CRISE NA ECONOMIA DA LAVA JATO E DO AJUSTE CONSERVADOR Gilmar Mendes Lourenço Por uma ótica estritamente econômica, o Brasil atravessa, na melhor das hipóteses, um momento de estagnação econômica, ocasionada pela conjugação entre escalada inflacionária, prática dos maiores juros reais do planeta, destruição dos superávits externo e fiscal, e correspondente transformação em déficits recordes, retração do mercado de trabalho, interferência oficial direta na microeconomia e desidratação do setor industrial. Daí a exacerbação da ameaça de perda do investment grade, concedido pelas agências internacionais de rating, e a súbita elevação do risco País – diferencial de juros pagos, pelas organizações nacionais, em relação aos papéis americanos no mercado internacional – de 1,2% ao ano para 2,5% a.a., fazendo declinar a demanda por bônus brasileiros nas praças globais. Não por acidente, o real vem depreciando de forma mais acentuada do que as outras moedas frente ao dólar, a despeito da subida dos juros, dos déficits comerciais, da diminuição dos preços das commodities e das intervenções do Banco Central (BC) no mercado de câmbio, esquecendo, neste caso, que o ajuste cambial representa solução e não entrave. Para piorar, o Palácio do Planalto, na ânsia em recuperar a credibilidade de um governo com escassa disponibilidade de capital político, em começo de mandato e em rota de colisão com o maior partido da base aliada (PMDB), vem negligenciando as consequências devastadoras do desenrolar das investigações da operação Lava Jato – que envolvem membros do executivo, legislativo, empreiteiras e adjacências ‐, e ignorando a insuficiência e os efeitos depressivos do ajuste ortodoxo, escorado em aumento de impostos e arrocho monetário (crédito e juros), em curto e médio prazo, em um aparelho produtivo já bastante combalido. Considerando que a Petrobras responde por 2% do PIB e 10% do investimento agregado do País, é lícito admitir que os estragos econômicos brotados do escândalo das negociatas e do esquema de corrupção – que, de acordo com as delações premiadas, extrapola o segmento petrolífero ‐ serão enormes, como o comprometimento das metas de produção de petróleo e gás, da exploração do pré‐sal e do regime de partilha, com desdobramentos de substancial magnitude ao longo da cadeia produtiva. O imbróglio decorre da compressão e do encarecimento do crédito (a dívida da companhia suplanta R$ 370 bilhões, sendo a maior do planeta, com 90% de detentores externos), notadamente depois da perda do grau de investimento ‐ em cenário de queda livre do preço do barril do óleo no mercado internacional, aproximando‐se dos US$ 45 registrados no auge da turbulência externa, em 2009, depois de ter chegado a US$ 120 em 2011 ‐; da redução de aproximadamente 30% do orçamento de US$ 220 bilhões, estipulado para o quadriênio 2014‐2018, do cancelamento de projetos; da paralisação de obras; do atraso nos pagamentos de fornecedores; e do não cumprimento de obrigações contratuais. Isso precipitou apreciável insuficiência de liquidez na área de construção pesada, sobretudo nas empreiteiras denunciadas e investigadas pela participação na roubalheira de dinheiro do Estado, cujo passivo financeiro não renegociado superaria R$ 130 bilhões, forçando‐as até a devolução de empreendimentos ao governo e, por extensão, a realização de desligamentos de empregados. Em consequência disso, consultorias nacionais calculam queda de 15% das aplicações em infraestrutura e de mais de 30% na indústria naval. Ademais, não há como negar que a retração econômica é uma realidade, A retração econômica é
atingindo desde a base, representada pela variável investimento (insumos e fabricação pesada), até a transformação leve, subordinada a demanda movida uma realidade, atingindo
por salários e disponibilidade e preço do crédito. Os mercados já projetam desde a base até a
decréscimo de mais de 1% do PIB para o corrente ano, também afetado pela crise hídrica. transformação leve.
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A produção industrial decresceu 3,5% em doze meses, encerrados em janeiro de 2015, conforme pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com todas as categorias exibindo comportamento negativo: bens de capital (‐10,9%), bens de consumo duráveis (‐9,9%), bens intermediários (‐2,7%) e bens de consumo não duráveis e semiduráveis (‐0,7%). Em embalo semelhante, o desemprego subiu de 6,4%, na média trimestral entre novembro de 2013 e janeiro de 2014, para 6,5% da População Economicamente Ativa (PEA), no trimestre outubro‐dezembro de 2014, e para 6,8% da PEA, no intervalo novembro/2014‐janeiro/2015, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, também do IBGE. Já o índice de confiança do consumidor, mensurado pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) despencou de 115,2 pontos para 100,6 pontos, entre fevereiro de 2014 e fevereiro de 2015, ficando perto da área de desconfiança, identificada quando o indicador fura o piso de 100 pontos. Por fim, a Associação Nacional dos Executivos de Finanças e Contabilidade (Anefac) revelou que, enquanto a Selic subiu de 7,25% a.a. para 12,75% a.a., entre março de 2013 e fevereiro de 2015, os juros médios cobrados das pessoas físicas saltaram de 87,97% a.a. para 115,32% a.a., o maior nível desde novembro de 2011, e os das empresas pularam de 43,58% a.a. para 55,19% a.a., o mais elevado patamar desde janeiro de 2012. O cheque especial e o cartão de crédito estariam cobrando 195% a.a. e 276% a.a., respectivamente. Aliás, a diminuição e o encarecimento do crédito, o aperto orçamentário das famílias, com o recuo da massa de rendimentos reais, diante da aceleração da inflação e da inversão da curva de emprego, e a multiplicação das incertezas, explicam a redução de 2,4% (doze meses até janeiro de 2015) constatada no volume de vendas do comércio varejista. A retirada da economia brasileira do campo de areia movediça e a pavimentação de caminhos mais limpos e previsíveis requerem, por parte das lideranças políticas, um amplo e rápido entendimento e debate de alternativas, sustentados no rompimento de constrangimentos, na diminuição da soberba, da exasperação e dos arroubos imperiais, no reconhecimento das responsabilidades por erros pretéritos, na libertação de fabulações trazidas pelo marketing, no exercício da tolerância e do respeito aos contrários, na não identificação de viés golpista em qualquer manifestação democrática e no exercício da honestidade. Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v. 8, n. 2, abril 2015 | 2
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