0
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS
UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLÓGICAS
CURSO DE FARMÁCIA
TUANNY DE CÁSSIA DIAS ASSUNÇÃO
FARMACOGENÉTICA E FARMACOGENÔMICA COMO
TRATAMENTO AUXILIAR DO TABAGISMO
Anápolis
2015
1
TUANNY DE CÁSSIA DIAS ASSUNÇÃO
FARMACOGENÉTICA E FARMACOGENÔMICA COMO TRATAMENTO
AUXILIAR DO TABAGISMO
Trabalho
de
Conclusão
de
Curso
apresentado à Coordenação do Curso
de Farmácia da Universidade Estadual
de
Goiás
como
requisito
parcial
necessário à obtenção do título de
Bacharel em Farmácia.
Orientadora: Profa. Me. Fabiana Gonçalves dos Reis
Anápolis
2015
2
Assunção, Tuanny de Cássia Dias.
Farmacogenética
e
farmacogenômica
como
tratamento auxiliar do tabagismo/ Tuanny de Cássia Dias
Assunção; Fabiana Gonçalves dos Reis – 2015.
63 f.
Orientador: Prof. Me. Fabiana Gonçalves dos Reis
TCC (Graduação), Universidade Estadual de Goiás,
Unidade Universitária de Ciências de Ciências Exatas e
Tecnológicas, 2015.
1. metabolismo de fármacos. 2. medicina
personalizada. 3. polimorfismo genético – Goiás
(Estado). I. Reis, Fabiana Gonçalves dos. II. Título.
3
4
Dedico este trabalho aos meus pais Cícero
Alves
da
Assunção
e
Terezinha
Assunção e ao meu irmão Cícero Júnior.
Dias
5
AGRADECIMENTOS
Primeiramente gostaria de agradecer a Deus por me dar força, paciência,
conhecimento e sabedoria para que conseguisse realizar este trabalho.
Agradeço aos meus pais, Cícero e Terezinha, que sempre me ensinaram a
importância dos estudos, por todo apoio que sempre me deram para que
conseguisse estudar em outra cidade, pelo amor imenso que recebo. Ao meu irmão
Júnior pela amizade e companheirismo, que foram muito importantes neste período.
Aos meus familiares, em especial os meus avós, Moisés e Horacina, que
sempre me incentivavam a estudar.
Aos meus tios, Adilson e Gerlinda, e minhas primas, Anne e Luiza, pelo
suporte e amor que sempre me deram.
Ao meu namorado Guilherme, pela paciência, companheirismo e apoio em
tudo na minha vida.
À minha orientadora, professora Fabiana Gonçalves dos Reis, pela
paciência, dedicação, pelos ensinamentos e pela generosidade de ter aceitado me
auxiliar nesta etapa muito importante da minha formação acadêmica.
Muito Obrigada!
6
RESUMO
O
tabagismo
constitui
um
grande
problema
mundial,
responsável
pelo
desenvolvimento de diversas doenças, que atinge indivíduos de várias idades e
classes sociais em todo o mundo. Devido ao conhecimento da toxicidade dos
produtos derivados do tabaco e os problemas associados ao seu uso, existem vários
tratamentos farmacológicos utilizados para cessar o tabagismo. A farmacogenética e
a farmacogenômica estudam as interferências das variações do material genético de
cada indivíduo no metabolismo de fármacos, fornecendo informações para que seja
possível identificar os perfis genéticos relacionados aos efeitos desejáveis para um
medicamento específico. Devido à importância do assunto, a presente revisão
relaciona os fatores genéticos relevantes para o tabagismo. A revisão de literatura foi
realizada durante o período de novembro de 2014 a junho de 2015 utilizando-se as
bases de dados científicas MEDLINE-Bireme e SciELO nas línguas portuguesa,
inglesa
e
espanhola.
As
palavras-chaves
utilizadas
em
português
foram:
farmacogenética, tabagismo, tratamento, farmacogenômica e nicotina. Em inglês
foram utilizadas: pharmacogenetic, smoking, treatment, pharmacogenomics and
nicotine; e em espanhol: farmacogenética, fumar, el tratamiento, la farmacogenómica
e la nicotina. Os polimorfismos que ocorrem nos genes que codificam as enzimas
CYP2A6, CYP2D6, CYP2B6, monoaminoxidase e catecol-orto-metiltransferase,
apresentam influências na dependência do tabaco, assim como, os polimorfismos
nos genes que codificam os receptores dopaminérgicos, serotoninérgicos. Apenas
alguns indivíduos obtém sucesso no abandono do tabaco utilizando os tratamentos
atuais disponíveis, isso se deve ao fato das variações genéticas de cada indivíduo.
Através dessas informações são necessárias a realização de tratamentos
personalizados de acordo com a genética para a cessação do tabagismo. Estudos
mais aprofundados são necessários para que se conheçam melhor estes genes e
que outros sejam identificados com esta associação. A tendência é cada vez mais
investir em um tratamento individualizado e personalizado.
PALAVRAS-CHAVE: metabolismo de fármacos, medicina personalizada, polimorfismo
genético.
.
7
ABSTRACT
Smoking is a major global problem, responsible for the development of various
diseases, which affects individuals of various ages and social classes worldwide. Due
to the knowledge of the toxicity of tobacco products and problems associated with
their use, there are various pharmacological treatments for smoking cessation.
Pharmacogenetics and pharmacogenomics study the interference of variations in the
genetic material of each individual in the metabolism of drugs by providing
information so that you can identify genetic profiles related to the effects desired for a
particular medicine. Due to the importance of the subject, this review relates the
relevant genetic factors for smoking. A literature review was conducted during the
period from November 2014 to June 2015 using the scientific databases MEDLINEBIREME and SciELO in Portuguese, English and Spanish. The key words used in
Portuguese were pharmacogenetics, smoking, treatment, pharmacogenomics and
nicotine.
English
were
used:
pharmacogenetic,
smoking,
treatment,
pharmacogenomics and nicotine; and Spanish: pharmacogenetics, smoking, el
tratamiento, la la pharmacogenomics and nicotine. The polymorphisms that occur in
genes encoding the enzymes CYP2A6, CYP2D6, CYP2B6, MAO and catechol-Omethyltransferase,
have
influences
on
tobacco
dependence,
as
well
as
polymorphisms in the genes encoding dopaminergic, serotonergic receptors. Only a
few individuals succeed in smoking cessation using current treatments available, it is
because of genetic variations of each individual. Through these information are
necessary to carry out personalized treatments according to genetics to smoking
cessation. Further studies are needed to get to know better these genes and others
to be identified with this association. The trend is increasingly investing in an
individualized and personalized treatment.
KEY-WORDS: metabolism of drugs, personalized medicine, genetic polymorphism.
8
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
INCA
Instituto Nacional de Câncer
CID
Classificação Internacional de Doenças
CID-10
Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças
PNS
Pesquisa Nacional da Saúde
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
SNC
Sistema Nervoso Central
nAchR
Receptores Colinérgicos Nicotínicos
MAO
Enzima Monoaminoxidase
VIGITEL
Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas
por Inquérito Telefônico
SNP’s
(Single Nucleotide Polymorphism - Polimorfismos de Nucleotídeo
Único)
PCR
(Polymerase Chain Reaction - Reação em Cadeia da Polimerase)
DR
Receptor de Dopamina
CYP
Enzima do Citocromo P450
COMT
Enzima Catecol-orto-metiltransferase
TCC
Terapia Comportamental Cognitiva
TRN
Terapia de Reposição de Nicotina
IARC
(International
Agency
for
Research
Internacional de Pesquisas em Câncer
FDA
(Food and Drug Administration)
on
Cancer
-
Agência
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Fórmula molecular da nicotina e os seus dois principais metabólitos ...... 22
Figura 2 - Nicotina: ação sobre os centros nervosos ................................................ 26
Figura 3 - Receptor colinérgico nicotínico formado pelas subunidades α, β, γ, δ ..... 27
Figura 4 - Principais causas de mortes e relação com o tabagismo ........................ 35
Figura 5 - Porcentagem de fumantes no Brasil de 2006 a 2014............................... 36
Figura 6 - Porcentagem de fumantes por diferenciação de sexo ............................. 36
Figura 7 - Capitais brasileiras com maior porcentagem de fumantes por ano .......... 37
Figura 8 - Percentual de fumantes por tipo de produto no Brasil.............................. 38
Figura 9 - Relação entre os diferentes grupos de resposta a mesma dose de um
fármaco ..................................................................................................................... 39
10
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Componentes presentes na fumaça particulada e gasosa do cigarro ...... 24
Tabela 2- Genes relevantes para o tabagismo ........................................................ 49
11
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 12
2. OBJETIVO ............................................................................................................ 14
2.1. OBJETIVO GERAL ............................................................................................ 14
2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS .............................................................................. 14
3. METODOLOGIA ................................................................................................... 15
3.1 TIPO DE ESTUDO ............................................................................................. 15
3.1.1 Fontes.............................................................................................................. 15
3.1.2 Coleta de Dados ............................................................................................. 15
3.1.3 Análise e Interpretação dos Resultados ..................................................... 16
3.1.4 Discussão dos resultados ............................................................................. 16
4. REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................ 17
4.1. TABAGISMO ...................................................................................................... 17
4.1.1. Histórico do tabaco ....................................................................................... 17
4.1.2. Composição química do tabaco .................................................................. 21
4.1.3. Mecanismo de Ação da Nicotina ................................................................. 26
4.1.4. Farmacocinética da Nicotina ....................................................................... 32
4.1.5. Dados Epidemiológicos do Tabagismo ...................................................... 34
4.2. FARMACOGENÉTICA E FARMACOGENÔMICA ............................................. 38
4.2.1. Conceitos Gerais e Medicina Personalizada .............................................. 38
4.2.2. Fatores Genéticos Relevantes para o Tabagismo ..................................... 42
4.2.3. Farmacogenética Aplicada ao Tabagismo .................................................. 46
4.2.4. Avanços e Perspectivas .............................................................................. 50
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 53
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 54
12
1. INTRODUÇÃO
O tabaco é uma droga lícita responsável pela morte de uma grande
quantidade de seus usuários. O consumo do tabaco desencadeia a morte de seis
milhões de pessoas em todo o mundo por ano e parte dessas mortes ocorrem
prematuramente, além dos malefícios e mortes devido ao fumo passivo (WHO,
2015). No entanto, o uso do tabaco é comum em todo o mundo provavelmente
devido ao baixo preço, comércio ilegal, propaganda e promoção e políticas públicas
inconsistentes contra o seu uso (INCA, 2007; WHO, 2008). Devido à composição
química do tabaco não existem limites seguros de exposição para os seres
humanos, pois no tabaco encontram-se altos níveis de nicotina, substâncias tóxicas
e cancerígenas (WHO, 2009).
O tabagismo é uma doença que surge devido à dependência da nicotina e
constitui um grave problema para a saúde pública. Considerado um dos principais
fatores de risco evitável à saúde (IBGE, 2014), o tabagismo pode causar
aproximadamente cinquenta tipos de enfermidades. Na Décima Revisão da
Classificação Internacional de Doenças (CID-10), o tabagismo está incluso no grupo
dos transtornos mentais e de comportamentos decorrentes do uso de substâncias
psicoativas. O início do consumo é em média aos 15 anos, por isso é considerada
uma doença pediátrica. O seu tratamento segue a mesma rotina de hipertensão ou
diabetes,
sendo
uma
doença
crônica
que
necessita
de
tratamento
e
acompanhamento diário (INCA, 2007).
O uso do tabaco é desencadeado devido a fatores ambientais e genéticos,
que levam ao desenvolvimento da dependência (JONES, BENOWITZ, 2002).
Segundo Jones e Benowitz (2002), os fumantes continuam fumando devido à
dependência da nicotina. Apesar de 70% dos fumantes terem interesse de parar de
fumar, a cada ano apenas 1% obtêm sucesso. A cessação definitiva do tabagismo
ocorre somente, em sua grande maioria, após várias tentativas e recaídas, sendo
comum em todos os contextos sociais (CHATKIN, 2006).
Segundo Nunes (2006) Reis e Fortes (2012), os fatores genéticos estão
diretamente relacionados à dependência da nicotina. As variações/ genéticas dos
indivíduos poderão influenciar na quantidade de nicotina necessária para satisfazer
13
às necessidades do dependente, assim como poderá influenciar no metabolismo de
drogas usadas para o tratamento da dependência tabágica (AKRODOU, 2015).
Devido ao conhecimento de que o genótipo do indivíduo é fundamental para
a determinação do metabolismo dos fármacos, surge a farmacogenética e a
farmacogenômica, que em síntese, ambas estão envolvidas no estudo do material
genético
e
sua
relação
com
a
resposta
farmacológica.
O
objetivo
da
farmacogenômica é fornecer os dados essenciais para a identificação dos perfis
genéticos que caracterizam os pacientes, de forma que se tenha o conhecimento,
fornecido pela farmacogenética, das prováveis reações adversas e efeitos
terapêuticos, devido à administração de um fármaco (ROSES, 2001).
De acordo com estudos de Patterson et al. (2008), a genética de um
indivíduo contribui para que ele desenvolva a dependência da nicotina ou para que
ele tenha uma resistência em se tornar dependente. Devido a isso, o tratamento do
tabagista pode se basear de forma individual de acordo com o genótipo para
aumentar as chances de sucesso no tratamento da dependência da nicotina
(LICINIO, WONG, 2002). Devido à variabilidade do material genético de quaisquer
indivíduos, é de grande relevância que o tratamento do tabagista seja individualizado
e personalizado de acordo com a sua composição genética (AKRODOU, 2015).
Sendo assim, este trabalho tem por finalidade relacionar fatores genéticos
relevantes para o desencadeamento da dependência tabágica, assim como, a
importância da farmacogenética e da farmacogenômica para o sucesso no
tratamento dessa doença crônica.
14
2.
OBJETIVOS
2.1. OBJETIVO GERAL
Relacionar fatores genéticos relevantes para o desencadeamento da
dependência tabágica, assim como, a importância da farmacogenética e da
farmacogenômica para o sucesso no tratamento dessa doença crônica.
2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
2.2.1. Expor os problemas desencadeados pelo uso de produtos derivados do
tabaco desde o início histórico do seu consumo até a atualidade.
2.2.2. Descrever sucintamente os genes envolvidos nos mecanismos de
predisposição ao uso do tabaco e nos processos de dependência e tolerância ao
tabaco.
2.2.3. Relacionar os benefícios obtidos a partir dos estudos da genética de cada
indivíduo em relação ao uso de fármacos para a cessação do tabagismo.
15
3.
METODOLOGIA
3.1 TIPO DE ESTUDO
A revisão de literatura foi realizada durante o período de novembro de 2014
a junho de 2015 utilizando-se as bases de dados científicas MEDLINE-Bireme e
SciELO nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola. As palavras-chaves utilizadas
em português foram: farmacogenética, tabagismo, tratamento, farmacogenômica e
nicotina. Em inglês foram utilizadas: pharmacogenetic, smoking, treatment,
pharmacogenomics and nicotine; e em espanhol: farmacogenética, fumar, el
tratamiento, la farmacogenómica e la nicotina. Para a realização deste trabalho,
foram utilizados artigos científicos e revistas direcionadas ao tema proposto obtidos
na busca eletrônica nas bases de dados supracitadas. Foram também utilizados
livros da área médica que possuíam o assunto proposto nesta revisão e sites de
instituições governamentais de saúde nacionais e internacionais.
3.1.1 Fontes
Para a seleção das fontes, foram consideradas como critérios de inclusão as
bibliografias que abordassem o problema proposto e publicadas no período entre
2000 e 2015. Os critérios de exclusão, após a verificação de título e resumo, foram
em relação àquelas bibliografias que não atenderam à temática farmacogenética e
farmacogenômica e/ou tratamento do tabagismo.
3.1.2 Coleta de Dados
A coleta de dados seguiu a seguinte premissa:
a) Leitura Exploratória de todo o material selecionado (leitura rápida que
objetiva verificar se a obra consultada é de interesse para o trabalho);
b) Leitura Seletiva (leitura mais aprofundada das partes que realmente
interessam);
c) Registro das informações extraídas das fontes em instrumento específico
(autores, ano, método, resultados e conclusões).
16
3.1.3 Análise e Interpretação dos Resultados
Nesta etapa foi feita a leitura analítica com a finalidade de ordenar e
sumariar as informações contidas nas fontes, de forma que estas possibilitassem a
obtenção de respostas em relação ao problema proposto.
3.1.4 Discussão dos resultados
As categorias que surgiram da etapa de análise foram avaliadas e
discutidas a partir do referencial teórico relativo à temática do estudo.
17
4.
REVISÃO DE LITERATURA
4.1. TABAGISMO
4.1.1.
Histórico do Tabaco
Há mais de 500 anos o hábito de fumar vem sendo registrado na história da
população mundial, sendo então, uma das mais sérias pandemias criadas pelo ser
humano (HORTENSE et al., 2008). A Nicotiana tabacum é originária da América do
Sul onde ocorreu a disseminação inicial do tabaco. Os aborígenes americanos
tinham o costume de fumar as folhas de tabaco em cerimônias religiosas. Todas as
culturas indígenas da época tinham esse ritual, em que o líder fumava o tabaco e
entrava em transe durante as cerimônias (OLIVEIRA, SANTOS, FUREGATO, 2014).
Além de serem utilizadas durante as cerimônias religiosas, as folhas do
tabaco também serviam como planta medicinal, pois a planta era considerada uma
erva com grandes propriedades medicinais sendo utilizada para mais de 59 tipos de
doenças, sob diferentes formas como: fumo e infusões. No entanto, o uso das folhas
do tabaco de forma medicinal entrou em declínio até desaparecer, ao contrário do
uso para obtenção do prazer que até a atualidade é praticado em todos os
continentes (HORTENSE et al., 2008).
Quando Colombo chegou à América realizava-se o plantio do tabaco no
continente. Na Europa o tabaco chegou por quatro caminhos no século XVI:
Espanha, Portugal, França e Inglaterra. O tabaco espalhou-se rapidamente pela
Europa, sendo então o seu primeiro contato com o mundo civilizado. Cinquenta anos
após a sua chegada, o cachimbo de tabaco era consumido por diversos indivíduos,
tanto por nobres quanto por soldados, marinheiros e plebeus (CHARLTON, 2004).
Assim que chegou à Europa o tabaco alterou o contexto da política
econômica dos governos, tornando-se a maior fonte de renda. Em 1560 o tabaco
chega às mãos de Jean Nicot, que era embaixador da França. Nessa época o
tabaco era denominado de “petum”. Jean Nicot atribuiu à erva a cura da úlcera que
ele tinha na perna, e enviou à rainha da França que utilizou o tabaco em infusão
para curar sua enxaqueca crônica. O “petum” ficou então conhecido como “erva da
rainha”. Em 1651 Jean Nicot levou as sementes da “erva da rainha” para a Itália,
18
sendo então cultivadas no Vaticano. Os clérigos passaram a fazer uso do tabaco,
até que o Papa Urbano VIII decidiu interditar os fumantes, condenando-os à
excomunhão (ROSEMBERG, J., ROSEMBERG, A. M. A., MORAES, M. A., 2004).
Quando o tabaco chegou à Inglaterra, o Rei James I desaprovou totalmente
o seu uso e iniciou a primeira campanha antitabagista no início do século XVII. O Rei
da Inglaterra teve o auxílio do parlamento que impôs um imposto substancial sobre o
tabaco (CUNHA et al., 2007).
Em 1737 Carl von Lineé foi o primeiro a classificar cientificamente o tabaco
em Nicotiana tabacum e as variedades Nicotiana rustica, Nicotiana glutinosa e
Nicotiana penicilat, em homenagem a Jean Nicot. Vauquelin em 1808 identificou no
extrato do tabaco um princípio básico nitrogenado, denominando-o de “nicotianina”.
Após 20 anos outros cientistas também identificaram esse mesmo princípio como
“nikotin”, mas o vocábulo nicotina já era conhecido. Em 1840 a fórmula química bruta
da nicotina foi determinada CH10H14N2 e somente em 1890 a nicotina foi sintetizada
pela primeira vez (ROSEMBERG, J., ROSEMBERG, A. M. A., MORAES, M. A.,
2004).
O tabaco era inicialmente consumido na forma de cachimbos e também na
forma de charutos. Outros métodos para a obtenção da nicotina proveniente do
tabaco foi através do rapé, que era um fino pó fermentado de tabaco, e também a
mascagem das folhas do tabaco (CUNHA et al., 2007). No mundo civilizado a
maneira comum de consumir o tabaco era na forma de cachimbo, sendo essa forma
a mais dominante por quase três séculos. Nessa época as fábricas de cachimbos
prosperaram e expandiram por toda Europa e América do norte. O charuto também
era bastante comum entre os abastados no século XIX, significando então um status
econômico-social (VIEGAS, 2008).
A população desabastada utilizava comumente o rapé sobre o dorso do
polegar da mão formando uma fosseta triangular, já a utilização do tabaco em forma
de cigarro surgiu no final do século XIX. Em 1880 nos Estados Unidos aumentou
rapidamente o consumo de cigarro, pois foi desenvolvida uma máquina que produzia
cerca de duzentos cigarros por minuto. Logo surgiram máquinas que produziam
centenas de milhares diariamente (ROSEMBERG, J., ROSEMBERG, A. M. A.,
MORAES, M. A., 2004).
Com a industrialização do cigarro e através dos grandes investimentos em
propagandas, houve um crescimento intenso de seu consumo principalmente na
19
primeira metade do século XX. Nessa época o cigarro era visto como sinônimo de
beleza, luxo, charme e virilidade, sendo considerado um objeto de desejo de milhões
de pessoas (HORTENSE et al., 2008; KÜMPEL et al., 2014; OLIVEIRA, SANTOS,
FUREGATO, 2014). O consumo do cigarro era predominante entre os homens e
aumentou ainda mais após a segunda guerra mundial expandindo o seu consumo
entre as mulheres (CUNHA et al., 2007; KÜMPEL et al., 2014).
No século XX, no Brasil, surge o chamado “sistema integrado de produção
de fumo” criado pela British American Tobacco (BAT). Uma empresa controladora
acionária da Souza Cruz, indústria de cigarros, que proporcionou ainda mais a
produção e o consumo do tabaco (CAPRINO, FILHO, 2006). A disseminação do
consumo de cigarros foi influenciada por fatores como a disponibilidade, o poder
aquisitivo e a aceitação social (KÜMPEL et al., 2014).
De acordo com um estudo realizado por Davoglio e Tolotti (2010), as
propagandas de cigarros tendem a acompanhar o momento histórico e social em
que são veiculadas, apresentando-se de modo contextualizado com a cultura e os
avanços científicos. A propaganda atua no fator comportamental e como estimulador
de uma atitude pré-existente ao hábito de fumar, pois funcionaram com um estímulo
às imagens de glamour e sucesso (CAPRINO, FILHO, 2006).
Desde o início do século XX as propagandas de cigarro mostravam
mulheres nuas ou sedutoras e, a partir dos anos 50, introduzem a virilidade
masculina como símbolo máximo. Como por exemplo, uma das marcas mais
famosas de cigarros da época, Hollywood, tenta trazer a ideia do consumo de
cigarros associada ao glamour do cinema, utilizando slogans como “Um Oscar de
qualidade” ou “Um Oscar de sabor” (CAPRINO, FILHO, 2006; KÜMPEL et al., 2014).
Com o objetivo de atingir um público cada vez mais jovem, as campanhas de
cigarros se associavam a eventos esportivos como a Fórmula 1. Assim, além do
grande poder de sedução do cigarro, ligado a beleza, ele passou a ser associado a
atividades de transgressão e aventura. Desta forma, induzia-se os adolescentes e
jovens que se sentem atraídos por esse tipo de aventura (CAPRINO, FILHO, 2006;
KÜMPEL et al., 2014).
A partir de 1962 começaram a serem publicados artigos e relatórios que
relacionavam o tabagismo e os danos à saúde. O primeiro foi publicado pelo The
Royal College of Physicians. Em 1964 o US Public Health Service Report e em 1968
o Surgeon General’s Report, também descreveram uma conclusão que o uso do
20
tabaco aumentava as chances de doenças como o câncer de pulmão e as mortes
(MIGOTT, 2007). No entanto, muito antes dessa publicação os soldados da Guerra
Civil americana foram os primeiros a se referirem aos cigarros como “pregos de
caixão” (CUNHA et al., 2007).
O tabagismo até o século XX era considerado um costume que foi
transmitido pelas gerações, socialmente aceito e considerado como um símbolo de
status na sociedade. Com o tempo, no final do século XX, com os avanços
científicos, iniciou-se uma grande mudança sobre o modo como a sociedade
considerava o consumo do tabaco sendo, então, considerado um costume nocivo à
saúde. Assim os órgãos de saúde determinaram políticas mundiais e os governos
passaram a ter mais controle do consumo (OLIVEIRA, SANTOS, FUREGATO,
2014).
Somente após os anos 80 a nicotina passou a ser considerada como droga
na Classificação Internacional de Doenças (CID), além do fato que a nicotina
presente no cigarro e em outros produtos derivados do tabaco causa dependência
em seus consumidores. Nos anos 90 deu-se continuidade ao combate do consumo
do tabaco, utilizando-se o conhecimento sobre os malefícios do tabagismo para
realizar a prevenção e interrupção do uso do mesmo (MOREIRA, 2015).
Em 1995 surge uma restrição ao horário de transmissão de propaganda de
tabaco, e em 1996 surge a lei 9.294/96 que proibiu a propaganda de tabaco em
ambientes externos e de forma massiva. Mas foi somente após quatro anos que a
Lei Nº 10.167 de 27/12/2000 restringiu a propaganda comercial de fumo em
pôsteres, painéis e cartazes na parte interna dos locais de venda. Ainda nessa lei,
consta que é proibido fazer associação do cigarro com a prática de atividades
esportivas e olímpicas; propaganda por via eletrônica, distribuição de amostras ou
brindes e comercialização em instituição de ensino ou saúde, sendo estabelecidas
penalidades
como
multas
e
outras
penas
(CAPRINO,
FILHO,
2006;
PASQUALOTTO, 2014).
Ficando então proibida a propaganda de produtos derivados do tabaco, no
rádio, televisão, cinemas, jornais, revistas, outdoors, etc. Essa mesma lei determinou
que em todas as embalagens de produtos derivados do cigarro, deveriam ser
destacadas as advertências sobre os malefícios decorrentes sobre o uso do mesmo
(CAPRINO, FILHO, 2006). Com a edição da Lei nº 12.546, de 14/12/2011, passou a
ser proibido todo tipo de propaganda de qualquer produto fumígeno, de origem do
21
tabaco ou não, em todo o território nacional, sendo aceito somente a exposição dos
produtos nos locais de comércio (PASQUALOTTO, 2014).
Um estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz mostra que as políticas
desenvolvidas para o controle de uso do tabaco durante o ano de 1989 até 2008,
conseguiram diminuir o consumo em cerca de 50%. Entretanto as classes menos
abastadas são as mais expostas ao tabaco, possuem menor discernimento das
informações de alerta à saúde e apresentam-se em um estado de vulnerabilidade
maior às doenças relacionadas ao tabaco (BRASIL, 2013).
No Brasil o número de consumidores do tabaco está diminuindo. A Pesquisa
Nacional da Saúde (PNS), realizada pelo Ministério da Saúde em parceria com o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que o índice de pessoas
que consomem produtos derivados do tabaco é 20,5% menor que o registrado a
cinco anos atrás. Em 2008, do total de adultos entrevistados 18,5% afirmavam
fumar. Já em 2013 esse índice era de 14,7%, conforme a Pesquisa Especial de
Tabagismo do IBGE (BRASIL, 2015a).
Apesar das diversas tentativas para a diminuição da quantidade de fumantes
nos últimos anos, o tabagismo continua sendo um extenso problema de saúde
pública. Além de danificar a saúde física e mental do indivíduo, danifica também a
economia do país e a qualidade do meio ambiente (MOREIRA, 2015).
4.1.2.
Composição Química do Tabaco
A 3-[(2S)-1-metil-2-pirrolidina]piridina ou nicotina é um alcaloide líquido
natural obtido das folhas de tabaco. De acordo com a classificação taxonômica, o
tabaco é uma planta da família das solanáceas, sendo a espécie Nicotiana tabacum
a mais utilizada. A nicotina é uma amina terciária, tendo em sua estrutura uma
piridina e uma pirrolidina. É um líquido oleoso com coloração amarela pálida com
desagradável odor pungente e quando é exposta à luz ou ao ar adquire coloração
gradualmente marrom (CUNHA et al., 2007; MALAFATTI, MARTINS, 2009).
A nicotina quando abaixo de 60°C apresenta-se miscível em água, etanol,
clorofórmio, éter de petróleo, óleos e querosene. Possui pKa em 3,2 e 7,9 (25°C) e
seu coeficiente de partição (Log P) octanol/água é de 1,2, o comprimento de onda
máximo de absorção no espectro ultravioleta é 259 nm para soluções ácidas e em
soluções básicas 261 nm (MOFFAT et al., 2011).
22
A síntese da nicotina ocorre nas raízes e sobe pelo caule até chegar às
folhas. As maiores concentrações de nicotina se encontram próximo aos talos da
planta, contudo pode variar de acordo com a planta. A nicotina é uma amina terciária
composta de anéis de piridina e pirolidina (Figura 1). No tabaco existem formas
racêmicas
estereoisomeras
de
estrutura
tridimensional,
duas
estão
permanentemente presentes, que são a l-nicotina e d-nicotina. A l-nicotina é 100
vezes mais ativa farmacologicamente, constituindo 90% do total (ROSEMBERG, J.,
ROSEMBERG, A. M. A., MORAES, M. A., 2004).
Figura 1: Fórmula molecular da nicotina e os seus dois principais metabólitos.
Fonte: ROSEMBERG, J., ROSEMBERG, A. M. A., MORAES, M. A., 2004.
Além dos altos níveis de toxicidade encontrados na nicotina, deve-se
analisar o fato da mesma não ser introduzida de forma pura no organismo, pois ela
está em um invólucro que é o tabaco, contido no cigarro. A administração no
organismo ocorre, portanto, junto com milhares de substâncias tóxicas, pois já foram
isoladas cerca 6.700, das quais 4.720 já foram bem caracterizadas quimicamente e
cerca de 2.500 dessas substâncias são lesivas ao organismo (ROSEMBERG, J.,
ROSEMBERG, A. M. A., MORAES, M. A., 2004; RUFINO, COSTA, 2013;
GUIMARÃES JÚNIOR, 2014).
23
A composição química do tabaco pode apresentar variações de acordo com
o processamento, como por exemplo: o tipo de folhas de tabaco utilizadas, a região
e o modo de cultivo, as variações climáticas, as características de preparação em
relação à compactação, filtro e papel, doses e composição dos agrotóxicos, até
mesmo às variações de temperatura resultantes da combustão incompleta do tabaco
(RUFINO, COSTA, 2013; BERSCH; PÉRICO; POZZOBON, 2014). No cultivo do
tabaco são empregados vários meios para defesa da lavoura contra pragas e
plantas invasoras, sendo um processo trabalhoso e delicado. Neste processo são
utilizados vários inseticidas como os organoclorados e organofosforados, que são
altamente tóxicos (SILVA, 2006).
Ao se analisar as folhas do tabaco frescas são encontradas 16 substâncias
químicas classificadas como cancerígenas. Quando se submete essas folhas do
tabaco ao processo de combustão e se faz a análise das folhas queimadas, sobe
para cerca de 50 substâncias cancerígenas presentes no tabaco (BARROS; LIMA,
2011).
Na fumaça do cigarro podem ser encontradas mais de quatro mil
substâncias. Muitas destas contribuem para os efeitos reforçadores positivos do
tabaco. Contudo, tanto os estudos pré-clínicos quanto os clínicos mostram que a
nicotina é o principal agente responsável pelo surgimento da dependência química
ao tabaco. A fumaça do cigarro é composta por duas fases: uma fase particulada
(condensada) e outra fase gasosa. Essas duas fases apresentam compostos
diferentes, mas em ambas estão presentes substâncias com alto potencial nocivo
(Tabela 1) (CUNHA, et al., 2007; RUFINO, COSTA, 2013).
A fumaça do cigarro é proveniente da combustão do tabaco, podendo ser
completa na parte distal do cigarro onde alcança uma temperatura de 850°C e
incompleta que ocorre no local que se afasta dessa temperatura. Durante a
combustão ocorrem algumas reações químicas de oxidação pelos mecanismos de:
pirólise, pirossíntese e destilação. Na reação de pirólise ou decomposição térmica,
as substâncias orgânicas do tabaco são fracionadas em pequenas moléculas devido
à alta temperatura, oxigenação do fogo e atmosfera rica em hidrogênio. Na
pirossíntese ou síntese pelo calor os elementos gerados na pirólise recombinam-se
em novos componentes que não existiam no tabaco originalmente. E por fim, a
destilação é o processo através do qual se evapora ou condensa um líquido, para
obtê-lo separadamente, como é o caso da nicotina (RUFINO, COSTA, 2013).
24
Tabela 1 – Componentes presentes na fumaça particulada e gasosa do cigarro.
Fase particulada
Fase gasosa
Nicotina
Nitrogênio
Alcatrão
(hidrocarbonetos
Oxigênio
aromáticos policíclicos)
Cetonas
Dióxido de Carbono
Polióis
Óxidos de nitrogênio
Álcoois
Amônia
Arsênio
Nitrosamidas voláteis
Níquel
Cianeto de hidrogênio
Cádmio
Enxofre
Acetato de Chumbo
Hidrocarbonetos voláteis
Polônio 210
Xileno
Carbono 14
Monóxido de Carbono
Rádio 226
Argônio
Rádio 228
Formaldeído
Potássio 40
Acroleína
Fonte: Adaptado de CUNHA et al., 2007; BARROS; LIMA, 2011; RUFINO, COSTA, 2013.
Quando se fuma o cigarro, ele atinge até 850ºC na parte distal o que faz
surgir assim as formas racêmicas da nicotina, gerando quatro nitrosamidas com
potencial cancerígeno. No entanto, de qualquer forma, cerca de 35% da nicotina é
destruída no momento da combustão do cigarro, mais 35% perdidos com a fumaça
não inalada e 8% é perdido com a porção do cigarro que não é fumada. Assim cada
cigarro contém cerca de 7 até 9 mg de nicotina, em que pouco mais de 1mg é
absorvido pelo fumante (BALBANI, MONTOVANI, 2005).
O estereoisômeros da nicotina variam de acordo com a planta do tabaco. Na
Nicotiana tabacum encontram-se os mais importantes farmacologicamente, como
por exemplo, a anabasina, anabatina, nornicotina, miosina, n-metilanabasina,
nicotirina, nornicotirina. A nornicotina e a anabasina são as formas estereoisômeras
que mais possuem atividade semelhante à da nicotina. O tipo do tabaco, o modo e a
frequência de uso influenciam na quantificação desses alcaloides. A cotinina e o
óxido-N-nicotina (Figura1) são os metabólitos mais importantes, tanto quantitativa
25
quanto qualitativamente (ROSEMBERG, J., ROSEMBERG, A. M. A., MORAES, M.
A., 2004; MALAFATTI, MARTINS, 2009).
De acordo com Hecht (2003), quando o ser humano expõe o seu organismo
às substâncias como os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, o benzopireno, as
nitrosaminas e as aminas, que são substâncias carcinogênicas presentes no fumo,
estas atuam sobre o DNA induzindo a formação de aductos. Estes podem levar a
mutações e consequentemente ao câncer. Essas mutações podem ocorrer
independentes da intensidade e tempo de exposição ao fumo, devido a isso não há
níveis seguros de exposição.
Conforme destacam Barros e Lima (2011) o tabagista ao dar uma tragada no
cigarro introduz em seu organismo substâncias químicas, como:
-Amônia (NH3): substância usada em produtos para a limpeza de azulejos; é
corrosiva para os olhos e narinas, além de facilitar a absorção da nicotina;
-Propilenoglicol (C3H8O2): utilizado na composição de desodorantes e
quando inalado faz com que a nicotina chegue ao cérebro;
-Acetato de Chumbo [PB (CH3CO2)2]: presente na composição de tintura
para o cabelo, é cancerígeno e cumulativo no organismo;
-Formol (CH2O): composto utilizado na conservação de cadáveres, provoca
problemas gastrointestinais, respiratórios, além de câncer de pulmão;
-Pólvora: libera partículas cancerígenas quando queimada. Quando inalada,
sua fumaça provoca tosse, falta de ar e irritação das vias respiratórias;
-Cádmio: usado na fabricação de pilhas e baterias. É uma substância
altamente tóxica e que se acumula no organismo. Pode causar danos aos rins,
cérebro e pulmões;
-Naftalina (C10H8): veneno para matar insetos como as baratas. Quando
inalada provoca tosse, irritação das vias respiratórias e distúrbios gastrointestinais;
-Acetona (C3H6O): é uma substância utilizada para remoção de esmaltes.
Sua inalação causa dor de cabeça, tonturas e irritação da garganta;
-Terebentina: solvente para tinturas a óleo. É tóxico e quando inalado causa
irritação de olhos e mucosas, vertigem, desmaios e danos ao sistema nervoso;
-Xileno: substância presente em tintas de caneta. É cancerígeno e quando
inalado causa irritação dos olhos, tontura e dor de cabeça.
26
4.1.3.
Mecanismo de Ação da Nicotina
Os vícios são considerados doenças crônicas que se iniciam no sistema
nervoso central. Enquanto o uso inicial da droga é voluntário de cada indivíduo, o
estado de vício é consequência das mudanças cerebrais agudas que ocorrem a
cada administração da nicotina, que finalmente podem levar a mudanças duradoras
(ARRIAGA et al., 2007).
Após ser absorvida, a nicotina interage com os receptores colinérgicos
nicotínicos (nAchR) presentes nos gânglios autônomos periféricos, na junção
neuromuscular, no SNC, na glândula supra-renal e em nervos sensitivos (Figura 2)
(BALBANI, MONTOVANI, 2005). A ação sobre os primeiros são as mais relevantes
para os efeitos buscados pelos fumantes, para então exercer sua atividade
farmacológica (STOBBE, 2010).
Figura 2: Nicotina: ação sobre os centros nervosos.
Fonte: (ROSEMBERG, J., ROSEMBERG, A. M. A., MORAES, M. A., 2004)
Os receptores colinérgicos nicotínicos medeiam uma transmissão sináptica
excitatória rápida quando comparado à transmissão sináptica induzida por
27
receptores colinérgicos muscarínicos (VENTURA et al., 2010). Eles são típicos
exemplos de canais iônicos regulados por ligantes (BALBANI, MONTOVANI, 2005).
Esses receptores colinérgicos são pentâmeros compostos por uma combinação de
diferentes subunidades proteicas (CUNHA et al., 2007). As subunidades são
denominadas α, β, γ, δ e ε (Figura 3) e estão localizadas na membrana celular
dando origem a um canal iônico.
Figura 3: Receptor colinérgico nicotínico formado pelas subunidades α, β, γ, δ.
Fonte: VENTURA et al., 2010
Os receptores colinérgicos nicotínicos presentes nos músculos podem ser
constituídos pelas subunidades citadas anteriormente, enquanto que os receptores
do cérebro são constituídos por várias subunidades: α2, α3, α4, α5, α6, α7, α8, α9,
α10, β2, β3 e β4. Estes receptores possuem uma estequiometria geral de 2α3β,
sendo o receptor α4β2 o que possui uma alta afinidade pela nicotina. Eles estão
localizados em várias regiões do sistema nervoso central, como por exemplo, o α3 e
β2 que estão presentes no córtex, no hipocampo, no tálamo e no cerebelo. Já o
receptor α4 está presente apenas no córtex e no cerebelo, enquanto que o α7 é
expresso no hipocampo, no córtex, e no tálamo (VENTURA et al., 2010).
Esses canais iônicos podem ser ativados por alguns mecanismos como
por variação do potencial de membrana, por interação com um agonista (receptores
ionotrópicos), por estimulação mecânica ou via agentes intracelulares (íons de
28
cálcio, nucleotídeos cíclicos e proteína G). Os receptores colinérgicos nicotínicos são
exemplos de receptores ionotrópicos que formam um canal catiônico e quando
ativado induz a despolarização celular resultando em excitação fisiológica (MARIZ,
SILVA, 2006).
A nicotina no sistema nervoso central exerce ação agonista aos
receptores colinérgicos nicotínicos atuando de forma rápida por estar ligada a um
canal iônico. Ao provocar a abertura desses canais a nicotina provoca o influxo de
cálcio (Ca+ e Na++). Por estarem localizados nos neurônios pré-sinápticos
localizados nos terminais axônios, os receptores nicotínicos provocam o aumento na
liberação de outros importantes neurotransmissores, como a noradrenalina,
acetilcolina, serotonina e a dopamina (DIEHL, CORDEIRO, LARANJEIRA, 2010).
Por ser uma substância estimulante do sistema nervoso, a nicotina leva ao
aumento do estado de alerta e à redução do apetite (BALBANI, MONTOVANI, 2005).
De acordo com os usuários de anfetaminas, heroína, cocaína e crack, a sensação
que eles sentem após fazer uso dessas substâncias é similar à descrita por
indivíduos após fazerem uso de derivados do tabaco (PLANETA, CRUZ, 2005).
A sensação que os fumantes sentem após consumirem os derivados do
tabaco é uma sensação de relaxamento proveniente do ato de fumar, ela é
justificada pelo fato de que a nicotina apresenta um efeito estimulante do sistema
nervoso central. Essa sensação de relaxamento é provocada por uma discreta
diminuição do tônus muscular (DIEHL, CORDEIRO, LARANJEIRA, 2010).
A nicotina provoca o aumento da síntese de noradrenalina o que leva ao
aumento do estado de atenção, náuseas e piloereção. O aumento da produção de
acetilcolina provoca uma melhora relativa na memória. O aumento da serotonina
leva a um agravamento do estado de ansiedade e o aumento da dopamina leva a
euforia. Estas características dos neurotransmissores reforçaria o uso da nicotina,
sobretudo, porque os receptores nicotínicos envolvidos na ação da nicotina estão
localizados no sistema dopaminérgico mesocorticolímbico (DIEHL, CORDEIRO,
LARANJEIRA, 2010).
A estimulação dos receptores neuronais pela nicotina exerce ação sobre
as vias dopaminérgicas. Estas são as responsáveis pelos mecanismos de
adaptação, resposta e recompensa, e consequentemente, pelas mudanças no
comportamento do indivíduo em processo de dependência (ROSEMBERG, J.,
ROSEMBERG, A. M. A., MORAES, M. A., 2004).
29
A dopamina é sintetizada principalmente nos neurônios da parte cinza do
mesencéfalo. Suas projeções mais importantes são para a região do núcleo basal e
no núcleo accumbens através das projeções que se originam na área tegumentar
ventral. A nicotina provoca a elevação da atividade neurofisiológica nos neurônios
dopaminérgicos na área tegumentar ventral e também uma regulação direta na área
de projeção terminal nervosa (JIN et al., 2006; ARRIAGA et al., 2007).
A nicotina exerce efeitos agudos sobre o sistema cardiovascular, sendo os
principais: o aumento da frequência cardíaca, aumento da pressão arterial e a
vasoconstrição periférica (BALBANI, MONTOVANI, 2005). O fluxo sanguíneo de
vários leitos vasculares são diferencialmente afetados, com constrição nos vasos
sanguíneos da pele e dilatação nos vasos sanguíneos da musculatura esquelética.
Trombose
é
um
importante
mecanismo
induzido
pelo
tabagismo,
particularmente via agregação plaquetária (CUNHA et al., 2007). A nicotina ao se
ligar a receptores nicotínicos da acetilcolina (nAChR) presentes em células
endoteliais, estimula a síntese de moléculas angiogênicas envolvidas na proliferação
endotelial, contribuindo para a aterogênese e disfunções vasculares em fumantes
(JAIN, 2001).
No sistema endócrino a nicotina exerce ação que favorece a liberação do
hormônio antidiurético, o que consequentemente aumenta a retenção de água no
organismo. Já no sistema gastrointestinal a nicotina exerce ação parassimpática,
estimulando o aumento do tônus e da atividade motora do intestino (BALBANI,
MONTOVANI, 2005).
De acordo com estudos de Rose et al. (2003) sobre os efeitos agudos da
nicotina sobre o fluxo sanguíneo cerebral em adultos concluiu-se que ela interfere no
fluxo sanguíneo da formação reticular, que inclui as áreas da ponte, o mesencéfalo e
tálamo, além de participar dos mecanismos de atenção e despertar. Quando se
administra menores quantidades de nicotina, ela exerce efeito estimulante central,
enquanto que quantidades maiores exercem efeito depressor.
Quando o indivíduo realiza as primeiras tragadas do tabaco, ele sente um
desconforto com sensações como: mal-estar, náuseas e tontura. Vencido o
desconforto o fumante passa a experimentar uma sensação prazerosa provocada
pelo uso da nicotina (BALBANI, MONTOVANI, 2005).
O uso de substâncias que contenham nicotina induzem efeitos de tolerância
e dependência. A tolerância é definida como a necessidade de se usar doses
30
progressivamente maiores para obter o mesmo efeito quando utilizada inicialmente.
A dependência é o desejo compulsivo de se consumir essas substâncias. Essa
indução é provocada pela ação da nicotina nas vias dopaminérgicas do sistema
mesolímbico, diminuindo a atividade do tálamo (DIEHL, CORDEIRO, LARANJEIRA,
2010).
As drogas que induzem a dependência são considerados reforçadores
positivos e induzem à sensibilização comportamental, como é o caso do tabaco. O
efeito reforçador positivo da nicotina é resultante da ativação do sistema
dopaminérgico meso-corticolímbico e a sensibilização comportamental resulta de
alterações moleculares desse sistema, que são induzidas pela exposição
prolongadas à nicotina. O sistema dopaminérgico meso-corticolímbico faz parte do
sistema de recompensa e é composto principalmente pela área tegumentar ventral
(sítio de corpos celulares de neurônios dopaminérgicos) e suas projeções para
regiões do sistema límbico incluindo o núcleo accumbens, o tubérculo olfativo, a
amígdala e o córtex frontal e límbico (PLANETA, CRUZ, 2005).
Os sintomas de abstinência observados em fumantes, bem como a
tolerância à nicotina ocorre pelo mecanismo de up regulation dos receptores
colinérgicos nicotínicos após a exposição crônica. A nicotina alcança as sinapses
neurais através da barreira hematoencefálica, chegando a concentrações de 50-600
nM. Essa concentração é muito menor do que as concentrações fisiológicas de
acetilcolina necessárias para gerar um potencial de ação (1mM). Entretanto, a
nicotina persiste por não ser degradada pela enzima acetilcolinesterase e essa
exposição prolongada pode promover dessensibilização após ativação transiente. O
uso crônico então, é responsável pelo aumento de números de receptores
associados a uma desativação funcional, desencadeando os efeitos de dependência
a nicotina (VENTURA et al., 2010).
A nicotina leva à inibição da enzima monoaminoxidase (MAO-A e MAO-B),
que realiza a degradação da dopamina. Consequentemente os níveis de dopamina
permanecem elevados nos fumantes, favorecendo os efeitos reforçadores da
nicotina (CUNHA et al., 2007). No tratamento da dependência da nicotina ocorrem
os mecanismos de abstinência devido à redução dos níveis de dopamina. A
síndrome da abstinência é composta por um conjunto de sinais e sintomas,
geralmente opostos aos efeitos provocados pelo uso da droga. Estes efeitos causam
31
um desconforto imenso ao indivíduo, o que caracteriza a dependência física
(PLANETA, CRUZ, 2005; AKRODOU, 2015).
Os sintomas de abstinência em indivíduos dependentes surgem quando
se têm uma diminuição de cerca de 50% no consumo da nicotina. A síndrome da
abstinência da nicotina é mediada pela noradrenalina. Inicia-se cerca de 8 horas
após a utilização do último cigarro, atingindo o seu pico máximo no terceiro dia.
Devido a isso, os fumantes dependentes da nicotina sentem uma sensação de alívio
ao fumarem o primeiro cigarro pela manhã (BALBANI, MONTOVANI, 2005).
Os indivíduos que desenvolvem a dependência física continuam a fazer o
uso da nicotina para assim evitar os desconfortos que surgem com a retirada e,
dessa forma, a droga atuaria como reforçador negativo. Os principais sintomas da
síndrome da abstinência são: fissura para consumir o cigarro, ansiedade, distúrbios
do sono (insônia e sonolência diurna), aumento do apetite, ganho de peso,
alterações cognitivas (diminuição da concentração e atenção), irritabilidade,
bradicardia e depressão (PLANETA, CRUZ, 2005; AKRODOU, 2015).
A nicotina pode desencadear o desenvolvimento de doenças, como por
exemplo: hipertensão arterial, aterosclerose, espaçamentos da parede das artérias e
sua obliteração, provocando, conforme as regiões, gangrena das extremidades
(doença de Reynaud), impotência, doenças coronárias, angina do peito, infarto do
miocárdio e acidentes vasculares cerebrais (ROSEMBERG, J., ROSEMBERG, A. M.
A., MORAES, M. A., 2004).
O tabagismo é o principal fator para o desenvolvimento de câncer no mundo
e está envolvido em média de 20 a 30 tipos de cânceres (FILHO et al., 2010). De
acordo com a última revisão conduzida pela Agência Internacional de Pesquisas em
Câncer (International Agency for Research on Cancer - IARC) o tabagismo está
envolvido no câncer de pulmão, boca, nasofaringe, orofaringe, hipofaringe, cavidade
nasal, seios paranasais, laringe, esôfago, estômago, colorretal, pâncreas, fígado,
rins, uretra, bexiga, colo uterino, ovário, medula óssea (leucemia mielóide)
(CURADO et al., 2007).
32
4.1.4.
Farmacocinética da Nicotina
A nicotina é o principal componente do tabaco além de ser uma das drogas
mais consumidas no mundo (MAN et al., 2006). O ato de fumar o cigarro é o
principal método de adição da nicotina. Ao praticar esse ato o indivíduo inala cerca
de 1 a 2 mg de nicotina, sendo rapidamente absorvida pelas mucosas orais, pelo
trato respiratório e pele (DÍAZ et al., 2010). Ela atinge o sistema nervoso central em
menos de dez segundos (REIS, FORTES, 2012).
Quando a nicotina é absorvida através da fumaça ela chega mais
rapidamente ao cérebro do que quando aplicada via intravenosa. As concentrações
plasmáticas encontradas no sangue arterial situam-se entre 20 e 60 ng.mL-1 após
consumir a quantidade de nicotina equivalente à presente em um cigarro. Logo após
a primeira tragada no cigarro as concentrações plasmáticas de nicotina podem
chegar a 7 ng.mL-1. Após cerca de 20 minutos do término do cigarro, os níveis de
nicotina diminuem rapidamente por causa da sua ampla distribuição pelos tecidos.
Sendo então o volume de distribuição da nicotina cerca de duas vezes o peso
corporal (CAMILLO, 2014).
Após uma tragada no cigarro, a nicotina presente no tabaco é transportada
através da fumaça entrando em contato com a circulação arterial indo então para o
cérebro. Sua absorção estomacal é limitada devido ao fato de que a nicotina é uma
base relativamente forte, exceto em casos cujo pH intragástrico for elevado, pois
nestas condições a nicotina será então bem absorvida pelo estômago. Devido ao pH
do intestino, a absorção intestinal da nicotina é muito mais eficiente. Quando se
pratica o ato de mascar as folhas do tabaco a nicotina pode ser absorvida mais
lentamente do que quando se faz o uso de cigarro no qual a nicotina vai ser inalada,
possuindo uma maior duração de efeito (CUNHA et al., 2007; AKRODOU, 2015).
Os fumantes de charutos e cachimbos não têm tanta necessidade de tragar
o fumo para obter a satisfação, pois, no tabaco utilizado para produzir os charutos e
cachimbos a nicotina encontra-se na forma não-protonada devido ao pH alcalino o
que facilita a absorção da nicotina pela mucosa oral. Já a nicotina presente no
cigarro é ácida, e por isso praticamente não é absorvida pela mucosa oral,
necessitando ser tragada para que seja absorvida nos pulmões (BALBANI,
MONTOVANI, 2005).
33
A nicotina possui meia vida de aproximadamente duas horas enquanto que a
cotinina possui meia vida de vinte horas (MAN et al., 2006; MALAFATTI, MARTINS,
2009; REIS, FORTES, 2012). O declínio do nível de nicotina plasmática pode ser
rápido ou lento. Quando o declínio é rápido ele é resultante da redistribuição entre o
sangue e os outros tecidos, enquanto que o declínio lento é resultado do
metabolismo hepático (CUNHA et al., 2007).
A maior parte da metabolização da nicotina é hepática, através do citocromo
P450, e a outra parte do metabolismo ocorre em porção bem menor nos pulmões
(ROSEMBERG, J., ROSEMBERG, A. M. A., MORAES, M. A., 2004). Ao fim dos
processos de metabolismo da nicotina, apenas 5% é excretado de forma inalterada
pelos rins (BALBANI, MONTOVANI, 2005). O metabolismo da nicotina em cotinina é
realizado pela enzima CYP2A6. Essa enzima faz parte do citocromo P450 que é
uma família de hemoproteínas envolvidas no metabolismo de diversas substâncias
(MONÇORES et al., 2008).
Cerca de 80% da nicotina consumida é metabolizada em cotinina e somente
4% é metabolizada em N’-óxido. A cotinina pode ser determinada na saliva, plasma,
urina e cabelo. Ela é metabolizada em 3’-hidroxicotinina que pode ser encontrada
livremente na urina (CUNHA et al., 2007; MALAFATTI, MARTINS, 2009). Também
são utilizadas como biomarcadores que atestam a absorção de substâncias contidas
no tabaco pelos fumantes regulares e fumantes passivos. O tiocianato e a nicotina
na saliva, plasma ou urina, a carboxihemoglobina no sangue e o monóxido de
carbono no ar expirado são menos usados, pois podem sofrer influência do
ambiente ao contrário da cotinina (ROSEMBERG, J., ROSEMBERG, A. M. A.,
MORAES, M. A., 2004; MALAFATTI, MARTINS, 2009).
O pH da urina influencia diretamente na excreção da nicotina, pois quando a
urina é alcalina a nicotina não se ioniza. Este fator faz com que aumente a absorção
tubular sendo menos excretada e mantêm-se por maior tempo em altas
concentrações na circulação. Quando o indivíduo faz uso concomitante do cigarro e
do álcool leva ao aumento da eliminação da nicotina, pois ocorre uma acidificação
da urina. Sendo assim os fumantes que consomem álcool, têm uma necessidade de
diminuir o intervalo entre os cigarros fumados. Isso ocorre devido ao fato de que os
níveis de alcaloide presentes no sangue diminuem mais rapidamente havendo
necessidade de se repor a nicotina, portanto fuma-se mais. Desta forma os
tabagistas sempre tendem a consumir o cigarro para manter as concentrações de
34
nicotina
no
sangue
exigidas
pela
dependência
física
(ROSEMBERG,
J.,
ROSEMBERG, A. M. A., MORAES, M. A., 2004).
Dentre os aditivos que a indústria do tabaco acrescenta na fabricação do
cigarro para torná-lo mais agradável ao paladar, vários tem a função de liberar mais
nicotina. Um dos mais importantes aditivos utilizados é a amônia que é alcalina e
eleva o pH da nicotina. Sabe-se que quanto mais alto o pH, de 11 para cima, maior é
a liberação da nicotina, maior sua difusão orgânica e penetração pelas membranas
celulares nos tecidos (ROSEMBERG, J., ROSEMBERG, A. M. A., MORAES, M. A.,
2004).
A nicotina provoca a redução da meia vida de diversos medicamentos, como
por exemplo: anestésicos locais, morfina, codeína, teofilina, heparina, varfarina,
amitriptilina, imipramina, propranolol, clorpromazina, diazepam, clordiazepóxido e
indometacina. Ela provoca essa redução pois, age como indutora enzimática no
fígado. Devido a isso os fumantes podem requerer doses maiores desses
medicamentos para obter o efeito terapêutico desejado (BALBANI, MONTOVANI,
2005).
4.1.5.
Dados Epidemiológicos do Tabagismo
O tabagismo constitui um distúrbio social e global. Este atinge todas as
regiões do mundo e todos os contextos sociais, sendo atualmente um grande
problema evitável na saúde pública. O consumo do tabaco pode levar ao óbito de
muitas maneiras, contribuindo para seis das oito principais causas de mortes em
todo mundo (Figura 4) (WHO, 2008).
Atualmente o tabagismo mata mais de cinco milhões de pessoas por ano, e
se não forem realizadas medidas preventivas estima-se que até 2030 ele será
responsável por matar mais de oito milhões de fumantes, mais do que a HIV,
tuberculose e malária juntos. A maioria dessas mortes provavelmente irá ocorrer em
países de média e baixa renda. O consumo do tabaco é comum em todo o mundo
devido às fortes estratégias de marketing, baixos impostos e falta de políticas
públicas de consumo (WHO, 2008; WHO, 2015).
35
Milhões de doenças
Figura 4: Principais causas de mortes e relação com o tabagismo.
Doenças
Cardíacas
Vasculares
Inferiores
Doenças
Infecção Doença
cérebrodas vias pulmonar
respiratórias obstrutivas
crônica
pulmonares
HIV/AIDS
Doenças Tuberculose Câncer de Consumo
digestivas
traqueia, de tabaco
brônquios
Legenda: As áreas listradas indicam a proporção de doenças relacionadas ao tabagismo e estão
coloridas de acordo com a coluna correspondente à causa de mortalidade.
Fonte: Adaptado de WHO, 2008.
Öberg et al. (2011) em estudo realizado em 192 países, concluíram que a
exposição ao fumo ambiental foi responsável pela morte de 603.000 indivíduos
mundialmente, representando 1,0% das mortes em todo mundo. Sendo que 47%
das mortes foram mulheres, 28% crianças e 26% homens, todos fumantes passivos.
O tabagismo tem sido responsável por cerca de 45% de todas as mortes causadas
pelas neoplasias malignas (FOCCHI, SILVA, SCIVOLETTO 2011; REIS, FORTES,
2012).
O Ministério da Saúde promoveu um inquérito, em que anualmente se
realiza a Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por
Inquérito Telefônico (VIGITEL). Um dos levantamentos desse inquérito é em relação
ao tabagismo no Brasil. De acordo com esses dados desde 2006 até 2014 nota-se
uma diminuição na frequência de fumantes de aproximadamente 28% nesses anos
(Figura 5). Entretanto, a quantidade de homens fumantes sempre esteve acima da
quantidade de mulheres fumantes de acordo com os dados da pesquisa (Figura 6)
(BRASIL, 2015b).
36
Figura 5: Porcentagem de fumantes no Brasil de 2006 a 2014.
Porcentagem de fumantes no Brasil.
16,20%
16,40%
16,10%
15,50%
15,10%
14,80%
12,10%
2006
2007
2008
2009
2010
11,30%
10,80%
2012
2013
2014
15,50%
14,40%
2011
Fonte: Adaptado de Brasil, 2015b.
Figura 6: Porcentagem de fumantes por diferenciação de sexo.
MASCULINO
20,30%
20,90%
12,80%
20,50%
12,60%
19,00%
12,40%
FEMININO
17,90%
12,50%
18,10%
12,70%
12,00%
9,20%
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
12,80%
8,60%
2013
9,00%
2014
Fonte: Adaptado de Brasil, 2015b.
Em 2011 existiam cerca de 1,3 bilhão de fumantes no mundo. Estima-se que
a metade deles, se continuarem fumando, irá morrer prematuramente devido às
doenças cardiovasculares, câncer ou doenças envolvidas no sistema respiratório. A
expectativa de vida dos fumantes é em média 25% menor que a dos indivíduos que
nunca fumaram (FOCCHI, SILVA, SCIVOLETTO 2011).
37
No Brasil ocorrem cerca de 200 mil mortes por ano relacionadas ao uso de
cigarros. Os gastos no Brasil com o tabagismo ultrapassam 330 milhões de reais ao
ano. A dependência do tabaco é a principal causa de morte passível de prevenção
nos países ocidentais, constituindo um enorme problema de saúde pública
(FOCCHI, SILVA, SCIVOLETTO 2011).
De acordo com as pesquisas realizadas pelo Ministério da Saúde (VIGITEL)
de 2006 até 2013, as capitais brasileiras que tiveram a maior porcentagem de
fumantes estão descritas na Figura 7. Observa-se que em Porto Alegre, no Rio
Grande do Sul, é onde se concentra a maioria dos fumantes em quase todos os
anos.
Figura 7: Capitais Brasileiras com maior porcentagem de fumantes por ano.
Porcentagem de fumantes
21,20%
21,70%
20,90%
22,60%
22,50%
20,00%
18,20%
Porto Alegre Porto Alegre São Paulo - Porto Alegre Rio Branco Porto
- RS
- RS
SP
- RS
AC
Alegre-RS
2006
2007
2008
2009
2010
2011
16,50%
Porto
Alegre-RS
Porto
Alegre-RS
2012
2013
Fonte: Adaptado de Brasil, 2015b.
Os registros de custos gerados com o tabagismo são altos. Devido às
doenças que ele provoca, aumentam-se os gastos que o governo poderá ter com os
cuidados de saúde e com a redução da produtividade desse indivíduo. Atualmente
existem
várias
políticas
que
objetivam
reduzir
os
custos
econômicos
e
consequentemente reduzir o número de fumantes. Tais políticas determinam o
aumento dos impostos sobre o tabaco, proibição de fumar em locais públicos,
dificultam o comércio e propaganda, diminuindo então o consumo do tabaco.
Consequentemente, há a redução da incidência das doenças relacionadas ao
tabaco e aumenta o desenvolvimento econômico do país (WHO, 2008; WHO, 2015).
38
O consumo do tabaco vem sendo realizado sob diversas formas desde o
início de sua propagação pelo mundo. Ao longo do tempo foram desenvolvidas
novas formas como, por exemplo, nargilé, cigarros eletrônicos, no entanto, a
principal forma de consumo ainda consiste no uso de cigarro, principalmente
industrializado (Figura 8) (INCA 2011).
Figura 8: Percentual de fumantes por tipo de produto no Brasil.
Porcentagem de fumantes
17,10%
14,40%
5,15%
0,80%
qualquer cigarro
cigarro industrializado
cigarro de palha ou
enrolado a mão
outro produto de tabaco
fumado
Fonte: Adaptado de INCA, 2011.
A diminuição do tabagismo é uma consequência das ações desenvolvidas
pelo governo federal para combater o consumo do tabaco. Os principais motivos
para essa redução no consumo do tabaco são: o aumento no preço dos cigarros; a
proibição de fumar em ambientes públicos e a proibição das propagandas
relacionam positivamente ao cigarro (BRASIL, 2015).
4.2. FARMACOGENÉTICA E FARMACOGENÔMICA
4.2.1.
Conceitos Gerais e Medicina Personalizada
Os indivíduos possuem suas particularidades e diferenças e o genoma de
cada um permite que ele seja único. O patrimônio genético contribui de forma
pertinente para a eficácia e tolerância de um determinado fármaco de indivíduo para
indivíduo (GOUVEIA, 2008). Os indivíduos apresentam uma variabilidade na forma
como respondem à administração de uma mesma dose de fármaco. A resposta aos
fármacos é multifatorial. Os principais motivos dessas diferenças são: a idade,
39
fatores imunológicos, estados patológicos, terapia concomitante, interação entre
fármacos e as variações nos genes que codificam as enzimas responsáveis pela
metabolização, transporte ou alvo de fármacos (METZGER, SOUZA-COSTA,
TANUS-SANTOS, 2006; GOUVEIA, 2008; GURROLA, GUEVARA, RAMÍREZ, 2010;
LUIZON et al., 2010; MURY, 2015a).
Os polimorfismos são de grande interesse médico no estudo de genes
relacionados com as enzimas que metabolizam os fármacos. Com base nos
polimorfismos de metabolismo se obtém variações no fenótipo do indivíduo. Desde
1950 se tem conhecimentos sobre os indivíduos que são considerados
metabolizadores ultrarrápidos, rápidos, intermediários e lentos de fármacos (Figura
9). Estes metabolizadores são o que torna o fármaco inativo ou potencializa os seus
efeitos colaterais, devido a seu acúmulo excessivo no organismo (SOOKOIAN,
PIROLA, 2004; METZGER, SOUZA-COSTA, TANUS-SANTOS, 2006; SILVA,
ANDRADE, 2008; GURROLA, GUEVARA, RAMÍREZ, 2010; BRAVO, CAMINOS,
SCHMALBACH, 2011).
Figura 9 - Relação entre os diferentes grupos de resposta à mesma dose de um fármaco.
Fonte: LUIZON et al., 2010
40
As observações clínicas das diferenças de heranças genéticas sobre os
efeitos das drogas foram descritas em 1959 quando Vogel introduziu o termo
farmacogenética para explicar a variação de cada indivíduo em relação às respostas
aos fármacos. Vogel se baseou em estudos anteriores que demonstravam a
variação na atividade de diversas enzimas, até mesmo em gêmeos univitelinos. Ele
destacava a medicina genômica que possui a finalidade de definir a susceptibilidade
de um indivíduo a várias doenças. Dentro da medicina genômica ele ressaltava
também a farmacogenômica (MONÇORES et al., 2008; GURROLA, GUEVARA,
RAMÍREZ, 2010; MURY, 2015a).
Os
termos
farmacogenômica
e
farmacogenética,
na
prática,
são
considerados sinônimos, mas, minuciosamente falando, a farmacogenômica baseiase em abordagens mais amplas utilizando todo o genoma para explicar a diferença
da herança genética entre indivíduos frente aos fármacos. Já a farmacogenética
está mais voltada para o metabolismo das drogas, mas, ultimamente tem se
estendido para abranger toda a gama de disposição de drogas, incluindo
transportadores
que
influenciam
a
absorção,
distribuição
e
excreção
de
medicamentos (METZGER, SOUZA-COSTA, TANUS-SANTOS, 2006; MURY,
2015a).
Estas áreas da farmacologia clínica estudam então, como o perfil genético
de um indivíduo interfere na resposta aos fármacos. Têm como objetivo a otimização
da administração medicamentosa. A personalização da dose e a prevenção são
realizadas pela associação entre a resposta à droga e as variantes genéticas.
Consideram-se também quais indivíduos serão beneficiados e quais não, e como as
diferenças
genéticas
condicionam
a farmacocinética
e a
farmacodinâmica
(METZGER, SOUZA-COSTA, TANUS-SANTOS, 2006). Esses conhecimentos
sugerem muitas evidências de que a maior parte da terapia medicamentosa pode
ser individualizada, pois somente de 30 a 60% da população apresenta uma
resposta comum a essas terapias (SPEAR, HEATH-CHIOZZI, HUFF, 2001; BRAVO,
CAMINOS, SCHMALBACH, 2011).
Para
se
alcançar
estes
objetivos,
a
farmacogenética
reúne
os
conhecimentos gerados pela farmacologia tradicional e os conhecimentos da
bioquímica, com os dados gerados pelo Projeto Genoma Humano. Com o advento
das tecnologias baseadas no DNA realizou-se o sequenciamento completo do
genoma humano abrindo os caminhos para se estudar o genoma como um todo,
41
além de relacionar os polimorfismos de nucleotídeo único (SNP’s do inglês Single
Nucleotide Polymorphism) com a resposta a determinado fármaco (SOOKOIAN,
PIROLA, 2004; SILVA, ANDRADE, 2008; GURROLA, GUEVARA, RAMÍREZ, 2010).
Os avanços da farmacogenômica ocorreram graças à Era Pós-Genômica,
com a conclusão do projeto genoma humano. O genoma humano é altamente
variável e existem cerca de 10 milhões de SNP’s, uma média de um a cada 1.300
pares de bases. Acredita-se que determinadas combinações seriam responsáveis
pelas características dos indivíduos e à susceptibilidade ou resistência às
enfermidades e diferentes respostas aos fármacos. É importante destacar que
grande parte dos SNP’s são bialélicos e que a frequência dos alelos menos
abundantes pode ser bastante elevada ocorrendo em 40% da população
(SOOKOIAN, PIROLA, 2004; GURROLA, GUEVARA, RAMÍREZ, 2010; MURY,
2015a).
A família das enzimas do citocromo P450 consiste em várias isoenzimas
responsáveis pelo metabolismo de substâncias exógenas. Os polimorfismos em
genes que codificam essas enzimas podem modificar sua habilidade de metabolizar
determinados fármacos. Dessa maneira, há a caracterização de formas ativas ou
inativas das enzimas que impedem a eliminação eficiente dos fármacos e causam,
por exemplo, a sobre dosagem dos mesmos (INGELMAN-SUNDBERG et al., 2007).
A caracterização dos polimorfismos das enzimas do citocromo P450 é uma
das bases de determinação da medicina personalizada (SIM, ALTMAN, INGELMANSUNDBERG, 2011). As enzimas do citocromo P450 são um dos principais alvos de
estudo da farmacogenômica, pois as drogas no organismo são metabolizadas por
diversas enzimas. O metabolismo mais importante de fármacos ocorre através da
oxidação pelas enzimas do citocromo P450 (SOOKOIAN, PIROLA, 2004).
Com o conhecimento adquirido por meio do projeto genoma humano e os
avanços em biotecnologia, foi possível o conhecimento e os avanços de muitos
mecanismos moleculares da fisiologia e patologia humana (BRAVO, CAMINOS,
SCHMALBACH, 2011). A farmacogenética tem se expandido graças às tecnologias
para análises genômicas, como por exemplo, o sequenciamento de segunda
geração, PCR (reação em cadeia da polimerase) quantitativa em tempo real e PCR
digital. Assim torna-se possível analisar milhares de variantes ao mesmo tempo
reduzindo custos no diagnóstico genético e resultando em uma medicina preventiva
e personalizada baseada no genótipo de cada indivíduo (MURY, 2015a).
42
A medicina personalizada tem como objetivo compreender a função dos
genes descritos no projeto genoma humano e como eles podem atuar em
determinados
quadros
patológicos.
Assim,
é
possível
determinar
a
susceptibilidade/resistência de um indivíduo a doenças, a tolerância a fármacos e
aos mecanismos regulatórios responsáveis por toda variação do genoma frente ao
ambiente (MURY, 2015b).
4.2.2.
Fatores Genéticos Relevantes para o Tabagismo
A nicotina e os outros componentes do tabaco são responsáveis pela
dependência químico-física do tabagista. No entanto, existem outros fatores
associados que estabelecem a dependência e sua intensidade, como as
características fisiológicas, orgânicas, psicológicas, genéticas e comportamentais
(O’LOUGHLIN et al., 2014). Os estudos envolvendo o tabagismo e a genética
tiveram início há quarenta anos, mas apenas com os avanços da tecnologia
biomolecular é que foram aprofundados (NATIONAL CANCER INSTITUTE, 2009).
O tabagismo constitui um comportamento multifatorial em que estão
envolvidos
fatores
genéticos
Arinami, Ishiguro, Onaivi
e
(2000),
ambientais.
que
De
examinaram
acordo
as
com
questões
estudos
de
genéticas,
ambientais, fatores individuais, suas inter-relações e as respostas a determinadas
drogas, a contribuição genética é responsável, em geral, por cerca de 80% do início
de uso do tabaco.
De acordo com Jones e Benowitz (2002), ao se avaliar irmãos gêmeos, os
fatores genéticos parecem ser mais relevantes do que os fatores ambientais na
iniciação do tabagismo e desenvolvimento da dependência. O’Loughlin et al. (2014),
concluíram que a hereditariedade contribua para a iniciação do tabagismo em 37%
em homens e de 55% em mulheres. A persistência do ato de fumar é de 59% em
homens e 46% em mulheres, e a hereditariedade é responsável por 70% dos casos
de dependência a nicotina.
Estudos sobre o papel da herança genética na adição ao tabagismo com
gêmeos realizados por Swan et al. (2004) revelam uma maior taxa de concordância
em relação ao tabagismo em irmãos monozigóticos do que em dizigóticos,
independente de terem sido criados juntos ou separados. E quando se analisa filhos
43
adotivos, estes apresentam um comportamento similar ao dos seus pais em relação
ao ato de consumir o tabaco.
Segundo Arinami, Ishiguro, Onaivi (2000) a variação genética na rota
dopaminérgica apresenta legitimidade nos estudos sobre a dependência tabágica,
pois estudos mostram o papel desse neurotransmissor nos efeitos de recompensa
ocasionados pela nicotina e por várias outras drogas de adição. Os genes mais
estudados na rota dopaminérgica são os que regulam o fluxo de dopamina no
sistema nervoso central. Ao se analisar a dopamina verifica-se que ela possui cinco
receptores diferentes (DR1, DR2, DR3, DR4 e DR5). Entre eles o DR2 é o mais
estudado devido à sua relação com outros comportamentos aditivos, como uso de
drogas lícitas ou ilícitas, jogos compulsivos, obesidade, e pelos efeitos liberadores
deste neurotransmissor pela nicotina (CHATKIN, 2006; CUNHA et al., 2007).
O polimorfismo nos alelos DR2 é mais frequente entre indivíduos fumantes
do que não fumantes. Ele é resultado de uma mudança da citosina por uma timina
na posição 32806 do gene DR2. Pessoas com mais de uma variante alélica em um
gene codificador desse receptor possuem menos receptores de dopamina no corpo
estriado no cérebro (CHATKIN, 2006; FRÍAS et al., 2007).
Os indivíduos com mais de uma variante do gene codificador do receptor de
dopamina possuem uma menor quantidade de receptores dopaminérgicos levando,
então, a um defeito na regulação de dopamina. Desta forma, necessitam de
estímulos extras, como o uso da nicotina exógena para liberação de níveis de
neurotransmissores suficientes para produzir as sensações de prazer e bem estar.
Portanto, possuem uma tendência maior a começarem a fumar mais precocemente,
fazendo uso de uma quantidade maior de cigarros diariamente, e apresentam uma
grande dificuldade de cessar o uso do tabaco (CHATKIN, 2006; FRÍAS et al., 2007;
CUNHA et al., 2007).
Os indivíduos que consomem o tabaco tendem a ajustar seu uso de forma a
manter os níveis de nicotina sempre no cérebro. As diferentes formas de
processamento da nicotina no sistema nervoso podem influenciar na necessidade de
consumo. A família das enzimas do CYP450 é responsável pelo metabolismo da
nicotina e o fenótipo de cada indivíduo agirá de forma decisiva no consumo,
farmacocinética, efeitos adversos e eficácia do tabaco (FRÍAS et al., 2007; LAIKA, et
al., 2009; CÁCERES et al., 2012).
44
Os metabolizadores lentos de nicotina são os indivíduos menos propensos a
fumar. Estes mantêm os níveis de nicotina por mais tempo no organismo
consequentemente, são mais susceptíveis aos efeitos adversos oriundos do uso do
tabaco, o que reduz as chances de se tornarem dependentes do cigarro. Ao
contrário dos metabolizadores rápidos de nicotina, que necessitam consumir uma
maior quantidade de tabaco em intervalos de tempos reduzidos para manterem os
níveis de nicotina no organismo, sendo então, mais susceptíveis à dependência
(FRÍAS et al., 2007; CÁCERES et al., 2012).
Na família das enzimas do citocromo P450 (CYP), em particular na enzima
CYP2A6, o gene que codifica essa enzima está localizado no braço longo do
cromossomo 19, e ocorrem três variantes do gene o CYP2A6*1, o CYP2A6*2 e o
CYP2A6*3. Os indivíduos portadores dos alelos CYP2A6*2 e CYP2A6*3 tem uma
menor probabilidade de serem fumantes, e se forem, tendem a consumir uma menor
quantidade de tabaco, pois são considerados metabolizadores lentos da nicotina,
consequente, terão altos níveis de nicotina no organismo. Já os indivíduos
portadores do alelo CYP2A6*1 apresentam uma maior probabilidade de consumirem
mais o tabaco, pois são metabolizadores rápidos da nicotina (ROSEMBERG, J.,
ROSEMBERG, A. M. A., MORAES, M. A., 2004; BALBANI, MONTOVANI, 2005;
CÁCERES et al., 2012; AKRODOU, 2015).
A enzima CYP2D6 também faz parte do citocromo P450 e atividade
aumentada dela contribui para que o indivíduo se torne tabagista. Há evidências de
que o gene que codifica essa enzima tem uma maior influência sobre as mulheres.
Isto provoca nelas uma maior dificuldade de abandonar o tabaco. Os indivíduos
homozigóticos
para
as
variantes
CYP2D6*3,
*4
e
*5
são
considerados
metabolizadores lentos da nicotina; aqueles que são portadores de uma ou duas
cópias dos genes funcionais CYP2D6*1 ou *2 são metabolizadores rápidos, e
aqueles indivíduos que são portadores de três ou mais cópias são considerados
metabolizadores ultrarrápidos (ROSEMBERG, J., ROSEMBERG, A. M. A.,
MORAES, M. A., 2004; METZGER, SOUZA-COSTA, TANUS-SANTOS, 2006;
SANTOS, 2011).
Pelo fato da nicotina ser o principal componente ativo do tabaco e por ela
influenciar na liberação de dopamina no núcleo accumbens, os polimorfismos nos
genes da via dopaminérgica são fortes candidatos a influenciar nos fenótipos do ato
de fumar, de cessar o tabagismo e na resposta ao tratamento antitabagista
45
(BEUTEN et al., 2006; JONHSTONE, 2007). De acordo com Munafò et al. (2011) a
enzima catecol-orto-metiltransferase (COMT) está envolvida na degradação da
dopamina, portanto, pode estar relacionada com a dependência tabágica.
Os polimorfismos Val108/158Met (rs4680) que estão localizados no éxon 3 do
gene da enzima COMT confere uma baixa atividade a ela. Isto leva a uma redução
de 3 a 4 vezes da sua atividade, o que resulta em um aumento da atividade
dopaminérgica (JONHSTONE, 2007). O metabolismo da COMT pode sofrer
variações de acordo com o sexo do indivíduo, devido aos efeitos do metabolismo de
estrogênio. O estrogênio é um regulador da atividade da COMT e atua diminuindo a
atividade da enzima. Com isso, a atividade da COMT poderá será menor em
mulheres do que em homens o que leva a diferenças na cessação do tabagismo de
acordo com o sexo (COLILLA et al., 2005; JONHSTONE, 2007; MUNAFÒ et al.,
2011).
Estudos realizados em 2005 por Colilla et al. concluíram que existe uma
associação significativa entre o polimorfismo Val108/158Met e a cessação do
tabagismo principalmente em mulheres. Nesse mesmo ano Beuten et al. (2005),
concluíram que existe uma associação entre o polimorfismo rs4680 e a dependência
tabágica em ambos os sexos e na etnia europeia e africana. Verificaram ainda que
uma menor atividade da COMT parece ser um fator contra a dependência da
nicotina. Pesquisas realizadas por Shiels et al. em 2008 sobre as consequências dos
polimorfismos da COMT no tabagismo concluíram que, não há nenhuma relação
entre os polimorfismos da COMT com a iniciação do tabagismo ou a dependência
nicotínica.
Munafò et al. (2011) obtiveram dados que sugerem uma relação entre o
genótipo da COMT com a quantidade de cigarros consumidos pelas gestantes, mas
não foi evidenciado nenhuma relação com a manutenção da dependência tabágica.
Não foi possível fazer nenhuma associação entre a cessação do tabagismo e a
COMT. Apesar dos resultados divergentes, o gene da COMT ainda é considerado
um fator de associação ao tabagismo.
A
quantidade
de
cigarros
consumidos
também
está
associada
a
polimorfismos nos genes da monoaminoxidase. Existem dois tipos: a MAO-A e a
MAO-B. Os polimorfismos nessas enzimas estão relacionados com o uso do tabaco.
Os indivíduos com atividade reduzida da enzima MAO-A tem mais chances de se
46
tornarem fumantes e dependentes do cigarro em comparação com indivíduos com
atividade enzimática normal (CHATKIN, 2006; JIN et al., 2006).
4.2.3. Farmacogenética Aplicada ao Tabagismo
As
primeiras
publicações
da
farmacogenética
relacionada
aos
medicamentos utilizados no tratamento do distúrbio tabágico começaram a surgir no
ano 2000. Estes identificaram, de modo preliminar, que alguns alelos podem estar
relacionados na determinação do tipo de resposta terapêutica (CHATKIN, 2006). A
capacidade dos genes envolvidos no metabolismo de drogas poderá fortalecer ou
enfraquecer o tratamento da dependência da nicotina, pois irá influenciar na sua
farmacocinética e farmacodinâmica (AKRODOU, 2015).
Os tratamentos mais utilizados na cessação tabágica são: a terapia
comportamental cognitiva (TCC); terapia de reposição de nicotina (TRN); e os
tratamentos farmacológicos (REICHERT et al., 2008). A terapia comportamental
cognitiva é baseada no autocontrole para que o indivíduo entenda e saia do ciclo
vicioso da dependência (SARDINHA et al., 2005). A terapia de reposição de nicotina
(TRN) pode ocorrer de duas formas: liberação lenta pelo uso de adesivos
transdérmicos e liberação rápida por meio de gomas de mascar, pastilhas,
inaladores e sprays. Os tratamentos farmacológicos podem ser com cloridrato de
bupropiona, nortripitilina, tartarato de vareniclina e clonidina (REICHERT et al., 2008;
FOCCHI, SILVA, SCIVOLETTO 2011; SILVA, 2010; AKRODOU, 2015).
Os fumantes com baixo nível de dependência à nicotina, os fumantes não
obesos e os caucasianos podem responder melhor ao tratamento transdérmico de
reposição de nicotina. Já os fumantes com sobre peso e os altamente dependentes
podem responder melhor ao tratamento com pulverização nasal. Para as mulheres
dependentes de nicotina, a bupropiona é um tratamento com mais chances de
eficácia assim como em indivíduos com alta dependência tabágica (BERRETTINI,
LERMAN, 2005).
As informações fenotípicas não fornecem uma base comprovada sobre a
melhor escolha de tratamento para cada indivíduo fumante. Somente a
farmacogenética poderá identificar a terapia medicamentosa com resultados mais
eficientes para cada indivíduo. Uma abordagem farmacogenética para o tratamento
da dependência à nicotina revelará o DNA e os polimorfismos nos genes que
47
influenciam no sucesso do tratamento, assim como as taxas de metabolismo e a
toxicidade (DIEHL, CORDEIRO, LARANJEIRA, 2010).
Apesar dos progressos detectados no tratamento farmacológico da
dependência ao tabaco, a sua eficácia ainda é considerada limitada. Como por
exemplo, o adesivo transdérmico de nicotina é considerado o tratamento de primeira
linha. Vários indivíduos apresentam recaídas após o tratamento com este adesivo.
Já o uso da bupropiona leva a uma taxa maior de abandono do tabaco, mas é eficaz
apenas em uma minoria dos fumantes (BERRETTINI, LERMAN, 2005).
Segundo estudos de Lerman et al., (2002), o gene CYP2B6 está envolvido
na farmacocinética da bupropiona e no metabolismo da nicotina no SNC. Os
indivíduos
fumantes
com
atividade
diminuída
do
CYP2B6,
considerados
metabolizadores lentos, apresentavam maiores dificuldades na cessação do
tabagismo. Isto ocorria devido à fissura por cigarro, e a porcentagem de desistência
eram maiores quando comparados aos metabolizadores normais. Pelo fato de que
os efeitos eram alterados pela relação entre o tratamento, genótipo e sexo do
indivíduo, o uso de bupropiona atenuou a tendência genética para a recaída nos
portadores deste polimorfismo, mas apenas nos fumantes do sexo feminino
(CHATKIN, 2006; ORIVE et al., 2006).
Os polimorfismos ligados ao transporte de dopamina na fenda sináptica
também estão diretamente relacionados à quantidade de cigarros consumidos pelos
fumantes. Ao se analisar a variabilidade genética na via dopaminérgica investigando
os polimorfismos no gene que transporta a dopamina, o SLC6A3, e o seu receptor
DRD2, os resultados apontaram a interação gene-gene na probabilidade de
fracasso. Os fumantes com alelos DRD2-A2 e SLC6A3-9 tem menor probabilidade
de fumar, param de fumar com mais facilidade e apresentam um período maior de
latência para recaída. Já em fumantes com alelos DRD2-A1, o polimorfismo do gene
SLC6A3-9 não obtém significância (ROSEMBERG, J., ROSEMBERG, A. M. A.,
MORAES, M. A., 2004; BERRETTINI, LERMAN, 2005; CHATKIN, 2006; CUNHA et
al., 2007).
Segundo Orive et al. (2006), as análises sobre as variações genéticas das
vias dopaminérgicas se baseiam no fato de que uma parte dos efeitos da bupropiona
ocorrem devido à inibição de recaptação da dopamina. As análises genéticas se
baseiam nos polimorfismos comuns ao gene transportador DAT1 e do receptor
DRD2 da dopamina, que estão associados ao ato de fumar. Os resultados revelaram
48
que os portadores do genótipo DRD2A têm maiores chances de parar de fumar, e
em DRD2A1 não se encontrou associação significativa.
De acordo com estudos farmacogenéticos de Johnstone et al., (2004)
relacionados com o tratamento de reposição de nicotina transdérmica, concluíram
que esta era mais eficaz que placebo nos portadores do alelo DRD2-A1, mas não
para os homozigóticos para o alelo DRD2-A2. Nesse mesmo estudo avaliou-se outro
polimorfismo comum no gene que codifica a enzima que converte a dopamina em
noradrenalina, a dopamina beta-hidroxilase, em que os adesivos foram mais efetivos
em mulheres com os polimorfismos DRD2-A1 e DBH-A.
Portadores do polimorfismo DRD2-A1 tem mais chances de terem uma
síndrome de abstinência e menores períodos de latência até as recaídas, com maior
eficácia no uso de adesivo de nicotina. Existem indícios que a farmacoterapia
eficiente para o tabagismo possa ser influenciada por diferentes fatores genéticos
em indivíduos do sexo masculino e feminino (CHATKIN, 2006).
O papel do polimorfismo CYP2A6 é determinante no desenvolvimento de
dependência ao tabaco e também na eficácia do tratamento. De acordo com ensaios
clínicos de Akrodou (2015), os indivíduos que possuem os polimorfismos CYP2A6*2
e CYP2A6*3 quando fazem uso de bupropiona para tratamento do tabagismo
apresentam maiores chances de sucesso no tratamento em comparação aos
indivíduos que possuem o alelo CYP2A6*1 durante um tratamento de seis meses de
duração.
Em estudo realizado por Lerman et al. (2004), com o uso de adesivos de
reposição de nicotina e spray nasal, no qual se avaliava a ação do gene do receptor
μ opióide (OPRM1), que é conhecido por ser o ponto de ligação da beta endorfina
para seu efeito de recompensa, sendo liberada ao administrar a nicotina. O éxon 1
do receptor OPRM1 inclui o Asn40Aps. A variante Asp40 aumenta a afinidade de
união da beta endorfina pelo receptor que praticamente triplica com relação à
variante Asn40.
Lerman et al., (2004), concluíram que os indivíduos que possuem o
polimorfismo OPRM1 Asp40 nos genes que codificam os receptores de endorfina no
cérebro apresentam mais afinidade do neurotransmissor pelo seu receptor. Com
isso, obtiveram resultados positivos na cessação do tabagismo com o uso de
adesivos de nicotina em comparação aos indivíduos Asn40. Não se observou
diferenças quanto ao uso de spray de nicotina, principalmente quando se utilizava
49
adesivos de reposição de nicotina com 21mg. Este estudo foi um dos primeiros que
relatava a interação entre genótipo, apresentação e dose do fármaco a ser utilizada
(ORIVE et al., 2006). Os indivíduos com a variante Asp40, durante a retirada da
nicotina, apresentavam menos sintomas de abstinência, menos perturbações de
humor e não tiveram um aumento de peso muito grande (BERRETTINI, LERMAN,
2005).
O sistema serotoninérgico está ligado ao comportamento do tabagismo, pois
a nicotina aumenta a serotonina no organismo (MIGOTT, 2007). Estudos
relacionados a rota serotoninérgica e o tabagismo são escassos, mas de acordo
com resultados de estudos de Haggsträm et al., (2006), os fumantes com o
polimorfismo CC no gene receptor de serotonina 5HT2A apresentam mais chances
de não conseguirem parar de fumar com uso de bupropiona e nortripitilina. Os
indivíduos com os alelos TC tem mais chances de sucesso no tratamento com estes
medicamentos (CHATKIN, 2006). A Tabela 2 apresenta os principais genes e seus
polimorfismos considerados em estudos associados ao tabagismo.
Tabela 2 – Genes relevantes para o tabagismo
Gene
Polimorfismo
Fenótipo
Consequências
no uso do tabaco
Gene do receptor de
dopamina DR2
Mudança de
uma citosina por
uma timina na
posição 32806.
Menos receptores
dopaminérgicos,
necessitando de nicotina
exógena para serem
produzidas sensações de
prazer e bem-estar.
Uso de uma
quantidade maior
de cigarros e mais
dificuldades em
parar de fumar.
CYP2A6*2
CYP2A6*3
Indivíduos que
metabolizam lentamente a
nicotina, tendo altos
níveis de nicotina no
organismo por um período
maior de tempo.
Consumo de uma
menor quantidade
de cigarros.
CYP2A6*1
Indivíduos metabolizam a
nicotina mais rápido,
tendo os níveis de
nicotina baixos no
organismo mesmo após o
consumo de cigarro.
Consumo de uma
maior quantidade
de cigarros.
Gene da enzima
CYP2A6
Gene da enzima
CYP2A6
50
Tabela 2 Continuação...
Gene
Polimorfismo
Fenótipo
Consequências
no uso do tabaco
CYP2D6*3
CYP2D6*4
CYP2D6*5
Indivíduos que
metabolizam lentamente a
nicotina, tendo altos
níveis de nicotina no
organismo por um período
maior de tempo.
Consumo de uma
menor quantidade
de cigarros.
CYP2D6*1
CYP2D6*2
Indivíduos metabolizam a
nicotina mais rápido,
tendo os níveis de
nicotina baixos no
organismo mesmo após o
consumo de cigarro.
Consumo de uma
maior quantidade
de cigarros.
Gene da enzima
CYP2D6
Gene da enzima
CYP2D6
Cessação do
tabagismo em
mulheres.
Gene da enzima
COMT
Val108/158Met
-
Gene da
monoaminoxidase
MAO-A
MAO-B
Atividade reduzida MAOA
Mais chances de
se tornar fumantes
e dependentes do
tabaco.
Fonte: O próprio autor, 2015.
Sendo assim, mesmo existindo medicamentos para o tratamento de
fumantes, as diferenças genéticas de cada indivíduo impedem o sucesso
terapêutico. Os estudos farmacogenéticos podem ajudar no sucesso terapêutico, na
diminuição dos efeitos adversos, predizendo quais variantes genéticas poderão ser
tratadas com determinados meios terapêuticos (CHATKIN, 2006). O tratamento de
pacientes dependentes da nicotina baseados em seu genótipo levaria a um aumento
das chances de abandono completo do tabaco. O tratamento eficaz dos
dependentes da nicotina dever ser realizado através da medicina individualizada de
acordo com a composição genética (AKRODOU, 2015).
4.2.4. Avanços e Perspectivas
A farmacogenética evoluiu bastante desde o ano 2000. A maior perspectiva
é que ela possa contribuir para a individualização terapêutica, ou seja, a prescrição
personalizada do medicamento correto, na dose certa para cada indivíduo, baseada
nas
características
genéticas
que
interferem
na
farmacocinética
e
na
farmacodinâmica dos fármacos. As possibilidades de aplicação da farmacogenética
51
são amplas e ainda podem envolver a identificação de novos alvos terapêuticos,
melhoria da farmacologia clínica, criação de testes genéticos para a escolha de
medicamentos e a adequação de esquemas posológicos (SILVA, ANDRADE, 2008).
A ciência tem aprofundado no estudo do DNA para prevenir o
desenvolvimento de doenças e melhores opções de tratamento das doenças com o
desenvolvimento de novos fármacos e a otimização das doses das drogas e
métodos de tratamento das enfermidades. Iniciando-se então uma nova fase da
medicina personalizada, em que os profissionais da saúde passarão a tratar “aquela”
doença “daquele” paciente e não mais a doença do paciente. O século XXI poderá
ser considerado o século da genética (BARRETO, 2014).
A goma de nicotina era o único tratamento farmacológico para dependência
ao tabaco aprovado pela FDA nos Estados Unidos até o ano de 2009. Desde 2010
temos vários medicamentos utilizados para este fim baseados em estudos
neurobiológicos (SILVA, 2010). O futuro do tratamento de fumantes será
individualizado empregando a combinação de diversos fármacos que atuem em
diferentes locais. Finalmente, serão aprofundados os conhecimentos que se tem
sobre a farmacogenética e a farmacogenômica relacionados à cessação tabágica
(ORIVE et al., 2006).
De acordo com Akrodou (2015), embora o ato de fumar seja sustentado pelo
indivíduo, os genes das enzimas que metabolizam a nicotina tem grande influência
na dependência. Atualmente o tratamento da dependência à nicotina não leva em
consideração esses genes, como é o caso das variantes do gene da enzima
CYP2A6 que pode caracterizar o indivíduo como metabolizador lento, outros genes
como o CYP2B6 e os receptores de dopamina.
Dentre os genes envolvidos com a nicotina no organismo, o gene CYP2A6 é
o mais estudado por seu produto enzimático estar envolvido nos processos de
farmacocinética da nicotina. Os polimorfismos da CYP2A6 têm propriedades que
aumentam ou diminuem a concentração de nicotina no cérebro, alterando os
mecanismos de dependência à nicotina (AKRODOU, 2015).
Com o desenvolvimento de tecnologias avançadas, aumentam-se os
caminhos para que os pesquisadores possam entender as complexas interações
que ocorrem entre os genes e os fatores ambientais, traduzindo as suas conclusões
em um tratamento clínico. Além disso, as ciências de farmacogenética e
52
farmacodinâmica revelaram funções de genes que podem então ser incorporados na
decisão de um melhor tratamento para o tabagista (KHOURY, 2010).
O mecanismo de recaída acentua a ação dos genes dos receptores e
metabolizadores de nicotina que atuam como fortes estimulantes biológicos
aumentando o hábito de fumar. Consequentemente, as terapias de reposição da
nicotina atuam apenas para proporcionar um alívio moderado. Aproximadamente
80% dos dependentes do tabaco com uso dessas terapias voltam a fumar dentro do
primeiro ano (FOULDS, 2006)
Embora os tratamentos farmacológicos possam ajudar o indivíduo a ficarem
por
um
tempo
de
abstinência
do
tabaco
combinado
com
intervenções
comportamentais, eles são limitados. Sua composição não é adaptada para a
genética específica de cada indivíduo (AKRODOU, 2015). Com os avanços da
farmacogenética espera-se que no futuro a variabilidade de resposta a um
medicamento poderá ser atribuída a genes específicos, devido ao conhecimento
mais aprofundado de grande parte dos polimorfismos comuns em genes de
interesse farmacológico (SILVA, ANDRADE, 2008).
53
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tabagismo constitui um extenso problema para a saúde pública devido à
grande quantidade de indivíduos acometidos e aos gastos com os tratamentos das
doenças desencadeadas pelo fumo. Um tratamento realmente eficaz, com baixas
taxas de recaídas e menores efeitos adversos da cessação do tabagismo seriam de
grande benefício para a saúde pública.
Entretanto, estudos sugerem que as
informações genéticas dos indivíduos podem contribuir para se entender o
delineamento do uso do tabaco, o possível abandono do vício tabagista e as
recaídas e retorno ao vício dos pacientes. O conhecimento da variabilidade genética
do metabolismo de fármacos podem fornecer subsídios importantes para auxiliarem
na escolha do medicamento e dose personalizando o tratamento para a
dependência
da
nicotina.
Apesar
dos
diversos
estudos
relacionados
à
farmacogenética e farmacogênomica do tabagismo, as informações obitidas ainda
não são utilizadas na prática clínica. Um dos motivos é a falta de estudos que
confirmem a associação dos genes e a relação com o medicamento de escolha no
tratamento da dependência a nicotina. Somente após a conclusão desses estudos, é
que poderá ser considerada a variabilidade genética na escolha de um tratamento
eficaz para o tabagismo, que otimizaria o tratamento com maiores chances de
sucesso no tratamento da dependência tabágica. Apesar do longo caminho dos
estudos da farmacoterapia e da genética, a terapia personalizada irá gerar grandes
melhorias na saúde em geral, constituindo um caminho para a medicina futura.
54
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Monografia Tuanny