100 anos
De um anjo
Por André Bernardo
No ano que Irmã Dulce completaria 100 anos de idade, parentes, biógrafos e devotos
falam da religiosidade baiana que dedicou sua vida a amar a Deus e a servir aos pobres.
Quem conhece o Hospital Santo Antônio, unidade que dispõe de 373 leitos e registra uma
média de 14 mil internações por ano, mal consegue acreditar que ali, há muito tempo, funcionava
o galinheiro do Convento Santo Antônio. Foi em 1949 que, compadecida por não ter onde atender
70 doentes que moravam nas ruas de Salvador, Irmã Dulce pediu à Irmã Gaudência que
transformasse o galinheiro em albergue. “Mas, onde vamos colocar as galinhas?”, quis saber a
supervisora. “Deixe comigo, madre”, respondeu Dulce, que improvisou uma deliciosa canja e a
serviu aos pacientes. “Por amor aos pobres, Irmã Dulce era capaz das maiores ousadias. A
caridade dela não conhecia limites”, atesta Maria Rita Pontes, Sobrinha de Irmã Dulce e atual
diretora das Obras Sociais Irmã Dulce (OSID).
Nascida Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes, Irmã Dulce completaria 100 anos no dia
26 de maio. Para comemorar o centenário, Maria Rita anuncia uma série de eventos de
radioterapia do Hospital Santo Antônio, previsto para começar a funcionar até o fim do ano. Além
disso, uma parceria entre a OSID e a Prefeitura de Salvador pretende incluir a vida e obra do Anjo
Bom da Bahia, como ela ficou conhecida em todo o Brasil, no currículo de mais de 400 escolas de
Ensino Fundamental. “Como Irmã Dulce faleceu em 1992, os jovens só a conhecem de ouvir
falar. Ela deixou valores importantes, que não podem ser esquecidos. Irmã Dulce foi modelo de
religiosa, cidadã e mulher”, enfatiza Maria Pontes, autora de Irmã Dulce dos Pobres, a primeira
das muitas biografia escritas sobre a religiosa baiana.
Se depender da produtora Iafa Britz e do cineasta Vicente Amorim, a história de Irmã Dulce
jamais será esquecida. Os dois estão em Salvador desde o início de março para rodar Irmã
Dulce. “Certo dia, o distribuidor do filme, Bruno Wainer, me perguntou o que eu conhecia sobre
Irmã Dulce. Sabíamos pouco, o mesmo que a maioria das pessoas do Rio e São Paulo. Quando
fomos a Salvador, ficamos arrebatados”, recorda Iafa. Para interpretar a protagonista, Amorim
escalou Bianca Comparato e Regina Braga. “Nenhum filme daria conta de toda a vida de uma
mulher tão extraordinária. O nosso tenta capturar a essência do que ela foi através de um recorte
que dá uma pincelada na sua infância, mas se concentra entre os anos 1940 e 1980”, adianta
Amorim, que dirigiu O Caminho das Nuvens, Um homem Bom e Corações Sujos.
Heroína de Cristo
Muitas das histórias que serão mostradas no filme, que tem previsão de estréia para
novembro, estão contadas no Livro Irmã Dulce
- O Anjo Bom da Bahia, do historiador italiano Gaetano Passarelli, e Irmã Dulce, da
escritora baiana Mabel Velloso, como o dia em que Irmã Dulce ajudou a socorrer as vítimas
carbonizadas de um ônibus que colidiu com um bonde. Ou a vez em que invadiu casas
interditadas na ilha dos Ratos para abrigar os doentes. Ou, ainda, quando levou uma cusparada
na mão ao pedir esmolas para um feirante da Cidade Baixa. Na mesma hora, Irmã Dulce guardou
a mão cuspida no bolso e estendeu a outra. “Bem, essa foi para mim. Agora, dê alguma coisa
para os meus pobres, por gentileza”, insistiu a freira.
“Qualquer outra pessoa no lugar dela, teria virado as costas e ido embora. Mas, Irmã
Dulce, não. Era uma pessoa extremamente perseverante, determinada e de muita fé”, descreve
Maria Rita.
Autora de Irmã Dulce, Mabel Velloso, 80, recorda que conheceu a religiosa em 1948,
quando foi estudar no Colégio Santa Bernadete. Todos os dias, Mabel, então com 14 anos, via
Irmã Dulce sair com uma capa preta sobre o hábito azul e branco para levar remédio aos
doentes. “Quando nos aproximávamos dela para pedir a benção, pedia que não chegássemos
perto e explicava que estivera com doentes. Mesmo assim, de longe, nos abençoava”, recorda
Mabel, emocionada. Em seu livro, ela conta que o amor de Irmã Dulce pelos pobres começou
cedo. Ainda menina, Mariinha, como era chamada na época, saía com tia Madalena para dar
comida aos moradores do bairro de Tororó, em Salvador. “Aos treze anos, ela já havia
transformado a casa dos pais em centro de atendimento a pessoas carentes. Fazia fila na porta
dela”, garante a escritora.
Mabel Velloso tornou-se devota de Irmã Dulce, mas não é a única. A maior delas talvez
seja a funcionária pública Cláudia Cristiane Santos Araújo, 45. Moradora de Malhador, no interior
do Sergipe, Cláudia tinha 32 anos quando deu entrada na Maternidade São José, em Itabaiana,
para dar à luz ao segundo filho, Gabriel. Na madrugada do dia 11 de janeiro de 2001, apresentou
um quadro de hemorragia e ficou entre a vida e a morte por quase duas semanas.
Em menos de 24 horas, foi submetida a três cirurgias. Tudo em vão.
“Os médicos já tinham me desenganado quando o padre José Almir de Menezes, da
Paróquia Nossa Senhora das Dores, sugeriu que pedíssemos a intercessão da Irmã Dulce”, relata
Cláudia, que sonha em construir uma Capela para a religiosa em sua cidade-natal. Em 2011, Irmã
Dulce foi beatificada após este milagre ter sido reconhecido pela Igreja Católica. “Depois daquele
susto, eu e Gabriel não tivemos mais nada”, suspira Cláudia, aliviada.
“Ela deixou valores importantes, que não podem ser esquecidos. Irmã Dulce foi modelo de
religiosa, cidadã e mulher”
(Maria Rita Pontes, autora da biografia Irmã Dulce)
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