EXPERIMENTOS NUMÉRICOS SOBRE O PROCESSO RESPIRATÓRIO PÓS-COLHEITA DA MAÇÃ GALA 1 2 3 Rafael N. Magalhães, André R. F. de Almeida, Fábio B. Freire 1 Aluno da UFABC, discente do curso de Engenharia de Instrumentação, Automação e Robótica Pesquiador do DEQ/UFSCar 3 Professor do DEQ/UFSCar 2 1 Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do ABC, Rua Santa Adélia, 166, Bairro Bangu, Santo André, SP, CEP: 09210-170 2,3 Departamento de Engenharia Química, Universidade Federal de São Carlos, Rodovia Washington Luís, km 235 SP-310, São Carlos, SP, CEP 13565-905 e-mail: [email protected] RESUMO - O termo “respiração”, no contexto da conservação de frutas, é usado para indicar a troca total de gases entre a fruta e o ambiente em que se encontra. No entanto, essa troca de gases é, na verdade, determinada pelo efeito conjunto da respiração, ao nivel celular, e da difusão nos tecidos e na casca da fruta. Devido a resistências naturais ao processo difusivo de gases entre o interior da fruta e o meio em que se encontra, surgem gradientes de concentração de O2 e CO2 significativos. As concentrações locais de O2 e CO2 podem, respectivamente, extrapolar valores nominais que desencadeiam o processo de degradação celular e, consequentemente, causam problemas no armazenamento da fruta. O presente trabalho implementou computacionalmente um modelo respiração-difusão, a partir da 1ª Lei de Fick e cinética de primeira ordem, para acompanhar a distribuição de concentração de O2 e CO2 dentro da maçã gala e correlacionar os resultados obtidos com a conservação da fruta em ambiente controlado. Palavras-Chave: difusão, respiração, simulação INTRODUÇÃO Durante várias décadas, o consumo interno de maçã era garantido através de importação. Entre as décadas de 1970 e 1980, anos de desenvolvimento da pomicultura brasileira, o aumento da produção não foi acompanhado nem pela redução das importações, nem pelo aumento das exportações. Somente a partir da década de 1990 é que a produção nacional de maçã atingiu taxas significativas de aumento, permitindo não só atender à demanda interna, como também, criar um comercio externo para o produto. A tecnologia foi um fator importante e decisivo para a competitividade da maçã brasileira no mercado externo, sendo que o aumento da produtividade e a melhoria da qualidade do produto estão fortemente relacionados com inovações tecnológicas e a adoção de tecnologia já existente (Fioravanço, 2009). Um ponto chave no comercio da maça é seu armazenamento adequado. Logo após a colheita, uma fruta passa por um processo de respiração-difusão, responsável por seu amadurecimento. O termo “respiração”, no contexto da conservação de frutas, é usado para indicar a troca total de gases entre a fruta e o ambiente em que se encontra. A respiração pode ser usada como uma medida da taxa metabólica de plantas, tendo papel central no tempo de estocagem e, consequentemente, no preço final de frutas. Atmosferas controladas nos níveis de CO2, O2 e temperatura são necessárias para diminuir as taxas metabólicas das frutas e sua deterioração após colheita. Para melhor prever as condições ideais de estocagem, modelos respiração-difusão são usados para descrever, matematicamente, a distribuição de concentração de CO2 e O2 no interior de frutas. Lammertyn et al. (2001) desenvolveram um estudo comparativo sobre o efeito da concentração de CO2, O2 e da temperatura na respiração em mitocôndrias, protoplastos e fatias de pêras. Utilizando cinética de Michaelis-Menten e um modelo respiraçãodifusão, Lammertyn et al. (2003ª,b) simularam, através do método das diferenças finitas, a distribuição de concentração de CO2 e O2 no interior de pêras. Neste trabalho, o objetivo foi utilizar, inicialmente, a simulação numérica de uma solução exata, dessa forma, foi implementado computacionalmente um modelo respiraçãodifusão, a partir da 1ª Lei de Fick e cinética de primeira ordem, para acompanhar, ao longo do VIII Congresso Brasileiro de Engenharia Química em Iniciação Científica 27 a 30 de julho de 2009 Uberlândia, Minas Gerais, Brasil tempo, a distribuição de concentração de O2 e CO2 dentro da maçã gala e correlacionar os resultados obtidos com a conservação da fruta em ambiente controlado. As simulações numéricas foram feitas através do programa Octave 3.2.0, com sintaxe semelhante a do MatLab e disponível gratuitamente na internet. • a Cinética de respiração de 1 ordem. Esfera aproximada Maçã FORMULAÇÃO A solução numérica de um problema real começa pela identificação de uma representação física, obtida por observação e entendimento, a partir da qual são construídos, usando-se fundamento teórico, modelos matemáticos. Quase sempre, essa etapa é feita com base em hipóteses simplificadoras que levam à representação física do caso real. Posteriormente, através do uso de equações de balanço, esse modelo físico passa a ser representado por um modelo matemático que é resolvido analítica ou numericamente. Processo de respiração de frutas após a colheita Assim que a fruta é retirada do pé, inicia-se o processo de deteriorização. Existe uma correlação direta entre esse processo e as concentrações de O2 e CO2 no interior das frutas. Através do controle do ambiente de estocagem das frutas, que envolve principalmente a manipulação dos níveis de O2 , CO2 e da temperatura do ar, é possível prolongar seu tempo de prateleira e, consequentemente, seu preço de mercado. Um estudo feito por simulação computacional desse processo envolvendo a concentração de gases no interior de frutas requer que o formato da fruta seja identificado e que o interior da fruta e sua casca, ou melhor, a interface com o ambiente de estocagem seja caracterizada em termos de coeficientes de transferência. Com a modelagem e simulação propostas nesse projeto, será possível conhecer melhor a influência da atmosfera de armazenamento da maçã na preservação da fruta. O modelo matemático que prevê a distribuição de concentração de O2 e CO2 na maçã admite cinco hipóteses de simplificação: • A difusão por gradiente de concentração de gases é a causa principal da transferência de massa no tecido e através da casca da maçã. • O interior da fruta é homogêneo e isotrópico (não é feita distinção entre as diferentes partes que formam o interior da fruta) • A espessura da casca da fruta é desprezada. • A forma geométrica da maçã é aproximada por uma esfera (Figura 1). Figura 1 – Forma geométrica da maçã aproximada por uma esfera As equações diferenciais para as concentrações de O2 e CO2 na maçã são obtidas com base na 1ª lei de Fick de transferência de massa difusiva. Cada equação consiste de dois termos. O primeiro contém o coeficiente de difusão e descreve o processo difusivo através do tecido da fruta enquanto o segundo descreve a taxa com que de O2 é consumido e CO2 é gerado. As Equações 1-3 representam o processo de transferência de massa do O2: ∂C O 2 1 ∂ DO2 r 2 − kC O 2 = 0 2 ∂r r ∂r − DO2 ∂C O 2 ∂r (1) = h 1 (C O 2 R − C O 2∞ ) r =R (2) − D O2 ∂C O 2 ∂r =0 (3) r =0 As Equações 2 e 3 representam as condições de contorno de transferência convectiva na casca da maçã e de simetria no interior da maçã. De forma análoga, as Equações 4-6 representam o processo de transferência de massa do CO2: ∂C CO 2 1 ∂ D CO 2 r 2 + kC O 2 = 0 2 ∂r r ∂r − D CO 2 ∂C CO 2 ∂r (4) = h 2 (C CO 2 R − C CO 2∞ ) r =R (5) − D CO 2 ∂C CO 2 ∂r =0 (6) r =0 A solução analítica desse modelo, composto pelas Equações 1-6 é expressa pelas Equações 7 e 8 (Crank, 1975 e Mannapperuma, 1991): CO2 = C O 2∞ ψ O 2 R φr sinh χ O2 r R C CO 2 = C CO 2∞ + − (7) C O 2∞ h O 2 [χ CO 2 − χ O 2 h CO 2 Tabela 1 – Valor dos Parâmetros Utilizados Parâmetro Valor R 35x10-3 m DO2 2,67x10-9 m2.s-1 DCO2 3,28x10-9 m2.s-1 h1 290x10-9 m.s-1 h2 220x10-9 m.s-1 k 7,71x10-6 mol.s-1 Foram simulados dois casos (A e B) de condições de atmosferas distintas, como mostrado na Tabela 3. ψ CO 2 R φr sinh r R Tabela 2 – Valor dos Parâmetros Utilizados (8) A solução contém cinco parâmetros adimensionais definidos pelas Equações 9-13: φ= A Tabela 2 apresentada os valores numéricos dos parâmetros utilizados nas simulações do modelo de difusão de gases no interior da maçã gala (Mannapperuma, 1991). kR 2 DO2 (9) h O2 R (10) D O2 h R ψ CO 2 = CO 2 (11) D CO 2 χ O 2 = φ cosh (φ ) + (ψ O 2 − 1)sinh (φ ) (12) ψ O2 = Variável CO2∞ CCO2∞ Valor Caso A 0,830 2,08 Valor Caso B 3,33 mol.m-3 2,08 mol.m-3 Com os valores fornecidos nas Tabelas 1 e 2, foi simulado o sistema composto pelas Equações 7-13. Os resultados das simulações dos dois casos apresentados na Tabela 2 são mostrados na Figura 1. χ CO 2 = φ cosh (φ) + (ψ CO 2 − 1)sinh (φ ) (13) As Equações 7-13 foram simuladas computacionalmente utilizando-se o programa Octave 3.2.0. Os resultados das simulações são apresentados e discutidos na próxima seção. RESULTADOS E DISCUSSÕES O trabalho utilizou um modelo com várias simplificações a fim de permitir solução analítica. A hipótese mais forte foi a de cinética de primeira ordem para descrever a taxa de respiração dentro da maçã. Com a simulação numérica das Equações 7-13, foi possível obter uma visão qualitativa de como as condições no ambiente de O2 e CO2 influenciam o fenômeno de transferência de massa. Figura 2 – Concentração de O2 e CO2 em função do raio Os resultados mostrados na Figura 2 indicam que, tanto no caso A quanto no caso B, existe uma diminuição na taxa de difusão a medida que se aproxima do centro da fruta. Observa-se que, mantendo constante a concentração de CO2 e aumentando a concentração de O2, altera-se consideravelmente a taxa de difusão nas proximidades da casca. Isso se deve ao aumento do desnível entre as concentrações de O2 dentro e fora da maçã. A região da maçã próxima à casca é a que recebe a maior taxa de difusão dos gases. Isso a torna mais propensa a ter problemas ao nível celular. É um fato comum, já bem conhecido, que a maçã pode apresentar exterior com aspecto de degradação, enquanto a parte interna ainda está intacta. hCO2 - 1,3 A Tabela 3 mostra os valores dos desvios relativos máximos percentuais para degraus de +/-15% em DO2, DCO2, hO2 e hCO2. Os resultados mostram que no modelo utilizado neste trabalho, o perfil de concentrações de O2 de CO2 na maçã é mais sensível aos parâmetros referentes à taxa de transferência de O2 do que do CO2. Na tabela 3, as variações em Do2 geram um desvio relativo máximo de 7,6 na concentração de O2 e de 0,6 na concentração de CO2. Lammertyn et al. (2003ª,b) apresentam resultados experimentais para a pêra, confirmando que a presença do O2 na atmosfera protagoniza o processo respiratório e que tanto a difusividade quanto o coeficiente global de transferência de massa desse gás influenciam fortemente os resultados das estimativas feitas pelo modelo matemático. CONCLUSÕES Figura 3 – Concentração de O2 e CO2 em função do raio (CO2∞ = 8,69 e CCO2∞ = 0,012 mol.m-3) A Figura 3 mostra um caso extremo de altíssima concentração de O2 e baixa concentração de CO2 na atmosfera modificada. Como prevê o modelo, a taxa de transferência de massa convectiva, entre a esfera que representa a maçã e o seu meio exterior, é alta e, conseqüentemente, a velocidade do processo difusivo também é alta nas proximidades da casca da maçã, se comparada ao processo nas partes mais internas da fruta. O aparecimento de regiões dentro da fruta com traços de oxidação (tom amarronzado) está relacionado não somente com as concentrações dos gases, mas também, com as taxas de variações dessas concentrações (Lammertyn et al., 2001). De fato, espera-se que esse “amarronzamento” na maçã ocorra das regiões periféricas da fruta para as mais internas, de acordo com a observação visual de que em média, a maçã deteriora de fora para dentro. Os parâmetros utilizados no modelo foram obtidos através de experimentos e sujeitos, portanto, a erros (Lammertyn et al., 2001). Assim, foi conveniente verificar a sensibilidade do modelo a esses parâmetros. Tabela 3 – Desvios relativos percentuais máximos para degraus de +/-15% nos parâmetros Parâmetros CO2 CCO2 DO2 7,6 0,6 DCO2 1,6 3,5 2,4 hO2 O presente trabalho implementou computacionalmente um modelo respiraçãodifusão para acompanhar a distribuição de concentração de O2 e CO2 dentro da maçã gala e correlacionar os resultados obtidos com a conservação da fruta em ambiente controlado. A partir da 1ª Lei de Fick e cinética de primeira ordem, entre outras simplificações, foi gerado um sistema de equações diferenciais cuja solução analítica, dada pelas Equações 7-13, foi simulada com o uso do programa Octave 3.2.0, com sintaxe semelhante a do MatLab e disponível gratuitamente na internet. Os resultados obtidos mostraram que, apesar de simplificado, o modelo simulado responde qualitativamente de forma coerente com o que se observa sobre o processo de respiraçãodifusão no interior de uma maçã. A forte influência da transferência de massa convectiva na casca e os efeitos no perfil de concentrações de gases no interior da fruta mostram que o experimento numérico reproduziu, de forma coerente, o processo respiratório dentro da maçã. Vale ressaltar que existem grandes dificuldades experimentais para se obter perfis de concentração de gases no interior de meios sólidos e, portanto, a modelagem matemática torna-se uma importante ferramenta de análise nesses casos. NOMENCLATURA CCO2 = Concentração de CO2 (mol.m-3) CCO2R = Concentração de CO2 na casca (mol.m-3) CCO2∞ = Concentração de CO2 na atmosfera -3 (mol.m ) -3 CO2 = Concentração de O2 (mol.m ) CO2R = Concentração de O2 na casca (mol.m-3) CO2∞ = Concentração de O2 na atmosfera -3 (mol.m ) h1 = Coeficiente de transferência de massa do O2 (m.s-1) h2 = Coeficiente de transferência de massa do CO2 (m.s-1) k = constante cinética (mol.s-1) R = Raio da esfera (m) φ,ψCO2, ψO2, χCO2, χO2 = adimensionais REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CRANK, J., 1975. The Mathematics of Diffusion, Clarendon Press, Oxford, UK. FIORAVANÇO, J.C., 2009. Maçã brasileira: da importação à alto-suficiência e exportação – a tecnologia como fator determinante, Informações Econômicas, vol. 29, no. 3, São Paulo, SP. LAMMERTYN, J., FRANCK, C., VERLINDEN, B.E. e NICOLAI, B.M., 2001 Comparative study of the O2, CO2 and temperature effect on respiration between “Conference” pear cell protoplasts in suspension and intact pears, Journal of Experimental Botany, vol. 52, no. 362, pp. 1769-1777. LAMMERTYN, J., FRANCK, C., VERLINDEN, a B.E. e NICOLAI, B.M., 2003 . Respirationdiffusion model for “Conference” pears I: model development and validation, Postharvest Biology and Technology, vol. 30, pp. 29-42. LAMMERTYN, J., FRANCK, C., VERLINDEN, b B.E. e NICOLAI, B.M. 2003 . Respirationdiffusion model for “Conference” pears I: simulation and relation to core breakdown, Postharvest Biology and Technology, vol. 30, pp. 43-55. MANNAPPERUMA, J.D., SINGH, R.P. e MONTERO, M.E., 1991. Simultaneous Gas Diffusion and Chemical Reaction in Foods Stored in Modified Atmospheres, Journal of Food Engineering, vol. 14, pp. 167-183. AGRADECIMENTOS André R. F. de Almeida agradece a FAPESP pelo auxílio financeiro.