1 Maria de Lourdes Aparecida Prudente Soffner As contribuições da neuropsicologia para a psicopedagogia na compreensão das dificuldades de aprendizagem Monografia apresentada como exigência parcial para obtenção do título de Especialista em Psicopedagogia no Curso de Especialização Lato Sensu da Faculdade Salesiana Dom Bosco de Piracicaba, sob a orientação da Profa Kelli Cristina Faber de Oliveira. Faculdade Salesiana Dom Bosco de Piracicaba Piracicaba 2008 2 S664n Soffner, Maria de Lourdes Aparecida Prudente A neuropsicologia e suas contribuições para a psicopedagogia na compreensão das dificuldades de aprendizagem / Maria de Lourdes Aparecida Prudente Soffner. – Piracicaba: Faculdade Salesiana Dom Bosco, 2008. 134 f. Monografia (Especialização em Psicopedagogia). Faculdade Salesiana Dom Bosco de Piracicaba – Piracicaba. Orientador: Profa. Kelli Cristina Faber de Oliveira. Inclui bibliografia 1. Neuropsicologia. 2. Psicopedagogia. aprendizagem - distúrbios. I. Título. 3. Dificuldades de CDU - 616.891 3 Dedico este trabalho: Ao Renato, que me ensinou o significado do amor, da simplicidade e do conhecimento. Aos meus filhos Júlia e Ricardo, que me ensinaram o poder do lúdico, e a repensar os conceitos de pais e filhos. Ao meus pais Pedro e Domitilla (in memoriam), que me ensinaram a ter determinação e generosidade. 4 AGRADECIMENTOS À profa Kelli Cristina Faber de Oliveira, que durante todo o percurso para a elaboração dessa monografia me incentivou, dando as diretrizes necessárias para a abordagem do tema proposto. Pela concessão de liberdade de ação e criação. E, principalmente, por ter me encorajado a enfrentar o desafio de ingressar-me nessa área tão complexa e instigante, sempre com muita firmeza, paciência e delicadeza. Ao coordenador Renato Kraide Soffner, pelo incentivo e apoio durante o curso de Pós Graduação Lato Sensu, Especialização em Psicopedagogia, da Faculdade Salesiana Dom Bosco de Piracicaba. E, em especial, pelas sugestões finais para esse trabalho. Aos professores Adriana Corder Molinari, Kelli Cristina Faber de Oliveira, Maria Luisa Bissoto, Renata Barriquelo Cunha e Tatiana Messias. Aos colegas de turma pelo companheirismo e trocas de experiências: Ana Estela R. Benedetti, Cora M. Pedro Milan, Cristina Conceição Lopes Matiello, Eduardo Andia (in memoriam), Elder Luiz de Santis, Ellen Everaldo, Ingmara Tremocoldi, Katia Cristina Coral Gerolamo, Márcia Savian, Mariangela A. Rizzollo, Rita de Cássia Brisotti, Rogéria Detoni, Simone Lara, Vanessa Moraes Abdala, Vanessa Cristina Delucca, Vanessa Prezotto Ximenes, Teresa Cristina Almeida. A bibliotecária Maurícia (Faculdade Salesiana Dom Bosco de Piracicaba). A Roseli Barros (Biblioteca Central da ESALQ/USP de Piracicaba) pela comutação de livros técnicos e artigos científicos 5 “... as dificuldades de aprendizagem não são restringíveis nem as causas físicas ou psicológicas, nem as análises das conjunturas sociais. É preciso compreendê-las a partir de um enfoque multidimensional, que amalgame fatores orgânicos, cognitivos, afetivos, sociais e pedagógicos, percebidos dentro das articulações sociais. Tanto quanto a análise, as ações sobre as dificuldades de aprendizagem devem inserir-se num movimento mais amplo de luta pela transformação da sociedade.” - Beatriz Scoz, 1994 6 RESUMO No passado, as crianças que apresentavam dificuldades de aprendizagem sofriam alguma forma de discriminação, fosse proveniente do meio acadêmico ou da sociedade. Cerca de 10% da população em idade escolar apresenta determinada disfunção cerebral, que resulta num distúrbio ou dificuldade de aprendizagem. Diante desse panorama, surgiu a necessidade de inserir essas crianças no contexto acadêmico e social. A neuropsicologia é uma especialidade das neurociências que tem como finalidade principal o estudo das bases neurais do comportamento humano, e também das funções cognitivas e afetivas. O objetivo geral desse trabalho é identificar e esclarecer as contribuições da neuropsicologia para a psicopedagogia na compreensão das dificuldades de aprendizagem. A neuropsicologia contribui para o entendimento das alterações cerebrais, das disfunções cognitivas e do comportamento resultante de lesões, doenças ou desenvolvimento anormal e das dificuldades de aprendizagem, e também auxilia profissionais interessados, como psicopedagogos e educadores, na elaboração de avaliação e diagnóstico precoce e exato, bem como estabelecer programas de ação terapêutica e reeducativa, mais eficientes para indivíduos que apresentem tais dificuldades de aprendizagem. Palavras-chave: Neuropsicologia; Psicopedagogia; Dificuldades de aprendizagem; Distúrbios. 7 ABSTRACT In the past, children presenting learning disabilities suffered discrimination, from the academic environment or the society. About 10% of the population at school age presents some kind of brain dysfunction, which results in a learning disability or disorder. It shows the need to integrate these children into the academic and social context. Neuropsychology is a specialty of neuroscience that has as its main purpose to study the neural basis of human behaviour, and also the cognitive and affective functions. The general objective of this work is to identify and clarify the contributions of neuropsychology for psychopedagogical understanding of learning difficulties. Neuropsychology contributes to the understanding of the brain changes, from cognitive dysfunction to behaviour resulting from injury, disease or abnormal development and learning difficulties, and also helps professionals involved, like many kinds of educators, in the assessment development and early and accurate diagnosis, beside establishing programmes of action therapy and re-education, which should be more efficient for individuals presenting learning difficulties. Keywords: Neuropsychology; Psychopedagogy; learning difficulties ; disorders. 8 LISTA DE ILUSTRAÇÕES páginas Figura 1 O neurônio e sua constituição: corpo (soma), axônio (fibra nervosa), dendritos e sinapse................................................................................... 16 Figura 2 Diagrama representativo do sistema nervoso.......................................... 19 Figura 3 O sistema nervoso e as subdivisões do córtex cerebral........................... 21 Figura 4 Os hemisférios cerebrais do ser humano: direito (D) e esquerdo (E) – vista frontal................................................................................................ 23 Figura 5 Localização dos lobos cerebrais e suas funções...................................... 24 Figura 6 Localização cerebral das Unidades ou Blocos Funcionais I, II e III.......... 38 Figura 7 Processo neurológico da aprendizagem................................................... 47 Figura 8 Fluxograma do funcionamento cerebral da aprendizagem....................... 48 Figura 9 As áreas cerebrais relacionadas à linguagem: Broca e Wernicke............ 52 Figura 10 Fluxograma com os tipos de dificuldades de aprendizagem.................... 86 9 LISTA DE TABELAS páginas Tabela 1 As subdivisões do sistema nervoso central e suas funções.................... 20 Tabela 2 Os lobos cerebrais e suas principais funções.......................................... 25 Tabela 3 Unidades ou Blocos Funcionais e suas funções..................................... 37 Tabela 4 Analisador visual, acústico e somestésico e suas funções..................... 39 Tabela 5 Definições dos termos: sintoma, localização e análise sindrômica......... 40 Tabela 6 Desenvolvimento neurossensório motor: fases e principais características.......................................................................................... 44 Tabela 7 Tipos de memórias e suas definições...................................................... 54 Tabela 8 Fatores que compõem a inteligência e suas definições.......................... 57 Tabela 9 Testes neuropsicológicos........................................................................ 70 Tabela 10 Características clínicas das dificuldades de leitura................................. 89 Tabela 11 Alterações lingüística-cognitivas da linguagem oral, que interferem no processamento da informação referente à leitura e à escrita.................. 90 Tabela 12 Tipos de dificuldades da escrita: definições e características clínicas.... 92 Tabela 13 Tipos de dificuldades de matemática e suas definições.......................... 94 Tabela 14 Principais dificuldades de matemática..................................................... 95 Tabela 15 Sensibilidade dos sub testes da WAIS à topografia lesional................... 96 Tabela 16 Características clínicas da dificuldade não-verbal................................... 98 Tabela 17 Funções modulares cerebrais e distúrbios de aprendizagem................. 101 Tabela 18 Tipos de disfunções cerebrais e suas definições.................................... 102 Tabela 19 Tipos de Dislexia e suas características clínicas..................................... 104 Tabela 20 Tipos de TDAH e suas características clínicas........................................ 107 Tabela 21 Características clínicas do Transtorno Afetivo Bipolar............................ 110 Tabela 22 Características clínicas do Transtorno da Conduta................................. 112 Tabela 23 Características clínicas do Autismo......................................................... 114 10 SUMÁRIO páginas 1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 12 2 OBJETIVOS.............................................................................................................. 14 3 O SISTEMA NERVOSO........................................................................................... 15 3.1 A importância do sistema nervoso..................................................................... 15 3.2 Constituição e funcionamento do sistema funcional......................................... 15 3.3 A importância do sistema funcional.................................................................... 18 3.3.1 Sistema nervoso central.................................................................................. 19 3.3.2 Sistema nervoso periférico.............................................................................. 21 3.4 Os hemisférios cerebrais.................................................................................... 23 3.5 A dominância cerebral........................................................................................ 25 3.6 A plasticidade do cerebral.................................................................................. 29 ABORDAGEM SOBRE NEUROPSICOLOGIA......................................................... 31 4.1 A importância da neuropsicologia...................................................................... 31 4.2 O papel do neuropsicólogo................................................................................. 32 4.3 Alguns precursores da neuropsicologia............................................................. 34 4.4 Abordagem localizacionista, unitarista e globalista........................................... 36 4.5 Unidades ou Blocos Funcionais......................................................................... 36 4.6 As funções neuropsicológicas............................................................................ 41 4.7 O desenvolvimento neurossensório motor......................................................... 43 4.8 As perspectivas futuras da neuropsicologia....................................................... 45 APRENDIZAGEM..................................................................................................... 46 5.1 Definições neuropsicológicas da aprendizagem................................................ 46 5.2 Processo neurológico da aprendizagem............................................................ 46 5.3 Processos executivos de controle...................................................................... 51 5.4 A importância da linguagem............................................................................... 51 5.5 A importância da memória.................................................................................. 53 5.6 A importância da inteligência.............................................................................. 55 5.7 A importância dos órgãos dos sentidos na aprendizagem................................. 57 5.8 As disfunções cerebrais e a aprendizagem........................................................ 59 5.9 O papel do lúdico na aprendizagem................................................................... 59 5.10 O processo de ensino-aprendizagem e o fracasso escolar............................. 61 AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA....................................................................... 63 6.1 A importância da avaliação neuropsicológica.................................................... 63 6.2 Diagnóstico e intervenção neuropsicológica...................................................... 64 6.3 Técnicas de neuroimagem................................................................................. 66 6.4 Testes neuropsicológicos................................................................................... 69 4 5 6 11 7 6.5 Avaliação das funções neuropsicológicas.......................................................... 71 6.6 Avaliação das funções do córtex cerebral.......................................................... 72 6.7 Avaliação da dominância cerebral...................................................................... 74 6.8 Avaliação da lateralização.................................................................................. 74 6.9 Avaliação da memória........................................................................................ 74 6.10 Avaliação da inteligência.................................................................................. 75 6.11 Avaliação do desenvolvimento neurossensório motor..................................... 77 6.12 Abordagem da avaliação neuropsicológica na educação................................ 77 A PSICOPEDAGOGIA E OS APONTAMENTOS NEUROPSICOLÓGICOS DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM.................................................................... 79 7.1 O papel do psicopedagogo................................................................................. 79 7.2 Definição de dificuldade de aprendizagem......................................................... 80 7.3 Aspectos que interferem no processo de aprendizagem................................... 81 7.4 Aspectos gerais sobre os diagnósticos das dificuldades de aprendizagem....... 84 7.5 Tipos de dificuldades de aprendizagem............................................................. 86 7.5.1 Dificuldades de aprendizagem verbal............................................................. 86 7.5.1.1 Dificuldade de aprendizagem da leitura....................................................... 87 7.5.1.2 Dificuldade de aprendizagem da escrita...................................................... 91 7.5.1.3 Dificuldade de aprendizagem de matemática.............................................. 93 7.5.2 Dificuldade de aprendizagem não-verbal........................................................ 96 7.6 Diagnósticos associados e seus aspectos neuropsicológicos........................... 100 7.6.1 Dislexia............................................................................................................ 103 7.6.2 Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade......................................... 106 7.6.3 Transtorno Afetivo Bipolar............................................................................... 110 7.6.4 Transtorno de Conduta.................................................................................... 111 7.6.5 Autismo............................................................................................................ 114 7.7 Aspectos gerais sobre diagnóstico e intervenção das dificuldades de 8 aprendizagem........................................................................................................... 117 7.8 A questão da inclusão social.............................................................................. 121 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 123 REFRERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 125 12 1 INTRODUÇÃO “O cérebro humano parece estar num estado de tréguas precário, marcado por escaramuças ocasionais e raras batalhas. A existência de componentes do cérebro com predisposições para determinado comportamento não é um convite ao fatalismo ou ao desespero (...) a anatomia não é o destino, mas também não é irrelevante.” - Carl Sagan, Os Dragões do Éden, 1987 No passado, as crianças que apresentavam dificuldades de aprendizagem sofriam alguma forma de discriminação, fosse proveniente do meio acadêmico ou da sociedade. Cerca de 10% da população em idade escolar apresenta determinada disfunção cerebral, que resulta num distúrbio ou dificuldade de aprendizagem. Diante desse panorama surgiu a necessidade de inserir essas crianças no contexto acadêmico e social (ROCHA et al., 2001a). A neuropsicologia é uma especialidade das neurociências que tem como finalidade principal o estudo das bases neurais do comportamento humano, e também das funções cognitivas e afetivas. Essa área contribui para o entendimento das alterações cerebrais, das disfunções cognitivas e do comportamento resultante de lesões, doenças ou desenvolvimento anormal, e também das dificuldades de aprendizagem (COSTA et al., 2004). O sucesso da neuropsicologia envolve profissionais multidisciplinares como médicos, fonoaudiólogo, fisioterapeutas, psicólogos, psicopedagogos, enfermeiros, entre muitos outros, que se envolvem na avaliação neuropsicológica, reabilitação, atendimento clínico, bem como em pesquisas nessa área. Os profissionais da área de pedagogia, psicopedagogia e psicologia buscam experiências para colaborar com a localização e inserção desses indivíduos no contexto educacional e social. Para isso há o cuidado de se levar em conta o engajamento desses indivíduos na sociedade, em detrimento de suas capacidades e limitações, de forma a serem felizes e úteis dentro de suas possibilidades e limitações. Entre os profissionais interessados pela neuropsicologia destacam-se os educadores, que têm como objeto de estudo o processo ensino-aprendizagem 13 e os indivíduos que apresentam dificuldades de aprendizagem (ABRÃO e COSCODAI, 2002 apud PINHEIRO, 2005). Em contrapartida, encontra-se a psicopedagogia, que é um ramo da psicologia e da pedagogia, que objetiva estudar a correlação entre a experiência, o comportamento humano e os processos neurofisiológicos básicos, bem como minimizar as dificuldades de aprendizagem do indivíduo. Guimarães e Romanelli (2006) acreditam que a teoria neuropsicológica fornece instrumentos significativos para os educadores, pois proporciona uma compreensão mais abrangente da aprendizagem, e com isso colabora para uma ação pedagógica mais eficiente e embasada. O conhecimento dos métodos neuropsicológicos também permite um diagnóstico precoce e exato, e a elaboração de programas de ação terapêutica e reeducativa mais eficiente para o aprendente (PINHEIRO, 2005). Diante da interdisciplinaridade da neuropsicologia e do seu significativo avanço científico e tecnológico, considerou-se de grande importância conhecer as contribuições da neuropsicologia para a psicopedagogia na compreensão das dificuldades de aprendizagem, que foram abordadas nessa monografia. 14 2 OBJETIVOS “As construções começadas e concluídas por um único arquiteto são geralmente mais belas e mais bem-ordenadas que aquelas que vários se esforçam por reformar, servindo-se de velhas muralhas que haviam sido construídas para outros fins.” - René Descartes, 2004 2.1 Objetivo geral Este trabalho acadêmico teve como objetivo geral identificar e esclarecer as contribuições da neuropsicologia para a psicopedagogia na compreensão da dificuldade de aprendizagem. 2.2 Objetivos específicos Os objetivos específicos desse trabalho consistem, inicialmente, em apresentar de forma sucinta: o funcionamento do sistema nervoso, abordando a neuroanatomia e a neurofisiologia e alguns aspectos neuropsicológicos; a abordagem geral sobre neuropsicologia; a abordagem sobre o processo de aprendizagem; a abordagem sobre avaliação neurológica e neuropsicológica: procedimentos; testes; técnicas de neuroimagem; aspectos gerais sobre diagnóstico e intervenção neuropsicológica; a psicopedagogia e a abordagem neuropsicológica das dificuldades de aprendizagem. 15 3 O SISTEMA NERVOSO "... O ser humano pode conhecer o mundo e nele agir, é graças a um funcionamento coordenado dos recursos cognitivos e às múltiplas conexões que o cérebro tece, não só entre os dois hemisférios, mas também no interior de cada hemisfério, desenhando uma rede complexa, articulada de uma ponta à outra da neuraxe. Inúmeros vínculos são tecidos entre a cognição, a afetividade, a sensitividade e a motricidade. O substrato desses vínculos é o neurônio." - Roger Gil, 2002 3.1 A importância do sistema nervoso A evolução e o funcionamento do sistema nervoso conferem a vida ao ser humano. Ele pode conhecer o mundo e nele agir através das culturas, escolha, ética e moral, idéias, individualidade, linguagem, percepções e significados (GIL, 2002). O conhecimento da base da neuroanatomia e da neurofisiologia é muito importante para o entendimento da neuropsicologia, pois explicam a formação e o funcionamento do cérebro. A neuroanatomia apresenta a formação e a localização física dos componentes cerebrais, que permite visualizar o córtex cerebral e suas áreas subcorticais (PAULA JÚNIOR, 2001). O mesmo autor explica que a neurofisiologia aponta como as áreas cerebrais estão ligadas, como se relacionam e qual a influência de umas sobre as outras, no funcionamento cerebral. Quem se interessa pelo estudo da neuropsicologia precisa conhecer o esquema cerebral, para poder interpretá-lo e compreender o seu funcionamento, pois cada parte desse órgão é responsável por uma ação externa (comportamento) do indivíduo. 3.2 Constituição e funcionamento do sistema nervoso As células nervosas, os neurônios, formam os tecidos nervosos; são responsáveis pela geração e condução de impulsos nervosos. A célula da glia, ou célula glial, ou neurôglio, é outro tipo de célula nervosa, cuja função é dar sustentação aos neurônios e auxiliar no seu funcionamento. A célula glial constitui cerca de metade do volume do encéfalo (ANDERSEN, 1998). 16 De acordo com Chargeux (1991), o neurônio e suas partes podem ser visualizados no limite máximo do microscópio ótico. Eles são compostos por 3 partes: dendritos, axônio e corpo celular (Figura 1). Sinapse Axônio Dendrito Neurônio Figura 1. O neurônio e sua constituição: corpo (soma), axônio (fibra nervosa), dendritos e sinapse1 Os neurônios se comunicam entre si através dos dendritos – as ramificações nas suas terminações. Eles são os responsáveis pelos vínculos que são estabelecidos no cérebro, pela condução e tratamento da informação. Eles existem aos bilhões, e através de suas sinapses podem estabelecer muitas redes neurais (GIL, 2002). A principal função dos neurônios é atuar como elemento receptor de informações, que é chamada de impulso, a fim de aumentar as conexões no cérebro do indivíduo (ANDERSEN, 1998). Na seqüência, os impulsos nervosos transmitem sinais, codificados de um estímulo, através da membrana do neurônio, de uma célula para a outra, gerando assim, uma cadeia de informação, e desse modo conseguem estabelecer uma rede de neurônios (TAFNER, 1998 e ANDRADE et al., 2004). O corpo celular envia uma mensagem, enquanto o axônio a conduz até o dendrito do próximo neurônio, para realizar a sinapse. O axônio é capaz de transmitir a mensagem quando atinge a maturidade, ou seja, quando é envolvido por uma camada de gordura e de proteína, chamada mielina (ANDERSEN, 1998; TAFNER, 1998; GIL, 2002). O processo de mielinização acontece no tempo, onde diferentes neurônios se mielinizam em épocas distintas do desenvolvimento do organismo. Esse fato fornece embasamento para a compreensão das teorias 1 Fonte:<http://www.cerebromente.org.br/n12fundamentos/neurotransmissores/neurotransmitter s2_ p.html> Data da consulta: 10/10/2007 17 que descrevem as fases evolutivas da criança, como os estágios descritos por Jean Piaget (ANDRADE et al., 2004). De acordo com Bear et al. (2001) apud Andrade et al. (2004) os nervos sensitivos transportam o impulso, e este passa pelo tronco cerebral, via tálamo, chegando até um centro nervoso do córtex cerebral, correspondente a natureza do estímulo. Desta forma, o estímulo visual termina no lobo occipital; o auditivo no temporal; o táctil, ou somestésico, no lobo parietal. Os estímulos podem ser elétricos ou químicos. Os eventos elétricos propagam o sinal dentro de um neurônio, enquanto os eventos químicos transmitem o sinal de neurônio a outro ou para uma célula muscular. O sistema nervoso funciona graças a um esquema de impulsos elétricos (TAFNER, 1998). A membrana da célula nervosa desempenha um papel fundamental nessa eletricidade (CHANGEUX, 1991). A atividade elétrica dos neurônios possibilitou a Hans Berger, em 1929, inventar o eletroencefalograma. Esse instrumento é utilizado na avaliação da atividade cerebral, que registra esses sinais na superfície do cérebro, que são as respostas elétricas provocadas por estímulos sensoriais, visuais, auditivos e somestésicos, os quais são chamados de potenciais evocados, cuja amplitude e latência podem ser mensuradas (GIL, 2002, p. 2). Esse mesmo autor cita que os trabalhos de Sutton, em 1965, proporcionaram a diferenciação em dois tipos de potenciais. Uns aferem a recepção dos estímulos recebidos para o sujeito - potenciais exógenos; enquanto os outros, de latência mais lenta, aparecem quando é solicitada ao indivíduo uma tarefa mental (por exemplo: fazer a contagem de sons agudos espalhados aleatoriamente entre os sons graves); esses são chamados de potenciais evocados, endógenos ou cognitivos. O processo químico de interação entre os neurônios, e destes e as células efetoras, acontece na terminação do neurônio, em uma estrutura chamada sinapse. O axônio libera substâncias químicas, chamadas neurotransmissores, através da aproximação do dendrito de outra célula, que se ligam aos receptores químicos do neurônio seguinte e promove mudanças excitatórias ou inibitórias em sua membrana (CARDOSO, 2001; GIL, 2002). Os impulsos nervosos de uma célula atuam nos impulsos nervosos de outro neurônio, por intermédio dos neurotransmissores, possibilitando assim 18 que as células do cérebro conversem entre si, ou seja, comuniquem-se umas com as outras, e assim permitem que estabeleçam ou restabeleçam suas comunicações (CARDOSO e SABATINI, 2001). A informação que chega a área primária, através dos neurônios associativos, é transmitida para a área secundária. A decodificação da informação na área secundária possibilita a percepção, que é a formação de imagens sensoriais correspondentes ao estímulo. Na percepção, as imagens auditivas, visuais e tácteis recebem significados, permitindo que o indivíduo veja e reconheça uma fisionomia, uma voz ou um som (BITTENCOURT, 1985 apud ANDRADE et al., 2004). Os neurônios são classificados como: sensoriais, motores e de associação. As informações provenientes dos receptores sensoriais aferem ao sistema nervoso central, onde são integradas e resultam na codificação, comparação, armazenação e decisão, através dos neurônios de associação ou interneurônios. Estes enviam uma resposta a algum órgão efetor, como músculo e glândula (ANDERSEN, 1998). 3.3 A importância do sistema funcional Dangelo e Fattini (1985) afirmam que o sistema nervoso (SN) controla as funções orgânicas e a integração com o meio ambiente. Esse sistema regula os órgãos do corpo, e funciona independente da nossa vontade; o SN percebe os estímulos externos e internos, os estímulos físicos e químicos; e também desencadeia as respostas através dos músculos e das glândulas. O SN é formado por células nervosas, que se interconectam de forma específica e precisa, formando os chamados circuitos neurais. Desse modo, o sistema nervoso é considerado o responsável pelo processo de interação do organismo com o seu meio ambiente. Através desses circuitos, o organismo produz respostas estereotipadas, que resultam nos comportamentos fixos, como é o caso dos reflexos, ou então produzem comportamentos variáveis em maior ou menor grau (TAFNER, 1998). O sistema nervoso é subdividido em sistema nervoso central e sistema nervoso periférico conforme mostra o esquema da Figura 2. 19 SISTEMA NERVOSO Sistema nervoso Central Encéfalo Medula espinal Sistema nervoso autônomo (involuntário) Sistema nervoso periférico Nervos sensitivos Nervos motores Sistema nervoso somático (Voluntário) Figura 2. Diagrama representativo do sistema nervoso2 3.3.1 Sistema nervoso central De acordo com Dangelo e Fattini (1985) o sistema nervoso central (SNC) localiza-se no esqueleto axial - cavidade craniana e canal vertebral - que é constituído pelo encéfalo e medula espinhal. O cérebro, cerebelo e tronco encefálico localizam-se no encéfalo; enquanto que o tronco encefálico divide-se em mesencéfalo, bulbo e ponte. O sistema nervoso central é responsável por receber, analisar e integrar as informações. É o local onde ocorrem as tomadas de decisões e o envio de ordens. Essa área é a porção responsável pela recepção de estímulos, de comando e desencadeadora de respostas, formado pelo encéfalo e pela medula espinhal, os quais são protegidos, respectivamente, pelo crânio e pela coluna vertebral. O encéfalo, por sua vez, compõe-se de três partes: cérebro, cerebelo e tronco encefálico. O tronco encefálico também tem três divisões: mesencéfalo, ponte e bulbo. Na Tabela 1 estão apresentadas as subdivisões do sistema nervoso central e suas principais funções. 2 Fonte: Adaptado de <http://www.guia.heu.nom.br/cortex_cerebral.htm> Data de consulta: 10/10/2007 20 Tabela 1. As subdivisões do sistema nervoso central e suas principais funções3 Subdivisões do SNC Bulbo raquidiano Encéfalo posterior: Metencéfalo Cerebelo Protuberância Encéfalo médio; Mesencéfalo Sistema reticular ativante Tálamo Encéfalo anterior: Protencéfalo Sistema límbico Cérebro/Córtex cerebral Funções Local por onde passam os nervos que ligam a medula ao cérebro. Contém grupos de neurônios especializados no controle de funções fisiológicas vitais como ritmo cardíaco, respiração, pressão arterial, engolir. Essa região influencia o sono e a tosse. Zona dorsal - desempenha papel importante na manutenção do equilíbrio e na coordenação da atividade motora. Recebe ordens do cérebro sobre os músculos e regula-as para melhorar o desempenho motor. Fica abaixo do cérebro, diante do cerebelo e acima do bulbo. A parte externa é formada por substância branca e a interna pela cinzenta. Atua como centro nervoso; interfere nas emoções. Determina reações que as acompanham como a aceleração dos movimentos respiratórios e pulsação arterial. Zona que processa a informação sensorial (visual e auditiva). Zona que recebe a maior parte das fibras sensitivas e onde as informações sensoriais são retransmitidas para as respectivas áreas do córtex cerebral. Constituído por: hipotálamo/hipocampo, septo, amígdala e bulbo olfativo. Responsável por emoções, motivação e comportamento agressivo. - o hipotálamo desempenha papel fundamental na regulação da temperatura do corpo, sobre a fome, a sede, o comportamento sexual, a circulação sanguínea e o funcionamento do sistema endócrino (regulação hormonal). Zona que cobre as outras zonas do cérebro. É constituído pela substância branca e cinzenta. A superfície exterior forma o córtex cerebral. O mesmo autor afirma que medula espinhal fica no interior da coluna vertebral e constitui-se de um cordão de nervos. Ela executa as funções de coordenação e controle das atividades reflexas - respostas involuntárias a um estímulo, e é através delas que as mensagens são transmitidas. De acordo com Tafner (1998), o córtex cerebral é organizado em áreas funcionais, as quais cumprem tarefas receptivas, integrativas ou motoras no 3 Fonte: Compilado de Gil (2002) e Guerra (2002). 21 comportamento. É responsável pelos atos conscientes, pensamentos e pela capacidade de resposta a qualquer estímulo ambiental de forma voluntária (Figura 3). Figura 3. O sistema nervoso e as subdivisões do córtex cerebral4 O córtex cerebral é formado por uma substância cinzenta, que é disposta numa camada fina na superfície do cérebro. Ele exerce um papel importante na maioria das funções neurais, como iniciação do movimento involuntário, percepção final sensorial, pensamento consciencioso, linguagem, características da personalidade, e outros fatores associados com a mente e com o intelecto (GUERRA, 2002). O mesmo autor cita que a iniciação e a execução do movimento voluntário desejado incluem inter-relações neuronais complexas, que envolvem outputs das regiões motoras, que são conduzidas através de informação sensorial integrada e dependente dos sistemas motivacionais e da elaboração do pensamento. Isso ocorre sobre um background de memória armazenada, de onde são elaboradas decisões relacionadas ao movimento a ser realizado. 3.3.2 Sistema nervoso periférico O sistema nervoso periférico (SNP) é constituído pelas vias que conduzem os estímulos ao sistema nervoso central, ou que levam até aos órgãos efetuadores as ordens provenientes da porção central, formadas pelos nervos cranianos e espinhais, pelos gânglios e pelas terminações nervosas. O 4 Fonte: Tafner (1998) <http://www.cerebromente.org.br/n05/tecnologia/nervoso.htm> Data da consulta: 12/08/2007 22 SNP carrega as informações dos órgãos sensoriais para o sistema nervoso central, e do sistema nervoso central para os órgãos efetores - músculos e glândulas (RUBISTEIN e CARDOSO, 2006). Os mesmos autores citam que o SNP está localizado fora do esqueleto humano. Ele é constituído pelo sistema nervoso somático - que contém os nervos sensoriais (sensitivos), nervos motores, nervos de conexão - e também pelo sistema nervoso autônomo – que se divide em simpático e parassimpático. O Sistema nervoso somático (SNS) é formado por fibras de neurônios agrupadas em nervos. O neurônio é a unidade funcional básica do SN responsável pela transmissão de informações rápidas entre as diferentes partes do corpo (DANGELO e FATTINI, 1985; TAFNER, 1998). O SNS fornece o input e output ao cérebro, e constitui-se numa extensão passiva do sistema nervoso central, isto é, numa comunicação corpocérebro, cérebro-corpo. Dessa forma, o SNC deixa a função de regulação e de controle a cargo do sistema nervoso central (LURIA, 1973 apud FREITAS, 2006). Os nervos podem ser sensoriais, motores ou de conexão (associação). Os nervos sensoriais possibilitam que o sistema nervoso central receba informações como a temperatura, os odores, os sons. Já os nervos motores transmitem imagens que têm origem no cérebro ou na medula espinhal, e que chegam aos músculos e às glândulas orientando diferentes comportamentos como dançar, chorar, andar, escrever (DANGELO e FATTINI, 1985). Esses autores afirmam que o sistema nervoso autônomo (SNA) controla as glândulas e as atividades involuntárias, como o ritmo cardíaco, a atividade intestinal e a produção de suor. O SNA divide-se em sistema simpático e parassimpático. O sistema simpático responde ao stress, ao acelerar o ritmo cardíaco, aumenta a tensão arterial e prepara o organismo, em geral, para a ação. O sistema parassimpático tem maior responsabilidade quando o corpo se encontra em repouso, visto que diminui o ritmo cardíaco e a tensão arterial, e estimula o sistema digestivo. Os órgãos sensoriais, as glândulas endócrinas e o sistema nervoso tornam o comportamento humano diferente e único e, como tal, o sistema nervoso é o responsável pela conexão entre os mecanismos de recepção e os 23 de efetuação, e pela decodificação das informações captadas dos meios externo e interno (BRITO, 2007). Esse autor explica que o sistema nervoso, principalmente o cérebro (o córtex cerebral), tornam possíveis as capacidades do ser humano, como o pensamento imagético (imagens) e linguístico, a criatividade, a inteligência, a aprendizagem, a memorização. 3.4 Os hemisférios cerebrais O cérebro humano ocupa a maior parte da cavidade craniana. Esse órgão apresenta forma arredondada e divide-se no seu sentido longitudinal, ou seja, através do plano mediano/longitudinal do corpo, em duas partes, chamadas de hemisfério cerebral direito e esquerdo, conforme está representado na Figura 4. HD HE Figura 4. Os hemisférios cerebrais do ser humano: direito (D) e esquerdo (E) - vista frontal.5 Os hemisférios cerebrais são unidos por vários feixes de fibras de comunicação, sendo que o maior deles é denominado de corpo caloso. As fibras de saída e de entrada de um hemisfério cruzam a linha mediana na altura do tronco cerebral, devido a uma particularidade anatômica (CARNEIRO, 2002; GIL, 2002). Os hemisférios cerebrais são constituídos por uma camada de substância branca e outra cinzenta, chamada de córtex cerebral (GIL, 2002; GUERRA, 2002). 5 Fonte: <members.fortunecity.com/camino2001/Cerebro.htm> Data de consulta: 10/10/2007 24 A substância cinzenta corresponde aos centros nervosos, compostos por corpos celulares dos neurônios. O córtex cerebral possui várias funções, que podem ser simples ou complexas. Nessa substância localizam-se os centros de cognição e da personalidade, e é também o local onde se organiza a coordenação dos movimentos complexos. A substância branca corresponde às vias nervosas, formada pelo prolongamento, ou seja, pelas caudas dos neurônios, chamadas de axônios. Os axônios ligam as células entre si e também as conectam às outras partes do encéfalo (GIL, 2002). Cada hemisfério do córtex cerebral é dividido em quatro lobos cerebrais, conforme está representado na Figura 5. Cisura central Função motora Função sensorial Auditiva Função visual Cisura lateral Lobo frontal Lobo occipital Lobo temporal Figura 5. Localização dos lobos cerebrais e suas funções6 O hemisfério direito comanda o lado esquerdo do corpo e o hemisfério esquerdo comanda o lado direito do corpo. Cada lobo cerebral é responsável pelas funções do ser humano. O lobo frontal constitui uma das maiores regiões do encéfalo e apresenta funções pouco conhecidas, apesar de suas atividades serem muito pesquisadas. Nessa região encontram-se as maiores diferenças entre os seres humanos e seus antepassados, durante o processo de evolução (COSTA et al., 2004). As divisões do cérebro humano (lobos cerebrais) e suas funções estão na Tabela 2. 6 Fonte: <www.educa.aragob.es/iescarin/depart/biogeo/va...> Data da consulta: 10/10/2007 25 Tabela 2. Os lobos cerebrais e suas principais funções.7 Lobos cerebrais Lobo occipital Lobo frontal Lobo temporal Lobo parietal Funções Ligado à visão: - recebe e processa informação visual; - as suas áreas associativas estão relacionadas com a interpretação do mundo visual e do transporte da experiência visual para a fala. Ligado ao raciocínio, ao planejamento, as partes da fala e do movimento (córtex motor), as emoções e a solução de problemas. É o córtex motor primário: - associa-se aos movimentos das mãos e da face; - as funções associativas deste lobo estão relacionadas com o planejamento. É ligado à percepção e reconhecimento dos estímulos auditivos (audição) e à memória (hipocampos). A zona superior recebe e processa informação auditiva. Suas áreas associativas estão envolvidas no reconhecimento, identificação e nomeação dos objetos. Ligado à percepção dos estímulos relacionados ao tato, à pressão, à temperatura e à dor. É o córtex somato-sensorial primário: recebe informação através do tálamo sobre o toque e a pressão. É responsável pela reação a estímulos complexos, em nível associativo. Esses autores afirmam, ainda, que as habilidades humanas mais complexas também estão situadas no lobo frontal, como o planejamento de ações seqüenciais, a padronização de comportamentos sociais e motores, parte do comportamento automático emocional e da memória. 3.5 A dominância cerebral Marc Dax, médico francês, postulou em 1836 os primeiros estudos sobre os hemisférios cerebrais e suas diferentes funções (CARNEIRO, 2002). Os neurocientistas Paul Broca e Karl Wernicke, nas décadas de 1860 e 1870, verificaram que quando alguns indivíduos apresentavam uma lesão em duas áreas do hemisfério esquerdo, estas desenvolviam problemas de linguagem. Enquanto que indivíduos que tinham lesões nas mesmas áreas do lado direito, não desenvolviam problemas de linguagem (CHUDLER, 2007). Broca deu seqüência aos estudos dos hemisférios cerebrais e descobriu que o centro motor de comando da linguagem oral encontrava-se no hemisfério 7 Fonte: Compilado de Andersen (1998). 26 esquerdo, e em sua homenagem foi chamada Área de Broca. Posteriormente, descobriu-se também que outras áreas relacionadas à percepção da fala, da escrita, também são lateralizadas (CARNEIRO, 2005). Esse autor acredita que, por isso, muitos estudiosos consideravam que o hemisfério esquerdo está mais relacionado ao raciocínio lógico e à linguagem (logos = palavra), e que este seria considerado o hemisfério dominante ou principal. Já o hemisfério direito, na época com as suas funções desconhecidas, foi chamado de subordinado, secundário ou coadjuvante. Os destros têm o hemisfério esquerdo como dominante e os canhotos, o direito. Esta inversão ocorre entre os hemisférios e os lados dominantes devido a um cruzamento das fibras nervosas (CHUDLER, 2007; GIL, 2002). É posto que a linguagem, o raciocínio lógico, determinados tipos de memória, o cálculo e a análise, são funções próprias do hemisfério esquerdo. Enquanto que o direito não usa palavras, é intuitivo, usa a imaginação, o sentimento e a síntese (CARNEIRO, 2005). O hemisfério esquerdo está geralmente ligado ao controle dos aspectos cognitivos, racionais da linguagem, enquanto o direito relaciona-se à compreensão musical, à identificação das relações espaciais e ao controle dos aspectos da linguagem; mas também está relacionado com destreza manual, com a organização da linguagem e com atividade gestual (GIL, 2002). Para Carneiro (2005), os hemisférios cerebrais funcionam da mesma maneira. Por essa razão, não se pode afirmar que uma pessoa destra é mais ou menos inteligente ou habilidosa que uma pessoa canhota. Para 95% dos destros, o hemisfério esquerdo controla a linguagem. Contudo, o hemisfério direito também participa como coadjuvante ou secundário para a mesma função. A dominância do hemisfério esquerdo para linguagem é de 65%, até mesmo entre os canhotos (PINHEIRO et al., 2005). Existem indivíduos, que ao escreverem, colocam a mão numa posição invertida, ou seja, o polegar mantém-se voltado para baixo. Nesses indivíduos, a função da fala está no hemisfério do lado da mão que escreve. Se é canhoto a fala está no lado esquerdo; se é destro, a fala está no lado direito do cérebro. Isso facilita de certa forma a identificação do hemisfério que rege os mecanismos da linguagem, assim como qual deles está dirigindo o aspecto criativo (CARNEIRO, 2002). 27 Valle (2001) afirma que o hemisfério esquerdo é responsável pela linguagem verbal, pelo pensamento lógico e pelo cálculo. Já o hemisfério direito controla a percepção das relações espaciais (distâncias entre objetos), a formação de imagens e o pensamento lógico. As funções motoras e sensitivas, em geral, são “cruzadas”, ou seja, a metade direita do cérebro controla a metade esquerda do corpo e vice-versa. Para Vygotsky (1987) apud Freitas (2006), o hemisfério direito é postural e gestual, não-simbólico, enquanto que o hemisfério esquerdo é lingüístico e simbólico. Isso implica que o controle postural e gestual deve se automatizar antes que as funções integrativas superiores se desenvolvam, como é o caso da linguagem. Os centros da linguagem controlam a dominância hemisférica, e que na maioria dos indivíduos localizam-se no hemisfério esquerdo, chamado dominante ou maior. Atribui-se ao hemisfério direito um papel importante na percepção do esquema corporal, do espaço gráfico e da construção, tendo em vista que o hemisfério direito predomina na função perceptiva e analítica dos modelos visuais (GUARDIOLA et al., 1998). Enquanto o hemisfério esquerdo do cérebro interpreta literalmente as frases ditas, o hemisfério direito percebe a intenção oculta de quem fala. O esquerdo entende pelo aspecto lógico, racional e seqüencial e o direito compreende aos saltos, tem insight e visão holística (CARNEIRO, 2002). De acordo com Barbizet e Duizabo (1985) apud Guardiola et al. (1998), observa-se que há diferenças entre ambos os hemisférios em relação à memória: enquanto o esquerdo está relacionado à memória verbal, o direito relaciona-se com as localizações espaciais, fisionomias e melodias. Para Chuldler (2005) apud Albuquerque et al. (2006), pesquisas revelam que cada hemisfério do cérebro humano tem características próprias e naturais, e que geralmente cada indivíduo apresenta predominância num dos hemisférios. Isso implica no processo de aprendizagem, a predominância por determinado perfil de aprendizagem em alguns indivíduos em relação a outros. Gil (2002) afirma que a preferência pelo uso de uma das mãos apresenta-se muito cedo, ao redor de três anos de idade; ela é determinada geneticamente ou pode ser influenciada por patologias causadas por lesões hemisféricas pré ou pós-natal. Quando nasce, a criança não tem lateralização 28 definida, e isso se instala de forma progressiva e estabiliza dos 6 aos 8 anos, com o começo da prática da escrita. Indivíduos que possuem dominância na mão esquerda apresentam maior representação da bihemisferidade (ambidestros), dessa forma elas usam as duas mãos para desempenharem diferentes tarefas em funções cognitivas (PINHEIRO et al., 2005). Somente 4% dos canhotos têm as funções dos lobos cerebrais invertidas e menos de 1% dos destros têm a posição do criar e do recordar invertidas (CARNEIRO, 2005). O hemisfério direito do cérebro coordena importantes funções relacionadas à aprendizagem de certos tipos de estímulos, que têm em comum e necessita de um tratamento rápido e global da informação, como é o caso do reconhecimento de rostos, função freqüentemente afetada em pessoas com lesão hemisférica direita, chamada de prosopagnosia, que desempenha importante papel na memória espacial ou topográfica (OLIVEIRA, 2004). Análises elaboradas através de técnicas de neuroimagem, como a Ressonância Magnética Funcional ou a Tomografia por Emissão de Positrons (PET), indicaram que o hemisfério esquerdo é responsável pelos processos da linguagem, na maioria dos destros; e isso também ocorre em mais da metade dos canhotos e ambidextros (KENDEL et al., 1997; CASTRO-CALDAS, 2004). Para Castro-Caldas (2000), lateralidade destra e a lateralização da linguagem do hemisfério esquerdo são fenômenos que se associam com grande freqüência; no entanto, essa associação não constitui uma relação funcional, por isso é possível que se trate de duas características independentes, as quais são geneticamente determinadas (OLIVEIRA, 2004). Chudler (2007) descreve que, a respeito da dominância cerebral, podese afirmar que cada hemisfério controla os movimentos da parte oposta do corpo. Os movimentos que fazemos com a mão esquerda, pé esquerdo e olho esquerdo são inteiramente controlados pelo hemisfério direito do cérebro. Esse autor cita que os dois hemisférios trabalham em sincronia, e que dão harmonia aos movimentos; no entanto, um hemisfério não interfere na atividade do outro. Portanto, ocorre um arranjo denominado pelos neurologistas, de contralateral. Assim, uma lesão de um lado do cérebro, normalmente afeta os movimentos e o sentidos do lado oposto do corpo. 29 O efeito dominância resulta da confluência de vários fatores. Dessa forma, quando as áreas cerebrais são recrutadas para a execução de uma tarefa, elas dependem da experiência prévia do indivíduo e dos fatores biológicos, e também da experiência de cada ser (CASTRO-CALDAS, 2004). Para Chudler (2007) cada hemisfério do cérebro é dominante para alguns comportamentos. Enquanto o hemisfério direito é dominante para habilidades espaciais, reconhecimento de faces, visualização mental e música; o hemisfério esquerdo é especializado em habilidades de linguagem, matemática e lógica. Essas são generalizações que ocorrem em pessoas normais, ou seja, sem comprometimento cerebral, onde os dois lados trabalham em conjunto trocando informações através do corpo caloso. Uma das principais anomalias encontradas em indivíduos que sofreram uma lesão hemisférica direita, é a perda de certas capacidades perceptivas, em particular as que estão relacionadas à percepção das relações espaciais entre os objetos, chamada de apraxia visuo-construtiva (OLIVEIRA, 2004). Quando ocorre uma lesão no hemisfério direito, provoca, com muita freqüência, uma perturbação profunda na personalidade e na afetividade do indivíduo, produzindo-lhe um quadro de indiferença afetiva muito característica (HABIB, 2000). Pode-se afirmar, então, que não há um hemisfério dominante e outro inferior ou dominado. Na verdade, os hemisférios são complementares, onde um necessita do suporte do outro para a realização de tarefas, desde as mais simples atividades reflexas até os mais elaborados raciocínios ou atos de criação artística (OLIVEIRA, 1998). 3.6 A plasticidade cerebral Os neurônios são células especializadas, cuja principal função é comunicar-se com outros neurônios e com os órgãos que realizam as ações, como os músculos e o coração; ocorre, assim, através desse processo, uma fantástica quantidade de informações, que mediante a atividade integrada dos neurônios determina e modula o comportamento dos indivíduos (DALMAZ e ALEXANDRE NETTO, 2004). 30 Esses autores citam que a capacidade dos neurônios de transformar e de adaptar sua estrutura em resposta às exigências ambientais (externas), ou internas, estimula a plasticidade neural ou cerebral. A plasticidade neural é definida como a propriedade do sistema nervoso, de todo ser vivo, que permite o desenvolvimento de alterações estruturais cerebrais em qualquer fase da vida, em resposta à experiência vivida; e como adaptação a condições mutantes e a estímulos repetidos modifica o comportamento dos indivíduos, resultando na aprendizagem (FERRARI et al., 2001; TAFNER, 1998). O aprendizado e a plasticidade são interdependentes, e pode-se afirmar que a experiência, ao modificar o comportamento, está modificando algumas sinapses no sistema nervoso, ou vice-versa. As mudanças plásticas são os loci responsáveis pelo armazenamento da memória, que por sua vez, integra o processo de aprendizagem (DALMAZ e ALEXANDRE NETTO, 2004). Esses autores afirmam que o anatomista espanhol Ramón y Cajal apresentou a hipótese de que a eficácia das conexões sinápticas, as áreas de contato funcional entre os neurônios, são plásticas e, modificáveis; e que a força sináptica pode ser modificada pela atividade neural, que o aprendizado pode utilizar essa plasticidade através do desenvolvimento de novos processos sinápticos. Esses autores explicam que quanto mais um cérebro é estimulado, ocorre o aparecimento de mais espinhos dendríticos, e isso faz aumentar as possibilidades de estabelecer conexões entre os neurônios. A repetição do estímulo vai enfatizando a força do próprio estímulo, e se o estímulo se repete ele é sentido como importante – modelo behaviorista. Os mesmos autores ainda citam que é de se esperar que ocorram constantes mudanças, progressos e amadurecimento no desenvolvimento cognitivo, intelectual, perceptivo e emocional do indivíduo, pois permite que o sistema nervoso seja reestruturado e reorganizado naturalmente ou por intermédio de ação psicomotora. Fabela (2007) afirma que o cérebro é plástico e mantém a capacidade de aprender e se desenvolver por todo o ciclo da vida de um indivíduo, principalmento durante o período da infância. 31 4 ABORDAGEM SOBRE NEUROPSICOLOGIA “...toda atividade mental humana é um sistema funcional complexo efetuado por meio de uma combinação de estruturas cerebrais funcionando em conjunto, cada uma das quais dá a sua contribuição peculiar para o sistema funcional como um todo.” - Alexander Romanovich Lúria 4.1 A importância da neuropsicologia A neuropsicologia é uma ciência do século XX, que se desenvolveu inicialmente a partir da fusão da neurologia com a psicologia. O objetivo principal da neuropsicologia é estudar as modificações comportamentais resultantes de lesão cerebral (PINEL e COLODETE, 2005). Para Luria (1981) apud Thiers et al. (2005): “a neuropsicologia é a ciência que estuda a relação entre o cérebro e o comportamento humano ( ...) que tem como objetivo específico e peculiar investigar o papel dos sistemas cerebrais individuais nas formas complexas de atividades mentais”. Entende-se, portanto, que essa é uma especialidade que aborda as relações entre funções cerebrais e comportamento.” Para Lesak (1995): “A neuropsicologia é uma ciência interdisciplinar destinada a compreender a expressão comportamental das disfunções cerebrais, investigando tanto a estrutura psicológica da atividade mental como o papel desempenhado por sistemas cerebrais individuais em formas complexas desta atividade. A avaliação neuropsicológica é realizada através de testes específicos que permitem, pela mensuração dos resultados e pela análise qualitativa do desempenho do paciente, associar os prejuízos observados no funcionamento cognitivo com possíveis disfunções cerebrais.” Haase (2000) descreve que a neuropsicologia comporta duas definições: Lato Sensu, que enfoca o estudo das interrelações entre o cérebro e o comportamento, e baseia-se na teoria de aprendizagem behaviorista; ou entre o cérebro e a mente, dando enfoque a teoria de aprendizagem cognitivista. Sob a ótica clínica, a neuropsicologia pode ser definida como estudo das 32 conseqüências cognitivas e comportamentais das lesões e disfunções do cérebro. A neuropsicologia encontra-se numa área de interface entre a neurociência, chamada de neurociência cognitiva; e as ciências do comportamento, denominada psicologia do desenvolvimento psicolingüístico. O seu principal enfoque é o estudo da relação do sistema nervoso, do comportamento, e da cognição, ou seja, o estudo das capacidades mentais mais complexas, nomeadas de funções superiores, como a linguagem, a memória e a consciência (PINHEIRO, 2005). Estudos iniciais em neuropsicologia foram baseados nas conseqüências comportamentais, causadas pelas lesões cerebrais específicas. Contudo, a neuropsicologia passou a estudar as funções cerebrais superiores inseridas a partir do comportamento cognitivo, sensorial, motor, emocional e social do indivíduo (COSTA et al., 2004). O desenvolvimento da neuropsicologia é recente, e evoluiu a partir da Segunda Guerra Mundial. O avanço tecnológico e científico, e as contribuições das técnicas de avaliação neuropsicológica, através da neuroimagem, possibilitaram aos profissionais interessados nessa área a elaboração de um diagnóstico mais preciso sobre o funcionamento cerebral e estabelecimento de um programa de intervenção precoce e adequado (GIL, 2002; COSTA et al., 2004; BOGGIO et al., 2006). A neuropsicologia se destacou no Brasil, em meados de 2004, com a resolução do Conselho Federal de Psicologia, o qual regulamentou essa especialidade para os psicólogos. O objetivo teórico da neuropsicologia é a ampliação dos modelos já conhecidos e a criação de novas hipóteses sobre interações cerebrais e do comportamento humano (AMBRÓZIO et al., 2005). 4.2 O papel do neuropsicólogo O neuropsicólogo é um profissional graduado em Psicologia, que se especializa na área de fisiologia, de anatomia e de patologia do sistema nervoso. Esse profissional atua em pesquisa ou na aplicação clínica de neuropsicologia, seja na avaliação ou na reabilitação de indivíduos que 33 apresentem sinais clínicos, de alteração de comportamento e/ou cognitiva, atribuídos ao comprometimento do sistema nervoso (LNI, 2006). Na área clínica, o neuropsicólogo é responsável, pela avaliação das funções mentais superiores, através de investigação clínica e da aplicação dos testes neuropsicológicos (PINEL e COLODETE, 2005). Para Haase (2000), o neuropsicólogo clínico trabalha com a interdisciplinariedade profissional, ou seja, ele recebe o apoio de vários profissionais de várias áreas, como medicina (neurologia, otorrino, oftamologia), psicologia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, musicoterapia, pedagogia, lingüística e psicopedagogia, entre outros. Dessa maneira, possibilita uma atuação dinâmica, interativa e interdisciplinar. Cada profissional contribui com suas capacitações específicas para proporcionar ao paciente um atendimento adequado. Para esse autor, os itens a serem trabalhados pela equipe multidisciplinar compreendem: entrevista diagnóstica; psicoterapia leve; uso de testes; modelos de interação cérebro-comportamento e cérebro-cognição; psicopatologia; fisiopatologia cerebral; psicofarmacologia; correlação anátomoclínica; desenvolvimento neuropsicosocial; interação de fatores genéticos e ambientais na determinação do comportamento humano; principais síndromes genéticas que causam doença e deficiência mental na como uma área interdisciplinar voltada para o diagnóstico; e reabilitação das conseqüências comportamentais e cognitivas de lesões e disfunções cerebrais. Para Lesak (1995) apud Ambrózio et al. (2005), a neuropsicologia conta, principalmente, com o auxílio da neurologia, que abrange a análise sistemática dos distúrbios de comportamento, os quais se seguem a alterações da atividade cerebral normal, causadas por doenças, lesões ou malformações. Essas áreas colaboram no atendimento e entendimento do trabalho do psicopedagogo frente às dificuldades de aprendizagem. Haase (2000) afirma que, em neurologia, a neuropsicologia tinha o papel de auxiliar no diagnóstico de localização cerebral e no inventário das funções mentais afetadas por patologia cerebral. A neuropsicologia pode-se aliar à psiquiatria para detectar as síndromes cerebrais orgânicas, e possibilitar que o psiquiatra ou psicólogo dê orientação psicodinâmica, focando seu trabalho nos casos funcionais e encaminhando os pacientes orgânicos para o neurologista. 34 Esse autor afirma que há ainda a neuropsicologia do desenvolvimento, que é focada na aplicação nas doenças cujos sintomas podem aparecer na adolescência, fase adulta ou velhice, como esquizofrenia, alcoolismo e a doença de Alzheimer, dando enfoque como distúrbio do cérebro em desenvolvimento ou envelhecimento. 4.3 Alguns precursores da neuropsicologia Sigmund Freud (1956-1939), neurologista austríaco, estudou o funcionamento do cérebro e da mente, e foi o responsável pela fusão da neurologia com psicanálise, que resultou na neuropsicanálise - método psicológico para dar significados aos processos mentais, vinculado ao embasamento neurológico (SOUSSUMI, 2004). Para o autor, na época de Freud, o método utilizado era anátomo-clínico para avaliar o paciente. Esse método embasava-se nos estudos de sinais e sintomas clínicos de doenças neurológicas, para buscar respostas anátomopatológicas. Nessa época, a hipótese diagnóstica só podia ser confirmada através da autópsia do paciente. Freud trabalhou em estudos de casos de histeria e neurastenias, mas não obteve sucesso nos diagnósticos, em razão das técnicas rudimentares existentes na época. Ele acreditava nas futuras descobertas tecnológicas e científicas para solucionar suas dúvidas. Freud trabalhou com Charcot, em Viena, quando surgiram os localizacionistas, o francês Paul Broca e o alemão Karl Wernicke, ambos neurologistas responsáveis pelas descobertas das áreas cerebrais responsáveis pela linguagem, as quais receberam seus nomes. Para Freud havia interação dinâmica entre as áreas relacionadas às funções complexas. Lev Semyonovitski Vygotsky (1896-1934), russo, professor e pesquisador nas áreas de pedagogia e psicologia; seus estudos contribuíram como base para a neuropsicologia, envolvendo disciplinas de neurologia, psiquiatria, psicologia, fonoaudiologia, lingüística, psicopedagogia, educação, artes, entre outras, e que tem como objetivo estudar as inter-relações entre as funções humanas e sua base biológica. Vygotsky “considerou as funções corticais superiores em três princípios centrais: os relacionamentos interfuncionais, plásticos e modificáveis; os 35 sistemas funcionais dinâmicos como resultantes da integração de funções elementares; e a reflexão da realidade sobre a mente humana” (SOUZA, 2005). Alexander Romanovich Luria (1902-1977), neurologista russo, foi profundamente influenciado por Vygotsky. Luria teve destaque a partir da década de 20, e desenvolveu a partir de 1939, o campo da neurociência do comportamento à neuropsicologia dinâmica, que era a fusão da neurologia com a psicologia. O principal enfoque de Luria foi a associação entre o hemisfério dominante (esquerdo) e as afasias. Os princípios da neuropsicologia eram os mesmos da psicanálise, pois aceitava que as funções fisiológicas cerebrais ocorriam na interação dinâmica de diversas áreas distribuídas no cérebro, porém não resultavam na localização em um único centro (SOUSSUMI, 2004). Além de Vygotsky, Luria foi influenciado por Ivan Petrovitch Pavlov (1849-1936) e Pioter Kuzmitch Anokhin (1898-1974). Ele estudou as funções superiores e suas relações com os mecanismos cerebrais; e desenvolveu também a noção do sistema nervoso funcionando como um todo, considerando o ambiente social como determinante fundamental dos sistemas funcionais responsáveis pelo comportamento humano (PINHEIRO, 2005). As principais contribuições de Luria foram seus livros Human brain and psychological process (1966) e The working brain: a introduction to neuropsychology (1973). Em seu último livro de 1976, ele sugeriu que os estudos deveriam seguir em direção a um campo não abrangido pelo cognitivismo, o qual englobava a motivação, as emoções profundas e a personalidade. Luria faleceu antes de iniciar seu projeto. O método proposto por Luria, e que foi modificado posteriormente por outros, permite ver em extensão o tratamento psicanalítico, contribuindo assim na reabilitação de várias desordens de personalidade, motivação e emoção, que estão associados a um dano neurológico específico. Tanto Freud como Luria acreditavam que, para desvendar a organização neurológica do aparelho mental humano, compreendida pela psicanálise, era necessário dissecar inicialmente a estrutura interna psicológica das várias mudanças da personalidade, na motivação e na emoção complexa. Dessa forma os diversos fatores subjacentes produzindo esses sintomas e síndromes, podiam ser identificados e cada um correlacionar com sua atuação neuroanatômica (SOUSSUMI, 2004). 36 Antonio Frederico Branco Lefrève (1916-1981), neurologista brasileiro, foi um dos pioneiros no estudo da neurologia no Brasil. Seus principais trabalhos foram organizados por Beatriz Lefrève, e publicados em 1985. Lefrève participou de trabalhos práticos com distúrbios de linguagem escrita e falada sob a orientação de Ombredane (KRISTENSEN et al., 2001). Lefrève não aceitou ao convite para lecionar na França, continuando seus estudos em neuropediatria, em São Paulo. Seus principais trabalhos foram na área de neuropsicologia: Estudo neuropsicológico da afasia em crianças com síndrome convulsiva (1976) e Dificuldade no aprendizado escolar (dislexia) de 1980; capítulo de um livro nessa área, sobre o desenvolvimento da linguagem em crianças desnutridas, para o livro Foundations of language development, para a UNESCO, em 1975, ao lado de outros autores famosos na área de neuropsicologia como Ajunguerra, Luria, Ingran e Hécaen (SOUSSUMI, 2004). 4.4 Abordagem localizacionista, unitarista e globalista Os localizacionistas Pierre Marie, Broca, Wernicke, Brodmann, Nielsen acreditavam que as funções mentais resultavam da atividade específica de áreas particulares do cérebro, e que havia um centro da fala, um para a linguagem e um centro para a visão de imagens Enquanto que os unitaristas, ou holistas, como Jackson, Head e Goldstein defendiam o pressuposto de que as funções psíquicas resultavam de uma sinergia das partes do cérebro. Eles não aceitavam a existência de “centros” especializados em determinadas funções, e que não existia a “área do pensamento”, pois esta função exige a participação de grande massa cerebral (PAULA JÚNIOR, 2001). Já os globalistas contrariaram essas duas idéias e defendiam que a linguagem seria um processo dinâmico, proveniente da associação do funcionamento cerebral (SOUZA, 2005). 4.5 Unidades ou blocos funcionais As informações devem ser organizadas em termos de controle de integração sistêmica cerebral, sejam elas provenientes dos sistemas funcionais 37 intra e interneurossensoriais, desde os órgãos internos (interoceptores); dos órgãos motores, táteis, cinestésicos e vestibulares (proprioceptores) até os órgãos captadores de informações, como a visão e a audição (telerreceptores). Essas informações participam na base do processo de aprendizagem e do desenvolvimento humano, tais como: o jogo, a imitação, a linguagem, o desenho, a leitura, a escrita, o cálculo, funções mentais humanas (LURIA, 1980 apud FREITAS, 2006). Guardiola et al. (1998) e Paula Júnior (2001) discorrem sobre as três unidades ou blocos funcionais, propostos por Luria, os quais estão apresentados na Tabela 3. Tabela 3. Unidades ou Blocos Funcionais e suas funções8 1ª Unidade Funcional: de vigília “O cérebro desperto” Tem a função de regular o tônus cortical e a vigília; as estruturas do tronco cerebral que participam do controle do ciclo sono-vigília e compreendem o sistema reticular ascendente e são representadas pelos núcleos colinérgicos, noradrenérgicos, dopaminérgicos e serotoninérgicos; o córtex cerebral participa especialmente o córtex pré-frontal; a alteração anatômica ou funcional deste sistema produz diversas alterações clínicas, desde distração até síndrome comatosa. 2ª Unidade Funcional: de recepção “O cérebro informado” Recebe, analisa e armazena as informações; é representada pelos córtices temporal, parietal e occipital, existindo as áreas primárias*, secundárias** e terciárias***. 3ª Unidade Funcional: de programação, regulação e verificação da atividade “O cérebro humanizado” É representada pelos lobos frontais, que tornam possível a intencionalidade, a planificação e a organização da conduta em relação a percepção e ao conhecimento do mundo. As áreas primárias* são locais onde terminam as fibras sensitivas provenientes do tálamo. As áreas auditivas primárias estão no lobo temporal, no primeiro giro temporal superior; no lobo parietal encontra-se a área somestésica, que ocupa o giro pós-central; e no lobo occipital, na face interna, está a área visual. As áreas primárias registram apenas os elementos da experiência e não apresentam características simbólicas. As áreas secundárias** estão junto das primárias; na área secundária localizam-se a área auditiva e a área visual; e no lobo parietal está a área 8 Fonte: Compilada a partir de Guardiola et al. (1998) e Paula Júnior (2001) 38 somestésica. O processamento das informações provém do funcionamento dessas áreas, as quais chegam até as áreas primárias e dar simbolismo. As áreas terciárias*** associam-se as áreas secundárias, e integra-se à experiência multissensorial,cuja localização não é precisa. O desenvolvimento das áreas cerebrais I, II e III determina o que o hemisfério esquerdo está relacionado à linguagem. Nesses locais estão as funções complexas que incluem a linguagem, o esquema corporal, o espaço, o espaço-tempo e o cálculo, entre outras (GUARDIOLA et al., 1998). Na Figura 6 estão indicadas as localizações dos blocos funcionais cerebrais I, II e II, propostos por Luria. Figura 6. Localização cerebral das Unidades ou Blocos Funcionais I, II e III9 Rebollo (1991) apud Guardiola et al. (1998) incorpora uma quarta unidade funcional que é representada pelo sistema límbico e cuja função é selecionar os estímulos segundo suas características e aspectos afetivos. A porção orbitária do lobo frontal participa na planificação da conduta no seu aspecto afetivo. Para Luria (1973) apud Freitas (2006), as unidades ou sistemas funcionais complexos se localizam em áreas delimitadas do cérebro. Essas áreas participam de grupos de estruturas cerebrais para desempenhar suas funções, de forma integrada, na organização desse sistema. 9 Fonte: LURIJA (1992) <www.erzwiss.uni-hamburg.de/Projekte/Syndromanalyse/Mo1.htm> Data da consulta: 12/12/2007 39 Esse autor ainda cita que a primeira unidade funcional possibilita a sincronia cortical necessária. A segunda realiza a análise e síntese da informação recebida. A terceira é responsável pelos movimentos de busca que dão à conduta perceptiva características ativas. O cérebro, através de seus dois hemisférios, funciona como um todo, estruturando a conduta do indivíduo em seus aspectos cognitivo e afetivo. Ambos os hemisférios estão integrados pela presença das comissuras interhemisféricas, e o córtex cerebral está relacionado, através das vias de associação, às estruturas subcorticais: corpo estriado, tálamo óptico, tronco encefálico, medula e cerebelo (GUARDIOLA et al., 1998). Esses autores afirmam que os analisadores trazem as informações do ambiente até o cérebro, que é o órgão responsável pelo processamento destas informações e posterior resposta psíquica. Luria propôs a idéia de sistemas funcionais e apesar da existência de “centros” para determinadas funções, mais primitivas, o cérebro só desenvolvia as funções ditas “superiores” operando em conjunto. As funções psicológicas superiores são caracterizadas como funções exclusiva do ser humano (PAULA JÚNIOR, 2001) Os lobos occipitais processam as informações visuais, enquanto os lobos temporais as informações auditivas/acústicas e os lobos parietais, as informações somestésicas, conforme está apresentado na Tabela 4. Tabela 4. Analisador visual, acústico e somestésico e suas funções10 O analisador visual É responsável pela visão eficiente. É formado pelo conjunto de órgãos e tecidos que vai tem início no globo ocular, segue pelas vias visuais e termina nas áreas corticais occipitais, localizada na parte posterior do cérebro. O analisador acústico Possibilita ouvir todos os sons que ocorrem no mundo. Percorre o caminho que tem início no ouvido externo, passa pelas vias acústicas, tronco cerebral e termina nas áreas temporais do córtex cerebral - estão situados do lado direito e do lado esquerdo do cérebro - localizado na região logo acima das orelhas. O analisador somestésico É uma soma de muitos analisadores. Cada receptor situado na pele, músculos, ligações e órgãos é parte de um analisador. Começa no corpúsculo do tato (ou da dor); segue pela medula espinhal, passa pelo tronco cerebral; chega a um ponto específico do córtex parietal. 10 Fonte: Compilação feita a partir de Guardiola et al. (1998) e Paula Júnior (2001) 40 Para entender melhor o que é sistema funcional e poder realizar sua análise é necessário compreender a seguintes definições em neuropsicológicas, como: função, sintoma, localização, análise sindrômica, descritas segundo Paula Júnior (2001) e Guardiola et al. (1998). O termo função pode apresentar duas interpretações: como função fisiológica e como função “sinérgica”. A função fisiológica que é desempenhada pelos tecidos, no caso humano, o nervoso e o tegumentar, e corresponde às funções das áreas primarias e secundárias. Assim, temos a função acústica, visual, somestésica, que são as sensações e as funções psicológicas elementares. A função sinérgica é resultante do conjunto de funções elementares. Desta forma o psiquismo é a manifestação deste conjunto de funções e só podemos entender uma função psicológica superior se entendermos a integração “holística” das funções elementares. Uma função psicológica superior (memória mediada, linguagem, pensamento, uso de instrumentos). Luria (1980) apud Freitas (2006) os processos mentais, que incluem sensações, percepção, linguagem, pensamento, memória, não podem ser considerados simples faculdades localizadas em áreas particulares e concretas do cérebro, mas como sistemas funcionais complexos. Na Tabela 5 estão apresentados os termos: sintoma ou lesão, localização e análise sindrômica. Tabela 5. Definições dos termos: sintoma ou lesão, localização e análise sindrômica11 Sintoma ou lesão É a manifestação de um comportamento não condizente com o esperado, e que pode ter diferentes causas; Indica a ausência ou deficiência de uma função psicológica superior. Localização Se a estrutura de uma função psicológica superior é “sinérgica”, pela soma de vários componentes funcionais, sua localização não pode ser de forma “topológica”, ou um local específico. Análise sindrômica Consiste em averiguar a integridade de todos os componentes (funções elementares) que contribuem para a fala (FPS) e identificar qual deles não está desempenhando sua função, sendo o foco da patologia. 11 Fonte: Guardiola et al. (1998) 41 De acordo com Guardiola et al. (1998), o termo sintoma ou lesão significa que se um indivíduo, considerado normal, nunca teve dificuldade de expressão oral, e que após um acidente pode apresentar alterações na fala, como a gagueira, falta de articulação para certos articulemas (fonemas), ou outra dificuldade. Os autores afirmam que o termo localização, em neuropsicologia, significa “todo o conjunto é responsável por aquela função”. A localização do pensamento, considerado função psicológica superior encontra-se nas áreas secundárias temporais, no cérebro todo. Esses autores ainda citam que o método neuropsicológico é desvendado pela análise sindrômica, que tem como objetivo averiguar os componentes envolvidos numa função específica. A localização desta função, e a lesão que provoca o sintoma, ocorre dessa forma na ausência ou alteração de função. 4.6 As funções neuropsicológicas A Teoria sócio-histórica da Atividade reforça a idéia de que as funções mentais começam nas funções psicológicas inferiores (psicofisiológicas) e avançam para as funções psicológicas superiores (neuropsicológicas) por intermédio das relações sociais (FREITAS, 2006). De acordo com Ambrózio et al. (2005) as funções neuropsicológicas que envolvem os processos cerebrais complexos devem ser conhecidas e investigadas durante a avaliação neuropsicológica, como podemos destacar: atenção, memória, táctil-cinestésica, funções motoras, funções superiores, orientação, verbais, as quais estão descritas a seguir. a. Atenção: função complexa, que corresponde à capacidade do indivíduo de focalizar a mente e em algum aspecto do ambiente ou de algum conteúdo da própria mente; b. Memória: é um sistema integrado que possibilita o processamento ativo e transitório de informações. Inclui as habilidades de armazenar, recordar e reconhecer conscientemente fatos e acontecimentos envolvidos em tarefas cognitivas como: compreensão, aprendizado e raciocínio; c. Táctil-cinestésica: permite reconhecer objetos através do tato, sua forma e tamanho sem ajuda da visão, e reconhecer sensações táteis em sua 42 localização no corpo, intensidade e direção. A inteligência cinestésica permite a habilidade para usar a coordenação grossa ou fina para qualquer finalidade; d. Funções motoras: implicam na análise das praxias, isto é, das formas complexas da construção dos movimentos voluntários (tônus muscular, sistema ótico-espacial, regulação verbal do ato motor); e. Funções superiores: capacidade global agregada para o indivíduo agir com propósito, pensar racionalmente e lidar efetivamente com o meio que está inserido. Reflete a soma das experiências aprendidas pelo indivíduo que permitem conceituar, organizar, desenvolver, resolver problemas e ser criativo; f. Orientação: é a consciência de si em relação ao ambiente, necessita da integração da atenção, percepção e memória; g. Verbais: incluem aspectos da linguagem, tanto da programação, compreensão ou expressão da fala. Inclui a capacidade de adequar os conceitos de relação, sucessão e conseqüência através de elementos gramaticais, de nomear através da codificação e combinação das características essenciais dos objetos; h. As funções psicológicas elementares (psicofisiológicas) ou funções psicológicas inferiores são aquelas que todos os animais possuem ou que, nós humanos, temos em comum com os animais: sensação, atenção (R. O.), integração modal, percepção, memória, audição, visão, somestesia, olfato, emoção, linguagem animal (emotiva); i. As funções psicológicas superiores: são aquelas que consideram funções exclusivamente humanas: imaginação (percepção global), cognição, memória mediada, atenção voluntária, atividade mediada (uso de instrumentos), linguagem social (racional), pensamento, leitura e escrita. Essas funções estão relacionadas com as dificuldades e as potencialidades cognitivas das crianças. A importância dessas funções é apontar o nível de evolução do ao longo do desenvolvimento do indivíduo, bem como o nível da evolução específica do indivíduo (AMBRÓZIO et al., 2005). 43 4.7 O desenvolvimento neurossensório-motor O corpo humano possui o sistema nervoso, um sistema sensorial e um sistema motor, os quais são responsáveis por todas as atividades corporais (FERREIRA, 2003). Ferreira afirma que deve se observar o perfil neurossensório-motor, e procurar saber como ele funciona, e como está o desenvolvimento desses sistemas, os quais devem permanecer integrados e interligados. De acordo com Andrade et al. (2004) os elementos que compõem o perfil neurossensório-motor são: esquema corporal, a lateralidade, a interação espacial, a coordenação orientação temporal, visual-motora, o a coordenação desenvolvimento dinâmico-manual, a da o linguagem, desenvolvimento sensorial. Para esse autor deve-se conhecer o perfil neurossensório-motor, pois em cada idade, o movimento adquire características importantes, e a aquisição de certos comportamentos motores interfere no desenvolvimento do indivíduo. Cada aquisição influencia na anterior, tanto no domínio mental como no motor, através da experiência, na interação com o meio e, conseqüentemente, no processo de aprendizagem do ser humano. Para Gallahue e Ozmun (2003) apud Andrade et al. (2004), o movimento pode ser dividido em três categorias: movimentos estabilizadores (equilíbrio e sustentação), movimentos locomotores (mudança de localização) e movimentos manipulativos (apreensão e recepção de objetos). Segundo Booth et al. (2003) apud Andrade et al. (2004), na fase de 0 a 6 anos (Tabela 6) a maturação das áreas terciárias - de associação, nessa fase, ainda está incompleta. Nas áreas executivas do cérebro, nos lobos frontais, a principal região envolvida com o planejamento e com a execução das tarefas, ainda não está totalmente mielinizada. Isso prejudica na organização e no planejamento das tarefas, bem como na capacidade de concentração, pois a área pré-frontal é importante para a atenção. A área pré-frontal imatura dificulta a manutenção da atenção, de forma que não consegue realizar uma de suas funções principais, que é a inibição de estímulos irrelevantes. Ao não conseguir isso, a criança perde a concentração, ou seja, ela se distrai. 44 De acordo com cada faixa etária, os movimentos motores estarão em estágios e fases diferentes, conforme estão apresentados na Tabela 6. Tabela 6. Desenvolvimento neurossensório motor: fases e principais características12 Desenvolvimento neurossensório motor Fases De 0 a 6 anos Primeira infância ou Pré operacional De 6 a 10 anos Segunda infância ou Operacional concreto Características das crianças Apresentam as habilidades percepto-motoras, em pleno desenvolvimento, no entanto confundem direção, esquema corporal, temporal e espacial. A variabilidade das habilidades fundamentais está se desenvolvendo, de forma que movimentos bilaterais, como pular, não apresentam tanta consistência às atividades unilaterais. O controle motor refinado ainda não está totalmente estabelecido, embora esteja desenvolvendo-se rapidamente. Os olhos ainda não estão aptos a períodos extensos de trabalhos minuciosos. Para Piaget essa idade é chamada de Fase Pré-operacional, na qual a criança apresenta percepção aguçada, comportamento auto-satisfatório e social rudimentar.* Sugerem a preferência manual e apresentam os mecanismos perceptivos visuais bem estabelecidos. O tempo de reação no início dessa etapa apresenta-se lento, isso causa dificuldades na coordenação visuomanual/pedal, por isso não demonstram se estão aptas para trabalho minucioso de longa duração. As características próprias dessas fases estão descritas a seguir. Para Piaget, essa idade conhecida como Fase de Operações Concretas. Nesse período as associações, a identidade, a razão dedutiva, os relacionamentos e as classificações estão bem desenvolvidas. *As habilidades motoras fundamentais têm potencial devem estar bem definidas. Outras as atividades como aquelas que envolvem os olhos e os membros desenvolvem-se lentamente. Este período marca a transição do refinamento das habilidades motoras fundamentais para as refinadas que propiciam o estabelecimento de jogos de liderança e o desenvolvimento de habilidades atléticas. Para Kolb e Whishaw (2002) apud Andrade et al. (2004), na fase de 6 a 10 anos, a maturação da área pré-frontal associado às experiências da criança colaboram para o desenvolvimento de habilidades motoras mais complexas; é proporcionado, nesse período, pelo aprendizado motor. Os mesmos autores afirmam que a região pré-frontal, nesta idade é maturada progressivamente, possibilitando um melhor planejamento do movimento, e também associar conscientemente dois ou mais movimentos. O córtex é responsável pelo planejamento dessa associação de movimento, e se torna cada vez mais refinada. A estimulação de movimentos associados é essencial para o desenvolvimento normal das áreas corticais, as quais 12 *Fonte: Gallahue e Ozmun (2003) apud Andrade et al. (2004) 45 possibilitam que a aprendizagem motora seja eficiente. O processo de mielinização da área pré-frontal não é completo nessa fase e continua processando até próximo dos 18 anos. 4.8 As perspectivas futuras da neuropsicologia Foi a descoberta a possibilidade de nascimento de novos neurônios em indivíduos adultos, principalmente na região do hipocampo, especializada na capacidade de aprendizagem e memória. Essa flexibilidade cerebral recémdescoberta permite outras abordagens terapêuticas, como, por exemplo, o transplante de células nervosas (PINEL e COLODETE, 2005). Esses autores acreditam que as perspectivas futuras são bastante promissoras. Com a união de esforços de profissionais das mais diversas áreas, novas técnicas têm permitido compreender o funcionamento das células cerebrais e as substâncias químicas nelas produzidas. 46 5 APRENDIZAGEM “Uma teoria de aprendizagem efetiva deve levar em conta os substratos anatômicos cerebrais e os mecanismos neurofisiológicos do comportamento, pois só assim o educador poderá compreender o não aprender do aluno e, conseqüentemente, adotar estratégias adequadas para recuperá-lo.” - Marta Pinheiro, 2005 5.1 Definições neuropsicológicas da aprendizagem A visão neurológica, de acordo com Santos apud Andersen (1998). defende que: “a aprendizagem é um processo neural pelo qual a experiência modifica o comportamento centralmente regulado" (...) “é a capacidade de processar, armazenar e usar a informação.” Para a neuropsicologia cognitiva, a aprendizagem é um mecanismo de recepção e troca de informações entre o ambiente e o sistema nervoso. A aprendizagem é o processo que leva ao conhecimento, o qual resulta no próprio desenvolvimento cognitivo (GUIMARÃES e ROMANELLI, 2006). Guardiola et al. (1998) define que: “A aprendizagem é uma função do cérebro, e se concretiza quando são estabelecidas algumas condições específicas de integridade, que são representadas por funções do sistema nervoso central e do sistema nervoso periférico e também por fatores psicológicos.” Esses autores complementam afirmando que a aprendizagem é um processo complexo, dinâmico e estruturado, que se inicia a partir de um ato motor e perceptivo, que são elaborados no cérebro, dando origem à cognição. 5.2 Processo neuropsicológico da aprendizagem O ato de aprender depende das sensações que chegam até o córtex cerebral. É necessário que o cérebro encontre-se em estado de alerta para ocorrer a aprendizagem. O estado de alerta do cérebro permite selecionar os 47 diversos estímulos que recebe e, dessa forma, possibilita a elaboração da resposta desejada (GUARDIOLA et al., 1998). A Figura 7 apresenta o esquema do processo de aprendizagem cortical. Figura 7. Processo neurológico da aprendizagem13 A aprendizagem inicia com um estímulo de natureza físico-química advindo do ambiente, que é transformado em impulso nervoso pelos órgãos dos sentidos (ANDRADE et al., 2004). O impulso, transportado pela inervação sensitiva, passa pelo tronco cerebral, via tálamo, e chega até um centro nervoso do córtex cerebral correspondente à natureza do estímulo. Desta forma, o estímulo visual termina no lobo occipital, o auditivo no temporal, o táctil ou somestésico no lobo parietal (BEAR et al., 2001 apud ANDRADE et al., 2004). A sensação e a percepção são a porta de entrada do mundo exterior, e são consideradas essenciais para que se formem as imagens, as quais são a matéria-prima para se atingir o conhecimento, que resulta da aprendizagem (GUIMARÃES e ROMANELLI, 2006). A Figura 8 apresenta o esquema da aprendizagem cortical. 13 Fonte: Rotta (1988) apud Guardiola et al. (1998) 48 Figura 8. Fluxograma do funcionamento cerebral da aprendizagem14 Essas áreas aonde chegam os estímulos são chamadas de "zonas de projeção" ou "primárias". O estímulo projetado nestas áreas primárias é chamado de "sensação", que se trata da informação na sua forma elementar e incompleta, sem conhecimento nem elaboração de significado, constituindo-se de uma passagem obrigatória para a percepção. Ao estimular eletricamente as áreas primárias o sujeito vivencia sensações vagas como escutar um "zunido" ou ver estrelinhas, sentir um formigamento, sem identificação de significado (ROMANELLI, 2003 apud ANDRADE et al., 2004). Através dos neurônios associativos, a informação chega à área primária e é transmitida para a área secundária. A decodificação da informação na área secundária proporciona a percepção, que consiste na formação de imagens sensoriais correspondentes ao estímulo. Na percepção, as imagens (auditivas, visuais e tácteis) recebem significados, de forma que permitem que a pessoa veja e reconheça, por exemplo, “esse é o rosto de minha mãe” e “essa voz é do meu amigo” (BITTENCOURT, 1985 apud ANDRADE et al., 2004). Das áreas secundárias ou de associação passa-se às terciárias ou de integração onde ocorre a adição e combinação de todos os aspectos do estímulo. Nas áreas terciárias o indivíduo faz associações entre os sentidos (ANDRADE et al., 2004). Esses processos ocorrem rápido, em milésimos de segundo, e envolvem outras estruturas sub corticais. A divisão funcional de áreas primárias, 14 Fonte: Fonseca (1980) apud Diament (1983) 49 secundárias e terciárias acontece no lobo occipital, parietal e temporal, e não ocorre da mesma forma para o lobo frontal (BITTENCOURT, 1985 apud ANDRADE et al., 2004). Para Guimarães e Romanelli (2006): “Os processos corticais fornecem informações muito importantes e indicam significativos caminhos para o conhecimento do sistema funcional complexo. O sistema nervoso é considerado um ordenador, que é responsável por assegurar a integração das informações que recebe do mundo exterior e do próprio organismo, e no final encaminha coordenadamente aos órgãos efetores, as ordens necessárias à vida do indivíduo, como motricidade voluntária, funções psíquicas, respiração, digestão, circulação sanguínea e sobrevivência da espécie”. Para Luria (1980) apud Freitas (2006) o processo de construção do conhecimento indica que as sensações integram-se em esquemas de ação, o que requer a participação da percepção e a estruturação das representações mentais. Desse modo, o indivíduo tem a capacidade de agir sobre o mundo, acomodar-se a ele, diferenciar-se qualitativamente, e não apenas captá-lo passivamente. As sensações encontram-se na base do processo de construção do conhecimento, e são conduzidas apenas até o cérebro. Para Luria (1976) e Vygotsky (1987) apud Freitas (2006), o processo de construção do conhecimento depende da integração das sensações, percepções e representações mentais. Segundo Giacomini e Giacomini (2006): “As novas aprendizagens dos indivíduos dependem de suas experiências anteriores, desse modo, as primeiras aprendizagens servem de pré-requisitos para as posteriores. A aprendizagem é um processo cumulativo, onde cada uma se associa ao repertório de conhecimentos e de experiências que o indivíduo possui”. A aprendizagem também pode ser descrita como a mudança de comportamento viabilizada pela plasticidade dos processos neurais cognitivos. Quando se considera que a aprendizagem motora é complexa e envolve praticamente todas as áreas corticais de associação, é necessário compreender o funcionamento neurofisiológico na maturação a fim de fornecer bases teóricas para a estruturação de um plano de ensino que considere as 50 fases de desenvolvimento neural da criança, maximizando assim o aprendizado (ANDRADE et al., 2004). Para ocorrer a aprendizagem, as áreas nervosas correspondentes à função devem amadurecer e receber a estimulação do meio (ROMANELLI, 2003 apud GUIMARÃES e ROMANELLI, 2006). Do ponto de vista da maturação nervosa, a abordagem comportamental da aprendizagem, de estímulo resposta, desenvolvida por Skinner, acredita que é possível reduzir todo o comportamento num modelo matemático de conexões de estímulo-resposta, possibilitando que conhecimento do estímulo permita predizer a resposta. Este modelo funciona com animais, mas com humanos parece muito simplista (ANDRADE et al., 2004). A aprendizagem pode ser do tipo associativo ou do tipo não-associativo. O aprendizado associativo ocorre quando apresenta relação direta com os estímulos, como nos condicionamentos clássicos e operantes; e o aprendizado não associativo, acontece quando depende dessa relação entre estímulos e respostas, como na habituação e na sensitização (ANDERSEN, 1998). Do ponto de vista do construtivismo, a aprendizagem é a construção, ação e tomada de consciência da coordenação das ações. O aprendente constrói seu conhecimento através de uma trajetória individual já transcorrida, tendo uma estrutura, ou com base em condições prévias de todo o processo de aprender, além de experimentar conteúdos necessários para seu aprendizado (SCHIRMER et al., 2004). Guardiola et al. (1998) afirma que, para que exista o ato de aprender, é necessário que o indivíduo tenha condições para tal. Desse modo, para que o processo de aprendizagem ocorra com êxito há necessidade do envolvimento de vários fatores condicionantes, independente da teoria de aprendizagem abordada. Para que ocorra a aprendizagem, é necessário que o aprendente tenha condições para tal, como: saúde física e mental, motivação, prévio domínio, maturação, inteligência, concentração e memória (GIACOMINI e GIACOMINI, 2006). 51 5.3 Processos executivos de controle Para Boruchovitch (1999): “Os processos executivos de controle são parte do Sistema de Processamento da Informação. Esses processos controlam os processos cognitivos envolvidos no ato de aprender monitorando e dirigindo o progresso das atividades cognitivas.” Esse autor afirma que, o funcionamento dos Processos Executivos de Controle está baseado na metacognição, a qual está relacionada ao conhecimento dos próprios processos cognitivos, e estão relacionados aos tipos de conhecimentos sobre si mesmo: pontos fortes, pontos fracos, preferências pessoais; a tarefa: níveis de dificuldade, demandas; e ao uso de estratégias: quais, quando, por quê? e para quê. Outro aspecto refere-se à regulação e ao controle do comportamento. A aquisição do conhecimento está relacionada à capacidade dos indivíduos para transpor o conhecimento factual em busca do desenvolvimento de uma capacidade de pensar sobre os próprios pensamentos. Esse processo se chama metacognição, e envolve o pensar sobre as cognições, o comportamento sobre o próprio processo de aprendizagem e a auto-regulação da aprendizagem (BOEKAERTS, 1996 apud BORUCHOVITCH, 1999). 5.4 A importância da linguagem A linguagem e a memória possibilitam muitos aprendizados. Elas começam e se desenvolvem simultaneamente, e são dependentes uma da outra. A linguagem é responsável pela fixação da aprendizagem (não motora) e a memória libera seus conteúdos através da fala (ANDRADE et al., 2004). A área de Wernicke é área de compreensão da fala, é a zona responsável pelo desenvolvimento da linguagem e de compreensão da fala. Essa área está localizada no lobo temporal, que é também a área da audição; ligada a ela está a área motora da fala localizada no lobo frontal esquerdo, ou área de Broca (Figura 9). Essa área está relacionada à capacidade de emitir sons cada vez mais próximos daqueles percebidos (ROMANELLI, 2003; GOLDBERG, 2002 apud ANDRADE et al., 2004). 52 Figura 9. As áreas cerebrais relacionadas à linguagem: Broca e Wernicke15 A Área de Wernicke é a região do cérebro humano responsável pelo conhecimento, interpretação e associação das informações. Se ocorrerem graves danos nessa área, podem afetar alguma função cerebral, por exemplo, se um indivíduo que escuta perfeitamente e reconhece bem as palavras, seja incapaz de agrupar estas palavras para formar um pensamento coerente. A Área de Broca é a parte do cérebro humano responsável pelo processamento da linguagem, produção da fala e compreensão. A linguagem e a aprendizagem motora dependem de processos complexos, como a linguagem. A maturação das áreas primárias até as terciárias acontece de maneira progressiva. Enquanto que a região frontal está associada ao planejamento, controle e execução dos movimentos voluntários e a maturação ocorre de forma levemente diferenciada (ANDRADE et al., 2004). A comunicação pode ocorrer sem palavras, através de olhares e mesmo do silêncio, como é o caso da linguagem de sinais, usada pelos deficientes auditivos. Em algumas situações, as mensagens não-verbais são mais significativas do que as palavras (VYGOTSKY, 1984 apud FREITAS, 2006). No processo de comunicação, a motricidade está implícita na linguagem intrinsecamente. Algumas partes do cérebro encarregam-se de controlar o corpo e sua motricidade. Outras se disponibilizam para as imagens, símbolos e conceitos. Esse fator está relacionado com a dominância cerebral (LURIA, 1982 apud FREITAS, 2006). 15 Fonte: <pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81rea_de_Wernicke:> Data da consulta: 15/08/2007 53 5.5 A importância da memória A memória é uma das funções cognitivas mais complexas, e as evidências científicas sugerem que o aprendizado de novas informações e o seu armazenamento causa alterações estruturais no sistema nervoso (DALMAZ & ALEXANDRE NETO, 2004). Esses autores afirmam que nossas memórias armazenam tudo aquilo os indivíduos sabem e sentem a respeito do mundo, das pessoas, da natureza e de si próprios e que foi adquirido através das experiências. Os seres humanos possuem história, pois constroem suas identidades através de um processo que mescla as experiências vividas no ambiente e o que vivenciam internamente, e depois se recordam do que aprenderam. O surgimento da memória e da linguagem decorre das necessidades sociais que a humanidade experimenta na sua vida (FREITAS, 2006). A fixação da memória depende de diferentes fatores, e durante algum tempo, após o aprendizado, a memória permanece vulnerável as interferências. A maior parte do processo de consolidação se completa nas primeiras horas após o aprendizado. No entanto, o processo de equilíbrio da informação armazenada persiste por um período maior e envolve alterações contínuas na própria organização da memória. Toda vez que um indivíduo se recorda de algo, ele re-constrói e adiciona mais informação àquele arquivo de memória já existente, de forma cumulativa (DALMAZ & ALEXANDRE NETO, 2004). As relações que um indivíduo estabelece com seu meio fazem com que cada ser seja único, devido às suas experiências de vida, bem como através de relações que experimenta com as sensações, sentimentos, pensamentos, respostas motoras e emocionais, e em especial com sua aprendizagem e memória (PAULA JUNIOR, 2007). Para Dalmaz e Alexandre Netto (2004), o bom desenvolvimento de estruturas cognitivas de base, principalmente da organização do corpo, do espaço e do tempo, bem como à aquisição de sensações, ao desempenho da memória de curto e longo prazo, e ao raciocínio lógico, colaboram para o êxito dos prévios aprendizados. Os tipos de memórias estão descritos na Tabela 7. 54 Tabela 7. Tipos de memórias e suas definições16 Memória Curta duração Longa duração Definição Pode armazenar mais informação quando a informação é organizada em unidades maiores; A organização reduz a carga da memória; As estratégias de ensaio (repetir ou ensaiar a informação) podem ser ensinadas e usadas para organizar e reter a informação por períodos mais longos; No adulto, o tempo dessa memória é limitado ao nível da sua capacidade e da sua duração; ele só pode guardar mais ou menos cinco a nove unidades; sem um esforço ativo da pessoa, essa memória guarda a informação por um período de 30 segundos; em geral os indivíduos preferem realizar uma tarefa cognitiva de cada vez; Os Processos Executivos de Controle focalizam a atenção, manipulam a informação, organizam e assistem a recuperação da informação. Podem ser controles automáticos outros são coordenados pelo controle voluntário. Sua função é armazenar toda a informação que os indivíduos possuem e não estão usando; A informação entra na Memória de Longo Prazo através da Memória de Curto Prazo ou em Funcionamento; As informações armazenadas na Memória de Longa Duração são permanentes; A sensação de não lembrar alguma coisa está mais associada à falta de uma boa pista de recuperação da informação do que à perda da informação propriamente dita; Enquanto a informação precisa ser ensaiada para se manter na Memória de Curta Duração, ela precisa ser elaborada para ir para a Memória de Longa Duração e precisa ser classificada, organizada, conectada e armazenada com a informação que já existe na Memória de Longa Duração. Uma maneira pela qual as pessoas conseguem executar múltiplas tarefas ao mesmo tempo é através da automatização. Automatizar significa praticar uma tarefa até que ela possa ser realizada com o mínimo de consciência (GAGNÉ et al., 1993 apud BORUCHOVITCH, 1999) Quanto mais um indivíduo pratica a leitura, aumenta a capacidade de decodifição de palavras automatizadas e, por isso, possuem mais espaço na memória para entender o que estão praticando (DEMBO, 1988; 1994 apud BORUCHOVITCH, 1999). Vygotsky se preocupou com o processo de mediação inter e intrapsicológico, com o uso de instrumentos e da linguagem como instrumento psíquico e Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Vygotsky também procurou demonstrar como a linguagem, considerada um instrumento social, pode determinar e regular o comportamento, e como a interação entre 16 Fonte: Dalmaz e Alexandre Netto (2004) 55 indivíduos, o inter-psíquico, gera novas estruturas mentais, o intra-psíquico, ausentes antes desta interação (FREITAS, 2006; VYGOTSKY, 2007). Para Vygotsky (2007), a Zona de Desenvolvimento Proximal é definida como: “a distância entre o nível real (da criança) de desenvolvimento determinado pela resolução de problemas independentemente e o nível de desenvolvimento potencial determinado pela resolução de problemas sob orientação de adultos ou em colaboração com companheiros mais capacitados”. Vygotsky ainda afirma que muitos educadores reconhecem que a velocidade de aprendizagem pode variar de criança para criança, afastando os aprendentes lentos de seus professores e companheiros através do uso de instrução programada e muitas vezes mecanizada. Os ambientes de aprendizagem, assim como os agentes de ensino, podem aumentar a ansiedade dos aprendentes, as quais muitas vezes podem ser agravadas durante o processo de aprendizagem. Isso afeta, de forma negativa, o resgate de informação. Nesse caso, ocorre uma ativação excessiva no sistema límbico, que é responsável pelo funcionamento da memória; com isso o processo de aprendizagem fica comprometido, prejudicando a aquisição de conhecimento (ANDRADE et al., 2004). 5.6 A importância da inteligência Profissionais de diversas áreas, como neurologistas, filósofos, pedagogos, psicólogos, psicopedagogos e pesquisadores da ciência cognitiva, têm estudado ao longo do tempo o significado da inteligência. Devido ao interesse em pesquisar sobre a inteligência, surgiram diferentes concepções acerca de sua origem e foram várias as tentativas de defini-la. Define-se, na visão tradicional, a inteligência como a capacidade de responder a ítens em testes de inteligência (GARDNER, I993). Para Assmann (1998), o termo inteligência pode ser definido como faculdade de conhecer, de compreender, isto é, de captar algo, E pode ser mensurada por testes de QI (quociente de inteligência). Há também o QE (quociente emocional) da teoria de Daniel Goleman, e as inteligências múltiplas 56 de Howard Gardner, além da inteligência artificial, que abriu um novo conceito de inteligência. Tradicionalmente, a inteligência está relacionada com as habilidades acadêmicas. Existem outros tipos de inteligência, caracterizadas pela capacidade de relacionar idéias complexas, formar conceitos abstratos, derivar implicações lógicas através de regras gerais e solucionar problemas, e essas, muitas vezes, não são mensuráveis através dos testes convencionais (GARDNER, 1993). Para Gardner, as manifestações da inteligência são variadas e compõem um amplo espectro de competências que inclui as dimensões lingüistica e lógico-matemática, bem como a musical, a espacial, a corporal cinestésica, a intrapessoal e a interpessoal. Essa teoria se baseia numa "visão pluralista da mente", reconhecendo que as pessoas têm forças cognitivas diferenciadas e estilos cognitivos contrastantes. Desta forma, a mente se apresenta sob várias facetas diferentes e separadas da cognição. Gardner apud Guimarães e Romanelli (2006) acredita que existem formas independentes de aprendizado, percepção e memória, ao invés de uma única faculdade mental geral. As formas de aprendizado, em cada área ou domínio, não possuem uma necessária relação direta entre si; podem apresentar semelhanças, apesar de serem independentes. Para Gardner, o ser humano dispõe de graus variados de cada uma das inteligências identificadas por ele. Para Guimarães e Romanelli (2006), os processos que formam a inteligência são: imaginação, linguagem, memória, pensamento, raciocínio e criatividade. Esses processos, em conjunto, compõem a inteligência, que pode ser definida como a habilidade para entender, analisar e compreender o mundo para a solução de problemas, os quais estão relacionados na Tabela 8. 57 Tabela 8. Fatores que compõem a inteligência e suas definições17 Composição da inteligência Processo Definição Imaginação Capacidade do indivíduo para manipular e combinar imagens. Linguagem É um meio de comunicação que fixa a memória, fixa a aprendizagem. Memória É a capacidade de registrar e evocar imagens e idéias. Pensamento É a capacidade do indivíduo para elaborar idéias ou conceitos, provenientes da generalização das experiências com o meio. Raciocínio É um pensamento seguindo normas lógicas, ordenado. Criatividade É a combinação de uma imaginação fértil com uma grande inteligência. 5.7 A importância dos órgãos dos sentidos De acordo com Luria (1966) apud Freitas (2006), o funcionamento do comportamento humano compreende a interconexão de múltiplas redes de informação dispersas pelo corpo: periféricas (pele, músculo, articulações e vísceras) e centrais (mielencefálicas, metencefálicas, mesencefálicas, diencefálicas e telencefálicas), que retratam a existência de um sistema sensorial na base do desenvolvimento e da aprendizagem. A visão, o tato, o gosto, o olfato, a audição são os órgãos dos sentidos que constituem os sistemas sensoriais e canais de mensagens do ser humano. Cada ser humano possui capacidades inatas para enviar mensagens nãoverbais, que lhe são necessárias para satisfazer necessidades básicas e afetivas. A seguir estão descritos as principais funções dos órgãos dos sentidos proposto por Luria (1966) apud Freitas (2006). O tato constitui um meio de comunicação muito importante, porque se difunde por toda a pele. Os sensores táteis e cinestésicos processam a temperatura, pressão, dor, posturas, movimentos. Através do tato, o ser humano inicia a exploração do mundo interno e externo (KLAUS e KENNEL,1982 apud FREITAS, 2006). O olfato é um meio de comunicação associado às situações de prazer, desprazer e sobrevivência. O olfato está ligado ao mundo dos cheiros, potentes meios de orientação espacial à noite. Através desse sentido, pode construir mapas territoriais e topográficos que permitem perambulações na escuridão e planificações mentais das ações. O olfato está ligado à audição, e desencadeia 17 Fonte: Guimarães e Romanelli (2006) 58 processos de atenção seletiva e comparativa. O odor entra diretamente no cérebro, sem passar pelo tálamo. Por isso, provoca recordações e associações fortes. Muitas mensagens são emitidas ou recebidas mais rapidamente pelo cheiro, do que por expressões vocais, gestuais ou verbais (LURIA, 1966 apud FREITAS, 2006). O gosto lida com várias substâncias e os seres humanos demonstram preferências por sabores de determinados alimentos sólidos ou líquidos, aos quais estão associadas situações positivas de interação e de satisfação. O gosto representa um canal de comunicação não-verbal de grande importância na comunicação, pois em torno da mesa a dinâmica interativa é de grande importância, pela dimensão afetiva e gregária subentendida (LURIA, 1973 apud FREITAS, 2006). A audição é o órgão especializado para receber vocalizações. A audição se caracteriza por ser um sentido pluridirecional, ininterrupto e seqüencial. Trata-se de um sistema sensorial de fundo, básico para a compreensão situacional, para a compreensão da linguagem falada (LURIA, 1973 apud FREITAS, 2006). A visão assume um papel de vigilância, de alerta, de atenção e de prontidão para a comunicação, maior do que outro órgão dos sentidos pode desempenhar. A visão é um telerreceptor unidirecional, descontínuo (os olhos podem fechar) e simultâneo, um sentido de figura básico para lidar com ângulos, linhas distâncias, profundidades, diferentes intensidades luminosas, diferentes perspectivas, posições, orientações e projeções virtuais ímpar para analisar e simplificar (VYGOTSKY, 1987 apud FREITAS, 2006). A visão desempenha a principal função no desenvolvimento motor e lingüístico ao longo da evolução humana. O sistema visual é considerado o sentido humano mais completo. O artista plástico Leonardo da Vinci relatou que a visão é o sistema que resulta de uma hierarquia, composta pelos subsistemas de aprendizagem como: antigravídico, que é postural e vestibular; corporal, lateralização e direcionalidade; somatognósico, responsável pela identificação; e finaliza com o lingüístico (VYGOTSKY,1987 apud FREITAS, 2006). 59 5.8 As disfunções cerebrais e a aprendizagem As disfunções cerebrais e as lesões interferem no processamento das informações envolvidas na aprendizagem, como: a recepção, que ocasiona problemas perceptuais; a integração, que implicam nas dificuldades na retenção; a memória e a elaboração; e expressão, surgindo distúrbios na ordenação, seqüencialização, planificação e execução (JOHNSON e MYKLEBUST, 1983 apud MORETTI e MARTINS, 1997). Essas implicações resultarão em dificuldades de aprendizagem para o aprendente. Dentro das perturbações neurogênicas que podem produzir alterações no aprendizado, destacam-se os transtornos das integrações funcionais básicas (visomotora e auditivo-visual), do esquema corporal, da orientação espacial, do ritmo, da coordenação motora fina, da lateralidade, da função análise e síntese, da integração das partes em um todo, da simbolização, da linguagem em seus diferentes aspectos, dos impulsos, da atenção e da memória (Guardiola, 1998). 5.9 O papel do lúdico na aprendizagem A palavra lúdico é utilizada para indicar o processo de jogar, brincar, representar e dramatizar como condutas semelhantes à vida infantil. O lúdico é importante no processo de aprendizagem, pois envolve todas as dimensões da aprendizagem, seja de âmbito social, psicológico e pedagógico. As atividades lúdicas envolvem três funções, de acordo com Ferreira (2003): Função socializadora: através do lúdico a criança desenvolve hábitos de convivência em grupo; Função psicológica: através de jogos a criança aprende a controlar /dominar seus impulsos; Função pedagógica: o jogo permite trabalha com a interdisciplinariedade, com a heterogeneidade, e possibilita trabalhar o erro de forma positiva, desenvolvimento. fazendo a criança ser ativa no seu processo de 60 As atividades lúdicas e o jogo auxiliam no desenvolvimento da capacidade perceptiva de discriminar, analisar, sintetizar, reconhecer e armazenar estímulos, e conseguem estabelecer relações com a manipulação de objetos e com a elaboração de respostas simples, compostas e complexas. O reconhecimento do objeto (contorno, forma, comprimento, largura, orientação, etc.) é inseparável da sua manipulação, motivo pelo qual a percepção envolve reciprocamente um componente motor (processo perceptivo-motor) (FONSECA, 1995). Para Ferreira (2003), as atividades lúdicas e a expressividade artística e os estímulos para desenvolver as habilidades mentais, como a leitura, operações matemáticas, entre outras atividades, estimulam as conexões entre os neurônios, seja em indivíduos normais ou nos portadores de transtornos ou disfunções cognitivas, motoras ou emocionais. As conquistas relacionadas aos processos cognitivos, motores, físicos e sociais se tornam gratificantes ao final do estágio, embora seja indispensável a integração e cooperação da família, da escola e dos demais profissionais envolvidos no atendimento clínico. Segundo Vygotsky (1988), Piaget (1990), Winnicotti (1971) apud Ferreira (2003), o jogo está presente em todas as fases de desenvolvimento do ser humano. Essa atividade pode desempenhar um papel de fundamental importância na educação, principalmente na educação infantil e pode englobar o desenvolvimento físico, psicomotor, cognitivo, afetivo e social. No entanto, Chateau (1987) apud Pinto (2008) adverte que a educação não deve se limitar somente ao jogo, pois isso levaria o indivíduo a viver num mundo ilusório, e reforça que o jogo é apenas considerado como uma preparação para o trabalho, exercício, propedêutica. Essa teoria fundamenta-se nas relações mútuas entre jogo e trabalho; de acordo com Chateau, o ato de jogar exige um esforço muito grande, e quase sempre tem como objetivo cumprir uma tarefa; portanto, o jogo é um dever tanto quanto uma tarefa escolar; e desta forma, o jogo passa a ter um caráter moral. Além disso, o jogo e o trabalho possuem valores sociais. Jogando, a criança entra em contato com outras crianças, passa a respeitar os diferentes pontos de vistas, e isso irá favorecer a saída de seu egocentrismo original (PINTO, 2008). 61 As atividades lúdicas e os jogos, bem como experiências vivenciadas pelas crianças, estimulam a plasticidade cerebral, a qual é influenciada pela estimulação periférica do cérebro, cuja função é responder aos estímulos. Dessa forma o cérebro exibe o crescimento de conexões neuronais, o que leva a concluir que crianças educadas em ambientes sensorialmente ricos apresentam melhores chances de desenvolver a memória e a cognição, e conseqüentemente melhoram a eficácia do processo de aprendizagem (CARDOSO e SABATINI, 2001). A atividade lúdica torna-se uma grande aliada no atendimento psicopedagógico, e proporciona uma maneira prazerosa e eficiente de minimizar as dificuldades de aprendizagem. 5.10 O processo de ensino-aprendizagem e o fracasso escolar Para BORUCHOVITCH (1999): “A crença de que todo aluno, em princípio, tem o potencial de se tornar um aprendente bem sucedido e auto-regulado, a consciência de que "ensinar a aprender" e "aprender a aprender", embora sejam investimentos à longo prazo, são possíveis e estão totalmente dentro dos limites educacionais e a importância concedida ao ensino de estratégias de aprendizagem para a melhoria do desempenho escolar de alunos, constituem-se nas principais contribuições da Psicologia Cognitiva baseada na Teoria do Processamento da Informação para a educação.” Para ser um aluno de bom rendimento escolar é preciso, entre outras coisas, que se tenha consciência dos seus próprios processos mentais e do seu próprio grau de compreensão (HOLT, 1982 apud BORUCHOVITCH, 1999). As teorias recentes de aprendizagem se preocupam com a interação entre o material a ser aprendido e os processos psicológicos necessários para aprender, enfocando a maneira como o aprendente obtém, seleciona, interpreta e transforma a informação (PFROMM NETO, 1987 e POZO, 1996 apud BORUCHOVITCH, 1999). A experiência com o fracasso escolar é social e historicamente produzida; a resolução do “problema de aprendizagem” do indivíduo que sofre por não saber ocorre através da intervenção do educador inclusivista, aquele que consegue lidar com as demandas sempre diferenciadas de cada uma das 62 crianças, adolescentes, adultos e até mesmo idosos na escola, criando modos ou alternativas de intervenção (PINEL e COLODETE, 2005). Esses autores acreditam que a neuropsicológica é um instrumento essencial para os educadores, psicopedagogos e outros profissionais ligados às áreas de reabilitação cognitiva, que pode subsidiar uma ação pedagógica mais eficiente e minimizar os impactos das dificuldades de aprendizagem. 63 6 AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA “Desde a Antiguidade até Broca, a demonstração das primeiras localizações corticais exigia poucos instrumentos especializados: apenas os necessários para abrir o crânio e por nu o cérebro. Bastava a vista para observar, mas evolui o cuidado com que se inspeciona e principalmente se interpreta.” - Jean-Pierre Chargeau, 1991 6.1 A importância da avaliação neuropsicológica No passado, o estudo da correlação clínico-anátomo-funcional era realizado a partir de estudos das necropsias de indivíduos, portadores de características clínicas suspeitas de anomalias ou disfunções cerebrais. Essa prática era viabilizada, na época, através da abertura do crânio, ou então pelos materiais colhidos após as neurocirurgias. Esses métodos eram considerados rudimentares, para poder avaliar e compreender uma área tão complexa como a novata área chamada de neuropsicologia (CHARGEUX, 1991). Para Cunha (1993) apud Ambrózio et al. (2005) , inicialmente, o objetivo da avaliação neuropsicológica era localizar as lesões cerebrais focais. Atualmente, essa técnica baseia-se em situar dinamicamente as funções, para investigar as funções corticais superiores, como a atenção, a memória, a linguagem, a percepção. Thiers et al. (2005) completa relatando que a avaliação neuropsicológica pode ser utilizada como meio de estudo prático do cérebro humano, para elaboração de um diagnóstico tópico, precoce e preciso das patologias cerebrais e de alterações das funções superiores neurofisiológicas. Essa avaliação pode ser feita através de neurocirurgias e das técnicas de neuroimagem. Nesse caso, o objetivo da neuropsicologia é buscar a relação entre o funcionamento cerebral e as funções cerebrais complexas ou superiores, como a percepção, a memória, a linguagem, a atenção, e outras, as quais podem estar relacionadas com as neuropatologias, e também com as dificuldades de aprendizagem. A avaliação neuropsicológica é indicada em situações clínicas, em que se suspeite de algum déficit cognitivo ou comportamental relacionado ao 64 funcionamento do cérebro. Os exemplos desses casos clínicos são: Síndrome de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH); Demência; Lesão Cerebral Traumática; Acidentes Vasculares; Quadros Epiléticos; Doenças com Tratamento Médico; Efeitos de Substâncias Tóxicas (drogas); Dificuldades de Aprendizagem (PINEL e COLODETE, 2005; LIN, 2006). Esses autores indicam que os objetivos, desse tipo de avaliação consistem em investigar a extensão e a gravidade desses casos clínicos e estabelecer inter-relações entre eles; determinar como eles afetam o funcionamento geral do indivíduo, e também, correlacionar déficits específicos com a neuropatologia. De acordo com Ambrózio et al. (2005), a avaliação neuropsicológica é recomendada nos casos clínicos de ocorrência de disfunções e lesões cerebrais, bem como no atendimento de indivíduos que apresentem sinais de dificuldades de aprendizagem. Nesses casos, os exames neuropsicológicos dão suporte para a formulação do diagnóstico clínico e acompanhamento dos indivíduos, do encaminhamento de documentação sobre o estado do paciente; na reabilitação cognitiva, e também em pesquisas clínicas. 6.2 Diagnóstico e intervenção neuropsicológica Pinel e Colodete (2005) esclarecem que o diagnóstico, ou seja, o diagnóstico clínico deve ser realizado por uma equipe multidisciplinar, geralmente composta por um professor alfabetizador; um pedagogo escolar; um psicopedagogo clínico institucional; psicólogos: clínico, psicanalista, comportamentalista, neurologista, cognitivista, neuropediatra; psicomotricista; fonoaudiólogo. médico: Esses clínico geral, profissionais são responsáveis pela escolha e planejamento da intervenção mais adequado para o paciente; que podem ser medicamentosa, pedagógica, psicopedagógica, psicológica, ou uma associação delas. Esses autores ainda citam que o neuropsicólogo pode abordar aspectos que englobam pesquisas da cognição, das emoções, da personalidade e do comportamento, focalizando-se funcionamento cerebral. na relação entre esses fatores e o 65 De acordo com LNI (2006), para avaliação neuropsicológica são utilizados instrumentos padronizados, com o objetivo de avaliar as funções neuropsicológicas, as quais englobam as habilidades de atenção, percepção, linguagem, raciocínio, abstração, memória, aprendizagem, habilidades acadêmicas, processamento da informação, emoções, funções motoras e executivas. O atendimento neuropsicológico possibilita planejar estratégias de intervenção clínica, para melhorar a vida do paciente, buscando com isso a minimização dos impactos negativos, que são relacionados às lesões decorrentes de traumas físicos (acidentes) ou psicológicos; resultadas de alguma disfunção orgânica, ou que sejam provenientes de dificuldades de aprendizagem (PINEL e COLODETE, 2005). A reabilitação neuropsicológica permite elaborar e conduzir as intervenções recomendadas, junto ao paciente, para desse modo contribuir para melhorar, compensar, contornar ou adaptar esses indivíduos às dificuldades. Outro aspecto importante desse atendimento neuropsicológico é a prestação de assistência aos familiares, para que colaborem como parte desse processo de reabilitação do paciente; junto às equipes multidisciplinares e instituições acadêmicas (LNI, 2006). Esse autor ainda afirma que o atendimento neuropsicológico busca a promoção da cooperação na inserção ou re-inserção desses indivíduos na sociedade, dentro do possível. Dessa forma, todos os envolvidos no processo da reabilitação neuropsicológica participarão da adaptação individual e familiar, quando as mudanças nas capacidades assim exigir, sendo em quadros clínicos permanentes, em curto prazo ou em longo prazo. Antunha (2002) relata que a neuropsicologia infantil tem como objetivo identificar precocemente comportamental; alterações identificar quais do as desenvolvimento funções cerebrais cognitivo que e foram comprometidas e checar se estão preservadas. A avaliação neuropsicológica é feita através de instrumentos adequados e da aplicação de testes neuropsicológicos específicos, e para isso utilizam escalas para avaliação do desenvolvimento do indivíduo. Para Pinel e Colodete (2005), a criança pode passar por exames neuropsicológicos clássicos, mas o psicopedagogo, em parceria com os 66 educadores, é que deve refletir sobre as estratégias de aprendizagem, e repensar o desempenho acadêmico do aprendente, e desse modo poder intervir, a fim de provocar mudanças efetivas de âmbito afetivo, cognitivo e social para melhorar a vida do indivíduo. A avaliação psicológica auxilia na avaliação neuropsicológica, no atendimento dos indivíduos portadores ou não de transtornos e/ou seqüelas, que envolvam o cérebro e a cognição. Para tal, são utilizados modelos de pesquisa clínica e experimental, no que se refere ao funcionamento normal ou patológico da cognição, assim como o estudo da interação com outras áreas das neurociências, da medicina e da saúde (LIN, 2006). De acordo com Costa et al. (2004), é importante analisar a performance completa do paciente, em todo o processo, e confrontá-la com outros exames. Os resultados dos exames neurológicos, de neuroimagem, neurofisiológicos e neuropsicológicos devem ser discutidos e avaliados por uma equipe multidisciplinar. Esses autores sugerem que, a respeito dos resultados quantitativos obtidos através dos testes neuropsicológicos, deve ser feita uma análise qualitativa minuciosa aos estudos das funções intelectuais implicadas em cada um dos itens referentes a cada prova, permitindo, desse modo, que se estabeleça uma relação entre função/disfunção e a localização da área cerebral afetada. Após uma análise criteriosa será possível estabelecer as recomendações e as condutas sugeridas ao programa de reabilitação neuropsicológica do paciente, e dessa forma colaborar com a investigação clínica. 6.3 Técnicas de neuroimagem A possibilidade de gerar lesões cerebrais virtuais temporárias, através da técnica de modulação cortical não-invasiva e indolor abrem novas perspectivas para o desenvolvimento da neuropsicologia, na tentativa de encontrar relação entre as lesões e os diversos aspectos da cognição e do comportamento (BOGGIO et al., 2006). Esses autores esperam que o avanço tecnológico e científico permita a sofisticação dos métodos de avaliação neuropsicológicos, principalmente os de 67 neuroimagem. A seguir estão relacionadas às principais técnicas de neuroimagem utilizadas para a avaliação funcional do cérebro, de acordo com Boggio et al. (2006). Tomografia Computadorizada (TC): introduzida na década de 70, possibilita a identificação e a diferenciação de várias entidades clínicas que englobam os distúrbios cognitivos; Ressonância Magnética (RM): surgiu no final da década de 80, ampliam as possibilidades para obter imagens através da análise estrutural multiplanar do encéfalo, da formação de imagens tridimensionais, e de métodos de volumétrica; Espectroscopia por Ressonância Magnética: permite a detecção da atividade metabólica cerebral através do espectro de atividade de substâncias como N-acetil-aspartato (NAA), o qual é considerado um marcador da atividade neuronal normal; Ressonância Magnética Funcional (RMF): permite o mapeamento do fluxo sangüíneo cerebral regional, durante o repouso, e durante a ativação, proporcionando alta resolução de imagens; Tomografia por Emissão de Fóton Único (SPECT): permite a quantificação indireta do metabolismo cerebral, através da mensuração do fluxo sangüíneo regional, e possibilita realizar estudos seriados, e dessa forma poder monitorar a evolução da doença; Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET): detecta a utilização metabólica cerebral regional da glicose e do oxigênio através da captação da atividade de radiofármacos de Carbono, Nitrogênio, flúor e Oxigênio. O seu alto custo operacional restringe sua utilização prática mais ampla; Estimulação Magnética Transcraniana (EMT): é utilizada para investigar as correlações entre as funções cognitivas e as áreas corticais específicas. Os estudos nessa área servem de base para o aprofundamento do conhecimento sobre as correlações entre cognição e córtex, e fornecem informações importantes para o desenvolvimento de estudos clínicos. A EMT associada aos métodos de neuroimagem traz novas perspectivas e possibilidades ao campo da neuropsicologia, e assim pode contribuir de forma efetiva para as novas descobertas na área da cognição humana; 68 Morfometria Baseada em Voxels (MBV): é uma técnica automática, fornece uma avaliação voxel-a-voxel de anormalidades regionais, da substância cinzenta e da branca, distribuídas no cérebro humano, sem que seja necessária uma hipótese, a priori, sobre sua localização (ASHBURNER, 2000 apud ZILBOVICIUS at al., 2006). Os aspectos das diferentes modalidades de imagem devem sempre ser associados aos dados fornecidos pela avaliação clínica, neuropsicológica e laboratorial, e assim poder garantir a sensibilidade e a especificidade na detecção das alterações dos processos mentais superiores. Dessa forma, é possível ampliar os conhecimentos sobre a funcionalidade do cérebro humano, e poder investigar cada fase do seu desenvolvimento ou envelhecimento (ROCHA et al., 2004b). Esses autores ainda citam que as novas técnicas de neuroimagem, assim como os inúmeros estudos de pesquisa contribuem para o esclarecimento das estruturas e do funcionamento cerebral, os quais estão relacionados à fisiopatologia dos transtornos neuropsiquiátricos. Esses desenvolvimentos mantêm as expectativas de que a neuroimagem também seja utilizada na prática clínica psiquiátrica, com a finalidade de auxiliar no diagnóstico e no atendimento dos pacientes. De acordo com Weight e Bigler (1998) apud Rocha et al. (2001b), os estudos neuropsicológicos associados à neuroimagem permitem avanços para a compreensão dos resultados neuroanatomofuncionais dos transtornos psiquiátricos. Podem ser destacados três tipos de exames, de acordo com seus objetivos, a saber: Tomografia Computadorizada (TC) e a Ressonância Magnética (RM): avaliam alterações estruturais do cérebro; Ressonância Magnética Funcional (RMF), a Tomografia por Emissão de Pósitron (PET) e a Tomografia por Emissão de Fóton Único (SPECT): geram imagens que descrevem o estado funcional e metabólico do cérebro como um todo e de determinadas regiões, e permite, assim, a investigação sem a utilização de métodos invasivos; Ressonância Magnética Estrutural: realiza exame anatômico de imagem cerebral. É utilizada para diagnosticar anomalias cerebrais, que podem relacionar-se aos vários transtornos de neurodesenvolvimento. Dessa forma, 69 essa técnica contribui para uma melhor compreensão das relações entre o cérebro e o comportamento humano, durante o desenvolvimento da criança normal e anormal, que apresentem lesões ou disfunções cerebrais (ZILBOVICIUS et al., 2006). Os sintomas característicos dos transtornos mentais podem ocasionalmente representar a primeira manifestação de doenças cerebrais orgânicas, como tumores e doenças cerebrovasculares; solicita-se, na prática clínica, um exame de neuroimagem como TC ou RM na vigência do primeiro surto psicótico; de outros quadros psiquiátricos iniciados fora da faixa etária usual com apresentação clínica e curso atípicos e/ou má resposta a tratamento; de déficits cognitivos intensos e não-compatíveis com os demais dados de apresentação clínica; de síndromes catatônicas ou delirium; e de sinais focais neurológicos ao exame clínico e história de trauma encefálico grave (ROCHA et al., 2001b). Esses autores esperam que o aprimoramento dos equipamentos para obtenção de imagens cerebrais e dos métodos existentes para avaliação dos resultados, sejam acelerados; e existe a possibilidade futura, de que esses desenvolvimentos possam aumentar a aplicação em diagnóstico psiquiátrico, através das técnicas de neuroimagem. 6.4 Testes neuropsicológicos Para Antunha (2002), as baterias de testes neuropsicológicos adaptados para crianças são em número bastante reduzido e devem contemplar os seguintes aspectos: A organização e o desenvolvimento do sistema nervoso da criança; A variabilidade dos parâmetros de desenvolvimento entre crianças da mesma idade; A estreita ligação entre o desenvolvimento físico, neurológico e a emergência progressiva de funções corticais superiores. De acordo com LNI (2006), os testes laboratoriais na avaliação neuropsicológica são os mais diversos, e podem ser adaptados às diferentes necessidades de estudo e de investigação. Os principais testes estão relacionados na Tabela 9. 70 Tabela 9. Testes neuropsicológicos18 Testes neuropsicológicos 01 Alterações da Orientação (temporal e/ou espacial) 02 Alterações de Raciocínio (curso, forma e conteúdos do pensamento) 03 Avaliação de Alterações da Memória (quantitativas: hipermnésias e hipomnésias (psicogénicas e orgânicas) e qualitativas; transtornos do conhecimento (agnósias e transtornos de reconhecimento) 04 Avaliação da Capacidade de Comunicação: discurso e linguagem 05 Avaliação da Capacidade de Insight e Juízo Crítico (estudo de alterações e perturbações) 06 Avaliação das Capacidades de Sensopercepção 07 Avaliação de Competências Sociais 08 Avaliação da Eficiência Intelectual e Nível do Raciocínio 09 Avaliação do Estilo Cognitivo 10 Avaliação da Inteligência Linguística 11 Avaliação Neuropsicológica Integral ou Focalizada 12 Avaliação do Padrão Pessoal de Pensamento (Estilo de Pensamento) 13 Avaliação do Perfil da Personalidade 14 Avaliação do Potencial de Aprendizagem 15 Atividades Psíquicas Compostas 16 Capacidade de Orientação Autopsíquica e Alopsíquica 17 Diagnóstico de Perturbações da Linguagem: afasias, agrafias, alexias e acalculias (dislexias, discalculias, etc) 18 Diagnóstico da Síndrome de Hiperatividade 19 Diagnóstico de Sobredotação e sua Categorização 20 Ecograma 21 Estudo de Alterações Quantitativas e Qualitativas da Sensopercepção 22 Estudo da Capacidade da Atenção (detecção de Perturbações e Déficits) 23 Estudo das Capacidades de Memorização segundo a natureza dos estímulos (auditivos, etc), o tipo de função (verbal, espacial, etc) e a modalidade cognitiva: operativa, semântica e episódica 24 Exames de Avaliação Psicológica Global 25 Insucesso Escolar: Dificuldades de Aprendizagem 26 Motivação, Iniciativa e Vontade (alterações do processo volitivo, impulsividade e compulsões) 27 Testes de Avaliação das Competências Emocionais 28 Testes de Criatividade Esses testes são padronizados para a avaliação das funções neuropsicológicas percepção, envolvendo linguagem, principalmente raciocínio, abstração, habilidades memória, de atenção, aprendizagem, habilidades acadêmicas, processamento da informação, viso-construção, afeto, funções motoras, planificação e organização; resolução de problemas e 18 Fonte: LNI (2006) 71 capacidade de conceitualização; habilidades de aprendizagem e inteligência (AMBRÓZIO et al., 2005; LIN, 2006). De acordo com Costa et al. (2004), os resultados quantitativos devem contemplar os resultados dos testes psicológicos, como o QI (quociente de inteligência); enquanto os sub testes checam as capacidades mentais, que em conjunto revelam a capacidade global da criança. Esses autores ainda citam que os resultados quantitativos refletem a maturidade conceitual e o nível cognitivo dos pacientes em estudo, enquanto os resultados qualitativos expressam os principais ganhos e potencialidades. A avaliação atua na detecção precoce de distúrbios do desenvolvimento, tanto da aprendizagem infantil, quanto nos causados pelo envelhecimento natural do organismo. 6.5 Avaliação das funções neuropsicológicas Andrade et al. (2004), afirmam que é necessário conhecer os procedimentos e as variáveis relacionadas à compreensão do processo de avaliação neuropsicológica, as quais estão descritas a seguir. Utiliza-se um check-list, que consiste numa descrição de suas funções cognitivas. Deve-se fazer a análise quantitativa e qualitativa dos testes aplicados a avaliação dessas funções, pois assim possibilita identificar as dificuldades e potencialidades cognitivas das crianças em estudo; Através de escalas e testes, que caracteriza a evolução ao longo do desenvolvimento O objetivo dessa avaliação é determinar o nível da evolução específica da criança, ao longo de seu desenvolvimento; Os testes de avaliação incluem provas que visam determinar o nível de desempenho de: habilidades perceptivas e motoras; atenção, memória e aprendizagem; planificação e organização; resolução de problemas e capacidade de conceitualização; habilidades de aprendizagem; inteligência; A avaliação neuropsicológica é recomendada nos casos de lesões e disfunções cerebrais. Os exames neuropsicológicos podem então servir para: formulação de diagnóstico; acompanhamento e documentação do estado do paciente; na reabilitação cognitiva e na pesquisa clínica. 72 A importância desse tipo de avaliação é que ocorre a preservação e detecção precoce de distúrbios do desenvolvimento/aprendizado, que indica o ritmo e a qualidade do processo e possibilita um mapeamento qualitativo e quantitativo das áreas cerebrais e suas interligações (sistema funcional), visando com isso, realizar intervenções terapêuticas precoces e precisas (AMBRÓZIO et al., 2005). 6.6 Avaliação das funções do córtex cerebral Para a avaliação das funções "frontais", ou funções executivas, que se localizam no córtex cerebral, é necessário conhecer as etapas evolutivas dessa estrutura, isto é, do seu processo de maturação. Esse processo está relacionado às etapas de desenvolvimento da criança (COSTA et al., 2004). Esses autores relatam que a avaliação do lobo frontal é difícil de ser realizada, pois envolve funções mais complexas e pouco conhecidas. Entre as diversas funções do lobo frontal está a plasticidade do pensamento, a capacidade de julgamento, a habilidade de produzir idéias diferentes, a organização da informação, a capacidade de dar respostas adequadas aos estímulos, de estabelecer e trocar estratégias, e de planejar uma ação. O córtex motor primário está associado ao movimento de mãos e da face. As funções associativas deste lobo estão relacionadas com o planejamento. Ele está relacionado ao raciocínio, ao planejamento, às partes da fala e do movimento (córtex motor), às emoções e á solução de problemas. A avaliação dessas habilidades foi descrita por Costa et al. (2004): Avaliar a capacidade de manter a atenção concentrada, sem sofrer interferências de respostas não-exigidas no momento; Medir a modulação de respostas impulsivas, a direção do comportamento, as habilidades em desenvolver e manter uma estratégia na solução de um problema, apesar das mudanças de contingência, a flexibilidade, o planejamento, a organização, a ineficiência de conceitualização inicial e a dificuldade em encontrar soluções para problemas cotidianos, bem como o nível de perseverança, que vem a ser o problema que muitas pessoas têm de ficar remoendo um mesmo assunto ou repetindo um mesmo comportamento motor. Pode ser aplicado a partir dos seis anos de idade; 73 Diversos subtestes de inteligência também auxiliam na investigação de disfunções frontais, tais como analogias, compreensão, códigos. Para avaliar os lobos parieto-occipitais deve-se observar: As funções relacionadas às habilidades vísuo-espaciais, organização vísuo-espacial (percepção) e planejamento; As habilidades percepto-vísuo-espaciais, a atividade perceptiva e a memória, para checar maneira que o indivíduo apreende os dados perceptivos que lhe são apresentados e o que foi conservado espontaneamente pela memória; O desenvolvimento de crianças nas idades de 1a 42 meses. Esse teste é dividido em três escalas: motora, mental e de comportamento, com quociente de desempenho para cada área. As três escalas são consideradas complementares, tendo cada uma sua importância na avaliação da criança; A escala mental avalia aspectos relacionados ao desenvolvimento cognitivo e à capacidade de comunicação: capacidade de discriminar formas, atenção, habilidade motora fina, compreensão de instruções, nomeação, resolução de problemas e habilidades sociais; A escala motora avalia o grau de coordenação corporal: como sentar, levantar, caminhar, subir e descer escadas, e motricidade fina das mãos e dedos; A escala comportamental avalia os aspectos qualitativos do comportamento da criança durante o teste, tais como atenção, compreensão de orientações, engajamento frente às tarefas, regulação emocional, entre outros; Para compreender as perturbações pode-se realizar através do teste psicométrico de Wechsler (WAIS). Esse teste permite avaliar o quociente intelectual verbal, o qual corresponde às funções cognitivas gerenciadas no destro pelo hemisfério esquerdo, e que permite a localização de lesão (MCFIE, 1975 apud GIL, 2002). 74 6.7 Avaliação da dominância cerebral De acordo com Gil (2002), a dominância cerebral pode ser identificada através de exame neuropsicológico chamado Wada - que consiste na aplicação de uma injeção intracarótídea de amital sódico. Nesse teste, um anestésico de ação rápida é injetado na artéria carótida esquerda ou direita; a esquerda fornece sangue para o lado esquerdo do cérebro e vice-versa. O exame de eletroencefalográfico auxilia na identificação da dominância cerebral. O Teste de Wada também é utilizado como procedimento antes de neurocirurgias. Esse teste permite identificar, previamente, qual dos hemisférios é dominante para a linguagem. Isso possibilita que o neurocirurgião evite danos às áreas da fala. Desse modo, um dos hemisférios pode ser anestesiado temporariamente para se testar a linguagem. Caso o hemisfério esquerdo seja o responsável pela linguagem, quando ele fica anestesiado no teste de Wada, o paciente não consegue falar. Caso contrário o paciente vai conseguir falar e responder perguntas, mesmo que apenas um dos hemisférios esteja funcionando (CHUDLER, 2007). 6.8 Avaliação da lateralização A avaliação da lateralização das lesões cerebrais pode ser indicada através de mensurações de força, velocidade e coordenação das extremidades superiores, como uma forma de comparar as habilidades de cada hemicampo; avaliação de assimetria visual, auditiva e tátil; e também do monitoramento dos processos perceptuais e de memória (THIERS et al., 2005). 6.9 Avaliação da memória A neuropsicologia permite avaliar a capacidade de aprendizado de funções da memória através dos seguintes testes: Teste de Aprendizado Auditivo Verbal de Rey (Rey Auditory Verbal Learning Test – RAVLT); Teste de Aprendizado Visual de Desenhos de Rey (Rey Visual Design Learning Test – RVLT). 75 Esses testes envolvem o aprendizado através da repetida exposição ao material a ser recordado. Eles são mais sensíveis para detectar prejuízos de memória do que os testes apresentados somente uma vez. Para avaliar a memória, pode-se usar o instrumento chamado de WRAML - Wide Range Assessment of Memory ad Learning – Short Form. É um instrumento psicométrico, destinado a avaliar a capacidade de aprender e de memorizar ativamente vários tipos de informação. É utilizado para checar memória visual, aprendizado verbal, e memória para histórias, em pacientes da faixa etária entre 5 e 17 anos. 6.10 Avaliação da inteligência Para Costa et al. (2004), a avaliação da inteligência, de forma global, foi padronizada para a população brasileira pela bateria de provas de raciocínio, a qual oferece estimativas do funcionamento cognitivo geral e das habilidades do indivíduo em cinco áreas específicas: raciocínio abstrato, verbal, espacial, numérico e mecânico. Este instrumento auxilia nas tomadas de decisões, sustentadas na avaliação das aptidões e raciocínio geral, assim como na avaliação das dificuldades de aprendizagem. De acordo com Antunha (2002), a neuropsicologia infantil tem por objetivo identificar precocemente alterações no desenvolvimento cognitivo e comportamental. As baterias de testes neuropsicológicos, adaptados para crianças, são bastante reduzidas e devem contemplar: a organização e o desenvolvimento do sistema nervoso da criança; a variabilidade dos parâmetros de desenvolvimento entre a mesma idade; a estreita ligação entre o desenvolvimento físico, neurológico e a emergência progressiva de funções corticais superiores. O objetivo dos testes de inteligência é medir as habilidades essenciais para o desempenho acadêmico de crianças. Os testes utilizados para a avaliação neuropsicológica da inteligência foram descritos por Costa et al. (2004), e estão indicados a seguir. O Stanford-Binet4 foi o primeiro nos Estados Unidos. Adaptado das escalas originais de Binet-Simon, baseia-se maciçamente no desempenho 76 verbal abrange desde os 2 anos até a idade adulta (23 anos). Esse teste fornece a idade mental e um quociente de inteligência (QI) da criança; As escalas Wechsler de inteligência: o padrão-ouro internacional para a quantificação das capacidades intelectuais são as escalas Wechsler de inteligência, subdivididas pela faixa de idade. Consistem em uma série de perguntas e respostas padronizadas, que possibilita medir potencial do indivíduo, em áreas intelectuais diferentes, como o nível de informação sobre assuntos gerais, a interação com o meio ambiente e a capacidade de solucionar problemas cotidianos; O teste WPPSI5 (do inglês Wechsler Preschool and Primary Scale of Intelligence - Escala de Inteligência Wechsler para Pré-Escolares e para Primário) é uma versão para crianças menores das escalas Wechsler. Esse teste permite avaliar a inteligência de crianças entre 4 e 6,5 anos. É composto por seis subtestes verbais e cinco testes de natureza manipulativa. A aplicação de cinco subtestes de cada uma das subescalas (verbal e de execução) é suficiente para uma análise fidedigna. Essa escala permite obter algumas informações sobre a organização do comportamento da criança; O WISC-III6 (Wechsler Intelligence Scale for Children III - Escala de Inteligência Wechsler para Crianças-III) é a escala mais usada para avaliar a inteligência de crianças e abrange as idades de 6 anos a 16 anos, 11 meses e 30 dias. Fornece escores nas escalas verbais e de execução, e um QI de escala total. Incluem tarefas de diferentes tipos, permite observar as dificuldades da criança e suas habilidades. É importante salientar que crianças com dificuldades motoras em geral são penalizadas neste teste, portanto ele não é recomendado para esse caso; O sub teste Cubos do WISC-III: permite averiguar a capacidade de análise, síntese e planejamento de coordenadas vísuo-espaciais e a praxia construtiva. Pede-se ao sujeito que reproduza, com cubos de faces coloridas, desenhos que lhe são mostrados. Para cada modelo é estipulado um prazo limite para execução. Embora o QI não seja uma medida para localizar disfunções cerebrais, o resultado de QI contribui para dar maiores informações sobre o nível geral de funcionamento do paciente e, assim, servir de referência para outras funções mais específicas, como memória, linguagem; 77 Os testes Stanford-Binet, o WISC-III e o WIPPSI são administrados individualmente para cada indivíduo. 6.11 Avaliação do desenvolvimento neurossensório motor De acordo com Ferreira (2003), para avaliar o perfil neurossensóriomotor é necessário conhecer os elementos que o compõem, e também o esquema corporal, a lateralidade, a interação espacial, a orientação temporal, a coordenação dinâmico-manual, a coordenação visual-motora, o desenvolvimento da linguagem, o desenvolvimento sensorial. Para essa análise é necessário aplicar testes, e fazer análise das características pessoais das crianças em questão. Segundo Coste (1992) apud Sanches et al. (2004), para diagnosticar qualquer disfunção psicomotora ou psicossomática, deve-se considerar os sintomas, órgãos e funções corporais, bem como toda a personalidade, situação social, ambiente cultural e condições afetivas dos indivíduos. 6.12 Abordagem da avaliação neuropsicológica na educação Moretti e Martins (1997) sugerem algumas recomendações a respeito da avaliação neuropsicológica, adaptadas em Luria apud Christensen (1975), e de alguns testes tradicionais utilizados no psicodiagnóstico referentes às dificuldades de aprendizagem e aos transtornos cerebrais em geral, os quais estão listados a seguir. Anamnese com os pais da criança; Entrevista com a criança; Exame Neuropsicológico (Chirstensen, 1975). Para avaliar as funções motoras, organização acústico/motora, função sensitiva, função visual, fala receptiva, fala expressiva, escrita/leitura, aritmética, memória, processos lógicos; Redação com tema livre; Teste Gestáltico Viso-motor de Lauretta Bender (Clawson, 1980); Teste de Imitação de Gestos de Berges/Lezine (Berges e Lezine, 1987); 78 Teste Desenho Estória (Trinca, 1986). As provas selecionadas para avaliação neuropsicológica devem abordar as habilidades verbais e não-verbais, e devem se adequar às faixas etárias das crianças (MORETTI e MARTINS, 1997). Costa et al. (2004) sugere que a respeito das recomendações sobre a avaliação neuropsicológica da criança, deve-se contemplar: Avaliação neuropsicológica através da aplicação de vários testes. Para tanto, sugere-se aplicar mais de um teste para avaliar o indivíduo em mais aspectos; A performance completa do paciente, em todo o processo, deve envolver o exame neurológico, o de neuroimagem e o neuropsicológico. A avaliação psicopedagógica é indicada para os casos que indiquem sinais de dificuldades de aprendizagem; Que todos os resultados da avaliação neuropsicológica devem ser confrontados e abordados por uma equipe multidisciplinar, composta por um professor alfabetizador; um pedagogo escolar; um psicopedagogo clínico institucional; cognitivistas, psicólogos: psicomotricista, clínicos, etc; psicanalista, médico: clínico comportamentalista, geral, neurologista, neuropediatra; fonoaudiólogo, oftalmologista, otorrinolaringologista. O neuropsicólogo é responsável pela escolha dos testes e dos instrumentos a serem utilizados na avaliação neuropsicológica, baseando-se em sua experiência e treinamento específico, no entanto deve ter a consciência de que essa estratégia de avaliação não é absoluta. A interpretação dos resultados deve envolver conhecimento de aspectos cognitivos e afetivos, e englobar fatores que possam interferir no diagnóstico clínico (COSTA et al., 2004; LNI, 2006). 79 7 A PSICOPEDAGOGIA E OS APONTAMENTOS NEUROPSICOLÓGICOS DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM “Talvez nossa sociedade tenha muito menos crianças incapazes de aprender e muito mais ambientes incapazes de ensinar do que hoje percebemos.” - Nicholas Negroponte 7.1 O papel do psicopedagogo O principal trabalho do psicopedagogo é promover a ajuda continuada à criança com dificuldade de aprendizagem, na medida em que representa uma situação protegida de ensino-aprendizagem. Além disso, esse profissional procura dissensibilizar a criança, e dessa forma colaborar para diminuir a ansiedade do aprendente frente à tarefa de aprender, bem como propiciar o desenvolvimento de habilidades, considerando os aspectos ambientais, acadêmicos, afetivos, neuropsicológicos e sociais, e também transmitir conhecimentos (LINHARES, 1998b apud FERRIOLLI et al., 2001). Para esses autores, o psicopedagogo deve trabalhar com uma equipe multidisciplinar, para a elaboração do diagnóstico clínico e planejar a intervenção clínica para o atendimento dos indivíduos que apresentem dificuldades de aprendizagem. Cada profissional utilizará de seus conhecimentos específicos para cuidar de cada aspecto que norteiam as dificuldades de aprendizagem. O psicopedagogo deve promover uma formação permanente, de uma escuta adequada de todos os setores envolvidos, o clínico, o institucional, o familiar, o diálogo com toda a comunidade. Esse profissional deverá orientar os pais e os professores de forma sistemática. A família precisa estar ao lado do aprendente, compartilhar seus mitos, anseios, e expectativas objetivas. A escola deve acompanhar o desempenho acadêmico e também o comportamento social, afetivo e cognitivo do indivíduo. O psicopeddagogo poderá fazer as devidas orientações aos professores quanto aos aspectos de conduta das tarefas, fazendo as devidas adaptações, necessárias a cada paciente, individualmente (FABRÍCIO e SOUZA, 2007). 80 7.2 Definição de dificuldade de aprendizagem De acordo com Nutti (2002), há um contra senso envolvendo a definição de dos termos distúrbio, transtorno, dificuldade e problema de aprendizagem, e geralmente eles têm sido confundidos. Alguns defensores da abordagem comportamental preferem a utilização do termo distúrbio, enquanto os construtivistas parecem ser adeptos do termo dificuldade. A seguir o autor descreve as distinções entre os termos dificuldades, distúrbios e problemas de aprendizagem. Os termos dificuldades e distúrbios de aprendizagem deve se basear na concepção de que o termo dificuldade está associado a problemas de ordem psicopedagógica e/ou sócio – culturais, e é encarado de forma preventiva. Já o termo problema, pode em geral, não está centrado somente na criança, mas geralmente envolve a família, a escola e o contexto em que a criança vivencia. Enquanto que o termo distúrbio está mais vinculado ao aluno, na medida em que sugere a existência de algum tipo de comprometimento neurológico em funções corticais específicas, e é usado recebendo uma abordagem pela perspectiva clínica ou remediada. De acordo com Moojen (1999) apud Nutti (2002) ao lado do pequeno grupo de crianças que apresenta Transtornos de Aprendizagem decorrente de imaturidade do desenvolvimento e/ou disfunção psiconeurológica, existe um grupo muito maior de crianças que apresenta baixo rendimento escolar em decorrência de fatores isolados ou em interação. As alterações apresentadas, por esse contingente maior de alunos, são designadas como “dificuldades de aprendizagem”. Esse autor afirma que esse conceito envolve os atrasos no desempenho escolar por falta de interesse, perturbação emocional, inadequação metodológica ou mudança no padrão de exigência da escola, ou seja, alterações evolutivas normais que foram consideradas no passado como alterações patológicas. Para Schirmer et al. (2004), grande parte das queixas relatadas na clínica pediátrica, neurológica, neuropsicológica e fonoaudiológica infantil 81 refere-se a alterações no processo de aprendizagem e/ou atraso na aquisição da linguagem. Essas autoras acreditam que as dificuldades de aprendizagem estejam intimamente relacionadas a história prévia de atraso na aquisição da linguagem. As dificuldades de linguagem referem-se a alterações no processo de desenvolvimento da expressão e recepção verbal e/ou escrita. Por isso, a necessidade de identificação precoce dessas alterações no curso normal do desenvolvimento evita posteriores conseqüências educacionais e sociais desfavoráveis. 7.3 Aspectos que interferem no processo de aprendizagem De acordo com Pain (1981) apud Rubinstein (1996), os principais Fatores que envolvem as dificuldades de aprendizagem são: ambientais, específicos, orgânicos e psicógenos. Fatores ambientais: relacionados às condições objetivas ambientais que podem favorecer ou não a aprendizagem do indivíduo; Fatores específicos: relacionados à dificuldades específicas do indivíduo, os quais não são passíveis de constatação orgânica, mas que se manifestam na área da linguagem ou na organização espacial e temporal; Fatores orgânicos: estão ligados aos aspectos do funcionamento anatômico, como o dos órgãos dos sentidos e do sistema nervoso central; Fatores psicógenos: é necessário que se faça a distinção entre dificuldades de aprendizagem decorrentes de um sintoma ou de uma inibição. Quando relacionado ao um sintoma, o não aprender possui um significado inconsciente; quando relacionado a uma inibição, trata-se de uma retração intelectual do ego, ocorrendo uma diminuição das funções cognitivas que acaba por acarretar os problemas para aprender. Fernández (1991) também considera que, as dificuldades de aprendizagem são consideradas como sintomas ou fraturas que ocorrem no processo de aprendizagem; os quais abrangem quatro aspectos do indivíduo: o organismo, o corpo, a inteligência e o desejo. A dificuldade para aprender, segundo a autora, seria o resultado da anulação das capacidades e dos 82 bloqueios das possibilidades de aprendizagem de um indivíduo e, a fim de ilustrar essa condição, utiliza o termo inteligência aprisionada. Para a autora, a origem das dificuldades ou problemas de aprendizagem não se relaciona apenas à estrutura individual da criança, mas também à estrutura familiar a que a criança está vinculada. As dificuldades de aprendizagem estariam relacionadas às seguintes causas: Causas externas à estrutura familiar e individual: originariam o problema de aprendizagem reativo, que afeta o aprender, mas não aprisiona a inteligência e, geralmente, surge do confronto entre o aluno e a instituição; Causas internas à estrutura familiar e individual: originariam o problema considerado como sintoma e inibição, afetando a dinâmica de articulações necessárias entre organismo, corpo, inteligência e desejo, causando o desejo inconsciente de não conhecer e, portanto, de não aprender; Tipos de pensamentos derivados de uma estrutura psicótica, os quais ocorrem em menor número de casos; Deficiência orgânica: em casos mais raros. As crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem, em sua maioria, não possuem lesão cerebral, mas sim apresentam dificuldades na aprendizagem acadêmica. Esse fato indica que alguma área do cérebro não funciona tão bem como deveria, ou devido a alguma razão química ou estrutural, ou alguma outra razão ainda não compreendida, o processo neural não pode ser realizado facilmente (GUERRA, 2002). As dificuldades de aprendizagem, em geral, costumam ser atribuídas às variáveis pessoais, como a heterogeneidade ou às lesões cerebrais; às variáveis ambientais, como ambientes familiares e educacionais inadequados; e à combinação interativa de ambos os tipos (NUTTI, 2002). Por outro lado, há crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem, as quais estão associadas aos problemas emocionais como: falta de estímulos suficientes, ausência materna e ou paterna, e uma educação inadequada nas escolas (PINTO apud SALLES et al., 2004). Os transtornos de aprendizagem devem ser diferenciados das dificuldades escolares devido aos fatores indicados: falta de oportunidades, ensino fraco ou fatores culturais; um prejuízo visual ou auditivo pode afetar a 83 capacidade de aprendizagem e deve ser pesquisado; retardo mental, quando as dificuldades de aprendizagem são proporcionais ao nível do funcionamento intelectual (GUERRA, 2002). Outros aspectos que envolvem o fracasso escolar estão relacionados a algumas características específicas do aluno, como por exemplo: o QI (quociente de inteligência) baixo, a subnutrição, a imaturidade, os problemas emocionais, o abandono dos pais, a falta de condições econômicas, a desorganização familiar, e outros correlacionados (MELLO, 1983 e LEITE, 1988 apud BORUCHOVITCH, 1999). Os distúrbios de áreas específicas do sistema nervoso central, relacionadas com a noção do esquema corporal, do espaço e do tempo, constituem as bases neuropatológicas das alterações perceptomotoras ou dispatognósicas, das quais poderiam resultar nos quadros referentes as dificuldades de aprendizagem de linguagem, de escrita (disgrafia) e de cálculos (discalculia) (GUARDIOLA et al., 1998). Esses autores afirmam que nessa linha, as dificuldades de aprendizagem apresentam muitas abordagens, como: neurológico, psicológico, pedagógico e social. Dentro do enfoque neurológico, destaca-se que para que ocorra a aprendizagem exige-se o ato de aprender, e para isso o indivíduo tem que ter as condições necessárias. Guardiola et al. (2001) sugerem que os especialistas - pedagogos, psicólogos, pediatras, neurologistas, psiquiatras e psicopedagogos - devem ficar atentos aos índices de reprovação das crianças, em idade escolar, que apresentem sinais de dificuldades de aprendizagem. Esses autores sugerem que essa ocorrência pode indicar que o processo de aprendizagem está sendo afetado por algum tipo de indicador, como por exemplo: fatores genéticos; afecções sensoriais periféricas - como surdez, cegueira; afecções neurogênicas; retardo mental; afecções médicas gerais - como desnutrição e doenças crônicas; desvantagem sócio-cultural – advindas pela falta de oportunidade, escassa motivação para aprender, lar desorganizado e desestabilizado; e também agravados pelos transtornos pedagógicos - como número excessivo de alunos, inassistência à classe e/ou didática inadequada. 84 Na perspectiva neuropsicológica, a dificuldade de aprendizagem é compreendida como um conjunto de desordens sistêmicas e parciais da aprendizagem escolar, e se apresentam como resultado de uma insuficiência funcional de um ou vários sistemas cerebrais (SALLES et al., 2004) Os sistemas cerebrais têm a responsabilidade de assegurar o surgimento de uma ou várias cadeias interligadas dentro da estrutura psicológica no processo de aprendizagem. Quando ocorrem falhas nesse processo, a aprendizagem se fragiliza e podem se manifestar na forma de sintomas de dificuldade de aprendizagem (SANTANA, 2001 apud SALLES et al., 2004). Esses autores destacam que um pressuposto básico relacionado à abordagem neuropsicológica refere à modularidade, a qual propõe que o sistema cognitivo possui vários módulos ou processadores cognitivos de relativa independência. O dano causado a um módulo, não afeta diretamente, o funcionamento dos demais. Cada módulo – destacando a linguagem oral, leitura, percepção visual, percepção auditiva, memória, decompõem-se em subprocessos. 7.4 Aspectos gerais sobre os diagnósticos das dificuldades de aprendizagem O desempenho escolar depende de diferentes fatores: características da escola (físicas, pedagógicas, qualificação do professor), da família (nível de escolaridade dos pais, presença dos pais e interação dos pais com escola e deveres) e do próprio indivíduo (ARAÚJO, 2002 apud PASTURA et al., 2005). Para Pestun et al. (2002), há necessidade de que um grupo de profissionais participe da investigação e da análise dos déficits funcionais, e dessa forma poder delinear o grau de desempenho da criança, formulando hipóteses explicativas e especificando quais os procedimentos a serem adotados no decorrer da intervenção: O psicólogo conduz a avaliação emocional, perceptual e intelectual; O pedagogo faz a avaliação acadêmica; O fonoaudiólogo conduz a avaliação audiométrica cujo objetivo é descartar possível déficit auditivo; 85 O médico oftalmologista aplica o exame de acuidade visual, cujo objetivo é excluir déficit visual; O médico neurologista realiza o Exame Neurológico Tradicional (ENT) e o evolutivo (ENE), para averiguar se há comprometimento neurológico. O ENT utiliza técnica semiológica, voltada para detectar síndromes neurológicas ou anormalidades neurológicas, maiores em lesões específicas de núcleos, tratos ou nervos cranianos. Permite observar alguns sinais neurológicos menores (soft signs). Neste conceito incluem-se fenômenos como a astereognosia, disdiadococinesia, movimentos em espelho e extinção. O ENE tem por objetivo aferir a maturidade neurológica através da avaliação da lateralidade, equilíbrio estático e dinâmico, coordenação apendicular, coordenação tronco-membros, sensibilidade/gnosias, persistência motora e linguagem. O neurorradiologista conduz a avaliação por imagem: com ressonância magnética (RM); tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT); tomografia por emissão de pósitrons (PET); O psicopedagogo faz a entrevista inicial com os pais para conhecer a queixa sobre o paciente; realiza a entrevista da anamnese com os pais do aprendente ou os seus responsáveis; investiga sobre a família e sobre a escola da criança; faz levantamento sobre as dificuldades de aprendizagem, leitura oral e silenciosa; escrita; orientação espacial; coordenação motora, etc. Os dados fornecidos por esses profissionais são muito importantes e podem contribuir com novas informações ou descartar possíveis lesões. O resultado da avaliação de cada profissional deve ser analisado e discutido por todos os envolvidos, e posteriormente deve ser proposto um diagnóstico diferencial, especificando as integridades e dificuldades observadas na criança (PESTUN et al., 2002) Para esses autores, várias áreas do conhecimento como a neurologia, psicologia, educação e psicopedagogia elaboram teorias para descrever e explicar os déficits na aprendizagem de crianças. Alguns estudos utilizam a neuropsicologia e a Psicologia Cognitiva, Abordagem de Processamento da Informação como aportes teóricos de base. 86 7.5 Tipos de dificuldades de aprendizagem Para Mendonça (2007), o principal fundamento das reflexões e análises sobre as dificuldades de aprendizagem é indicado pela a falta de formação do aluno, e este problema, muitas vezes não é apenas do aprendente. O educador deve ficar atento ao seu ambiente, portanto devemos estar atentos ao seu meio cultural, familiar, escolar e principalmente na metodologia. Esse autor ainda cita que esse processo só costuma tornar-se mais evidente aparte do ensino formal; portanto, a alfabetização é um processo de construção de conhecimento que se concretiza através da leitura e da escrita. Para Guerra (2002) as dificuldades de aprendizagem mais recorrentes estão relacionadas ao desempenho escolar e são representadas pelas dificuldades de aquisição de habilidades de leitura, de escrita e de matemática. Essas dificuldades de aprendizagem podem ser verbais ou não verbais, conforme a Figura 6. Dificuldades de aprendizagem Verbal Leitura Escrita Não verbal Matemática Figura 10. Fluxograma com os tipos de dificuldades de aprendizagem19 7.5.1 Dificuldades de aprendizagem verbal As dificuldades de aprendizagem verbal são aquelas relacionadas às dificuldades para adquirir os processos simbólicos de leitura, escrita e matemática. Essas dificuldades são reconhecidas pelos pais, professores, 19 Fonte: Compilação feita a partir de Guerra (2002) 87 professores e autores pelo fato de estarem relacionadas ao desempenho escolar (GUERRA, 2002). Mendonça (2007) afirma que são quatro as habilidades da linguagem verbal, que são: a leitura, a escrita, a fala e a escuta. Dessas, a leitura é a habilidade lingüística mais difícil e complexa. A leitura é um dos processos de aquisição da lectoescrita e, como tal, compreende duas operações fundamentais: a decodificação e a compreensão. A decodificação é a capacidade que temos como escritores, leitores ou para compreender esse processo como aprendentes de uma língua, para identificarmos um signo gráfico por um nome ou por um som. Essa capacidade ou competência lingüística consiste no reconhecimento das letras gráficas e na tradução dos mesmos para a linguagem oral ou para outro sistema de signo. A aprendizagem da decodificação se consegue através do conhecimento do alfabeto e da leitura oral ou transcrição de um texto. Conhecer o alfabeto não significa apenas o reconhecimento das letras, e sim, entendermos a evolução da escrita como: a apictográfica (desenho figurativo), a ideografia (representação de idéias sem indicação dos sons das palavras), e a fonográfica (representação dos sons das palavras). Toda palavra tem uma origem, uma motivação e, a rigor, não é absolutamente arbitrária como quis Ferdinand de Saussure, em seu Curso de Lingüística Geral. Compreensão: é a captação do sentido ou conteúdo das mensagens escritas. Sua aprendizagem se dá através do domínio progressivo de textos escritos cada vez mais complexos (ALLIENDE, 1987 apud MENDONÇA, 2007). 7.5.1.1 Dificuldade de aprendizagem da leitura Para Mercer, Campbell, Miller, Mercer e lane (2000) apud Pestun eta al. (2002), o processo de leitura competente envolve fluência e automatismo (precisão e rapidez) no reconhecimento de palavras e compreensão do material lido. O reconhecimento de palavras (acesso ao léxico mental), em um sistema de escrita alfabético, pode ocorrer por meio de um processo visual direto (rota lexical) ou por meio de um processo envolvendo mediação fonológica. Recebem, conseqüentemente, o nome de modelos de leitura de 88 dupla-rota (ELLIS e YOUNG, 1988; ELLIS, 1995; HILLIS e CARAMAZZA, 1992 apud PESTUN et al., 2002), que estão descritos a seguir. A Rota Fonológica utiliza o processo de conversão grafemafonema, permitindo uma pronúncia precisa das palavras que possuem correspondência letra-som regular; A Rota Lexical, geralmente utilizada por leitores proficientes, as representações de palavras familiares são armazenadas em um léxico de entrada visual, que permite acesso direto ao significado; No leitor hábil, as duas rotas estão disponíveis e podem intervir paralelamente na leitura, porém a rota lexical tem papel central na obtenção da competência em leitura (SEYMOUR, 1987 apud PESTUN et al., 2002). A dislexia é um dos exemplos de dificuldades de ler e de escrever. Os resultados da estatística mundial indicam que de 15% a 30% das crianças, em idade escolar, apresentam dificuldades de aprendizagem. Destas, 10% são disléxicas. Em cada 5 crianças com dislexia, 4 são meninos (GUERRA, 2002). Pestun et al. (2002) afirmam que os principais indicadores das dificuldades de aprendizagem da leitura são dificuldades em decodificar e analisar fonemas dentro das palavras (consciência fonológica), sendo estas específicas para o processamento de símbolos escritos. A maioria das definições das dificuldades específicas de leitura estabelece critérios de comparação entre o nível de leitura e o Quociente Intelectual (QI). Porém, QI mais baixo pode ser conseqüência de uma menor exposição a materiais escritos (MORAIS, 1996; NUNES e COLS, 2001 apud Pestun et al., 2002). Para Schirmer et al. (2004), a linguagem é um exemplo de função cortical superior, e seu desenvolvimento se sustenta, por um lado, em uma estrutura anatomofuncional geneticamente determinada e, por outro, em um estímulo verbal que depende do ambiente. Essa função atua como veículo de comunicação, ou seja, constitui um instrumento social usado nas interações visando à comunicação. Pode ser definida como um sistema convencional de símbolos arbitrários, que é combinado de modo sistemático e orientado para armazenar e trocar informações. 89 Na Tabela 10 estão apresentadas as características clínicas das dificuldades de leitura. Tabela 10. Características clínicas das dificuldades de leitura20 Características clínicas das dificuldades de leitura Fala ininteligível; Persistência de jargão; Redução de léxico: Sintaxe desestruturada; Dificuldade em aprender o alfabeto; Dificuldade para recordar de versos, de canções, de estórias, de rotinas, de brincadeiras com os dedos, de seqüência de números, de nomes, de cores e de dias da semana; Dificuldades para entender instruções; Vocabulário reduzido para produção de frases; Dificuldade para lembrar sentenças ou estórias; Atraso de fala; Imaturidade fonológica; Dificuldade para realizar rimas aos 4 anos d idade; Confusão direita/esquerda; embaixo/em cima; atrás/adiante (palavras e conceitos); Falta de domínio manual (lateralidade não definida); Dificuldades para realizar provas de consciência fonológica; Dificuldades para aprender letras e sons do alfabeto; História familiar positiva de Dislexia do Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade; História familiar de problemas com a fala, linguagem e desenvolvimento da leitura; Dificuldade em processar sons em palavras; Dificuldade para recuperar palavras para utilizar em frases ou na expressão de fatos ou idéias; Dificuldade para compreender a fala ou o material lido; Vocabulário reduzido; Dificuldade para entender o uso da gramática em sentenças; Dificuldade para lembrar números, letras em seqüência, questões e direções; Dificuldade para organizar e planejar suas tarefas escolares. As características clínicas expostas na Tabela 10 podem estar presentes em transtornos de linguagem e nas dificuldades de aprendizagem acadêmicas, como conseqüência de baixo estímulo das funções neuropsicológicas como lateralidade, ritmo, esquema corporal e noção têmporo-espacial, as quais participam do funcionamento da linguagem oral e escrita (RONDON e SERON, 1995 apud CAPELLINI, 2005) 20 Fonte: Capellini (2005) 90 De acordo com Capellini (2005), os problemas linguístico-cognitivos referentes à linguagem oral prejudicam o processamento de informação, relacionados com a leitura e escrita, quanto ao uso de habilidades de linguagem e de memória. Desse modo, toda alteração presente no desenvolvimento da linguagem oral pode resultar em dificuldade de aprendizagem acadêmica. Sternberg e Grigorenko (2003) apud Salles et al. (2004) concordam com Pennington, e afirmam que as dificuldades de aprendizagem da leitura são decorrentes de uma interação entre fatores biológicos (neuropsicológicos e genéticos), cognitivos e sociais. Na Tabela 11 estão apresentadas as alterações linguístico-cognitivas da linguagem oral que interferem no processamento da informação referente à leitura e à escrita. Tabela 11. Alterações linguístico-cognitivas da linguagem oral que interferem no processamento da informação referente à leitura e à escrita21 Alterações linguísticas Alterações cognitivas Atraso no desenvolvimento fonológico Dificuldade quanto ao uso da memória de curta duração para material verbal como: seqüência de números, palavras e sentenças. Atraso no desenvolvimento da sintaxe Dificuldade para fonéticas/fonológicas. Dificuldade no processamento de sentenças complexas Dificuldade em identificar palavras na presença de ruídos. Redução na capacidade de seguir comandos orais recuperar representações Dificuldade em manter informações na memória Pestun et al. (2002) concordam que no caso da leitura, processo altamente complexo, estão envolvidos tanto aspectos neurológicos como sensoriais, psicológicos, sócio-culturais, sócio-econômicos e educacionais, entre outros. Dessa forma, um único profissional não basta para analisar esses vários aspectos e fornecer diagnóstico preciso e seguro. Para esses autores a leitura engloba a discriminação visual de símbolos gráficos, através de um processo de decodificação, e exige a atenção seletiva. Na seqüência há necessidade de selecionar e identificar os equivalentes 21 Fonte: Capellini (2005) 91 auditivos (fonemas), através de um processo de análise e transdução, síntese e comparação, a fim de obter significado. Para Lima e Pessoa (2007), a dificuldade específica de leitura é definida pela ocorrência de problemas significativos no reconhecimento de palavras em crianças que apresentam inteligência média, fluência na língua materna, nenhum déficit sensorial primário ou problemas emocionais. Outros autores defendem que a dificuldade de aprendizagem é uma condição de vulnerabilidade psicossocial. Por esta razão, é comum que as crianças com tais problemas apresentem problemas emocionais ou déficits em habilidades sociais, que durante a adolescência podem levar à evasão escolar. Muitas vezes, podem ser desenvolvidos sentimentos de baixa auto-estima e inferioridade, como também déficits em habilidades sociais e problemas emocionais ou de comportamento. Esses autores definem a dislexia com sendo um exemplo de dificuldade aprendizagem de leitura, distúrbio da aprendizagem, dificuldade específica de aprendizagem e dificuldade de leitura. 7.5.1.2 Dificuldade de aprendizagem da escrita Gil (2002) define que a escrita permite: “representar aquilo que um indivíduo quer dizer, por meio de sinais convencionais que se inscrevem, na maioria das vezes, nos dois planos do espaço, à maneira de um desenho. Eles podem ser ideogramas quando - traduzem as idéias por sinais suscetiíveis de sugerir objetos...os sinais da escrita possibiltam transcrever os sons verbais, graças ao agrupamento das letras, cuja forma e correspondência fônica constituem o alfabeto de uma língua.” A dificuldade de aprendizagem da escrita é a dificuldade em passar para a escrita o estímulo visual da palavra impressa. Caracteriza-se pelo lento traçado das letras, que geralmente é legível (GUERRA, 2002). Para Salles e Parente (2006), a dificuldade da escrita está relacionada à dificuldade específica de leitura; que é definida pela ocorrência de problemas significativos no reconhecimento de palavras em crianças que apresentam inteligência média, fluência na língua materna, nenhum déficit sensorial primário ou problemas emocionais. 92 De acordo com Lima e Pessoa (2007), para algumas crianças, a aprendizagem da escrita não ocorre de forma satisfatória gerando alterações de aprendizagem. Apesar das diferentes teorias, a maioria desses profissionais concorda que, nem todas as crianças que apresentam dificuldades para aprender a ler podem ser consideradas portadoras de distúrbios de leitura e escrita. Gil (2002) relata que a escrita é executada mais facilmente pela mão dominante, que é considerada mais hábil. Durante a infância os indivíduos adquirem particularidades na maneira de escrever; as quais se estabilizam. A maneira como um indivíduo escreve pode refletir até mesmo certos traços de sua personalidade. Para Lima e Pessoa (2007) dentre as várias nomenclaturas e definições para os problemas específicos de aprendizagem da escrita incluem-se: disortografia e disgrafia. Na Tabela 12 estão apresentados os tipos de dificuldades da escrita e suas respectivas definições. Tabela 12. Tipos de dificuldades da escrita: definições e características clínicas22 Tipos de dificuldades da escrita Disgrafia Disortografia Características clínicas e definições das dificuldades da escrita O disgráfico não tem problemas visuais, motores, intelectuais ou neurológicos, mas não consegue idealizar no plano motor o que captou no plano visual. Ele pode apresentar: espaço irregular entre palavras e linhas, distorção da forma das letras, movimentos contrários aos da escrita convencional e direção da escrita. Existem vários tipos de disgrafia: dificuldade de segurar o lápis, copiar figuras e escrever palavras. É a incapacidade de transcrever corretamente a linguagem oral, com trocas ortográficas e confusão de letras. Podem surgir dificuldades em recordar a seqüência dos sons das palavras, ocasionando omissões, adições inversões e junções de letras e palavras. Apresenta-se como uma escrita com erros. Para Gil (2002), a escrita é um ato motor que necessita da integridade da sensibilidade e da motricidade. Portanto ela necessita de uma organização que usa as competências do tipo “práxicas”. É uma atividade visuoconstrutiva que está relacionada com a atividade de espacialização: as pessoas escrevem da esquerda para a direita e de cima para baixo. Portanto, a escrita coloca em 22 Fonte: Pestun (2002) 93 ação a função da língua, a qual ela representa e à qual é dependente de aspectos motivacionais e emocionais. As agrafias são dificuldades práxicas, visuoespaciais ou de linguagem de “exprimir-se por escrito” na ausência de paralisia ou de algum distúrbio que afete a coordenação dos movimentos. As hipergrafias indicam um comportamento excessivo de escrita e, em todos os casos, não adaptados à situação, elas podem ou não se acompanhadas de uma agrafia (dificuldade de linguagem). De acordo com Gil (2002) as agrafias podem ser classificadas como agrafias puras e agrafias afásicas. As agrafias puras são raras e aparecem na ausência de qualquer distúrbio da linguagem oral, da leitura e também na ausência de perturbação práxica. Elas podem estar ligadas à uma lesão da parte superior da região perissilviana posterior e às estruturas subcorticais. As agrafias afásicas acompanham os distúrbios da linguagem oral. Não é uma característica da anartria pura, de Pierre Marie, estar associada de agrafia. A escrita é difícil de ser explorada no seu componente motor na afasia de Broca. O ditado é laborioso, a cópia tem melhor qualidade, a soletração é deficitária. Nas afasias transcorticais motoras, a produção escrita e a produção oral são reduzidas. 7.5.1.3 Dificuldade de aprendizagem de matemática Para Würding et al. (2007), as dificuldades de aprendizagem da matemática são transtornos significativos no desenvolvimento das habilidades relacionadas com a matemática. Além das dificuldades de aprendizagem específicas em matemática, as crianças deste grupo costumam apresentar, ainda, problemas cognitivos e neurológicos, tais como: dificuldades na memória de curto prazo; dificuldades de memória em tarefas não-verbais; dificuldades na seção de soletração de não palavras; dificuldades nas tarefas de memória de trabalho que implicavam a contagem; dificuldades nas tarefas visoespaciais e visoperceptivas; dificuldades em habilidades psicomotoras e perceptivo-táteis. Essas não são 94 conseqüências de alguma deficiência mental, e tampouco da escolarização escassa ou dos déficits visuais e auditivos (GARCIA,1998 apud WÜRDING et al., 2007). Na Tabela 13 estão apresentados os tipos de dificuldades de matemática e suas definições. Na tabela 13 estão os tipos de dificuldades de matemática e suas definições. Tabela 13. Tipos de dificuldades de matemática e suas definições23 Tipos de dificuldades de matemática Acalculia Discalculia e seus tipos Definição É um distúrbio neurológico adquirido após uma lesão no córtex cerebral. Esse distúrbio se caracteriza pela incapacidade de realizar cálculos aritméticos simples e reconhecer algarismos escritos. Ela ainda pode ser dividida em: acalculia primária e acalculia secundária, que sub divide-se em: Acalculia afásica: com alexia ou agrafia para os números. Acalculia secundária: apesentam alterações viso-espaciais. É um transtorno estrutural da maturação das habilidades matemáticas, com erros variados na compreensão dos números, habilidade de contagem e solução de problemas mentais. Discalculia verbal: dificuldades em nomear as quantidades matemáticas, os números, os termos, os símbolos e as relações; Discalculia practognóstica: dificuldades para enumerar, comparar, manipular objetos reais; Discalculia léxica: dificuldade na leitura de símbolos matemáticos; Discalculia gráfica: dificuldades na escrita de símbolos matemáticos; Discalculia ideognóstica: dificuldades em fazer operações mentais e na compreensão de conceitos matemáticos; Discalculia operacional: dificuldades na execução de operações e cálculos numéricos. De acordo com Johnson e Myklebust (1987) apud Würding et al. (2007), Piaget afirma que uma criança não adquire as noções de número somente através do ensino, isto é, “o desenvolvimento de conceitos numéricos começa desde um ano de idade, com a manipulação de um objeto após o outro pela criança; esse é um pré-requisito para a contagem”. Na Tabela 14 estão apresentadas as principais dificuldades de matemática. 23 Fonte: Gil (2002), Guerra (2002) e Würding et al. ( 2007). 95 Tabela 14. Principais dificuldades de matemática24 Principais dificuldades de matemática Dificuldades O que afetam? A contagem, a aritmética básica, os problemas matemáticos com enunciado, o formato e a forma, o tamanho e o comprimento, os símbolos visuais a correspondência biunívoca, que é a primeira dificuldade de contagem da criança. Essas dificuldades vão incidir nas habilidades: Lingüísticas: compreensão e emprego da nomenclatura matemática, compreensão ou denominação de operações matemáticas e codificação de problemas com símbolos (numéricos); Perceptivas: reconhecimento ou leitura de símbolos numéricos ou sinais aritméticos, e agrupamento de objetos em conjuntos; De atenção: para copiar figuras corretamente nas operações matemáticas básicas, observar os sinais das operações; De matemáticas: seguimento das seqüências de cada passo nas operações matemáticas, contar objetos e aprender as tabuadas de multiplicar. As dificuldades de aprendizagem da matemática não são ocasionadas por alguma deficiência mental, nem por escolarização escassa ou inadequada, nem por déficits visuais ou auditivos (GIL, 2002 e WÜRDING et al., 2007). A seguir apresentam-se os fatores relacionados às dificuldades de matemática. Estão associadas aos transtornos do desenvolvimento da linguagem receptiva, da leitura e da escrita, aos transtornos no desenvolvimento da coordenação e as dificuldades de atenção e de memória; Possuem implicações nas habilidades lingüísticas, perceptivas, de atenção dificuldades de memória, dificuldades nas tarefas viso-espaciais e visoperceptivas e dificuldades em habilidades psicomotoras e perceptivo-táteis, afetando áreas como a atenção, a linguagem, a leitura e a escrita, as habilidades sociais, e nas próprias habilidades matemáticas; Uma criança com distúrbios de linguagem receptiva-auditiva terá dificuldades para compreender as palavras usadas para descrever alguns processos ou para compreender os significados das palavras nos enunciados dos problemas; 24 Fonte: Guerra (2002) e Würding et al. ( 2007). 96 A criança que apresenta distúrbio de memória auditiva não consegue ouvir os enunciados dos problemas apresentados oralmente e, por isso, não é capaz de guardar e assimilar mentalmente todos os fatos. Dessa forma, ela não conseguirá resolver os problemas. Por isso, é recomendável o professor deverá diminua o conteúdo da atividade oral, e que possibilite que a criança leia os enunciados dos problemas. Através das sensibilidades dos subtestes WAIS podem-se obter resultados sobre a topografia lesional, relacionados às dificuldades de aprendizagem em matemática, os quais estão apresentados na Tabela 15. Tabela 15. Sensibilidade dos subtestes da WAIS à topografia lesional.25 Topografia lesional Subtestes da WAIS mais prejudicados Lobo frontal esquerdo Memória de números Lobo temporal esquerdo Similitudes e Memória de números Lobo parietal esquerdo Cubos e Aritmética e Memória de números Lobo frontal direito Organização de figuras Lobo temporal direito Organização de figuras Lobo parietal direito Organização de figuras, Cubos e Conjunto de objetos 7.5.2 Dificuldade de aprendizagem não-verbal As dificuldades não-verbais são aquelas que a criança apresenta para sua autopercepção; percepção do mundo e para relacionar-se com as pessoas, mas que nem sempre são compreendidas (GUERRA, 2002). Haase (2007) define que o transtorno não-verbal de aprendizagem (TNVA) é um transtorno específico de aprendizagem caracterizado por dificuldades nas seguintes áreas: coordenação motora e percepção somatosensorial; cognição visoespacial; inferências indutivas; aritmética; cognição e habilidades sociais. A denominação TNVA e sua caracterização sindrômica são derivadas dos estudos do neuropsicólogo Byron Rourke da Universidade de Windsor, Canadá. Guerra (2002) descreve que a dissemia é a dificuldade para utilizar e entender sinais e sinalizações não-verbais. Crianças portadoras de dissemia 25 Fonte: Mafie apud Gil (2002) 97 têm dificuldade para comunicar as informações não-verbais através de expressões faciais, posturas, gestos e ações. Para Haase (2007) não há estudos sobre a prevalência do TNVA, mas é possível estimar que as crianças que apresentam transtornos de aprendizagem correspondam a 10% da população em idade escolar, e pelo menos 1% dessas apresenta o TNVA, e corresponde a 10% dos motivos de consulta por dificuldades de aprendizagem. Os distúrbios de autopercepção e os de relações interpessoais são comuns em crianças com déficits não verbais de aprendizagem. Déficits em imagem corporal podem ocorrer em relação a qualquer parte do corpo. Os distúrbios de orientação espacial estão ligados aos distúrbios de imagem corporal, a capacidade para compreender direita-esquerda em relação ao mundo espacial que está ligada à imagem corporal (GUERRA, 2002). Analisando o contexto do desenvolvimento humano, não são apenas as palavras que entram em jogo, mas também as vocalizações, os gestos, as mímicas, as expressões faciais, os movimentos da cabeça, os olhares, as posturas, os odores, a motricidade, os desenhos ocorrem em combinações que enriquecem e modelam a comunicação humana, sendo essenciais na dinâmica existente entre desenvolvimento e aprendizagem, enriquecendo repertórios de domínios e de conhecimento. Os primórdios da linguagem, a proto e a prélinguagem são compreensíveis sob a ótica da integração das associações sensório-motoras, onde o gesto exprime emoções sem necessitar do uso da palavra – comunicação verbal (LURIA, 1973 apud FREITAS, 2006). Na idade pré-escolar, as comorbidades psiquiátricas das dificuldades de aprendizagens não-verbais podem se associar a transtornos de comportamento - os externalizantes: hiperatividade e dificuldades disciplinares. A partir da pré-adolescência começam a surgir transtornos com manifestação interna do organismo do aprendente: ansiedade e depressão (HAASE, 2007). O principal motivo de encaminhamento no TNVA são as dificuldades de aprendizagem, as quais constituem um enigma para os educadores e profissionais de saúde. As características clínicas das dificuldades não-verbais estão na Tabela 16. 98 Tabela 16. Características clínicas das dificuldades não-verbais26 Características clínicas das dificuldades não-verbais Tem dificuldade na capacidade de identificar e reconhecer o significado e a importância do comportamento dos outros; Tem dificuldade para compreender o significado de aspectos de seu ambiente, para aprender as ações dos outros, a brincadeira dos colegas, as implicações de gestos, expressões faciais e carícias das pessoas do seu convívio; Tem dificuldade para compreender a importância do tempo, espaço, tamanho, direção e vários aspectos da pessoa. Geralmente são descritas como burras ou grosseiras; A falta de percepção social não deve ser confundida com o comportamento anormal observado em crianças com autismo. Acriança com dificuldade não verbal quer participar das atividades sociais, mas encontra barreiras para se expressar, não consegue se expressar; A criança não aprende, apesar de conseguir se comunicar razoavelmente bem do ponto de vista verbal e, muitas vezes, não parecer retardada; As dificuldades visoespaciais, de comportamento e de socialização são freqüentemente observadas e relatadas pelos pais e educadores, mas não são valorizadas e raramente constituem motivo da consulta. Pode haver história prévia de dificuldades de desenvolvimento na primeira infância, inclusive um atraso na aquisição da linguagem, havendo posterior compensação. Na maioria das vezes não existe queixa de dificuldades com a alfabetização inicial. As dificuldades de leitura se referem quase sempre à dificuldade de interpretação de textos. As crianças com TNVA são descritas como desajeitadas ou descoordenadas. Apresentam dificuldades para aprender a andar de bicicleta, para amarrar os cadarços dos sapatos e com atividades esportivas. As dificuldades de representação podem ser evidenciadas em tarefas de desenhos. De um modo geral, os desenhos são imaturos, simplificados e as relações espaciais não são adequadamente preservadas. Além da interpretação de textos, a aritmética é a área de aprendizagem mais comprometida. Os indivíduos com TNVA apresentam dificuldades para decorar a tabuada, bem como para realizar operações aritméticas mais complexas, principalmente para dominar o algoritmo da subtração, multiplicação e divisão de números maiores do que a dezena. As crianças com TNVA são tímidas, ingênuas e sem malícia. Apresentam dificuldades para compreender os aspectos implícitos na interação social e na linguagem, principalmente a linguagem metafórica, a ironia e o sarcasmo. Em alguns casos existe sobreposição com o espectro autista (alterações qualitativas na socialização – estranheza, socialização intrusiva). O pensamento é concreto, mas os indivíduos com TNVA não são intuitivos, apresentando muita dificuldade para aprender com a experiência. A aprendizagem exige instrução explícita e prática exaustiva. O modelo neuropsicológico do TNVA considera a existência de pontos fortes e pontos fracos no perfil de habilidades. O modelo também considera que alguns déficits (ou habilidades) são mais fundamentais, enquanto outros são derivados (HAASE, 2007). 26 Fonte: Johnson e Myklebust (1987) apud Guerra (2002) e Haase (2007) 99 Os déficits psicomotricidade, subjacentes processamento dizem respeito visoespacial ao e esquema processos corporal, inferenciais (principalmente capacidade de indução); As manifestações secundárias e terciárias se manifestam como: dificuldades com a caligrafia; dificuldades com a prosódia, a pragmática e a interpretação de textos; dificuldades com matemática; déficits na exploração do ambiente e adaptação à novidade; incompetência social; instabilidade emocional; Da mesma forma as habilidades mais fundamentais preservadas relacionam-se com a fonologia, o vocabulário e a memória auditiva e verbal. As habilidades derivadas podem ser identificadas nas áreas da mecânica da leitura e da habilidade de decorar; Inicialmente acreditou-se que as dificuldades dos indivíduos com TNVA poderiam ser explicadas como uma disfunção do hemisfério direito, em analogia ao que é observado em crianças e adultos com lesões adquiridas e congênitas do hemisfério direito; A partir do advento dos métodos de neuroimagem ficou claro, entretanto, que as lesões do hemisfério direito são relativamente raras como causa de TNVA, enquanto os comprometimentos da substância são muito mais freqüentes, tais como observados na hidrocefalia congênita, síndrome fetal alcoólica e muitas síndromes genéticas onde ocorre disgenesia do corpo caloso e de outras estruturas da substância branca; O padrão específico pode ser constatado em outras condições tais como as seqüelas de tratamento profilático para leucemia, nas quais, sabidamente, podem apresentar comprometimento da substância branca; No hemisfério esquerdo predominam as fibras de conexão córticocortical de curta distância (fibras arciformes ou fibras em U), pó isso esse hemisfério pode ser caracterizado por apresentar um estilo mais analítico de processamento de informação; O hemisfério direito, por sua vez, funciona de modo mais holístico em decorrência do maior volume de fibras de conexão córtico-cortical de longa distância; 100 Lesões ou disfunções da substância branca podem, portanto, afetar mais as funções do hemisfério direito, do que as funções do hemisfério esquerdo. Para Luria (1980) apud Freitas (2006), analisando sob a perspectiva de âmbito neuropsicológico, linguagem não-verbal pertence ao hemisfério cerebral direito. Ela antecede a linguagem verbal cuja função está localizada no hemisfério esquerdo. Indivíduos portadores de lesões no hemisfério esquerdo podem apresentar sinais de gestualidade. Esse indicador pode ser explorado na reabilitação desse indivíduo, por indicarem que o hemisfério direito apresenta integridade funcional. O mesmo autor acredita que, de acordo com processo de evolução, o hemisfério direito assume o comando das atividades não-verbais, como: os gestos, a postura, as brincadeiras, as imitações, a integração motora. Progressivamente, ao longo do desenvolvimento humano, o hemisfério esquerdo transcende esta dimensão a fim de se projetar e disponibilizar para as atividades lingüísticas verbais e cognitivas mais complexas. 7.6 Diagnósticos associados e seus aspectos neuropsicológicos De acordo com Pennington (1991) e Haase (2000), os distúrbios de aprendizagem são exemplos de disfunções cerebrais específicas, causadas por fatores genéticos e ambientais, e que de maneira enfática, também perturbam o desenvolvimento cerebral e como conseqüência, desestabiliza o processo de aprendizagem do indivíduo. Os principais transtornos são: Transtornos Específicos do Desenvolvimento da Fala e da Linguagem (exemplo: dislexia); Transtornos de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH); Transtorno Específico do Desenvolvimento da Função Motora; Transtorno da Conduta; Transtorno Afetivo Bipolar e Autismo (GUERRA, 2002). Os estudos de Pennington (1991) resultaram numa vasta revisão bibliográfica e, depois aliou esse conteúdo às suas experiências clínicas, e com isso identificou cinco síndromes relacionadas às perturbações dos sistemas cerebrais específicos, os quais resultam em distúrbios de aprendizagem. Na 101 Tabela 17 estão apresentadas as funções modulares cerebrais e os distúrbios de aprendizagem. Tabela 17. Funções modulares cerebrais e distúrbios de aprendizagem27 Função Localização Distúrbio Processamento fonológico Área perisilviana esquerda Dislexia Funções executivas Área Préfrontal TDAH Cognição espacial Hemisfério direito Área posterior Discalculia Disgrafia Cognição social Córtex límbico e orbital Hemisfério direito Autismo Memória de longo-prazo Hipocampo e Amígdala Amnésia Para Guerra (2002) e Salles et al. (2004), há crianças que apresentam uma dificuldade específica relacionadas a síndromes clínicas, como transtornos de atenção e hiperatividade, ou com outros transtornos de desenvolvimento como transtorno específico do desenvolvimento da função motora ou transtornos específicos do desenvolvimento da fala e linguagem. De acordo com Vaz e Raposo (2007) existem algumas desordens cerebrais que resultam em lesões cerebrais. Dentro das perturbações neurogênicas, que podem provocar alterações no processo de aprendizagem, encontram-se os transtornos das integrações funcionais básicas (visomotora e auditivo-visual), do esquema corporal, da orientação espacial, do ritmo, da coordenação motora fina, da lateralidade, da função análise e síntese, da integração das partes em um todo, da simbolização, da linguagem em seus diferentes aspectos, dos impulsos, da atenção e da memória (GUARDIOLA et al., 1998). Esses autores supõem que os fatores ambientais são abordados como um sistema de ensino, que não condiz com as necessidades educativas da criança. Acrescido às influências do contexto sócio-familiar esses fatores também interagem no processo de aprendizagem, se manifestam implicações nas dificuldades específicas de aprendizagem. 27 Fonte: Adaptação de Pennington (1991) 102 Na Tabela 18 estão apresentadas algumas desordens e suas respectivas definições. Tabela 18. Tipos de disfunções cerebrais e suas definições28 Disfunção Afasia Afasia de Broca ou Afasia motora ou Não-fluente Afasia de compreensão ou Afasia de Wernecke Afasia de condução Agnosia visual Distúrbio da linguagem – função cortical altamente elaborada. Já que as pessoas têm dificuldade em falar mesmo que possam entender a linguagem ouvida ou lida. Pessoas com esse tipo de afasia têm dificuldade em dizer qualquer coisa, fazendo pausas para procurar a palavra certa (anomia). A marca típica da afasia de Broca é um estilo telegráfico de fala, no qual se empregam, principalmente, palavras de conteúdo (substantivos, verbos, adjetivos), além da incapacidade de construir frases gramaticalmente corretas (agramatismo). É provocada por lesões sobre a região lateral inferior do lobo frontal esquerdo. Atinge uma região cortical posterior em torno da ponta do sulco lateral de Sylvius do lado esquerdo. Os pacientes não conseguem compreender o que lhes é dito. Emitem respostas verbais sem sentidos e também não conseguem demonstrar compreensão através de gestos. Apesar de possuir uma fala fluente, ela também não tem sentido, pois não compreendem o que eles mesmos dizem. Enquanto na afasia de Broca, a fala é perturbada, mas a compreensão está intacta, na afasia de Wernicke, a fala é fluente, mas a compreensão é pobre. Provocada por lesão do feixe arqueado, feixes que conectam a área de Broca com a área de Wernicke. Os pacientes seriam capazes de falar espontaneamente, embora cometessem erros de repetição e de resposta a comandos verbais. Perda da habilidade de reconhecer ou identificar a presença de objetos, apesar nas funções visuais estarem intactas. Uma forma específica da agnosia visual foi registrada como propagnosia: inabilidade de reconhecer faces. Agrafia Inabilidade adquirida de produzir linguagem escrita apesar da presença da linguagem oral, da leitura e de controle de movimentos normal. Alexia Inabilidade adquirida de compreender a linguagem escrita. Apraxia Inabilidade de ter movimentos propositais apesar da compreensão normal das instruções, da força, do reflexo e da coordenação normais. Praxias Distúrbios de imagem relacionadas a visão. Gnosias Distúrbios de ação e movimento. Síndrome da negligência 28 Definição A tendência a ignorar coisas numa região particular do espaço ignorando o módulo sensorial responsável pelos estímulos provenientes daquela região. Pacientes com uma forma dessa síndrome chamada síndrome da negligência unilateral: ignoram as informações provenientes do lado esquerdo ou direito do corpo e podem até esquecer-se de barbear essa parte do rosto ou de vestir esse lado do corpo. Fonte: Rebollo e Cardús (1973) apud Guardiola et al. (1998); Vaz e Raposo (2007) 103 Existem métodos instrucionais para apoiar cada um desses fatores que compõem o mecanismo da aprendizagem, e pode-se enfatizar que a instrução precisa ir além de prover única e exclusivamente a informação e fornecer o apoio necessário para o processamento cognitivo, a quantidade de apoio aos processos cognitivos a ser inserida na instrução uma variável chave para a efetividade da mesma (CLARK, 1990 apud BORUCHOVITCH, 1999). A psicologia cognitiva baseada na Teoria do Processamento da Informação preocupa-se com a aquisição e organização do conhecimento, enfatizando a promoção de mudanças nos processos internos dos aprendentes (ALMEIDA, 1992 apud BORUCHOVITCH, 1999). Esse autor afirma que há um controle executivo - que funciona como um processador central – que é responsável pelo planejamento da atividade intelectual e do controle de sua execução. Surge, assim, uma nova concepção de inteligência, sendo esta considerada não mais estável e fixa, mas composta de processos passíveis de serem desenvolvidos e modificados, pela intervenção educacional e psicopedagógica. Na seqüencia serão abordadas as definições, as características clínicas e alguns aspectos neuropsicológicos dos transtornos cerebrais mais recorrentes e que estão diretamente relacionados com as dificuldades de aprendizagem. 7.6.1 Dislexia Para Boggio et al. (2006), a Dislexia é uma disfunção do sistema nervoso central; em geral têm origem constitucional; é caracterizada pela dificuldade na aquisição ou no uso da leitura e/ou escrita, que acomete crianças com inteligência normal, sem déficits sensoriais, com instrução supostamente adequada e na ausência de problemas físicos ou emocionais significativos (BOGGIO et al., 2006). De acordo com Salles et al. (2001), os disléxicos podem ser: disfonéticos, diseidéticos e mistos. Dependendo dos tipos de erros produzidos na leitura (palavras familiares ou não familiares, longas ou curtas, de alta ou baixa freqüência). 104 Na Tabela 19 estão apresentados os tipos de dislexia e suas respectivas descrições. Tabela 19. Tipos de dislexia e suas características clínicas29 Tipos de dislexia e suas características clínicas Disfonéticos Diseidéticos Lêem bem as palavras que eles conhecem, ou então memorizam visualmente; Não lêem nem escrevem palavras que encontram pela primeira vez; Advinham, a partir do contexto e de indicações como a letra inicial ou a extensão da palavra; Cometem muitos erros de substituição semântica; Os mais comuns são os disléxicos fonológicos, caracterizados por uma incapacidade de decodificação fonológica grave, que se manifesta por um desempenho muito ruim na leitura de estímulos não familiares e pseudopalavras; Esses sujeitos também têm dificuldade em tarefas de memória de curtoprazo fonológica e consciência fonológica Leitura lenta, trabalhosa, mas correta, baseada na decodificação fonética; Lêem palavras familiares e não familiares, mas apresentam dificuldade em palavras irregulares. Mistos Reúnem as dificuldades desses dois tipos e geralmente apresentam confusões espaciais. Apresentam distúrbios ao mesmo tempo na decodificação fonológica e no processo ortográfico, e os leitores simplesmente atrasados, cujo padrão de leitura não difere daquele de leitores normais mais jovens. de Superfície Apresentam incapacidade no nível do tratamento ortográfico da informação (rota lexical), revelada por dificuldades na leitura de palavras irregulares. Elas são regularizadas (como exemplo, “tóxico” pode ser lido como /tóchico/) em função de serem lidas pelo processo fonológico. Características clínicas gerais Alguns têm dificuldade especial com a ortografia, outros invertem as letras nas palavras, lendo “Roma” onde está escrito “amor”, “leitores de espelho”, e assim por diante; o olhar da pessoa disléxica não segue forçosamente a direção esquerda/direita, muda de direção várias vezes em apenas alguns segundos; Apresentam dificuldades em noções de alto, baixo, frente, atrás, direita, esquerda (o que dificulta o domínio da leitura e escrita), troca de letras p/q b/d, u/n (pois tais letras são percebidas pelo sentido do olhar). A diferença entre dislexia primária ou específica, ou de desenvolvimento, é que o fracasso na aquisição da completa competência na leitura/escrita é de origem constitucional, e dislexia adquirida ou sintomática, na qual as habilidades de leitura/escrita, já normalmente desenvolvidas, são perdidas em 29 Fonte: Salles et al. (2001) 105 decorrência a uma lesão cerebral (SPREEN, RISSER E EDGEL, 1995 apud PINHEIRO, 1995). Crianças com dislexia de desenvolvimento apresentam dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita consideradas muito maiores do que se esperaria a partir do seu nível intelectual (DSM-IV-TR, 2002). Para Spreen e Cols, (1995), os modelos atuais que estabelecem um relacionamento entre cérebro e dislexia de desenvolvimento são de dois tipos. O modelo de déficit propõe que disfunções cerebrais estão subjacentes à inabilidade na aquisição de adequadas habilidades de leitura. Os modelos de atrasos maturacionais adotam um perfil de desenvolvimento e afirmam que a maturação cerebral está atrasada nessas crianças; Galaburda e Kemper (1979), em estudos com células cerebrais de disléxicos post mortem, encontraram anomalias de células no córtex cerebral da região silviana esquerda, localizada no lobo temporal; Galaburda e Cols apud Beitchman e Young (1997) constataram falta da esperada assimetria (região do hemisfério esquerdo maior do que do direito) no planum temporale em crianças com distúrbios de linguagem e aprendizagem. No entanto, supõe-se que, o cérebro desses indivíduos disléxicos sofreu durante a vida intra-uterina, uma agressão de tipo química, hormonal ou imunológica, que constitui a origem das lesões anatômicas; A desconexão natural dos córtices sensoriais primários (visual e auditivo) são fatores importantes de desenvolvimento cerebral, e podem estar falha nas crianças disléxicas, resultando em alta coerência no EEG; Rumsey, Nace, Donohue, Wise, Maisog e Andreason (1997) avaliaram o fluxo sangüíneo cerebral de homens disléxicos, por meio de Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET), e encontraram um padrão alterado de ativação no córtex temporal médio-posterior bilateralmente e no córtex parietal inferior, predominantemente no hemisfério esquerdo, durante a realização das tarefas de leitura de palavras em voz alta e decisão lexical; Seki e Cols (2001) apud Argollo (2003) relatam que, através do uso da Ressonância Magnética Funcional (FMF), observaram a leitura de sentenças de crianças japonesas disléxicas no sistema de escrita silábico “kana”, e 106 também encontraram alteração na ativação do giro temporal medial - parte da área de Wernicke; Para Pinheiro (1995), os estudos sobre o processamento normal e o processamento anormal indicam que ocorre ativação bilateral do lobo occipital e do giro frontal inferior, e também no cérebro desses indivíduos. Esse fato indica que ocorrem diferenças no funcionamento dos hemisférios para compensar as possíveis dificuldades de leitura. 7.6.2 Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade De acordo com Argollo (2003) o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é uma doença crônica, cujo diagnóstico é clínico. Existe heterogenicidade do quadro clínico com variação dos déficits sociais, comportamentais e cognitivos. De acordo com Giacomini e Giacomini (2006) o Déficit de Atenção é a dificuldade em manter a atenção concentrada. A característica que define o TDAH é um comportamento que se mostra desatento, hiperativo e impulsivo a ponto de não ser condizente com a idade e constituir-se em um obstáculo significativo para o sucesso social e escolar. O TDAH tem sua origem em uma condição orgânica, relacionada a uma estrutura cerebral chamada lobo pré-frontal. Quando esta estrutura cortical tem seu funcionamento comprometido, a pessoa passa a ter vários problemas, entre eles dificuldade de focar a atenção (GIACOMINI e GIACOMINI, 2006). Muitos enganos são cometidos a respeito do diagnóstico de TDAH, por parte de familiares e também por profissionais da área de educação e de saúde. Eles costumam associar o TDAH a qualquer demonstração de hiperatividade ou falta de atenção, por falta de conhecimento específico (ARGOLLO, 2003). Na Tabela 20 estão os tipos de TDAH e suas características clínicas. 107 Tabela 20. Tipos de TDAH e suas características clínicas30 TDAH Tipos Hiperativo Impulsivo Desatento Combinado 30 Características clínicas O TDAH normalmente se caracteriza por atividade excessiva, muito superior a esperada para a faixa etária, associada a dificuldade de seguir ordens e atender aos limites impostos pelos pais e professores; Dificuldade em permanecer quieto; Mãos e pés inquietos ou agitados; Faz várias coisas ao mesmo tempo; Envolve-se em situações de risco; Sensação de ansiedade e inquietude; Sensação de algo a fazer ou pensar, ou que está faltando alguma coisa; Baixo nível de tolerância: não sabe lidar com frustrações, com erros (nem os seus, nem dos outros); Instabilidade de humor, os fatores podem ser externos ou internos, uma vez que costuma estar em eterno conflito; Dificuldade em expressar-se: muitas vezes as palavras e a fala não acompanham a velocidade da sua mente; Dificuldade no domínio motor; Noção temporal prejudicada; Tendência a estar sempre ocupado; Dificuldade de descontração ou sono; Dificuldade em expressar-se: muitas vezes as palavras e a fala não acompanham a velocidade da sua mente; Fala sem parar sem dar oportunidades; Podem mudar inesperadamente de planos, metas; Sua impaciência faz com que responda perguntas antes mesmo de serem concluídas; A comunicação costuma ser compulsiva, sem filtro para inibir respostas inadequadas, o que pode provocar situações constrangedoras e/ou ofensivas: fala ou faz e depois pensa; Impaciência marcante no ato de esperar ou aguardar por algo; Compulsividade (compras, jogos, alimento); Tendência a não seguir regras ou normas; Ações contraditórias; Depressões por exaustão cerebral; Dependência química; Baixa auto-estima/ reclamações; Apresenta temperamento explosivo: não suporta críticas, provocações e/ou rejeição; Desvia facilmente a atenção do que está fazendo e comete erros por prestar pouca atenção a detalhes; Distrai-se com seus próprios devaneios; Relutância em iniciar tarefas que exijam longo esforço mental; Perde ou esquece objetos, nomes, prazos, datas; Desorganiza-se no cotidiano; Dificuldade em seguir instruções, ou completar para mudar de tarefa; Dificuldade em organizar-se com objetos (mesa, gavetas, papéis...); Dificuldade de atenção à fala dos outros; com tendência a interrupção; Apresentam "brancos" durante a fala; Interrompe tarefas no meio; Dificuldade de orientação espacial; Presença de hiperfoco; Apresentam as características combinadas dos outros três tipos. Fonte: Giacomini e Giacomini (2006) e Salles et al. (2001) 108 As crianças com TDAH freqüentemente apresentam dificuldades de aprendizagem, as quais são causadas pela desatenção durante as aulas e durante o estudo, e também por estar associadas, freqüentemente, às dificuldades de leitura (dislexia), de matemática (discalculia), da expressão da escrita e da linguagem (disfasia). O TDAH pode estar associado a outras comorbidades neuropsiquiátricas como as dificuldades de aprendizado, distúrbios disruptivos (de conduta, transtorno desafiante-opositor), depressão e ansiedade (ARGOLLO, 2003). Para Andrade et al. (2004) a principal característica neurológica do TDAH é um excesso de atividade de ondas lentas no córtex pré-frontal. O córtex pré-frontal é responsável pelas funções de controle voluntário da atenção, planejamento, julgamento e tomada de decisões, auto-controle, sensibilidade a conseqüências de longo prazo e controle motor fino. Quando o pré-frontal apresenta hipofunção, com excesso de ondas lentas, ele não envia os sinais necessários para que outras áreas do cérebro possam funcionar adequadamente. A seguir estão apresenta-se as principais ocorrências neuropsicológicas no TDAH. O TDAH manifesta-se como uma hipofunção das áreas pré-frontais do córtex cerebral. Quando falamos de funcionamento do cérebro, fazemos referência a descargas elétricas que funcionam como base da transmissão de informação nervosa entre os neurônios; Essas descargas elétricas são amplificadas e decodificadas por aparelhos de EEG – eletroencefalografia. Um EEG permite identificar padrões de ondas cerebrais, dentre eles a freqüência das ondas, medidas em ciclos por segundo. Ondas rápidas são indicadoras de áreas com alta freqüência de descargas elétricas e transmissão nervosa; o contrário vale para as ondas lentas; O déficit de atenção e distúrbios de ansiedade pode prejudicar o processamento de informação e, conseqüentemente, a aprendizagem motora de crianças em fase de desenvolvimento; Para Andrade et al. (2004), ao compreender como a atenção se desenvolve dentro dos processos de maturação neural, pode-se verificar se o nível de atenção é normal ou não de acordo com a maturação da criança 109 naquela faixa etária e também se a aula está adequada a capacidade e desenvolvimento cerebral da criança. O TDAH deriva de um funcionamento alterado no sistema neurobiológico cerebral, isto significa que substâncias químicas produzidas pelo cérebro, chamadas de neurotransmissores, apresentam-se alteradas quantitativamente e/ou qualitativamente no interior dos sistemas cerebrais que são responsáveis pelas funções da atenção, impulsividade e atividade física e mental no comportamento humano (GIACOMINI e GIACOMINI, 2006). Esses autores afirmam que os neurotransmissores mais participativos, nesse processo de desregulagem no funcionamento do lobo frontal, seriam as catecolaminas, que incluem a noradrenalina e a dopamina. Segundo Silva (2003) apud Giacomini e Giacomini (2006) estudos recentes indicam para a participação de outros neurotransmissores no funcionamento do cérebro, como é o caso da serotonina que exerce papel como coadjuvante no processo de organização cerebral. O TDAH se associa às outras morbidades, como o Transtorno de Conduta, Depressão, Ansiedade, Transtorno Afetivo Bipolar, Transtorno Opositor-Desafiante, Transtorno de Conduta, Transtorno Obsessivo- compulsivo, Transtorno de Tourette (tiques vocais e motores), Distúrbios de Aprendizagem e problemas emocionais, em etapas subseqüentes na vida Organização Mundial de Saúde (1993) (AUGUST, REALMUTO, MACDONALD, NUGENT e CROSBY, 1996 apud ARGOLLO, 2003). A ação reguladora do comportamento humano é feita pelo lobo frontal, que exerce uma série de funções de caráter inibitório, sendo responsável em frear os pensamentos, impulsos e velocidades das atividades físicas e mentais; isto acontece por essa região do cérebro receber menor aporte sangüíneo em conseqüência, menor glicose, diminuição de energia e metabolismo, com isso o cérebro passa a receber uma enorme quantidade de pensamentos e impulsos numa velocidade bem acima da média, ocasionando uma grande desorganização interna (GIACOMINI e GIACOMINI, 2006). Para esses autores, o lobo frontal regula o comportamento através das seguintes funções: fazer manutenção dos impulsos sob controle, planejar ações futuras, filtrar impulsos irrelevantes, acionar as reações de luta e fuga, 110 controlar emoções, caráter inibitório, regular o grau de disposição física e mental, dentre outros impulsos. 7.6.3 Transtorno Afetivo Bipolar O transtorno bipolar (TB) é considerado um dos mais graves dos tipos de doença mental, e se caracteriza pela presença de episódios alternados de humor - mania/hipomania e depressão, os quais podem variar em intensidade, duração e freqüência. Além dos episódios clássicos de mania, hipomania e depressão, há ainda aqueles mistos, ou seja, episódios nos quais ocorrem sintomas tanto característicos das fases de mania/hipomania como da depressão. Esse transtorno corresponde a um dos mais prevalentes e potencialmente graves transtornos psiquiátricos (ROCCA e LAFER, 2006). Na Tabela 21 estão as características clínicas do Transtorno Afetivo Bipolar. Tabela 21. Características clínicas do Transtorno Afetivo Bipolar31 Características clínicas do Transtorno Afetivo Bipolar (TB) Oscilações importantes do humor entre os pólos da exaltação (ou euforia) e depressão apresentam curso recorrente e crônico, implicando em elevado grau de morbidade e incapacidade para seus portadores. Pacientes TB apresentam dificuldades em vários domínios cognitivos, sendo que alguns persistem mesmo após remissão dos sintomas. Os déficits encontrados se localizaram basicamente nas funções executivas. A ocorrência de sintomas psicóticos é considerada um indicador da gravidade do episódio nas diferentes fases da doença. A alta freqüência desses episódios determina a cronicidade da doença (ROCCA e LAFER, 2006). A seguir destacam-se os aspectos neuropsicológicos do Transtorno Afetivo Bipolar (TAB). Pacientes com TAB apresentam dificuldades em vários domínios cognitivos, sendo que alguns persistem mesmo após remissão dos sintomas; Os déficits encontrados se localizaram basicamente nas funções executivas; 31 Fonte: Keila (1999); Rocca e Lafer (2006). 111 Na comparação com pacientes portadores de esquizofrenia, o bipolar apresenta um perfil de alterações cognitivas mais leves, o que aponta para diferenças em termos de prognóstico da doença e para anormalidades em circuitos neuroanatômicos específicos; Há correlação positiva entre déficits cognitivos e número de episódios ou internações; As medicações utilizadas para estabilização do humor podem ter um impacto negativo na cognição; Do ponto de vista fisiopatológico, o TAB relaciona-se às disfunções nos circuitos cerebrais relacionados à regulação das emoções; Os prejuízos são sugestivos de disfunção em circuitos fronto-estriatais específicos que podem, em parte, explicar as dificuldades na adaptação psicossocial destes pacientes. Para Rocca e Lafer (2006) deve-se avaliar a eficácia de programas de reabilitação neuropsicológica, em estudos futuros; os quais visam, por meio de treinos cognitivos, a minimização o impacto negativo dos déficits encontrados na rotina desses pacientes. 7.6.4 Transtorno da Conduta O quadro clínico do Transtorno da Conduta, de acordo com a CID-10 apud Guerra (2002), é caracterizado por um padrão repetitivo de conduta antisocial, agressiva ou desafiadora. Os critérios diagnósticos do DSM-IV para transtorno da conduta aplicamse a indivíduos com idade inferior a 18 anos e requerem a presença de pelo menos três desses comportamentos nos últimos 12 meses e de pelo menos um comportamento anti-social nos últimos seis meses, trazendo limitações importantes do ponto de vista acadêmico, social ou ocupacional. Para Guerra (2002), o Transtorno da Conduta não deve ser confundido com o termo "Distúrbio da Conduta", utilizado no Brasil de forma muito abrangente e inespecífica para nomear problemas de saúde mental que causam incômodo no ambiente familiar e/ou escolar. Por exemplo, crianças e 112 adolescentes desobedientes, com dificuldade para aceitar regras e limites e que desafiam a autoridade de pais ou professores costumam ser encaminhados aos serviços de saúde mental devido a "distúrbios da conduta". No entanto, os jovens que apresentam tais distúrbios nem sempre preenchem critérios para a categoria diagnóstica "transtorno da conduta". Portanto, o termo "distúrbio da conduta" não é apropriado para representar diagnósticos psiquiátricos. As principais características do Transtorno da Conduta de acordo com os critérios diagnósticos do DSM-IV apud Bordin e Offord (2008) estão na Tabela 22. Tabela 22. Características clínicas do Transtorno da Conduta32 Características clínicas do Transtorno da Conduta Freqüentemente persegue, atormenta, ameaça ou intimidam os outros; Freqüentemente inicia lutas corporais; Já usou armas que podem causar ferimentos graves (pau, pedra, caco de vidro, faca, revólver); É cruel com as pessoas, ferindo-as fisicamente; (5) foi cruel com os animais, ferindo-os fisicamente; Rouba ou assaltar e confrontar a vítima; Submete alguém a atividade sexual forçada; Inicia incêndio deliberadamente com a intenção de provocar sérios danos; Destrói propriedade alheia deliberadamente (não pelo fogo); Arrombar e invadir casa, prédio ou carro; Mente e enganar para obter ganhos materiais ou favores ou para fugir de obrigações. Furtam objetos de valor; Passa a noite fora de casa com freqüência, mesmo que os pais proíbam. Isso tem início antes dos 13 anos; Foge de casa, às vezes, passando a noite fora, enquanto morava com os pais ou pais substitutos (ou fugiu de casa uma vez, ausentando-se por um longo período); Falta da escola sem motivo, matando aulas freqüentemente (início antes dos 15 anos). O Transtorno da Conduta (conduct disorder) e o Transtorno Desafiador de Oposição (oppositional defiant disorder) são categorias diagnósticas utilizadas para crianças e adolescentes, enquanto o Transtorno de Personalidade Anti-social (antisocial personality disorder) aplica-se aos indivíduos com 18 anos ou mais (BORDIN e OFFORD, 2000; GIL, 2002; 32 Fonte: Salles et al. (2001) 113 GUERRA, 2002). A seguir estão destacados os aspectos neuropsicológicos do Transtorno da conduta. Na base do Transtorno da Conduta está a tendência permanente para demonstrarem comportamentos que incomodam e perturbam, além do envolvimento desses indivíduos com atividades perigosas e ilegais; Esses jovens não aparentam sofrimento psíquico ou constrangimento com as próprias atitudes, e não se importam em ferir os sentimentos do outro ou desrespeitar seus direitos; O comportamento dos portadores do TC causa maior impacto nos outros do que em si mesmo. Os comportamentos anti-sociais tendem a persistir, parecendo faltar a capacidade de aprender com as conseqüências negativas dos próprios atos; O Transtorno da Conduta pode associar-se ao TDAH, em 43% dos casos; e aos transtornos das emoções como Ansiedade, Depressão, Obsessão-compulsão, em 33% dos casos; A comorbidade do Transtorno da Conduta com o TDAH é mais comum na infância, envolvendo principalmente os meninos, enquanto a comorbidade com Ansiedade e a Depressão é mais comum na adolescência, envolvendo principalmente as meninas após a puberdade; Os fatores genéticos e neurofisiológicos também podem estar envolvidos no desenvolvimento do comportamento anti-social; existe uma predisposição biológica para o comportamento anti-social; A influência genética é mais evidente nos casos acompanhados de hiperatividade e pode ser responsável pela maior vulnerabilidade do indivíduo aos eventos de vida e ao estresse. No entanto, o papel dos fatores genéticos no transtorno da conduta ainda precisa ser mais esclarecido; O tratamento com psicofármacos é indicado necessário em algumas situações nas quais os sintomas-alvo (por exemplo, idéias paranóides associadas à agressividade, convulsões) ou outros transtornos psiquiátricos (por exemplo, TDAH, depressão) estão presentes; Recomenda-se cautela no uso de neurolépticos para o tratamento da agressividade, pois os riscos podem superar os benefícios. A hospitalização 114 está indicada em casos de risco iminente para o paciente (por exemplo, suicídio, auto-agressão) ou para os demais (por exemplo, homicídio). 7.6.5 Autismo Autismo é um grave transtorno do neurodesenvolvimento que compromete a aquisição de algumas das habilidades mais importantes para a vida humana. Variam de gravidade (leves a graves) e são denominadas transtorno do espectro do autismo (ZILBOVICIUS et al., 2006). Na Tabela 23 estão apresentadas as características clínicas do Autismo. Tabela 23. Características clínicas do Autismo33 Características clínicas do Autismo O sinal mais comum aos transtornos desse espectro é o déficit de interação social, que está associado a déficits de comunicação verbal e não-verbal e a comportamentos estereotipados e repetitivos; Há um retardo mental associado ao autismo, em 70% dos casos; QI < 70; Convulsões em 33% dos casos; O risco de recorrência para os irmãos é de aproximadamente 3 a 5%, o que corresponde a uma incidência 75 vezes maior do que na população geral; Há alta prevalência de indivíduos do sexo masculino nessa população (4 para 1); Há predisposição genética para esse transtorno. De acordo com Duncan (1986) apud Bossa (2001), muitas das características do autismo estão relacionadas ao comprometimento do funcionamento do lobo cerebral frontal, como por exemplo: inflexibilidade, expressa através de atividades ritualizadas e repetitivas; perseveração, foco no detalhe em detrimento de um todo; dificuldade em gerar novos tópicos durante o brinquedo de faz-de-conta e dificuldades no relacionamento interpessoal. Esse autor afirma que o lobo frontal, Tal área ocupa 1/3 do cérebro humano e é responsável pela execução de atividades a partir de informações recebidas pelas regiões posteriores do córtex. As partes posteriores compreendem regiões responsáveis pela informação sensorial enquanto a parte anterior (pré-frontal) organiza as informações emotivas, mneumônicas e da atenção, oriundas do sistema límbico ou do cerebelo, além das sensoriais. 33 Fonte: Salles et al. (2001) 115 Essa região é responsável pela capacidade de planejamento e desenvolvimento de estratégias para atingir metas, o que requer flexibilidade de comportamento, integração de detalhes num todo coerente e o manejo de múltiplas fontes de informação, coordenados com o uso de conhecimento adquirido (KELLY, BORRILL e MADDELL, 1996 apud ZILBOVICIUS, 2006). Esses autores relatam que estudos recentes utilizaram métodos de imagem cerebral, e puderam observar os circuitos neurais envolvidos nos transtornos do espectro do autismo. As técnicas mais utilizadas para avaliação de autismo são: técnicas de imagem cerebral funcionais, como tomografia por emissão de pósitrons (PET), tomografia por emissão de fóton único (SPECT) e RM funcional (RMf), abriu um novo e promissor caminho para o estudo da disfunção cerebral em crianças. Ambas as técnicas de tomografia por emissão permitem medidas não-invasivas e precisas do metabolismo da glicose cerebral e/ou do fluxo sanguíneo cerebral (FSC). Bossa (2001), Gil (2002) e Zilbovicius (2006) relataram que através de técnicas de neuroimagem puderam observar anormalidades da anatomia e do funcionamento, em repouso, do lobo temporal, em pacientes autistas, as quais estão relacionadas a seguir. As alterações estão localizadas bilateralmente nos sulcos temporais superiores. Essa região anatômica é de grande importância para a percepção de estímulos sociais essenciais; Ocorre hipoativação da maior parte das áreas envolvidas na percepção social (percepção de faces e voz) e da cognição social (teoria da mente) resultando num funcionamento anormal da rede de pensamento do cérebro social no autismo; As principais estruturas cerebrais que foram relacionadas ao autismo englobam o cerebelo, a amígdala, o hipocampo, o corpo caloso e o cíngulo; Existem anormalidades no sistema cortical de autistas relacionados com a anatomia e o funcionamento em repouso do lobo temporal de indivíduos autistas; Baseado em voxels foi observado através da Comparação de crianças autistas com os de crianças normais, e assim encontraram redução significativa 116 da concentração de substância cinzenta localizada bilateralmente nos sulcos temporais superiores; Os sulcos temporais superiores (STS) representam uma região crítica para a percepção de estímulos sociais essenciais, como o movimento biológico, a direção do olhar, as expressões gestuais e as faciais de emoção, e estão altamente conectados a outras partes do cérebro social, tais como o giro frontal e a amígdala. Essas áreas são hipoativas no autismo, durante a execução de tarefas, que exigem cognição social, sugerindo desse modo, um funcionamento anormal de todo o circuito da rede de pensamento do cérebro social; A ativação anormal do cérebro social envolve áreas relacionadas à percepção facial e de voz, e a tarefas de ordem social mais elevada, como julgar ou interferir sobre as informações sociais; A não percepção do material social pode relacionar-se com as dificuldades de extrair estados mentais do material social, ou seja, prejuízo nas tarefas da teoria da mente. Isso sugere que o prejuízo da comunicação social no autismo poderia estar baseado no processamento perceptual anormal de informações socialmente relevantes; Através da Ressonância Magnética (RM) do corpo caloso foi observada uma redução no terço caudal do corpo caloso, em indivíduos autistas em comparação a controles saudáveis, comparados às medidas de indivíduos nãoautistas com retardo mental; Através do voxels, técnica de imagem do cérebro todo, detectou-se alterações sutis na substância cinzenta e branca entre dois grupos, e pode fornecer informações úteis sobre a distribuição da substância cinzenta e branca no autismo; Através da RM identificou-se um maior volume total do cérebro no autismo, sendo confirmado por estudos post-mortem e documentação sobre maior tamanho do crânio associado ao autismo; Os estudos de imagens cerebrais revelaram que as anormalidades cerebrais na percepção e no processamento relacionados aos prejuízos sociais nesses indivíduos; dos estímulos sociais 117 As técnicas de neuroimagem utilizadas em autista apresentam limitações, que relaciona à inclusão de indivíduos com diferentes níveis de QI; com faixa etária mais elevada; com síndromes epiléticas. As técnicas morformétricas clássicas de RM são determinadas de acordo com o tipo de conformação da região de interesse, Poe isso essas técnicas são consideradas subjetivas e dependentes do examinador (ZILBOVICIUS et al., 2006). Esses autores concluíram que os estudos neuropsicológicos em autistas auxiliam na compreensão dos mecanismos anormais e contribuem na elaboração de estratégias novas e mais adequadas para reeducação social nesses indivíduos. A compreensão das alterações nesse importante mecanismo pode estimular a elaboração de novas e mais adequadas estratégias sociais de reeducação para pacientes autistas. 7.7 Aspectos gerais sobre diagnóstico e intervenção das dificuldades de aprendizagem Para a elaboração de diagnóstico psicopedagógico dos transtornos e de deificuldades de aprendizagem foram selecionadas algumas sugestões, de acordo com Andrade (2004), Argollo (2003), Bordin e Offord (2008), Pestun et a. (2002) e Salles et al. (2001). A queixa e as informações dos pais, dos professores e da própria criança; Os pais ou responsáveis devem responder ao protocolo padronizado do DSM-IV, aos professores devem ser encaminhados questionários específicos para serem respondidos. Os pais são bons informantes, enquanto os professores tendem a superestimar os sintomas; Fazer a testagem psicológica - teste do WISC - cujos subtestes de números e aritmética, que compõe o fator de resistência a distraibilidade importante para reforço do diagnóstico, ou outros testes, como o Wisconsin Cart-Sortint test ou o STROOP test; Os exames de neuroimagem e EEG não são indicados. Em relação ao tipo de intervenção nos quadros de dificuldades de aprendizagem, torna-se da mesma forma necessária uma abordagem em 118 equipe que desenvolva um trabalho específico e adequado a cada problemática, podendo incluir psicólogos, pedagogos, fonoaudiólogos e orientadores educacionais. Para cada caso é delineado um plano de reabilitação, delimitando metas de curto prazo e de longo prazo, bem como as especialidades mais urgentes em cada momento do processo. Cada tipo de disfunção exige práticas terapêuticas específicas (SALLES et al., 2001). No caso dos distúrbios específicos do aprendizado, a troca de informações entre as áreas médica, neuropsicológica e pedagógica é fundamental para promover a interdisciplinaridade e, conseqüentemente, ampliar nosso conhecimento acerca dessas disfunções (PESTUN et al., 2002). Nesse contexto o papel do psicopedagogo é de fundamental importância, pois seu principal papel é trabalhar com as dificuldades de aprendizagem. Para esses autores, o contexto familiar e o escolar também devem ser objeto de análise e devem ser partes componentes do processo de intervenção. Os papéis da família e da escola são cruciais tanto na identificação precoce das dificuldades da criança quanto no tratamento. A orientação aos pais e professores é parte imprescindível do programa de intervenção. Um conhecimento mais aprofundado sobre as necessidades da criança/adolescente resulta em programas de ensino mais condizentes com suas peculiaridades. Escola, profissionais envolvidos no caso e família devem estar integrados para favorecer o processo de aprendizagem da criança e minimizar seus déficits. A seguir estão relacionadas sugestões para intervenção psicopedagógica em transtornos cerebrais, baseadas em Andrade et al., (2004), Argollo (2003), Bordin e Offord (2008), Pestun et al. (2002) e Salles et al. (2001). A intervenção psicossocial inicia com a educação dos pais sobre o transtorno, e treinamento de estratégias comportamentais para a abordagem com os seus filhos; Orientação dos professores sobre como organizar uma sala de aula, principalmente em relação aos transtornos, como: indivíduos com TDAH, Transtorno de Conduta e Transtorno Afetivo Bipolar; de forma a organizar o local, agrupando poucos alunos por sala, estabelecendo rotinas diárias e 119 previsíveis para ajudar no controle emocional e no desempenho cognitivo da criança; Distribuir tarefas curtas, com explicações divididas para cada parte da atividade, intercaladas com atividades físicas; dispor o indivíduo sempre na primeira fila, longe das janelas e da porta, nos casos de ansiedade, falta de atenção, impulsividade e hiperatividade; Em certos casos é necessário buscar apoio na intervenção psicoterapêutica para a família e/ou para a criança – sugere-se a terapia cognitivista-comportamental; A psicoterapia é indicada em casos onde ocorre comorbidade associada (como depressão, ansiedade, comportamento disruptivos); baixa auto-estima; dificuldade de controle de impulsos e desabilidades sociais; Nomear o indivíduo que apresente casos de ansiedade, desatenção, impulsividade e hiperatividade, como um assistente do educador, quando este necessitar de ajuda para distribuir deveres ou pegar algo fora da sala; Em casa, cada tarefa ou atividade doméstica deverá ser seguida de um pequeno intervalo, que deve ser negociado sempre antecipadamente com o familiar responsável pela criança; O tratamento medicamentoso ou farmacológico pode baseiar-se na ingestão de substâncias de efeito psicoestimulante, que normalizam as áreas hipoativas; Estudos neuropsicológicos demonstram que as medidas de atenção, impulsividade, aprendizado, processamento de informação, memória de curto prazo e vigilância são grandemente melhoradas com o uso de medicamentos; Intervir junto à família e à escola (por exemplo, psicoterapia familiar e individual, orientação de pais, comunidades terapêuticas e treinamento de pais e professores em técnicas comportamentais; Introduzir a intervenção com o indivíduo quanto mais jovem possível; pois quanto mais cedo identificar o problema e menos graves forem os sintomas, maior a probabilidade do indivíduo de melhorar a vida do paciente através da psicoterapia; 120 Contatar a escola é importante e útil para resolver conflitos entre professores e alunos e ajudar os professores a encontrar maneiras mais adequadas de interagir com as dificuldades da criança; Recomenda-se o envolvimento com profissionais especializados com trabalhos em oficinas de artes, música e esportes. Isso faz o indivíduo sentir-se capaz de criar, e favorece a auto-estima; Inserir a família no processo de intervenção. Muitas vezes os pais necessitam de tratamento psiquiátrico; É necessário o uso de medicamentos psicofármacos, em algumas situações onde ocorram os sintomas-alvo, como idéias paranóides associadas à agressividade, convulsões; ou outros transtornos psiquiátricos, como o caso de TDAH e depressão; O planejamento das intervenções deve considerar as particularidades de cada caso, a fim de que o indivíduo se torne gradativamente capaz realizar um controle voluntário sobre seus processos comportamentais e cognitivos. Esses modelos de processos de aprendizagem pretendem estimular o desenvolvimento de comportamentos mais adaptativos e mais eficazes (ANDRADE et al. 2004). Esses autores citam que o baixo nível sócio econômico gera um ambiente adverso para o desenvolvimento psicossocial das crianças, a pouca variedade de estímulos que este meio oferece nem sempre é compatível com as necessidades que as crianças apresentam para desenvolver suas capacidades intelectuais, motoras, emocionais e sociais. No entanto, desvios em fatores psicomotores também estão relacionados à aprendizagem. Segundo Fonseca (1995), a lateralidade, a organização espaço temporal, o conhecimento e domínio do próprio corpo constituem a formação psicomotora. Alterações nesses fatores podem evidenciar importante relação com dificuldades de aprendizagem. Esse autor relata que através de estudos sobre a influência da organização percepto-motora na aprendizagem escolar de crianças, de escolas primárias, pode-se concluir que as dificuldades específicas nessa organização podem comprometer o rendimento escolar e dificultar a aprendizagem da leitura e da escrita. 121 A psicomotricidade é conhecida como uma técnica utilizada na integração superior da motricidade, produto de uma relação inteligível entre a criança e o meio, que traduz uma relação entre atividade psíquica e motora (FONSECA,1995). A psicomotricidade permite reabilitar os sujeitos que apresentam característcias de transtorno específico do desenvolvimento da função motora. Para esse autor, o atraso do desenvolvimento psicomotor como uma das causas do mau desempenho escolar e verifica-se que as condições financeiras, familiares e outras características individuais dos alunos também podem relacionar-se com as dificuldades de aprendizagem acadêmica. A elaboração de diagnóstico precoce das dificuldades de aprendizagem e dos transtornos cerebrais possibilita maior eficácia no tratamento. 7.8 A questão da inclusão social A neuropsicologia se preocupa com a inclusão social ao desmistificar que as dificuldades de aprendizagem não limitam a vida dessas crianças, mas apenas conferem necessidades que exigem novas estratégias de intervenções. O aspecto relevante da inclusão é o potencialidades e dificuldades, próprio indivíduo, com suas auto-estima e temores, habilidades e necessidades (AMBRÓZIO et al., 2005). Para esses autores a aceitação das dificuldades é de relevância por todos que convivem com a criança, deve ter início na família, pois ela é a responsável pela estruturação das primeiras relações sociais da criança, como ela constrói sua auto-imagem e sua auto-estima. É de fundamental importância a adequação psicopedagógica às necessidades de seu público-alvo. Consideramos que seja difícil a possibilidade de uma adequada inclusão escolar sem o trabalho do psicopedagogo, que deve apoiar a criança nas suas angústias (FABRÍCIO e SOUZA, 2007) O contexto escolar é mais complexo, quando se trata do atendimento das necessidades especiais, pois nesse ambiente a criança experimenta novas relações sociais e exercita as relações estruturadas no núcleo familiar. A escola é o local que exige da criança os conteúdos acadêmicos, os quais estão 122 relacionados como pré-requisitos as suas funções cognitivas (AMBRÓZIO et al., 2005). As crianças requerem necessidades educacionais especiais e as exigências acadêmicas devem ser adaptadas as suas reais condições. O papel do psicopedagogo é necessário e enriquecedor nesse contexto, para buscar alternativas para atender às dificuldades de aprendizagem de cada indivíduo, juntamente com o apoio da escola e principalmente da família. 123 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS "... o ser humano é, na verdade, um autômato, e o fato de sermos dotados de sensibilidade, sentimentos e conhecimentos é parte dessa seqüência automática da vida; esses atributos especiais nos possibilitam existir sob uma ampla variedade de condições que, de outra maneira, tornariam a vida impossível." - Arthur C. Guyton O funcionamento do sistema nervoso, aliado às interações com o meio, afeta as funções do indivíduo, na forma de habilidades de atenção, percepção, linguagem, raciocínio, abstração, memória, aprendizagem, habilidades acadêmicas (leitura, escrita, cálculo), processamento da informação, visoconstrução, afeto, funções motoras e executivas, a ponto de prejudicar sua aprendizagem. E, conseqüentemente, acarreta déficits acadêmico, emocional, psicológico, social e, futuramente, profissional ao indivíduo. A plasticidade neuronal, ou seja, a capacidade do sistema nervoso central em se adaptar ou mudar em resposta à estimulação ambiental é considerado um pressuposto teórico no qual a neuropsicologia está alicerçada. Essa questão é fundamental para o sucesso do atendimento, diagnóstico e intervenção psicopedagógicos, pois indica que a plasticidade cerebral é um forte aliado no reestabelecimento das funções cerebrais relacionadas com as dificuldades de aprendizagem, distúrbios ou transtornos, principalmente em crianças. Isso torna possível auxiliar o cérebro do indivíduo a se reestruturar e a se organizar, para poder restabelecer suas funções que podem estar prejudicadas por algum transtorno, disfunção, ou traumas mecânicos. A capacidade que um indivíduo apresenta de se adequar e se adaptar ao mundo, como na comunicação, na vida social e afetiva, está relacionada com as suas experiências de vida. Além disso, depende também da possibilidade de modificação da estruturação do seu sistema nervoso, para se abrir às interferências e auxílio de uma possível e necessária intervenção neuropsicológica amparada por uma equipe de profissionais multidisciplinar, da qual o psicopedagogo tem papel de destaque no atendimento, diagnóstico e intervenção das dificuldades de aprendizagem. 124 O psicopedagogo que conhece as contribuições da neuropsicologia aprofunda seus conhecimentos e aprimora seu desempenho no atendimento, diagnóstico e intervenção nos indivíduos que requerem necessidades educacionais especiais. E, nesse contexto, o papel do psicopedagogo é necessário e enriquecedor, para potencializar conhecimentos e atender às dificuldades de aprendizagem de cada indivíduo. Na área pedagógica, a neuropsicologia procura unir os processos internos (neurofisiológicos), que envolvem o desenvolvimento cognitivo da criança. O conhecimento dessas variáveis que afetam o desenvolvimento global do indivíduo, bem como as estratégias de avaliação neuropsicológicas associadas à avaliação multidisciplinar da performance global do indivíduo, é muito eficiente. Isso determina a forma de aprendizagem do indivíduo, bem como os mecanismos ou ações externas (ações didático-pedagógicas), que levam o aprendente a adquirir um novo conhecimento de si e do que o cerca. É de crucial importância que os educadores e os profissionais de áreas afins conheçam o método de avaliação neuropsicológica. Pois esse método dispõe de recursos que permitem elaborar uma avaliação e um diagnóstico precoces e exatos, bem como o estabelecimento de programas de ação terapêutica e re-educativa mais eficientes. O psicopedagogo pode acrescentar à avaliação neuropsicológica o “olhar cuidadoso” que engloba os aspectos afetivo, cognitivo e emocional do paciente, para contribuir na decodificação de possíveis resultados subjetivos para a realização do diagnóstico. A interpretação dos resultados da avaliação neuropsicológica através da abordagem multidisciplinar enriquece o trabalho desses profissionais e, conseqüentemente, favorece o paciente em todos os aspectos para que ele se inclua na vida acadêmica, afetiva e social, e que consiga se sentir útil e feliz, dentro de suas limitações e anseios. Estudos futuros devem avaliar a eficácia de programas de reabilitação neuropsicológica; os quais visam, por meio de treinos cognitivos, minimizar o impacto dos déficits encontrados na vida diária dos pacientes. 125 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, N. R.; Freitas Júnior, A.; Machado, M. A.; Souto, S. O. Massificando o ensino de forma individualizada. 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