Díálogo com o editor Nancy Alfieri Nunes Editora Gerente Dra. Aline Bassi Denis Bordini do Amaral, mestre e doutora, é formada pela Faculdade de Odontologia de Lins e tem desenvolvido trabalhos a partir de polímeros, sua estrutura e propriedades no Instituto de Química de São Carlos (USP), tendo sido premiada no Fórum Mundial de Materiais Avançados em 2012, na Croácia. 1 – Dra. Aline, muito nos honra ver uma de nossas ex-alunas despontando e contribuindo de forma efetiva para a Odontologia nacional! Assim sendo, propusemo-nos a um diálogo para que seus trabalhos possam ser entendidos pela comunidade odontológica e devidamente valorizados pela importância de suas descobertas, influenciando no dia a dia do cirurgião-dentista. Sabe-se que a inadequada polimerização das resinas compostas pode interferir na longevidade e qualidade das restaurações dentárias, além do fato de que a liberação dos monômeros residuais podem ser tóxicos aos tecidos bucais. Assim sendo, você trabalhou com resinas experimentais fotopolimerizáveis com diferentes fotoiniciadores objetivando o estudo da cinética de polimerização dessas resinas, além da análise de monômeros residuais por meio do método cromatográfico. Sobre suas pesquisas, abrimos um diálogo para esclarecimento de dúvidas. Explique, resumidamente, o que significa a cinética de polimerização da resina, a importância de seu estudo e como isso pode ser relevante no uso da resina fotopolimerizável na clínica odontológica. Dra. Aline: A cinética de polimerização é o estudo de como se dá a reação de polimerização da resina, objetivando avaliar a qualidade das cadeias moleculares e, principalmente, quanto de monômeros convertem-se em polímeros e a velocidade dessa reação, pois sabemos que a reação de polimerização da resina nunca é dada por completa, ficando, assim, monômeros não reagidos, ou seja, não convertidos. O grau de conversão de uma resina normalmente é em torno de 45% a 75%, dependendo da composição dos monômeros, das partículas de carga, tipo de fotoiniciador e das técnicas de fotoativação; por isso é importante o estudo da reação de polimerização da resina diante dessas variáveis. Quanto maior o grau de conversão monomérica da resina, melhor serão as propriedades mecânicas, influenciando, assim, na qualidade da restauração dentária realizada. Esses parâmetros de cinética de polimerização da resina FOL • Faculdade de Odontologia de Lins/Unimep • 23(1) 7-10 • jan.-jun. 2013 ISSN Impresso: 0104-7582 • ISSN Eletrônico: 2238-1236 7 FOL Nancy Alfieri Nunes foram avaliados em tempo real por meio da espectroscopia de absorção no infravermelho transformada de Fourier (FT-IR). 2 – Como foi feita a extração desses monômeros residuais? Dra. Aline: A extração dos monômeros residuais foi obtida pela técnica de cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC). A cromatografia é uma técnica físico-química de separação de componentes de uma mistura realizada através da distribuição destes componentes entre duas fases (fase móvel e fase estacionária) em íntimo contato. Na cromatografia líquida há necessidade de que a amostra seja solúvel na fase móvel a ser utilizada. Nesse caso, utilizamos um solvente orgânico, conhecido como acetonitrila, como fase móvel e uma coluna octadecil (C18) como fase estacionária. Para a análise desses monômeros residuais tivemos que primeiro fazer o desenvolvimento do método. Em seguida, a otimização, na qual as melhores condições foram alcançadas e, posteriormente, a validação desse método em que vários parâmetros foram analisados para garantir a confiabilidade dos resultados. 3 – Dentro dos parâmetros para validação do método cromatográfico de análise dos monômeros residuais, você considerou sete itens de importância: adequabilidade, seletividade, linearidade, precisão, exatidão, limite de detecção/limite de quantificação e robustez, certo? Para a realização e validação de uma metodologia faz-se necessária a repetição seriada com um desvio padrão menor, a fim de conferir confiabilidade à técnica. Dentre estes parâmetros citados, qual, ou quais, exigiram mais repetições? Dra. Aline: Exatamente, conforme você citou: vários parâmetros foram analisados. Dentre esses parâmetros, a precisão foi a que exigiu maior número de repetições, pois a precisão é o parâmetro que avalia a proximidade entre várias medidas efetuadas em uma mesma amostra e pode ser expresso pelo cálculo do coeficiente de variação, obtido em condições de repetibilidade e/ou reprodutibilidade. Realizamos a precisão intra e interdias. A principal importância dos resultados obtidos na validação foi que o método desenvolvido para a análise de monômeros residuais foi suficientemente preciso e exato pelo fato de os resultados manterem-se dentro dos parâmetros recomendados por órgãos e guias reguladores como o International Conference on Harmonisation (ICH) e Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). 4 – Você aponta em seu trabalho, em conformidade com muitos outros, que a subpolimerização leva à liberação de monômeros residuais, e que diversos fatores podem interferir nessa polimerização; desde o tipo de FOL FOL • Faculdade de Odontologia de Lins/Unimep • 23(1) 7-10 • jan.-jun. 2013 ISSN Impresso: 0104-7582 • ISSN Eletrônico: 2238-1236 8 Diálogo com o Editor aparelho, fonte de luz, tempo, área ou diâmetro de ação da luz à qualidade da resina. Também citou que o fotoiniciador é relevante neste contexto. Assim sendo, a canforoquinona e o fenil-propanodiona foram utilizados para esse fim. Poderia citar as vantagens e desvantagens de ambos nas resinas fotopolimerizáveis atuais e por que estão sendo associados a uma diminuição da tensão de contração das resinas? Dra. Aline: O fotoiniciador mais utilizado atualmente nos materiais resinosos odontológicos é a canforoquinona (CQ), mas ela apresenta algumas desvantagens, tais como a cor amarelo intenso, o que prejudica a incorporação em resinas de coloração bem clara, muito utilizadas ultimamente em dentes clareados, e também apresenta uma baixa eficiência de polimerização, necessitando de um coiniciador (amina) para que os radicais livres sejam gerados. Para contornar esses problemas, estão sendo testados outros fotoiniciadores, como é o caso do fenil-propanodiona (PPD), sendo este fotoiniciador menos dependente da presença da amina terciária para gerar radicais livres, além de apresentar cor amarelo-claro e estado líquido à temperatura ambiente, o que facilita sua incorporação à resina composta em maiores quantidades. A associação da CQ mais o PPD em uma mesma resina pode levar à redução nas tensões de contração da resina, pela diminuição da taxa máxima de polimerização sem alteração no grau de conversão monomérica, isto é, a reação de polimerização ocorre mais lentamente, permitindo uma melhor acomodação das moléculas sem ocorrer uma diminuição nas propriedades mecânicas da resina. 5 – Para que o cirurgião-dentista possa entender a importância de seu trabalho, poderia nos citar qual o grande diferencial observado nos modelos de resinas estudados e em que aspectos se enquadram? Dra. Aline: O principal objetivo do estudo com resinas é a obtenção de uma resina que possua maiores valores de grau de conversão para que tenha boas propriedades mecânicas, entretanto, é necessário que essa reação ocorra mais lentamente para evitar a formação de tensões de contração dente-restauração. Estudamos basicamente três resinas experimentais: uma que possuía como fotoiniciador somente a canforoquinona (CQ), outra que possuía somente como fotoiniciador o fenil-propanodiona (PPD) e outra com a associação dos dois fotoiniciadores (CQ + PPD), sendo que todas as resinas foram fotoativadas com dois diferentes aparelhos de fotoativação: um de lâmpada halógena e outra de LED. A resina experimental que possuía somente o fotoiniciador PPD obteve o pior comportamento, principalmente quando fotoativada com LED, não sendo viável clinicamente. A resina com os dois fotoiniciadores (CQ + PPD) FOL • Faculdade de Odontologia de Lins/Unimep • 23(1) 7-10 • jan.-jun. 2013 ISSN Impresso: 0104-7582 • ISSN Eletrônico: 2238-1236 9 FOL Nancy Alfieri Nunes foi considerada uma boa opção, pois, quando comparada com a resina com somente CQ, obteve vantagens como a redução da taxa máxima de polimerização, bem como o momento em que esta ocorre. Isto significa que a reação de polimerização ocorreu mais lentamente nessa resina, podendo, dessa forma, reduzir tensões de contração geradas dente/resina. Esses resultados levam-nos a acreditar que a associação desses dois fotoiniciadores (CQ + PPD) podem levar a altos valores de densidade de ligações cruzadas (crosslink) na resina, além do fato de essa ser adequadamente fotoativada com aparelhos de LED, muito utilizados atualmente. 6 – Finalizando, como você aplicaria o resultado de suas pesquisas na clínica odontológica e quais benefícios traria ao profissional e, principalmente, ao paciente? Dra. Aline: O desenvolvimento de um modelo de resina que possua um bom grau de conversão sem que ocorra uma grande formação de tensões de contração entre dente-restauração é o que todo profissional procura. Os benefícios são muitos, pois, quando as tensões de contração são geradas internamente no material, estas são transmitidas à interface adesiva denterestauração, comprometendo, assim, a integridade marginal e apresentando como consequência a formação de fendas que podem levar à microinfiltração da restauração e sensibilidade pós-operatória. Além do fato de que uma polimerização insuficiente interfere não só nas propriedades mecânicas do material, mas também nas propriedades biológicas, favorecendo a liberação de seus componentes não ligados à rede polimérica, como os monômeros residuais, podendo causar reações alérgicas e efeitos citotóxicos, principalmente à polpa dentária. Sendo assim, minha tese contribuiu para a busca de uma resina ideal, a qual, clinicamente, poderá levar a restaurações menos tóxicas, com maior longevidade, devido às melhores propriedades mecânicas e menor risco de recidiva de cárie, sendo o paciente o principal beneficiado dessas melhorias na restauração dentária. FOL 10 FOL • Faculdade de Odontologia de Lins/Unimep • 23(1) 7-10 • jan.-jun. 2013 ISSN Impresso: 0104-7582 • ISSN Eletrônico: 2238-1236