo, cenas de violência e vandalismo, representadas pela chegada da tropa de choque e por entulhos cobertos em chamas. Ao analisarmos esse contexto, identificamos a contradição das manifestações representadas nas imagens por parte dos manifestantes, que esperam buscar condições melhores para o país e a vida em sociedade mantendo a ordem, mesmo na forma de uma manifestação. No entanto, como se observa nos exemplos e no que foi noticiado ao longo das manifestações, isso não ocorre, sendo um local de violência, vandalismo e opressão; claro que observamos apenas o lado dos manifestantes autores das fotos, não sendo possível observar o cenário como um todo, mas é essa visão que as imagens acabam transmitindo. 8 “Ordem e Progresso” é uma expressão que é lema politico do positivismo, cunhada sob a ideologia do filósofo francês Auguste Comte. No Brasil, ela possui um aspecto altamente conservador, colocando a “Ordem” em um patamar de menor importância para conseguir-‐se atingir o “Progresso”. < http://mundoestranho.abril.com.br/materia/de-‐onde-‐vem-‐a-‐expressao-‐ordem-‐e-‐progresso> Último acesso em 17 de julho de 2014. 8 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) Uma das imagens mostra um cartaz com os dizeres “Estamos atrapalhando a Copa? Desculpe a falta de Educação.”. Aqui atentamos para o jogo de palavras nesse caso, uma vez em que a palavra “educação” representa tanto a questão da etiqueta, do bom convívio, quanto a definição como ensino, o aprendizado e, adentrando o contexto das manifestações, as condições oferecidas para tal no país. Essa dualidade é proposital, uma vez que uma das reivindicações dos manifestantes é por maiores investimentos no setor educacional, construção de escolas e melhorias de ensino. Sendo assim, ao realizar uma manifestação contra um evento esportivo de grande porte como é a Copa do Mundo, os manifestantes pedem desculpa pela falta de consideração com as outras pessoas que ocupam aquele mesmo espaço e ainda conseguem remeter ao seus objetivos. Figura 2: imagens coletadas durante as 2 primeiras semanas em que a hashtag #nãovaitercopa foi utilizada. Fonte: Iconosquare 9 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) Na figura 2, temos duas fotos. Em uma delas temos dois jovens segurando um cartaz, um deles exibe a máscara de Guy Fawkes9, que ficou mundialmente conhecido ao ser considerado símbolo da revolta e da anarquia no filme “V de Vingança”, quando utilizada pelo personagem principal, um defensor da liberdade com atitudes terroristas para deixar sua verdadeira identidade em segredo. Esta máscara virou símbolo de manifestações, não só no Brasil como no mundo todo, e deu origem a comunidades de manifestantes como o Anonymous10, logo, o simples aparecimento deste acessório já traz consigo um significado dentro desse contexto. As duas imagens apresentam cartazes com frases que não deixam dúvidas quanto ao objetivo de seus portadores. Uma delas é: “Não vai ter Copa”, indicando explicitamente a rejeição à realização da Copa do Mundo da FIFA no Brasil em 2014, tendo em vista os altos investimentos na construção e reforma de estádios esportivos em detrimento dos setores de saúde, educação e segurança. A frase, que compõe a hashtag objeto deste artigo, aparece como um mote às manifestações, e a utilização do termo “não vai ter” simula uma certeza, como se os manifestantes estivessem seguros de que suas ações terão forças para cancelar o evento mundial. Na outra imagem temos um cartaz com a frase “Mas virá o dia em que a verdade vai surgir, nem bandido e nem polícia. Será o dia do alívio”, em referência à letra da música “Dia do Alívio”, da banda de punk rock brasileira Forfun, que diz “Mas virá o dia em que a verdade vai surgir, nem alegria e nem tristeza. Será o dia do alívio”. Ao utilizar o trecho de uma música conhecida pelo público jovem, que compõe grande parte dos grupos que participam das manifestações, a frase ganha mais poder de impacto, por ser de fácil reconhecimento, promovendo identificação quase imediata. Também, ao modificar o trecho original (trechos em negrito), os 9 Soldado inglês católico que participou no movimento que ficou conhecido como a “Conspiração da Pólvora”, na qual se pretendia assassinar o rei protestante Jaime I e os membros do Parlamento Inglês em 1605. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Guy_Fawkes> Último acesso em 17 de julho de 2014. 10 Comunidade online descentralizada, originada em 2003, que atua de forma anônima e coordenada para promover a liberdade na internet e a liberdade de expressão. Um de seus símbolos é a máscara de Guy Fawkes, utilizada por seus membros em vídeos e em manifestações ao redor do mundo. <http://en.wikipedia.org/wiki/Anonymous_%28group%29> Último acesso em 13 de Julho de 2014. 10 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) autores do cartaz fazem referência ao contexto das manifestações, mostrando a violência, e de certa forma alertando para que seja evitada, seja por parte dos bandidos ou da polícia, uma vez que sua prática (da violência) impede o “alívio” das pessoas. Fazendo uma retrospectiva das manifestações que ocorreram no Brasil em 2013, e verificando a ocorrência de atos violentos e de vandalismo, podemos inferir que por meio da frase em questão querem ressaltar que a intenção não é “ser violento”, não é provocar ocorrências, mas sim transmitir a idéia, e o ideal, de ter forças o bastante para provocar mudanças, e no dia em que isso acontecer, estaremos “aliviados” de tudo que nos incomoda: corrupção, exclusão, repressão. Ao divulgar seu envolvimento com uma causa ou evento por meio do Instagram, seus usuários selecionam diferentes símbolos e signos para construir representações daquilo que desejam transmitir a outras pessoas, que podem ou não fazer parte daquele contexto (LEROI-GOURHAN, s/d). Por meio dessa união visual e verbal, os usuários pretendem passar uma mensagem e fixar uma imagem na mente daqueles que a ela tiverem acesso e/ou interesse, possibilitando que esses, por sua vez, divulguem a mensagem recebida, ressignificando-a: (...) a imagem possui uma liberdade dimensional que a escrita nunca terá: pode desencadear uma processo verbal que terminará na recitação de um mito, a que a imagem não está directamente ligada, e cujo contexto desaparece com o recitador. (LEROI-GOURHAN, s/d, p.195) É esse tipo de pensamento simbólico explicitado por Leroi-Gourhan na citação acima que vai se constituir no imaginário por meio do qual o homem se guia em suas emoções, partindo de uma cultura, por meio de “trocas mentais de projeção e de identificação polarizadas nos símbolos, mitos e imagens” (MORIN, 2002, p.15), tendo em vista que “uma cultura fornece pontos de apoio imaginários à vida prática, pontos de apoio práticos à vida imaginária [...]” (MORIN, 2002, p.15). Isso faz com que ele consiga realizar determinados objetivos, como divulgar as manifestações ou a frase contra a Copa, por exemplo (MORIN, 1973). Nas imagens analisadas, percebese a utilização de símbolos e elementos característicos das manifestações que 11 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) ocorreram no ano de 2013 e do país, como as cores presentes na bandeira, cartazes com frases contra a corrupção, entre outros elementos, utilizados com o intuito de criar uma representação dos eventos que ocorriam no momento em que as fotos foram tiradas, passando uma idéia de cidadania e de comprometimento à pátria nacional: Uma vez obtido o equipamento conveniente de sinais e adquirida familiaridade na sua manipulação, este equipamento pode ser usado para embelezar e iluminar com estilo social favorável as representações diárias do indivíduo. (GOFFMAN, 2001, p.41) Essa representação é característica do aplicativo como um todo, e não apenas de um evento como o #nãovaitercopa; os usuários do Instagram muitas vezes acabam por montar uma fachada com inúmeras representações, que os caracterizam dentro de determinados estilos de vida, posições políticas, dando à eles liberdade de expressarem ideais que podem recear viver no mundo físico. Isso pode ser observado principalmente em perfis de movimentos e causas sociais, nos quais fotos de outros usuários são reaproveitadas para gerar conteúdo dentro de determinado perfil. “Se um indivíduo tem que dar expressão a padrões ideais na representação, então terá de abandonar ou esconder ações que não sejam compatíveis com eles.” (GOFFMAN, 2001, p.46) Ao consumir e compartilhar as imagens e as hashtags presentes nas legendas, o usuário do Instagram acaba se integrando àquele contexto, mostrando seu apoio, participando de um movimento maior. Quando o usuário compartilha uma foto no aplicativo se utilizando da hashtag #nãovaitercopa, ele pode acabar transmitindo a idéia de que está a par dos acontecimentos, e que, da mesma maneira que os grupos de protesto e outros manifestantes, apoia a causa e se identifica com os ideais defendidos. É esse processo de consumo das imagens que acaba realizando uma integração entre os sujeitos: O consumo foi, talvez ainda seja, e necessariamente, uma atividade social. Não estamos preocupados apenas com nossa capacidade de exibir os produtos de nossa habilidade como consumidores competentes, mas também parecemos estar preocupados com o processo de consumo como algo que desejamos partilhar e que propicia um momento de sociabilidade numa vida, em outros aspectos, solitária. (SILVERSTONE, 2005, p.158) 12 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) Considerações Finais Em um processo que propicia a sociabilidade, o usuário do Instagram acaba realizando um trabalho de engajamento com outros, por meio do compartilhamento das fotos em outras redes sociais como o Facebook e Twitter, ou dentro do próprio aplicativo. Essa ação pode fornecer um valor maior àquela mensagem que está sendo transmitida, dando-lhe maior visibilidade; o mesmo ocorre no sentido contrário, quando o sujeito é impactado por uma foto e/ou mensagem de outro usuário dentro de seu perfil nas redes sociais. “Os espaços do engajamento com a mídia, da experiência da mídia, são tanto reais como simbólicos” (SILVERSTONE, 2005, p.161), uma vez que dão maior valor a uma determinada mensagem dependendo do local aonde ela é transmitida (Ex: alguma página do Facebook com muitos visitantes, ou algum perfil famoso no Twitter, entre outros). Ao levar em consideração a rápida troca de informações propiciada pelas redes sociais e pelo ambiente digital em si, o usuário acaba optando por esse viés para divulgar suas mensagens, tendo como apoio a mídia tradicional que realiza a cobertura das manifestações que ocorreram no Brasil desde o primeiro semestre de 2013, podendo alçar suas imagens e mensagens a um grau maior de importância e relevância. Compartilhando as fotos em um momento-chave, quando o tema de discussão midiático gira em torno do universo das manifestações e do evento da Copa do Mundo da FIFA, as chances das imagens, e das mensagens nelas contidas, atingirem um número maior de pessoas podem ser maiores. Pode-se dizer que, ao realizar a seleção dos objetos e elementos que irão compor as fotos, os usuários do Instagram, bem como os próprios participantes das manifestações retratados nas imagens, conscientemente ou não, transmitem seus ideais por meio de uma linguagem que vai se constituir dos signos que circulam em seus cotidianos, como letras de músicas, pinturas, entre outros elementos, o que pode fazer realçar a mensagem que desejam passar para os outros participantes da mesma faixa etária, círculo social, contexto regional. No momento da captura de imagens, 13 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) bem como do compartilhamento dentro do Instagram, a composição dos elementos é o que fortalece a mensagem, sendo amparada pela hashtag analisada para situá-la dentro de um grupo de imagens do mesmo universo. A utilização da hashtag #nãovaitercopa apresenta indícios de uma influência na formação da identidade nacional de seus usuários. Através de um apelo visual e verbal, os usuários podem conseguir uma maior visibilidade ao compartilharem suas fotos por meio do Instagram e outras redes sociais, possibilitando até que indivíduos que não façam parte do contexto mais próximo de quem compartilha sejam atingidos pela visualização das imagens em seus respectivos perfis digitais. Referências APPADURAI, Arjun. Introdução: mercadorias e a política de valor. In: _______________. A vida social das coisas: a mercadoria sob uma perspectiva cultural. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2010. GARCIA CANCLINI, Nestor. Consumidores e cidadãos - conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995. GOFFMAN, Erving. Representações. In:_____________. A representação do eu na vida cotidiana. 9a edição. São Paulo: Vozes, 2001. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11a edição. Rio de Janeiro: DP&A, 2011 IQANI, Mehita. Consumer culture and the media - magazines in the public eye. 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