INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE TEXTOS Origem da palavra A palavra texto vem do latim textus e é derivada do verbo tecere que significa tecer, fazer tecido, trançar, construir entrelaçando. Aplicado ao trabalho intelectual, esse verbo passa a representar a atividade de compor ou organizar o pensamento em obra escrita ou falada. Como se vê pelo sentido de origem, o texto é sinônimo de tecido e, conseqüentemente, não é um amontoado de palavras e frases combinadas aleatoriamente. Ele é produto de combinação programada de palavras e frases. Sendo assim, basta-nos decodificar essa "combinação programada" e estaremos entendendo qualquer texto? Não é tão simples assim, principalmente se levarmos em conta que um texto pode ser construído não só com palavras e frases, mas também com figuras, desenhos, retas e curvas (no caso dos gráficos). Além disso, o texto é confeccionado, às vezes, por um autor bem diferente do leitor, portanto é preciso haver uma interação e (Por que não?) uma identificação entre eles, mesmo que pertençam a épocas diferentes, culturas diferentes. O texto, portanto, não é algo extremamente simples, é algo a ser desvendado. Precisamos, pois, descobrir os seus segredos. 1.1.1 Os segredos do texto Observe, ao lado, esta litografia de Escher denominada Belvedere. Assim como um texto escrito, essa gravura, se observada sem intenções de "desvendar segredos", parecerá um desenho normal sem nenhum mistério. No entanto, se observarmos minuciosamente, veremos que ocorrem coisas especiais, tão especiais que ela é chamada de "mirante maluco" e foi batizada por seu criador de "construções impossíveis" (que só se tornam possíveis, porque o artista representa o mundo físico tridimensional no mundo do papel que é bidimensional). Para uma melhor leitura do desenho, reproduzimos um comentário do próprio Escher. "Em primeiro plano, embaixo à esquerda, está uma folha de papel, sobre a qual foram desenhadas as linhas de um dado. Dois círculos indicam os pontos onde as linhas se cruzam. Que linha está à frente, que linha está atrás? Atrás e à frente, ao mesmo tempo, não é possível num mundo tridimensional e não pode, por isso, ser representado. Mas pode ser desenhado um objeto que, visto de cima, representa uma realidade diferente da de quando visto de baixo. O rapaz, que está sentado no banco, tem nas mãos uma tal absurdidade, em forma de cubo. Ele observa pensativamente o objeto impossível e não parece ter consciência de que o belvedere, atrás das costas dele, é construído desta forma impossível. No piso inferior, no interior da casa, está encostada uma escada pela qual sobem duas pessoas. Mas chegados a um piso acima, estão de novo ao ar livre e têm de voltar a entrar no edifício. É então estranho que ninguém desta comunidade se preocupe com o destino do preso no subterrâneo que, queixoso, põe fora a cabeça, através das grades?” Se num desenho em que tudo nos parece tão visível, as coisas não são bem assim, imaginemos o que fica oculto num texto sob o "véu" das palavras. Se o texto fosse apenas uma estrutura formada pela combinação de letras (ou sons), com sentido literal, totalmente explícito, descontextualizado, que para entendê-Io bastasse dominar o código, é evidente que ele não possuiria segredos. No entanto, se você o vê como interação de sujeitos sociais, ações pelas quais se constroem interativamente os objetos do discurso e as múltiplas propostas de sentido e inumeráveis possibilidades de organização textual que cada língua lhes oferece... Assim você compreenderá que o texto é uma construção histórica e social, extremamente complexo e multifacetado, cujos segredos é preciso desvendar para compreender melhor esse "milagre" que se repete a cada interlocução. UMA PITTADA DE VENENO Que dona Nicéa Pitta tivesse feito o que fez, vá lá. Antigamente, mulher largada do marido era mal falada. Hoje, é bem falante. E ela, para obter credibilidade, confessa ter sido corrompida pelo mesmo, por ela acusado, corruptor do marido, quando era casada com comunhão de Yunes. Assinou contrato de prestação de serviço, que não prestava e ainda não presta. Antes de estar corrompida com Pitta, confessa ter sido "corrompitta". Mas a sociedade deve aproveitar as denúncias de quem, ali, era uma espécie de babá de todos e apurá-Ias, pois tudo indica ter havido briga no esconderijo do Ali Babá e são essas desavenças que possibilitam descobrir quem é quem e quem fez o quê. No entanto, é aconselhável uma "pittada" de reserva e, em alguns casos, tratar a bem falante com severidade. Por exemplo, a acusação contra ACM é de mulher de Hipólito. (...) Essa história de "até que a morte nos separe" valia para casamento muito antigamente. Não vale, hoje, para divórcio. Creio que está havendo excesso de exibicionismo na edição das notícias. A própria OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo não soube se manter isenta como instituição.(...) Por que a OAB não devia meter-se nisso? É simples: a instituição não pode negar o direito de defesa dos acusados. Saulo Ramos, Folha de S. Paulo, 05/041 2000 O texto dialoga com as acusações de corrupção administrativa que Nicéia Pitta havia endereçado ao ex-marido Celso Pitta (prefeito da cidade de São Paulo, na época) em um programa televisivo. "Uma Pittada de Veneno" convida o leitor a refletir sobre a atitude de D. Nicéia ao fazer denúncias contra o prefeito e ex-marido, acentuando as circunstâncias em que elas foram feitas. Segundo o texto, tratava-se, naquele momento, de uma mulher "largada” que poderia, em tal situação, estar afetada por sentimentos de vingança, o que colocaria suas declarações sob suspeita quanto à sua credibilidade. De início, cria-se uma cena enunciativa antecipatória por meio do enunciado "Que dona Nicéa Pitta tivesse feito o que fez, vá lá." Na seqüenciação do discurso, a expressão marcadamente oralizada ("vá lá") aponta para o fato de que subjaz à cena enunciativa o acordo de senso comum de que é "compreensível a atitude da acusadora”, já que de uma mulher abandonada pelo marido deve-se esperar uma atitude de vingança. Conseqüentemente, por serem motivadas pelo rancor do abandono, as acusações só podem merecer crédito se forem apuradas. Ou seja, o fato de a mulher haver sido abandonada desqualifica o seu discurso e, por isso, não se admite que os interlocutores lhe dêem crédito sem essas apurações. A caracterização da "mulher abandonada e vingativa” - com todas as representações imaginárias que ela convoca - é construída por meio de recursos como a oposição semântica, que constrói enunciados do tipo de "Antigamente mulher largada do marido era malfalada. Hoje é bem-falante". O jogo lingüístico faz que a expressão "bem-falante" se torne ambígua e possa ser interpretada como "fala bem" ou "fala demais, desnecessariamente, descontroladamente". O contexto oferece pistas para a compreensão irônica do enunciado. O enunciatário é convidado a reconhecer, na relação de oposição entre mulher "malfalada” e "bemfalante", um saber culturalmente instituído de que mulher separada, largada do marido é mal falada; ao mesmo tempo, ao estabelecer a oposição com "bem-falante", desqualifica-se a atitude de uma mulher separada que sai "falando do marido", acusando-o e chamando a atenção da mídia e do povo para o conteúdo de suas declaraçõesacusações. Também a construção “Antes de estar rompida com Pitta, confessa ter sido corrompitta” é denunciadora da ironia. Corrompitta = corrompida por Pitta. No trecho "tudo indica ter havido briga no esconderijo de Ali Babá", a casa de Pitta é associada a um esconderijo de ladrões, pois ligamo-Ia à personagem Ali Babá e então onde se lê ''Ali Babá e os quarenta ladrões", deve-se ler "Pitta e os vereadores com ele envolvidos na corrupção administrativa” . A literatura clássica ainda serve para esclarecer o trecho ''A acusação contra ACM é de mulher de Hipólito" ao levar-nos a associações entre Nicéia e o personagem Fedra*. * Fedra era esposa de Teseu mas apaixonou-se por Hipólito (filho de Teseu com Hipólita)- que, por ter feito votos de castidade, rejeitou-a. Fedra, ao ser repelida, acusou Hipólito de tentar seduziIa e por isso ele foi morto. Por meio dessa associação, interpretar-se-á que, como "a mulher de Hipólito", sua atitude é um disparate, uma irresponsabilidade. Encadeando a desqualificação da mulher, sua argumentação dirige-se para a desqualificação das instituições que, como a OAB, exigem a apuração das irregularidades. 1.1.2 Diferenças entre apreender e compreender Antes de prosseguirmos, paremos um pouco nos conceitos de apreender e compreender, habilidades importantes que nos ajudam a desvendar os segredos do texto. 1.1 .2. 1 Apreender É o mesmo que capturar os significados presentes no texto. Para atingir esse objetivo, é necessário: · reconhecer o sentido das palavras (ou das figuras); · identificar as relações que existem entre elas, ou seja, o modo corno foram combinadas. 1.1.2.2 Compreender É relacionar os significados apreendidos com outras informações e dados contidos em outros textos do contexto cultural. Assim corno fizemos com a obra ''Ali Babá e os quarenta ladrões" e com a mitologia ao relacionarmos Nicéia à mulher de Hipólito no texto Uma pittada de veneno. A compreensão consiste em algumas associações que listaremos a seguir. a) Associar o sentido do texto lido a outros já produzidos. A revista Veja de 12 de junho de 1988, em matéria publicada nas páginas 90 e 91, traz urna reportagem sobre um caso de corrupção que envolvia, corno suspeitos, membros ligados à administração do governo do Estado de São Paulo e dois cidadãos portugueses dispostos a lançar um novo tipo de jogo lotérico, designado pelo nome de Raspadinha. Entre os suspeitos figurava o nome de Otávio Ceccato, que, no momento, ocupava o cargo de secretário de Indústria e Comércio e que negava sua participação na negociata. O fragmento que vem a seguir, extraído da parte final da referida reportagem, relata a resposta de Ceccato aos jornalistas nos seguintes termos: Na sua posse como secretário de Indústria e Comércio, Ceccato, nervoso, foi infeliz ao rebater as denúncias. "Como São Pedro, nego, nego, nego", disse a um grupo de repórteres, referindo-se à conhecida passagem em que São Pedro negou conhecer Jesus Cristo três vezes na mesma noite. Esqueceu-se de que São Pedro, naquele episódio, disse talvez a única mentira de sua vida. (Ano 20, 22:91.) Como se pode notar, a defesa do secretário foi infeliz e desastrosa, produzindo efeito contrário ao que ele tinha em mente. A citação, no caso, ao invés de inocentá-Io, acabou por comprometê-Io, pois São Pedro, ao negar Cristo, estava mentindo. Platão e Fiorim, 1990 b) Associar o sentido do texto lido com um conjunto de informações que circulam na sociedade. A propaganda anterior, para ser entendida, exige do leitor o conhecimento de alguns dados: 1ª) A figura do leão em nossa sociedade está associada ao imposto de renda (observar que o leão carrega uma folha na boca: o formulário). 2ª) No jogo entre a imagem leão e a palavra gatinho vai o recado. O gatinho que entrega o formulário do imposto de renda virará um leão se o contribuinte não cumprir as exigências feitas. c) Associar o sentido do texto lido à época em que foi escrito (por isso é uma construção histórica), ao local em que foi escrito, à cultura em que o autor e/ ou seus personagens estavam inseridos (por isso é uma construção social). O cartum, apresentado logo a seguir, mostra a total descaracterização da cultura indígena e de seu habitat a ponto de o índio pescar sardinha em lata. Para que ocorra a compreensão, é preciso mais que apreensão, é preciso que o leitor tenha informações que fazem parte de seu repertório cultural, chamado de memória discursiva, ou seja, pressupõe-se que o leitor conheça o que não vem explícito. Observe que a gravura anterior assemelha-se aos dois pulmões, principais órgãos responsáveis pela respiração. 1.1.3 Dificuldades em interpretar textos?! Não raro, o leitor encontra dificuldades para entender um texto (ou parte dele) ou gravuras. Isso não significa falta de capacidade intelectual. O que ocorre, geralmente, é a falta de determinadas informações que podem bloquear o acesso à compreensão. Para entender um texto, é preciso trazer informações exteriores para complementá-Io. Essas informações são o que chamamos de conhecimento de mundo. Elementos necessários para se interpretar um texto. 1.1.4.1 Produtor/planejador Precisa-se de um produtor / planejador que procura viabilizar o seu "projeto de dizer", recorrendo a uma série de estratégias de organização textual e orientando o interlocutor, por meio de sinalizações textuais (indícios, marcas, pistas) para a construção dos (possíveis) sentidos. Exemplo: Qualquer pessoa que olhasse a pintura abaixo poderia não entender o conteúdo histórico que ela guarda, mas, se conhecesse os fatos narrados a seguir, a pintura se tornaria clara. A REFORMA DE LUTERO Em 1517, na Alemanha, o monge e professor da Universidade de Wittenberg, Martinho Lutero, rebelou-se contra o vendedor de indulgências João Tetzel, dominicano a serviço do papa Leão X, que recolhia recursos para a construção da basílica de São Pedro. Lutero, revoltado com a desmoralização da Igreja, fixou na porta de sua igreja as 95 teses, em que criticava ferozmente a Igreja papal. Em 1520, Leão X ordenou a sua retratação, sob pena de ser considerado um herege. Lutero queimou em praça pública a ordem papal, sendo excomungado em 1521. VICENTINO, Cláudio. História memória viva - 8< série. 11. ed. São Paulo: Scipione, 1999 Agora volte à pintura e observe-a. Lutero e seus seguidores gravam, com uma enorme pena de ganso, suas 95 teses na porta da igreja. Ao fundo, Lutero aparece novamente, desta vez queimando a bula papal. De posse do conhecimento sobre Lutero, foi possível entender o texto perfeitamente. 1.1 .4.2 Organização do texto Precisa-se de um texto, organizado estrategicamente de dada forma, em decorrência das escolhas feitas pelo produtor entre as diversas possibilidades de formulação que a língua lhe oferece, de tal sorte que ele estabelece limites quanto às leituras possíveis. Atentemos para o seguinte par de frases: Alguns de nós faremos a limpeza da sala. Alguns de nós farão a limpeza da sala. Qualquer um dos enunciados anteriores está correto quanto à norma culta, mas a escolha de um ou de outro dará pistas ao leitor quanto à participação ou não do autor da frase na "limpeza da sala”. 1.1.4.3 leitor/ouvinte Precisa-se de um leitor/ouvinte que, a partir do modo como o texto se encontra lingüisticamente construído, das sinalizações que lhe oferece, bem como pela mobilização do contexto relevante à interpretação, vai proceder à construção dos sentidos. Exemplo: Às vésperas do Dia das Mães, a professora dá como tarefa de casa o tema de redação: "Mãe só tem uma”. Na data marcada para a entrega dos textos, alguns alunos fazem a leitura de suas redações e entre eles está o Juquinha, que produziu o seguinte texto: "Domingo foi visita lá em casa e minha mãe pediu para eu pegar Coca-Cola na cozinha. Quando eu abri a geladeira, gritei: - Mãe, só tem uma." Observe que o uso da vírgula alterou o sentido do texto. 1.1.5 O que é texto? O texto é um "evento comunicativo no qual convergem ações lingüísticas, cognitivas e sociais." (Beaugrande - 1997:10). Trata-se de um evento dialógico de interação entre sujeitos sociais - contemporâneos ou não, co-presentes ou não, do mesmo grupo social ou não, mas em diálogo constante. Se observarmos os exemplos citados até agora, perceberemos que, em qualquer texto, o significado das frases (ou dos desenhos e gravuras) não é autônomo. Não se pode isolar frase alguma do texto (ou parte de um desenho) e tentar conferir-lhe o significado que se deseja, pois uma mesma frase pode ter significados distintos dependendo do contexto dentro do qual está inserido. Observe o quadro a seguir: Guernica, de Picasso, é uma denúncia contra as mortes que estavam destruindo a Espanha na terrível Guerra Civil Espanhola (1936-1939), e contra a perpétua desumanidade do homem. A motivação imediata do quadro foi a destruição de Guernica, capital da região basca, no dia da feira da cidade, 26 de abril de 1937. Em plena luz do dia, os avies nazistas, sob as ordens do general Franco, atacaram a cidade indefesa. De seus 7000 habitantes, 1654 foram mortos e 889 feridos. Através das setas explicativas inseridas no texto, podemos ver que cada parte deste quadro tem uma explicação e uma interpretação, mas o completo entendimento de cada uma delas só é possível se levarmos em conta o quadro como um todo, ou seja, cada parte só tem sentido no todo e o todo só tem sentido com a soma das partes. Observemos a significação de cada parte em relação ao todo: 1) Ausência de cores A pintura severa, monocromática, é adequada ao tema. Até hoje o assunto desse mural provoca polêmica na Espanha. Essa enorme tela está exposta numa sala própria no Museu Rainha Sofia, protegida por um imenso vidro à prova de balas. 2) Mãe e filho Uma criança morta pende dos braços da mãe. Entre as complexas imagens cubistas de Guernica, esta pode ser interpretada de imediato. O grito da mãe está representado pela sua língua, que sugere um punhal ou um caco de vidro. Outros cacos semelhantes aparecem por todo o quadro. 3) O touro Picasso sempre foi fascinado pelas touradas, velho esporte Espanhol, brutal e espetacular, e as imagens da arena de touros aparecem com freqüência em seu trabalho. Embora Picasso afirmasse que o touro em Guernica representa a brutalidade, trata-se de uma imagem ambígua. Parado e abanando a cauda, o touro não parece selvagem. Talvez Picasso tivesse em mente o momento de tourada em que, após um ataque bem-sucedido, o touro recua para ver o que fez e prepara seu próximo movimento. 4) A cabeça cortada No primeiro plano, há uma figura fragmentada, com a cabeça decepada à esquerda e, ao centro, um braço cortado segurando uma espada quebrada. É possível que Picasso estivesse se referindo à Batalha de San Romano, de Uccello. Este quadro, que interpreta a guerra como um torneio cerimonial, contrasta com a poderosa imagem de Picasso, de assassinato em massa. 5) Cavalo em agonia Picasso, que raramente dava interpretações de seu trabalho, disse que o cavalo representava o povo. Tal como a mãe à esquerda, a agonia é sugerida pela língua pontiaguda como um punhal. Acima da cabeça do cavalo, há uma lâmpada elétrica que sugere o olho de Deus, que tudo vê. Até mesmo a luz parece gritar de horror. 6) Flor simbólica Há pouco simbolismo explícito no quadro; aqui Picasso não seguiu nenhuma linguagem simbólica bem definida. Como em boa parte da arte moderna, o simbolismo é particular e pessoal, e só pode ser decifrado nesta base. Contudo, é difícil não interpretar a única flor no centro do quadro como um símbolo de esperança, afirmando que uma nova vida continuará a crescer apesar das tentativas do homem de destruí-Ia. A pungente delicadeza da flor intensifica o horror generalizado dessa cena caótica. 7) Uma crucifixão moderna Duas mulheres olham o cavalo ferido com terror e piedade, sugerindo certas semelhanças, em conceito e emoção, com as imagens de Cristo sofrendo na cruz e a presença das três Marias nessa cena. Talvez Picasso estivesse procurando uma imagem moderna, secular, para expressar o sofrimento da humanidade, mas uma imagem que não tivesse um simbolismo cristão explícito. 8) Referência a Goya A figura da direita ergue os braços como se quisesse deter as bombas que caem do céu. Mas é também a pose da figura central de Os fuzilamentos de 3 de maio de 1808, de Goya. Há uma semelhança entre os fatos que motivaram os dois quadros - ambos foram atos de brutalidade selvagem contra pessoas inocentes. Picasso decerto tinha consciência de estar seguindo de perto as pegadas de Goya. 1 .2 Contexto As definições de contexto variam não só no tempo, como de um autor para outro, mas podemos concordar com alguns autores que afirmam que "a noção de contexto encerra uma justaposição fundamental de duas entidades: um evento focal e um campo de ação dentro do qual o evento se encontra inserido." Assim sendo, entende-se por contexto uma unidade lingüística maior onde se encaixa uma unidade lingüística menor. A palavra encaixa-se na oração, que se encaixa no período, que se encaixa no parágrafo, que se encaixa no capítulo, que se encaixa na obra toda, que... Exemplo: Esse detalhe de anúncio do Jornal da Tarde pode levar o leitor a entender "bode" como se tratando do animal. No entanto, quando contextualizado (veja o texto à direita), entendemos que "bode", aqui, significa chateação, aborrecimento. Além dessa noção de contexto, podemos concordar com o lingüista Hymes, que propõe os seguintes pontos para caracterizar o contexto: · situação: cenário, lugar; · participantes: falante/ autor, ouvinte/ leitor; · finalidade: propósito, resultados; · seqüência de atos: forma de mensagem/ forma de conteúdo; · código: Língua Portuguesa, gravura; · instrumentos: canal/ formas de fala; · normas: de interação/ interpretação; · gênero: texto publicitário. Observemos novamente o texto do bode. Situação: uma casa num domingo qualquer. Participantes: uma pessoa qualquer (provavelmente um homem). Finalidade: ler o jornal que está sendo lançado. Seqüência de atos: atividades corriqueiras e aborrecidas do domingo. Código: Língua Portuguesa escrita e desenho. Instrumento: revista IstoÉ. Normas: conhecimento do leitor sobre o que seja um bode (animal) e associação do animal às atividades aborrecidas do domingo. Gênero: texto publicitário. A propaganda tenta persuadir o leitor a ler o jornal para acabar com o dia ruim. O contexto, portanto, tem estreita relação entre linguagem, cultura, organização social, bem como o estudo de como a linguagem é estruturada. 1.2.1 A contextualização na fala e na escrita O sentido de um texto não depende da estrutura textual em si mesma, pois essa estrutura, como um iceberg, apresenta apenas uma "pontà' do seu conteúdo, permanecendo muita coisa implícita. O produror do texto pressupõe da parte do leitor/ ouvinte conhecimentos textuais, situacionais e enciclopédicos e, por isso, omite informações consideradas redundantes. A isso damos o nome de Princípio da Economia. Observe a frase a seguir: "Roberto Jefferson foi cassado por causa do mensalão" . Na atual conjuntura política, o autor dessa frase, ao emiti-Ia, supõe que seu interlocutor saiba quem é Roberto Jefferson, o que significa a palavra "cassado", por que isso ocorreu e o que é mensalão. O leitor/ouvinte procura sentido no texto lido ou ouvido a partir das informações dadas, construindo uma representação coerente, ativando seu conhecimento de mundo, suas deduções (Princípio da continuidade de sentido). Põe em funcionamento todos os componentes e estratégias cognitivas que possui. Logo, há total interação entre produtor leitor/ouvinte. No momento.. da interação, o escritor! falante verbaliza somente o que for necessário à compreensão e que não pode ser deduzido pelo leitor/ouvinte (Princípio da seletividade). Os interactantes desenvolvem estratégias (dão pistas) para o processamento eficaz do texto. Por exemplo, numa conversa, levamos em conta as entonações de voz, as pausas, a escolha do registro e do léxico, os gestos, as expressões fisionômicas, as ênfases, etc. As pistas de contextualização na escrita podem ser: os sinais de pontuação de um modo geral (aspas, pontos), os recursos gráficos, como tamanho e tipo de letra, a diagramação, os destaques (itálicos, negritos), etc. Por exemplo, nas HQ, o leitor deve conhecer os recursos gráficos dos desenhos para entender coisas como: 1.3 Hipertexto Segundo a maioria dos autores, o hipertexto é uma escritura não-seqüencial e não-linear, que se ramifica e permite ao leitor virtual acessar um número ilimitado de outros textos. O hipertexto faz do leitor um co-autor do texto na medida em que oferece várias possibilidades, caminhos diversificados, permitindo diferentes níveis de desenvolvimento e aprofundamento de um tema. o hipertexto tem sido apontado como algo radicalmente inovador, mas a novidade propriamente dita está na tecnologia que permite subverter movimentos e redefinir funções. Na verdade, o hipertexto já está presente em textos acadêmicos, por exemplo, povoados de referências, citações, notas de rodapé ou de final de capítulo. As chamadas para esses itens correspondem aos links. O leitor poderá, por exemplo, ler o texto de maneira contínua e só consultar as notas após essa leitura; consultar apenas as que mais lhe interessarem ou mesmo não ler nenhuma. Poderá, também, interromper sua leitura a cada chamada e integrar o conteúdo da nota à leitura que está fazendo. Ao encontrar uma referência, quer no texto, quer em nota, poderá inclusive suspender a leitura para consultar a obra ali referendada. Nesta nova obra, por sua vez, poderá encontrar outras referências, que o levem a outros textos, e assim por diante. A diferença com relação ao hipertexto eletrônico está apenas no suporte e na forma e rapidez do acessamento.