ASPECTOS GEOTÉCNICOS ASSOCIADOS À OCORRÊNCIA DE EROSÃO REGRESSIVA A JUSANTE DO VERTEDOURO DA BARRAGEM ITAÚNA Vitor A. D. de Souza 1; James H. Q. S. Carvalho 2; Antônio M. de Lucena 2; José M. C. de Holanda 2; Francisco J. C. Teixeira 2 & José T. Araruna Jr.3 Resumo – A Barragem Itaúna, concluída pelo Governo do Estado do Ceará em 2000, é constituída de um maciço de solo compactado com 436m de extensão e 20m de altura máxima, o qual deu origem a um lago de 78 hm3 de acumulação máxima. O vertedouro consiste em um canal retangular adjacente à barragem, onde foram executados muros de contenção laterais e um muro vertedor tipo Creager. Durante a passagem da primeira onda de cheia sobre o vertedouro, foi observada a ocorrência de forte processo erosivo a jusante do mesmo, levando à formação de uma extensa cavidade no leito do canal de restituição. Esta cavidade gerou um desnível de cerca de 7 metros no maciço rochoso, aproximando-se perigosamente das estruturas de concreto e ameaçando a estabilidade do maciço da barragem. O presente trabalho apresenta as características principais do empreendimento, e descreve os aspectos geológicos e geotécnicos associados à fundação da maciço e vertedouro, associando-os às anomalias registradas durante a operação do reservatório. São ainda discutidos os procedimentos adotados nos trabalhos de estabilização dos taludes da cavidade formada, e é apresentada uma descrição dos resultados dos serviços de recuperação executados, avaliados com base no desempenho do vertedouro durante o período de cheia subseqüente. Abstract – The Itauna Dam, constructed by the Ceará State Government in 2000, comprises a 436 metres length and 20 metres high embankment dam, which formed a lake with 78 million cubical meters of water. The Itauna spillway consists of a rectangular channel, located adjacent to the dam, where lateral retaining walls and a Creager ogee had been constructed. During the first flood passage over the spillway crest, the occurrence of a strong erosive process was observed in the downstream portion of the channel, that led to the formation of an large subsidence in the excavated bedrock. This subsidence generated a 7 meters depth unevenness in the downstream surface, almost reaching the Creager structure and threatening the embankment stability. This paper presents the main characteristics of the Itauna project and describes geological and geotechnical aspects related to the dam and spillway foundations, and associated to the abnormalities observed during the reservoir first year of operation. This work also describes the slope stabilization procedures and shows details of the repair results, evaluated on the basis of the spillway performance during the following flood. Palavras-Chave – vertedouro, erosão regressiva. INTRODUÇÃO A Barragem Itaúna, situada na Região Oeste do Estado do Ceará, foi construída pelo governo estadual durante os anos de 1999 e 2000, no âmbito do Programa de Gerenciamento Integrado de Recursos Hídricos do Estado do Ceará - PROGERIRH. O empreendimento destina-se ao abastecimento de água dos municípios de Chaval e Barroquinha, bem como à regularização de vazões no Rio Timonha a jusante do maciço da barragem, com vistas ao aproveitamento hídrico em zonas agrícolas da região. O projeto compreende um conjunto de obras constituído pelas seguintes estruturas (Figura 1): • uma barragem de terra compactada, com 436 m de extensão e com 20 metros de altura máxima, a qual deu origem à formação de um lago de 78 hm3 de acumulação máxima, ocupando uma área total de aproximadamente 1.800 ha (SRH, 1998); • um vertedouro em canal retangular com 60 metros de largura — com descarga máxima de projeto igual a 438,88 m³/s e com lâmina máxima de 2,24m, para um tempo de recorrência de 1.000 anos —, adjacente à barragem (na margem esquerda), onde foram executados muros de contenção laterais e um muro vertedor em perfil Creager (conforme modelo descrito em Singh e Varshney, 1995); • uma tomada d’água tipo galeria, com dispositivo de stop-log, conduto de 1.000 mm de diâmetro em aço carbono revestido com concreto, bacia de impacto tipo VI do U.S. Bureau of Reclamation (1987), e dispositivos de controle e medição de vazões a jusante; • Dois diques auxiliares, projetados para promover o fechamento de depressões existentes em áreas situadas à margem esquerda do reservatório e junto ao muro esquerdo do vertedouro. 1 2 3 Secretaria dos Recursos Hídricos do Estado do Ceará / SOHIDRA Superintendência de Obras Hidráulicas do Estado do Ceará (SOHIDRA) Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Figura 1. Arranjo geral das obras da Barragem Itaúna A barragem propriamente dita é de terra homogênea (Figura 2), com seção transversal típica decorrente das características geotécnicas do terreno de fundação e da disponibilidade de materiais construtivos na região. A seção-tipo é dotada de sistema de vedação constituído de trincheira tipo cut-off, conectando o maciço compactado com o estrato rochoso de fundação. O sistema de drenagem interna é constituído por um filtro chaminé, com largura de 1,0 m e topo fixado na cota do N.A. máximo de acumulação do reservatório, e um tapete drenante, com 1,0 m de espessura, que se estende pela região de jusante, desde o filtro chaminé até o enrocamento de pé (rockfill). Este enrocamento, com topo variável, apresenta, nas superfícies de contato com o aterro compactado, zonas de transição preenchidas por materiais com granulometria graduada (areia e brita). Quanto ao vertedouro (Figura 3), objeto de estudo deste trabalho, o mesmo teve sua localização definida em uma área de sela situada à margem esquerda do Rio Timonha, junto à ombreira esquerda da barragem. No local, com topografia relativamente acidentada (pequena extensão e declividade acentuada, com desníveis de até dez metros na zona de restituição a jusante), foi construído um sangradouro tipo canal, com 60 metros de largura, no qual foram erguidos um muro vertedor tipo Creager, com 2,75 metros de altura, ao longo do eixo transversal do sangradouro, e muros de contenção laterais de concreto armado em suas extremidades. A soleira do vertedouro foi estabelecida na cota 32,75 m, nível este que permitiu, no aterro da barragem, o estabelecimento de uma borda livre de 3,85 metros (mesmo dimensionada para uma cheia milenar, os parâmetros de projeto da Barragem Itaúna foram também verificados para cheias com um tempo de recorrência de 10.000 anos). A jusante do muro vertedor, o projeto básico não previu o revestimento de concreto armado na bacia de dissipação, em virtude da ocorrência de rocha quartzítica relativamente sã (embora muito fraturada) na área de fundação das estruturas. A fase de implantação do empreendimento desenvolveu-se entre Agosto/1999 e Dezembro/2000, período em que foram empregados cerca de 149.083 m3 de materiais de empréstimo, abrangendo 126.675 m3 de solo argiloso compactado, 13.974 m3 de enrocamento, 1.291 m3 de transições em material rochoso, e 7.143 m3 de areia para filtros e drenos. Na área do sangradouro, as obras exigiram a execução de 18.805 m3 de escavação e cerca de 756 m3 de concreto armado e ciclópico. Uma breve descrição dos problemas observados durante a fase de operação do reservatório, o resumo das principais características geológicas e geotécnicas da área de implantação da barragem, bem como os procedimentos associados aos trabalhos de recuperação executados no canal do vertedouro são apresentados a seguir. PROBLEMAS OCORRIDOS DURANTE A FASE DE OPERAÇÃO No início da fase de operação, em Abril/2001, após a passagem da primeira onda de cheia sobre o vertedouro (com lâmina vertente de aproximadamente 0,50 m), foi verificada a ocorrência de forte erosão regressiva na superfície rochosa do canal de restituição, a jusante das estruturas (Figura 4). Nesta superfície, constituída, predominantemente, de rocha quartzítica fraturada e, mais a jusante, de gnaisse alterado, os efeitos decorrentes da turbulência do fluxo no canal não revestido deram origem a uma extensa cicatriz no maciço rochoso, delimitando uma subsidência na qual foram observados desníveis (“abismos”) de até 7,0 metros de profundidade, com taludes em geral subverticais — ou, em algumas áreas, até mesmo negativos —, remanescentes do processo erosivo (Figura 5). A área atingida abrangeu praticamente toda a área do canal de restituição, observando-se maior intensidade erosiva no setor direito do mesmo, onde a cavidade formada aproximou-se perigosamente da borda de jusante do perfil Creager (chegou a menos de 2 metros de distância do mesmo), pondo em risco a estabilidade das estruturas do vertedouro e da própria barragem. 36.60 N.A. MÁXIMO = 32.73 (CRISTA DO VERTEDOURO) 1 1.7 1.7 RIP-RAP 1 2 1 FILTRO VERTICAL 2 SOLO COMPACTADO 1 25.00 1 TAPETE DRENANTE 1 ROCKFILL (AREIA) SOLO RESIDUAL ROCHA SÃ FRATURADA (QUARTZITO) Figura 2. Seção típica da Barragem Itaúna. Figura 3. Planta baixa do vertedouro. Figura 4. Erosão regressiva no canal de restituição do vertedouro durante a cheia de Abril/2001. T.N. Figura 5. Taludes subverticais ou negativos, resultantes da erosão a jusante do vertedouro, após a ocorrência de um pequeno desmoronamento de rocha quartzítica causado pela saturação do maciço rochoso. Após a passagem da cheia sobre a crista do muro vertedor, ao término do período chuvoso de 2001, a interrupção de vazões vertentes no canal de restituição permitiu uma inspeção detalhada dos taludes formados na área escavada pelo processo erosivo. Na ocasião, foi verificada, em associação à formação de taludes subverticais ou negativos, a ocorrência de vazões de percolação intensas através do maciço de fundação das estruturas de concreto ali construídas, visível nas paredes da cavidade gerada pelo processo erosivo (Figura 6). Estas vazões, decorrentes da carga hidráulica existente a montante do Creager (águas represadas), e do estabelecimento de um regime de fluxo permanente no maciço rochoso extremamente fraturado, geraram eventos sucessivos de instabilidade nos taludes submetidos à saturação — evidenciados por meio do contínuo desprendimento e queda de blocos de rocha (Figura 5) —, agravando as condições de segurança da obra e exigindo a execução de obras de recuperação em caráter emergencial. As obras de recuperação do vertedouro, descritas no seguimento, foram desenvolvidas no segundo semestre de 2001 (período de estiagem na região), e envolveram a recomposição parcial da área erodida (com enrocamento compactado e transições), o revestimento do canal com concreto armado e ciclópico, o tratamento e a impermeabilização da superfície rochosa a montante do perfil Creager, e a reconformação e proteção de taludes rochosos erodidos às margens do canal de restituição. São sumariamente descritas, a seguir, as principais características geológicas e geotécnicas do terreno de fundação do maciço compactado e vertedouro da Barragem Itaúna. ASPECTOS GEOLÓGICOS E GEOTÉCNICOS A unidade litoestratigráfica associada à área onde está localizada a Barragem Itaúna é donominada Complexo Granja e compõe-se de uma associação de migmatitos, gnaisses, granitos, quartzitos impuros a ferríferos e cataclasitos dominantes. Estratigraficamente, a área remonta ao pré-Cambriano Inferior a Médio, com idade da ordem de 1.600 milhões de anos, sendo considerada como uma seqüência do embasamento cristalino nordestino. Genericamente, são rochas formadas em níveis profundos, submetidas a um metamorfismo de grau acentuado, decorrente de altas pressões e temperaturas em ambientes de catazona e mesozona. As diversas litologias presentes no Complexo Granja caracterizam-se por apresentar sistemas estruturais complexos, onde ocorrem intensos falhamentos e fraturamentos (que, com frequência, dão origem a rochas milonitizadas), associados a sistemas energicamente dobrados, dando origem a rochas cataclásticas, extremamente trituradas. Figura 6 – Detalhe de vazão de percolação através de fraturas no maciço rochoso erodido a jusante das estruturas do vertedouro. Em escala local, o barramento e as estruturas do vertedouro estão construídos sobre rocha predominantemente quartzítica, encaixada em sequências gnaisse-migmatíticas. Estas seqüências aparecem em forma de lentes estreitas, perfazendo um contexto imbricado, interdigitado, dobrado, falhado e extremamente fraturado, e que apresentam, em vários afloramentos, aspectos de milonitização e cataclase. Na área erodida do leito do canal de restituição, verifica-se também a ocorrência de gnaisse bandeado (aflorando em área a jusante das estruturas, assentes sobre o quartzito), de coloração cinza clara a cinza escura, bastante alterado, com estrutura xistosa proveniente de minerais lamelares altamente desplacáveis, dispostos em camadas de aspecto folheado. Este gnaisse serve de encaixe para os quartzitos cataclasados, algumas vezes alterados, com os quais se embricam freqüentemente (em virtude de ações tectônicas posteriores), mostrando contatos abaulados e alternados, às vezes geometricamente aleatórios. Em algumas áreas, estes contatos geológicos apresentam contornos geométricos regulares e de fácil identificação em campo, como o ilustrado na Figura 7 (linha tracejada), visível em corte após a ocorrência do processo erosivo. Como um todo, o conjunto de litologias que constituem o sistema estrutural apresenta orientação NE-SW e planos de xistosidade com mergulho acentuado para SE. Localmente, o quartzito tem uma direção preferencial de acamamento E-W (oblíqua ou semi-paralela à borda do Creager), com mergulho da ordem de 40º S — mergulhando, portanto, para baixo da estrutura do Creager, em direção contrária à do fluxo proveniente das vazões vertidas. É cortado por um sistema de fraturamento principal N-S com mergulho de 73º W e outro sistema secundário de atitudes N 53º E e mergulho de 64º SE. Observações detalhadas e o uso de sistemas de classificação geotécnica mostram que o quartzito, de um modo geral, apresenta um grau de alteração do tipo A1, sendo considerado rocha sã ou praticamente sã, com alterações mineralógicas nulas ou incipientes; um grau de coerência do tipo C1, que o classifica como rocha muito coerente, com som metálico, de difícil quebra ao impacto do martelo; e um espaçamento médio de fraturas do tipo F5, i.e., extremamente fraturado, com distância entre duas fraturas consecutivas geralmente menor ou igual a 5 centímetros. Já a rocha gnáissica caracteriza-se por apresentar um nível de alteração A3 (ou seja, muito alterada, com alterações mineralógicas acentuadas e cores modificadas); um grau de coerência como C5 (incoerente, esfarelando com o martelo e desagregando com a pressão digital); e por exibir pequeno espaçamento entre fraturas. O fenômeno observado no canal de restituição do sangradouro da Barragem Itaúna pode ser enquadrado, sob o ponto de vista geotécnico, em um processo de dinâmica superficial caracterizado por erosão diferencial regressiva em leito rochoso, onde a descarga de enchentes erodiu rapidamente as partes menos resistentes de um maciço rochoso desprotegido. Tal observação sugere que as anomalias registradas na área em estudo estão diretamente associadas às características litológicas do canal, à intensidade do intemperismo, à natureza da alteração e ao grau de fraturamento, condicionando a suscetibilidade dos diferentes materiais à erosão. As duas litologias contrastantes, i.e. , gnaisse e quartzito, reagiram diferencialmente à exigência da súbita descarga, implicando na desagregação de cerca de 70% do maciço rochoso a jusante. Figura 7. Detalhe do contato geológico entre quartzito e gnaisse alterado, com mergulho em direção contrária à do fluxo no canal. O material rochoso (exposto na superfície do canal) que resistiu à passagem da primeira onda de cheia pode ser descrito como sendo de forte predominância quartzítica (ver foto acima). Este material, que forneceu suporte à fundação das estruturas do perfil Creager e dos muros de contenção laterais, atravessava lateralmente toda a extensão do canal, ocorrendo em área a montante do eixo e em boa parte da área a jusante. Porém, sob a superfície do canal — abaixo do quartzito — encontrava-se um contato desta rocha com o gnaisse, muito alterado e menos resistente, que aflorava em área a jusante das estruturas, expondo o gnaisse à ação erosiva das águas e causando seu rápido desmonte. Assim, o processo erosivo atingiu com mais vigor, inicialmente, as áreas do leito do canal com afloramento de rocha gnáissica de menor resistência, seguindo o mergulho para baixo da estrutura do Creager e, conseqüentemente, levando à formação de taludes negativos no maciço remanescente de rocha quartzítica. Este processo gerou, em decorrência, sucessivas quedas de blocos rochosos de quartzito, ampliando regressivamente a área erodida em direção à borda das estruturas de concreto (figuras 5 e 7). Tanto a rocha gnáissica como algumas camadas rígidas, placas e pequenos pedaços de quartzito foram desagregados e depositados em área a jusante do canal. O mergulho deste contato geológico em direção contrária à do fluxo de água no canal de restituição parece claramente ter contribuído para expandir regressivamente o trecho erodido. Por outro lado, a presença do maciço quartzítico cruzando o canal do vertedouro foi a responsável pela redução da velocidade de expansão da cavidade de erosão (iniciada na rocha gnáissica a jusante), permitindo, em tempo hábil, a intervenção no processo de colapso das estruturas, por meio de obras de estabilização. OBRAS DE ESTABILIZAÇÃO As obras de estabilização dos taludes da cavidade de erosão formada pelas águas vertidas sobre o muro Creager foram realizadas, em caráter emergencial, no segundo semestre de 2001, e foram conduzidas sob a orientação do corpo técnico da Superintendência de Obras Hidráulicas (SOHIDRA) e da Secretaria de Recursos Hídricos do Estado do Ceará (SRH-CE). Inicialmente, no período em que ainda ocorriam desmoronamentos localizados — quando havia risco iminente de deslocamentos de massa de maior magnitude, podendo levar ao colapso total da obra —, os trabalhos de recuperação do vertedouro envolveram a regularização cuidadosa da superfície dos taludes rochosos anteriormente erodidos e a execução de um grande corpo de enrocamento (ver Figura 8), lançado e compactado contra a superfície remanescente do maciço rochoso (após a execução de camadas de transição com materiais de granulometria controlada – areia e brita). A opção pela solução acima referida decorreu da necessidade premente de intervenção na obra, das condições de trabalho locais, da disponibilidade de materiais e recursos disponíveis e das condições de fundação na base e na superfície dos taludes (pequena resistência ao cisalhamento e submersão parcial). Figura 8. Execução de enrocamento e concreto ciclópico para preenchimento da cavidade de erosão a jusante do vertedouro. Em seguida, foi dimensionada, e posteriormente executada, uma estrutura de concreto ciclópico e armado para revestimento do canal de restituição do vertedouro, conforme ilustrado na Figura 9. O concreto armado foi lançado na área onde foi construído o enrocamento compactado, imediatamente após a execução prévia de uma camada de concreto ciclópico de 40 centímetros de espessura. Entre as duas camadas de concreto, vergalhões de aço (com diâmetro de 20 mm e espaçamento de 1,5 m) foram montados em toda a extensão do canal, com a finalidade de promover a ancoragem entre os dois tipos de concreto. Na ligação entre o Creager existente e a nova estrutura, foi projetada uma laje de transição horizontal de 6,0 m de extensão (patamar superior), ancorada no maciço rochoso e separada do muro vertedor por um junta de dilatação tipo fungenband. Ao final desta laje (construída, com topo plano, na cota 30,23 m), foi executada uma rampa com inclinação 3H:1V para restituição de vazões, encaminhando as águas para um nível já próximo ao do leito do Rio Timonha. No nível inferior desta rampa, com término na cota 22,70 m, foi construída uma estrutura de base (patamar inferior) de 5,0 m de largura, com espessura mínima de concreto igual a 1,0 m, ancorada na rocha alterada através de uma linha de chumbadores de 6 metros de profundidade (espaçados a cada 1,5 m). Nas laterais do novo canal de restituição, foram construídos muros de arrimo para contenção do aterro e para o confinamento das águas vertidas pelo reservatório, protegendo os taludes das margens contra a ação erosiva do fluxo. Um sistema de drenagem com tubos de PVC com diâmetro de 100 mm foi instalado, a cada 1,5 m, na base inferior da estrutura, com vistas à proteção contra esforços de subpressão no fundo do canal. A jusante de todas as obras de concreto, foi executado um lastro de material rochoso compactado, sobre o qual foi erguido um pequeno um dique de enrocamento, com topo 1 metro acima da superfície horizontal da laje inferior. Neste dique foi executado, no coroamento, um rejuntamento com argamassa de cimento e areia, com o objetivo evitar o eventual deslocamento de blocos de rocha durante a passagem de uma onda de cheia, e de garantir a formação de ressalto hidráulico com obstáculo na bacia de dissipação (assegurando a submersão da borda de jusante do patamar inferior e protegendo a fundação das estruturas ). Na extremidade de jusante do enrocamento da bacia de transição, foi ainda executada uma trincheira preenchida com material rochoso (seção 2 m x 2 m), com o propósito de garantir a formação de um nível de base (soleira) no leito do canal, evitando uma eventual propagação de novas erosões regressivas em direção às obras de concreto. A montante do muro Creager, foi construída uma laje de concreto (impermeabilizada com manta asfáltica), com o objetivo de reduzir as vazões de percolação através da fundação das estruturas de concreto do vertedouro e do canal de restituição. Esta laje foi executada após a construção de uma ensecadeira a montante do canal de aproximação, e do posterior esgotamento de toda a água que ainda permanecia no local da concretagem. AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DA OBRA E CONCLUSÕES Nos últimos dias de Abril/2002, ocorreu a passagem de uma nova onda de cheia sobre as estruturas do vertedouro da Barragem Itaúna (figuras 10 e 11). Na ocasião, foi registrada a ocorrência de uma lâmina vertente máxima de 1,10 m de altura sobre a crista do muro Creager, não tendo sido observados, até o final de maio do corrente ano, quaisquer danos ou ameaças às estruturas ali construídas. Figura 9. Perfil longitudinal do vertedouro após as obras de recuperação do canal de restituição. Figura 10. Vertedouro da Barragem Itaúna após a conclusão das obras de estabilização (durante a cheia de Abril/2002). Figura 11. Submersão da extremidade inferior das estruturas do vertedouro (Abril/2002), em decorrência da execução de um dique de enrocamento em área a jusante. Ao fundo, observa-se um pequeno movimento de terra ocorrido em talude à margem do canal. Foi verificado, porém, em virtude da intensidade do fluxo, o deslocamento de alguns blocos rochosos colocados a jusante das estruturas do canal de restituição, na margem esquerda, expondo o material terroso do talude lateral à força das águas vertidas e levando à ocorrência de um pequeno movimento de terra no local (Figura 11). Este deslizamento, de pequena magnitude, não ameaçou a integridade das estruturas, uma vez que teve abrangência localizada, restrita a uma área situada em local acima do nível de fundação das obras de concreto. Entretanto, deve ser ressaltada a necessidade de se executar uma recomposição e um reforço do trecho atingido, com objetivo de garantir uma redução ou até mesmo uma ausência de problemas de maior relevância associados à manutenção das estruturas do canal de restituição (estes serviços estão previstos para serem executados no segundo semestre de 2002). Finalmente, a partir da análise do desempenho do canal vertedouro, um ano após a ocorrência das anomalias descritas neste trabalho, é possível se afirmar que o mesmo suportou satisfatoriamente as condições de solicitação decorrentes do fluxo turbulento sobre as obras de recuperação. Por outro lado, as características geológicas e geotécnicas do maciço rochoso de fundação do vertedouro exigirão, em virtude dos fenômenos observados no local em 2001, que seja mantido um monitoramento contínuo do desempenho das estruturas ali construídas, com o objetivo de assegurar a integridade das obras que compõem o empreendimento. AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de expressar seus agradecimentos aos consultores do Painel de Inspeção de Segurança de Barragens, os engenheiros Roneí Vieira de Carvalho, Paulo Teixeira da Cruz, e Nelson de Sousa Pinto; e aos engenheiros Marcelo Silveira e Ornaldo S. Oliveira Freitas, pela importante colaboração durante a realização das obras. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS B. Singh e R. S. Varshney, 1995 – “Engineering for Embankment Dams”. A.A. Balkema. Rotterdam/Brookfield, ISBN 90 5410 279 9. Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH), 1998 – “Projeto Executivo da Barragem Itaúna”. Fortaleza-Ce. U.S. Bureau of Reclamation, 1987 – “Design of Small Dams”. U.S. Department of the Interior, Third Edition, Denver, Colorado, USA.