INTRODUÇÃO AO
ESTUDO DE TEXTOS
Origem da palavra
A palavra texto vem do latim textus e é derivada do verbo
tecere que significa tecer, fazer tecido, trançar, construir
entrelaçando. Aplicado ao trabalho intelectual, esse verbo passa a
representar a atividade de compor ou organizar o pensamento em
obra escrita ou falada. Como se vê pelo sentido de origem, o texto é
sinônimo de tecido e, conseqüentemente, não é um amontoado de
palavras e frases combinadas aleatoriamente. Ele é produto de
combinação programada de palavras e frases.
Sendo assim, basta-nos decodificar essa "combinação
programada" e estaremos entendendo qualquer texto? Não é tão
simples assim, principalmente se levarmos em conta que um texto
pode ser construído não só com palavras e frases, mas também com
figuras, desenhos, retas e curvas (no caso dos gráficos).
Além disso, o texto é confeccionado, às vezes, por um autor
bem diferente do leitor, portanto é preciso haver uma interação e
(Por que não?) uma identificação entre eles, mesmo que pertençam
a épocas diferentes, culturas diferentes.
O texto, portanto, não é algo extremamente simples, é algo a
ser desvendado. Precisamos, pois, descobrir os seus segredos.
1.1.1 Os segredos do texto
Observe, ao lado, esta litografia de Escher denominada
Belvedere. Assim como um texto escrito, essa gravura, se observada
sem intenções de "desvendar segredos", parecerá um desenho
normal sem nenhum mistério. No entanto, se observarmos
minuciosamente, veremos que ocorrem coisas especiais, tão
especiais que ela é chamada de "mirante maluco" e foi batizada por
seu criador de "construções impossíveis" (que só se tornam
possíveis, porque o artista representa o mundo físico tridimensional
no mundo do papel que é bidimensional).
Para uma melhor leitura do desenho, reproduzimos um
comentário do próprio Escher.
"Em primeiro plano, embaixo à esquerda, está uma folha de
papel, sobre a qual foram desenhadas as linhas de um dado. Dois
círculos indicam os pontos onde as linhas se cruzam. Que linha está
à frente, que linha está atrás? Atrás e à frente, ao mesmo tempo,
não é possível num mundo tridimensional e não pode, por isso, ser
representado. Mas pode ser desenhado um objeto que, visto de
cima, representa uma realidade diferente da de quando visto de
baixo. O rapaz, que está sentado no banco, tem nas mãos uma tal
absurdidade, em forma de cubo. Ele observa pensativamente o
objeto impossível e não parece ter consciência de que o belvedere,
atrás das costas dele, é construído desta forma impossível. No piso
inferior, no interior da casa, está encostada uma escada pela qual
sobem duas pessoas. Mas chegados a um piso acima, estão de
novo ao ar livre e têm de voltar a entrar no edifício. É então
estranho que ninguém desta comunidade se preocupe com o
destino do preso no subterrâneo que, queixoso, põe fora a cabeça,
através das grades?”
Se num desenho em que tudo nos parece tão visível, as
coisas não são bem assim, imaginemos o que fica oculto num
texto sob o "véu" das palavras.
Se o texto fosse apenas uma estrutura formada pela
combinação de letras (ou sons), com sentido literal, totalmente
explícito, descontextualizado, que para entendê-Io bastasse
dominar o código, é evidente que ele não possuiria segredos.
No entanto, se você o vê como interação de sujeitos
sociais, ações pelas quais se constroem interativamente os
objetos do discurso e as múltiplas propostas de sentido e
inumeráveis possibilidades de organização textual que cada
língua lhes oferece... Assim você compreenderá que o texto é
uma construção histórica e social, extremamente complexo e
multifacetado, cujos segredos é preciso desvendar para
compreender melhor esse "milagre" que se repete a cada
interlocução.
UMA PITTADA DE VENENO
Que dona Nicéa Pitta tivesse feito o que fez, vá lá.
Antigamente, mulher largada do marido era mal falada. Hoje, é bem
falante. E ela, para obter credibilidade, confessa ter sido corrompida
pelo mesmo, por ela acusado, corruptor do marido, quando era
casada com comunhão de Yunes. Assinou contrato de prestação de
serviço, que não prestava e ainda não presta. Antes de estar
corrompida com Pitta, confessa ter sido "corrompitta".
Mas a sociedade deve aproveitar as denúncias de quem, ali,
era uma espécie de babá de todos e apurá-Ias, pois tudo indica ter
havido briga no esconderijo do Ali Babá e são essas desavenças que
possibilitam descobrir quem é quem e quem fez o quê.
No entanto, é aconselhável uma "pittada" de reserva e, em
alguns casos, tratar a bem falante com severidade. Por exemplo, a
acusação contra ACM é de mulher de Hipólito. (...) Essa história de
"até que a morte nos separe" valia para casamento muito
antigamente. Não vale, hoje, para divórcio. Creio que está havendo
excesso de exibicionismo na edição das notícias. A própria OAB
(Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo não soube se
manter isenta como instituição.(...) Por que a OAB não devia
meter-se nisso? É simples: a instituição não pode negar o direito de
defesa dos acusados.
Saulo Ramos, Folha de S. Paulo, 05/041 2000
O texto dialoga com as acusações de corrupção administrativa
que Nicéia Pitta havia endereçado ao ex-marido Celso Pitta (prefeito
da cidade de São Paulo, na época) em um programa televisivo.
"Uma Pittada de Veneno" convida o leitor a refletir sobre a
atitude de D. Nicéia ao fazer denúncias contra o prefeito e ex-marido,
acentuando as circunstâncias em que elas foram feitas. Segundo o
texto, tratava-se, naquele momento, de uma mulher "largada” que
poderia, em tal situação, estar afetada por sentimentos de vingança, o
que colocaria suas declarações sob suspeita quanto à sua
credibilidade.
De início, cria-se uma cena enunciativa antecipatória por meio
do enunciado "Que dona Nicéa Pitta tivesse feito o que fez, vá lá." Na
seqüenciação do discurso, a expressão marcadamente oralizada ("vá
lá") aponta para o fato de que subjaz à cena enunciativa o acordo de
senso comum de que é "compreensível a atitude da acusadora”, já
que de uma mulher abandonada pelo marido deve-se esperar uma
atitude de vingança.
Conseqüentemente, por serem motivadas pelo rancor do
abandono, as acusações só podem merecer crédito se forem
apuradas. Ou seja, o fato de a mulher haver sido abandonada
desqualifica o seu discurso e, por isso, não se admite que os
interlocutores lhe dêem crédito sem essas apurações.
A caracterização da "mulher abandonada e vingativa” - com
todas as representações imaginárias que ela convoca - é construída
por meio de recursos como a oposição semântica, que constrói
enunciados do tipo de "Antigamente mulher largada do marido era
malfalada. Hoje é bem-falante". O jogo lingüístico faz que a
expressão "bem-falante" se torne ambígua e possa ser interpretada
como "fala bem" ou "fala demais, desnecessariamente,
descontroladamente". O contexto oferece pistas para a compreensão
irônica do enunciado. O enunciatário é convidado a reconhecer, na
relação de oposição entre mulher "malfalada” e "bemfalante", um
saber culturalmente instituído de que mulher separada, largada do
marido é mal falada; ao mesmo tempo, ao estabelecer a oposição
com "bem-falante", desqualifica-se a atitude de uma mulher
separada que sai "falando do marido", acusando-o e chamando a
atenção da mídia e do povo para o conteúdo de suas declaraçõesacusações.
Também a construção “Antes de estar rompida com Pitta,
confessa ter sido corrompitta” é denunciadora da ironia.
Corrompitta = corrompida por Pitta.
No trecho "tudo indica ter havido briga no
esconderijo de Ali Babá", a casa de Pitta é associada a um
esconderijo de ladrões, pois ligamo-Ia à personagem Ali
Babá e então onde se lê ''Ali Babá e os quarenta ladrões",
deve-se ler "Pitta e os vereadores com ele envolvidos na
corrupção administrativa” .
A literatura clássica ainda serve para esclarecer o trecho ''A
acusação contra ACM é de mulher de Hipólito" ao levar-nos a
associações entre Nicéia e o personagem Fedra*.
* Fedra era esposa de Teseu mas apaixonou-se por Hipólito (filho
de Teseu com Hipólita)- que, por ter feito votos de castidade,
rejeitou-a. Fedra, ao ser repelida, acusou Hipólito de tentar seduziIa e por isso ele foi morto.
Por meio dessa associação, interpretar-se-á que, como "a
mulher de Hipólito", sua atitude é um disparate, uma
irresponsabilidade. Encadeando a desqualificação da mulher, sua
argumentação dirige-se para a desqualificação das instituições que,
como a OAB, exigem a apuração das irregularidades.
1.1.2 Diferenças entre apreender e compreender
Antes de prosseguirmos, paremos um pouco nos conceitos
de apreender e compreender, habilidades importantes que nos
ajudam a desvendar os segredos do texto.
1.1 .2. 1 Apreender
É o mesmo que capturar os significados presentes no texto.
Para atingir esse objetivo, é necessário:
· reconhecer o sentido das palavras (ou das figuras);
· identificar as relações que existem entre elas, ou seja, o modo
corno foram combinadas.
1.1.2.2 Compreender
É relacionar os significados apreendidos com outras
informações e dados contidos em outros textos do contexto
cultural. Assim corno fizemos com a obra ''Ali Babá e os quarenta
ladrões" e com a mitologia ao relacionarmos Nicéia à mulher de
Hipólito no texto Uma pittada de veneno.
A compreensão consiste em algumas associações que
listaremos a seguir.
a) Associar o sentido do texto lido a outros já produzidos.
A revista Veja de 12 de junho de 1988, em matéria
publicada nas páginas 90 e 91, traz urna reportagem sobre um
caso de corrupção que envolvia, corno suspeitos, membros
ligados à administração do governo do Estado de São Paulo e
dois cidadãos portugueses dispostos a lançar um novo tipo de
jogo lotérico, designado pelo nome de Raspadinha. Entre os
suspeitos figurava o nome de Otávio Ceccato, que, no
momento, ocupava o cargo de secretário de Indústria e
Comércio e que negava sua participação na negociata.
O fragmento que vem a seguir, extraído da parte final da
referida reportagem, relata a resposta de Ceccato aos
jornalistas nos seguintes termos:
Na sua posse como secretário de Indústria e
Comércio, Ceccato, nervoso, foi infeliz ao rebater as
denúncias. "Como São Pedro, nego, nego, nego", disse a
um grupo de repórteres, referindo-se à conhecida
passagem em que São Pedro negou conhecer Jesus
Cristo três vezes na mesma noite. Esqueceu-se de que
São Pedro, naquele episódio, disse talvez a única
mentira de sua vida. (Ano 20, 22:91.)
Como se pode notar, a defesa do secretário foi infeliz e
desastrosa, produzindo efeito contrário ao que ele tinha em
mente. A citação, no caso, ao invés de inocentá-Io, acabou por
comprometê-Io, pois São Pedro, ao negar Cristo, estava mentindo.
Platão e Fiorim, 1990
b) Associar o sentido do texto lido com um conjunto de
informações que circulam na sociedade.
A propaganda anterior, para ser entendida, exige do
leitor o conhecimento de alguns dados:
1ª) A figura do leão em nossa sociedade está associada ao
imposto de renda (observar que o leão carrega uma folha
na boca: o formulário).
2ª) No jogo entre a imagem leão e a palavra gatinho vai o
recado. O gatinho que entrega o formulário do imposto de
renda virará um leão se o contribuinte não cumprir as
exigências feitas.
c) Associar o sentido do texto lido à época em que foi escrito
(por isso é uma construção histórica), ao local em que foi
escrito, à cultura em que o autor e/ ou seus personagens
estavam inseridos (por isso é uma construção social).
O cartum, apresentado logo a seguir, mostra a total
descaracterização da cultura indígena e de seu habitat a ponto
de o índio pescar sardinha em lata.
Para que ocorra a compreensão, é preciso mais que
apreensão, é preciso que o leitor tenha informações que fazem
parte de seu repertório cultural, chamado de memória
discursiva, ou seja, pressupõe-se que o leitor conheça o que
não vem explícito.
Observe que a gravura anterior assemelha-se aos dois
pulmões, principais órgãos responsáveis pela respiração.
1.1.3 Dificuldades em interpretar textos?!
Não raro, o leitor encontra dificuldades para
entender um texto (ou parte dele) ou gravuras. Isso não
significa falta de capacidade intelectual. O que ocorre,
geralmente, é a falta de determinadas informações que
podem bloquear o acesso à compreensão. Para entender
um texto, é preciso trazer informações exteriores para
complementá-Io. Essas informações são o que chamamos
de conhecimento de mundo.
Elementos necessários
para se interpretar um
texto.
1.1.4.1 Produtor/planejador
Precisa-se de um produtor / planejador que procura
viabilizar o seu "projeto de dizer", recorrendo a uma série de
estratégias de organização textual e orientando o interlocutor,
por meio de sinalizações textuais (indícios, marcas, pistas) para
a construção dos (possíveis) sentidos.
Exemplo:
Qualquer pessoa que olhasse a pintura abaixo
poderia não entender o conteúdo histórico que ela guarda,
mas, se conhecesse os fatos narrados a seguir, a pintura se
tornaria clara.
A REFORMA DE LUTERO
Em 1517, na Alemanha, o monge e professor da
Universidade de Wittenberg, Martinho Lutero, rebelou-se
contra o vendedor de indulgências João Tetzel, dominicano a
serviço do papa Leão X, que recolhia recursos para a
construção da basílica de São Pedro.
Lutero, revoltado com a desmoralização da Igreja,
fixou na porta de sua igreja as 95 teses, em que criticava
ferozmente a Igreja papal. Em 1520, Leão X ordenou a sua
retratação, sob pena de ser considerado um herege. Lutero
queimou em
praça pública a ordem papal, sendo excomungado em 1521.
VICENTINO, Cláudio. História memória viva - 8< série. 11. ed. São Paulo: Scipione, 1999
Agora volte à pintura e observe-a. Lutero e seus
seguidores gravam, com uma enorme pena de ganso, suas 95
teses na porta da igreja. Ao fundo, Lutero aparece novamente,
desta vez queimando a bula papal.
De posse do conhecimento sobre Lutero, foi possível
entender o texto perfeitamente.
1.1 .4.2 Organização do texto
Precisa-se de um texto, organizado estrategicamente de
dada forma, em decorrência das escolhas feitas pelo produtor
entre as diversas possibilidades de formulação que a língua lhe
oferece, de tal sorte que ele estabelece limites quanto às
leituras possíveis.
Atentemos para o seguinte par de frases:
Alguns de nós faremos a limpeza da sala.
Alguns de nós farão a limpeza da sala.
Qualquer um dos enunciados anteriores está correto
quanto à norma culta, mas a escolha de um ou de outro dará
pistas ao leitor quanto à participação ou não do autor da frase
na "limpeza da sala”.
1.1.4.3 leitor/ouvinte
Precisa-se de um leitor/ouvinte que, a partir do modo
como o texto se encontra lingüisticamente construído, das
sinalizações que lhe oferece, bem como pela mobilização do
contexto relevante à interpretação, vai proceder à construção dos
sentidos.
Exemplo:
Às vésperas do Dia das Mães, a professora dá como
tarefa de casa o tema de redação: "Mãe só tem uma”.
Na data marcada para a entrega dos textos, alguns
alunos fazem a leitura de suas redações e entre eles está o
Juquinha, que produziu o seguinte texto:
"Domingo foi visita lá em casa e minha mãe pediu para eu
pegar Coca-Cola na cozinha. Quando eu abri a geladeira,
gritei:
- Mãe, só tem uma."
Observe que o uso da vírgula alterou o sentido do texto.
1.1.5 O que é texto?
O texto é um "evento comunicativo no qual convergem
ações lingüísticas, cognitivas e sociais." (Beaugrande - 1997:10).
Trata-se de um evento dialógico de interação entre sujeitos
sociais - contemporâneos ou não, co-presentes ou não, do
mesmo grupo social ou não, mas em diálogo constante.
Se observarmos os exemplos citados até agora,
perceberemos que, em qualquer texto, o significado das frases
(ou dos desenhos e gravuras) não é autônomo. Não se pode
isolar frase alguma do texto (ou parte de um desenho) e
tentar conferir-lhe o significado que se deseja, pois uma
mesma frase pode ter significados distintos dependendo
do contexto dentro do qual está inserido.
Observe o quadro a seguir:
Guernica, de Picasso, é uma denúncia contra as mortes
que estavam destruindo a Espanha na terrível
Guerra Civil Espanhola (1936-1939), e contra a perpétua
desumanidade do homem.
A motivação imediata do quadro foi a destruição de
Guernica, capital da região basca, no dia da feira da cidade, 26
de abril de 1937. Em plena luz do dia, os avies nazistas, sob as
ordens do general Franco, atacaram a cidade indefesa. De seus
7000 habitantes, 1654 foram mortos e 889 feridos.
Através das setas explicativas inseridas no texto,
podemos ver que cada parte deste quadro tem uma explicação e
uma interpretação, mas o completo entendimento de cada uma
delas só é possível se levarmos em conta o quadro como um
todo, ou seja, cada parte só tem sentido no todo e o todo só
tem sentido com a soma das partes.
Observemos a significação de cada parte em relação ao todo:
1) Ausência de cores
A pintura severa, monocromática, é adequada ao tema.
Até hoje o assunto desse mural provoca polêmica na Espanha.
Essa enorme tela está exposta numa sala própria no Museu
Rainha Sofia, protegida por um imenso vidro à prova de balas.
2) Mãe e filho
Uma criança morta pende dos braços da mãe. Entre as
complexas imagens cubistas de Guernica, esta pode ser
interpretada de imediato. O grito da mãe está representado
pela sua língua, que sugere um punhal ou um caco de vidro.
Outros cacos semelhantes aparecem por todo o quadro.
3) O touro
Picasso sempre foi fascinado pelas touradas, velho
esporte Espanhol, brutal e espetacular, e as imagens da arena
de touros aparecem com freqüência em seu trabalho.
Embora Picasso afirmasse que o touro em Guernica
representa a brutalidade, trata-se de uma imagem ambígua.
Parado e abanando a cauda, o touro não parece selvagem.
Talvez Picasso tivesse em mente o momento de tourada em
que, após um ataque bem-sucedido, o touro recua para ver o
que fez e prepara seu próximo movimento.
4) A cabeça cortada
No primeiro plano, há uma figura fragmentada, com a
cabeça decepada à esquerda e, ao centro, um braço cortado
segurando uma espada quebrada. É possível que Picasso
estivesse se referindo à Batalha de San Romano, de Uccello. Este
quadro, que interpreta a guerra como um torneio cerimonial,
contrasta com a poderosa imagem de Picasso, de assassinato em
massa.
5) Cavalo em agonia
Picasso, que raramente dava interpretações de seu
trabalho, disse que o cavalo representava o povo. Tal como a
mãe à esquerda, a agonia é sugerida pela língua pontiaguda
como um punhal. Acima da cabeça do cavalo, há uma lâmpada
elétrica que sugere o olho de Deus, que tudo vê. Até mesmo a
luz parece gritar de horror.
6) Flor simbólica
Há pouco simbolismo explícito no quadro; aqui Picasso não
seguiu nenhuma linguagem simbólica bem definida. Como em boa
parte da arte moderna, o simbolismo é particular e pessoal, e só
pode ser decifrado nesta base. Contudo, é difícil não interpretar a
única flor no centro do quadro como um símbolo de esperança,
afirmando que uma nova vida continuará a crescer apesar das
tentativas do homem de destruí-Ia. A pungente delicadeza da flor
intensifica o horror generalizado dessa cena caótica.
7) Uma crucifixão moderna
Duas mulheres olham o cavalo ferido com terror e piedade,
sugerindo certas semelhanças, em conceito e emoção, com as
imagens de Cristo sofrendo na cruz e a presença das três Marias
nessa cena. Talvez Picasso estivesse procurando uma imagem
moderna, secular, para expressar o sofrimento da humanidade,
mas uma imagem que não tivesse um simbolismo cristão explícito.
8) Referência a Goya
A figura da direita ergue os braços como se quisesse
deter as bombas que caem do céu. Mas é também a pose da
figura central de Os fuzilamentos de 3 de maio de 1808, de
Goya. Há uma semelhança entre os fatos que motivaram os
dois quadros - ambos foram atos de brutalidade selvagem
contra pessoas inocentes. Picasso decerto tinha consciência de
estar seguindo de perto as pegadas de Goya.
1 .2 Contexto
As definições de contexto variam não só no tempo,
como de um autor para outro, mas podemos concordar com
alguns autores que afirmam que "a noção de contexto encerra
uma justaposição fundamental de duas entidades: um evento
focal e um campo de ação dentro do qual o evento se encontra
inserido."
Assim sendo, entende-se por contexto uma unidade
lingüística maior onde se encaixa uma unidade lingüística
menor. A palavra encaixa-se na oração, que se encaixa no
período, que se encaixa no parágrafo, que se encaixa no
capítulo, que se encaixa na obra toda, que...
Exemplo:
Esse detalhe de anúncio do Jornal da Tarde pode levar o
leitor a entender "bode" como se tratando do animal. No
entanto, quando contextualizado (veja o texto à direita),
entendemos que "bode", aqui, significa chateação,
aborrecimento.
Além dessa noção de contexto, podemos concordar com o
lingüista Hymes, que propõe os seguintes pontos para
caracterizar o contexto:
· situação: cenário, lugar;
· participantes: falante/ autor, ouvinte/ leitor;
· finalidade: propósito, resultados;
· seqüência de atos: forma de mensagem/ forma de conteúdo;
· código: Língua Portuguesa, gravura;
· instrumentos: canal/ formas de fala;
· normas: de interação/ interpretação; · gênero: texto publicitário.
Observemos novamente o texto do bode.
Situação: uma casa num domingo qualquer.
Participantes: uma pessoa qualquer (provavelmente um homem).
Finalidade: ler o jornal que está sendo lançado.
Seqüência de atos: atividades corriqueiras e aborrecidas do
domingo.
Código: Língua Portuguesa escrita e desenho.
Instrumento: revista IstoÉ.
Normas: conhecimento do leitor sobre o que seja um bode
(animal) e associação do animal às atividades aborrecidas do
domingo.
Gênero: texto publicitário.
A propaganda tenta persuadir o leitor a ler o jornal para
acabar com o dia ruim. O contexto, portanto, tem estreita relação
entre linguagem, cultura, organização social, bem como o estudo
de como a linguagem é estruturada.
1.2.1 A contextualização na fala e na escrita
O sentido de um texto não depende da estrutura textual
em si mesma, pois essa estrutura, como um iceberg, apresenta
apenas uma "pontà' do seu conteúdo, permanecendo muita
coisa implícita. O produror do texto pressupõe da parte do
leitor/ ouvinte conhecimentos textuais, situacionais e
enciclopédicos e, por isso, omite informações consideradas
redundantes. A isso damos o nome de Princípio da Economia.
Observe a frase a seguir:
"Roberto Jefferson foi cassado por causa do mensalão" .
Na atual conjuntura política, o autor dessa frase, ao
emiti-Ia, supõe que seu interlocutor saiba quem é Roberto
Jefferson, o que significa a palavra "cassado", por que isso
ocorreu e o que é mensalão.
O leitor/ouvinte procura sentido no texto lido ou ouvido
a partir das informações dadas, construindo uma
representação coerente, ativando seu conhecimento de
mundo, suas deduções (Princípio da continuidade de sentido).
Põe em funcionamento todos os componentes e estratégias
cognitivas que possui. Logo, há total interação entre produtor leitor/ouvinte.
No momento.. da interação, o escritor! falante verbaliza
somente o que for necessário à compreensão e que não pode
ser deduzido pelo leitor/ouvinte (Princípio da seletividade).
Os interactantes desenvolvem estratégias (dão pistas)
para o processamento eficaz do texto. Por exemplo, numa
conversa, levamos em conta as entonações de voz, as pausas, a
escolha do registro e do léxico, os gestos, as expressões
fisionômicas, as ênfases, etc.
As pistas de contextualização na escrita podem ser: os
sinais de pontuação de um modo geral (aspas, pontos), os
recursos gráficos, como tamanho e tipo de letra, a diagramação,
os destaques (itálicos, negritos), etc.
Por exemplo, nas HQ, o leitor deve conhecer os recursos
gráficos dos desenhos para entender coisas como:
1.3 Hipertexto
Segundo a maioria dos autores, o hipertexto é uma
escritura não-seqüencial e não-linear, que se ramifica e permite
ao leitor virtual acessar um número ilimitado de outros textos.
O hipertexto faz do leitor um co-autor do texto na medida em
que oferece várias possibilidades, caminhos diversificados,
permitindo diferentes níveis de desenvolvimento e
aprofundamento de um tema. o hipertexto tem sido apontado
como algo radicalmente inovador, mas a novidade
propriamente dita está na tecnologia que permite subverter
movimentos e redefinir funções.
Na verdade, o hipertexto já está presente em textos
acadêmicos, por exemplo, povoados de referências, citações,
notas de rodapé ou de final de capítulo.
As chamadas para esses itens correspondem aos links.
O leitor poderá, por exemplo, ler o texto de maneira contínua
e só consultar as notas após essa leitura; consultar apenas as
que mais lhe interessarem ou mesmo não ler nenhuma.
Poderá, também, interromper sua leitura a cada chamada e
integrar o conteúdo da nota à leitura que está fazendo.
Ao encontrar uma referência, quer no texto, quer em
nota, poderá inclusive suspender a leitura para consultar a
obra ali referendada. Nesta nova obra, por sua vez, poderá
encontrar outras referências, que o levem a outros textos, e
assim por diante. A diferença com relação ao hipertexto
eletrônico está apenas no suporte e na forma e rapidez do
acessamento.
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Introdução ao estudo de texto