CAPÍTULO 13 Semiologia Psiquiátrica: da Teoria à Prática Ana Paula Carvalho Orichio • Viviane Folster Mendonça • Viviane Reis Fontes da Silva • Bruna Gusmão de Matos • Clodoaldo Sousa Porto • Priscila Bastos Mayworm • Ronaldo José Paulino Este capítulo trata da importância da avaliação do estado mental para o cuidado global de enfermagem, seja ele dispensado ao paciente portador de problemas psíquicos ou biológicos, pois a indissociabilidade entre o corpo e a mente (funções psíquicas) é fundamental quando se pensa no cuidado holístico. Para tanto, apresentar-se-á uma proposta diferenciada no que tange à avaliação semiológica psiquiátrica, cujo enfoque será centrado na assistência e no indivíduo, quando serão detectados os problemas, riscos, preocupações e/ou necessidades que se configurarão no cuidado de enfermagem psiquiátrica. Ao final, será apresentado um formulário de avaliação global (Apêndice A) do paciente, que visa registrar e organizar as informações das esferas biológicas, sociais, psicológicas e espirituais do entrevistado. Este instrumento foi elaborado com base nos preceitos da Sistematização da Assistência de Enfermagem, fundamentado na Teoria das Necessidades Humanas Básicas de Wanda Horta, desenvolvido a partir da Teoria da Motivação Humana de Abrahan Harold Maslow. As necessidades humanas podem ser traduzidas como estados de tensão apresentados por indivíduos, família e comunidade, decorrentes do desequilíbrio de suas necessidades, podendo ser aparentes, conscientes, verbalizadas ou não. Logo, a equipe de enfermagem deverá implementar ações que auxiliem o indivíduo na promoção da saúde, bem-estar e prevenção de agravos, uma vez que esta prática profissional se orienta no respeito ao homem enquanto ser holístico, único, autêntico e participativo no seu cuidado. COLETA DE DADOS COM ÊNFASE NOS ASPECTOS PSICOBIOLÓGICOS E PSICOESPIRITUAIS O enfermeiro deve ter conhecimento científico acerca dos sistemas biológicos, das teorias de enfermagem e raciocínio crítico, a fim de realizar o histórico que se constitui na coleta de dados e no exame físico do paciente. Além disso, faz-se necessário que o enfermeiro assuma posturas que facilitem a comunicação e a relação interpessoal. Ele deve adequar-se à personalidade do entrevistado, comportando-se de maneira flexível, a fim de evitar posturas rígidas e estereotipadas que possam influenciar negativamente o vínculo terapêutico. Deve-se estabelecer atitude empática, evitando neutralidade ou frieza que possam ser percebidas como distância ou desprezo pelo entrevistado; entretanto, manifestações emotivas exageradas ou artificialmente calorosas podem caracterizar falsa intimidade. O entrevistador deve posicionar-se de modo a evitar emitir julgamentos ou comentários valorativos, além de responder com serenidade e firmeza, mesmo diante da hostilidade e agressividade do entrevistado. É importante que a entrevista Alterações da consciência É a capacidade neurológica de captar o ambiente e de se orientar de forma adequada. É o estado de lucidez ou de alerta. Um processo de coordenação e de síntese da atividade psíquica. AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA: ASPECTOS PSICOBIOLÓGICOS E PSICOSSOCIAIS Avaliação da consciência Durante o estado de consciência, habitualmente são recebidas informações visuais dos olhos, sons dos ouvidos, sensações táteis da pele, assim como estímulos de qualquer órgão sensorial com o objetivo de ajustar o nível adequado de alerta. É importante observar modificações no nível de consciência. Durante o exame, deve-se avaliar a participação do paciente através da capacidade de responder coerentemente aos estímulos ambientais, as reações perante os estímulos, atentando se estas são rápidas ou lentas e se o paciente encontra-se sonolento ou desperto. Um instrumento de análise fidedigno é pedir ao paciente que olhe, atenta e fixamente, para uma parede branca (ou um grande papel branco). O paciente com leve rebaixamento do nível de consciência pode, ao fazer isso, apresentar alucinações visuais simples ou complexas. Em clínica geral, usa-se também a escala de Glasgow, a qual avalia alterações no nível de consciência usando basicamente os parâmetros de abertura ocular, resposta verbal e resposta motora a estímulos. Alterações quantitativas • Obnubilação ou turvação da consciência: rebai- xamento da consciência em grau leve a moderado. O paciente pode já estar claramente sonolento. Diminuição do grau de clareza do sensório, com lentidão da compreensão, podendo o pensamento já estar ligeiramente confuso e dificuldade de concentração. • Sopor: falta profunda de resposta e ação espontânea (mutismo). O paciente desperta brevemente, por meio de um estímulo enérgico, sobretudo de natureza dolorosa, retornando após poucos segundos ao estado de sopor. • Coma: é o grau mais profundo. Nesse caso, é impossível haver qualquer atividade voluntária consciente, caracterizando-se ausência absoluta de indícios de consciência. Síndromes psicopatológicas associadas ao rebaixamento do nível de consciência Delirium: síndrome frequente na prática clínica, constitui uma emergência caracterizada por rebaixamento do nível de consciência, desorientação temporoespacial, dificuldade de concentração, perplexidade, ansiedades em graus variáveis, discurso ilógico e confuso e ilusões e/ou alucinações, quase sempre visuais. Trata-se de um quadro que oscila muito ao longo do dia, podendo ocorrer afundamento do nível de consciência ao final da tarde e no período noturno, mesmo quando o paciente estava com o sensório claro pela manhã. A atenção é uma dimensão da consciência que designa a capacidade de manter o foco em uma atividade. Designa, ainda, o esforço voluntário de selecionar certos aspectos de um fato, experiência do mundo interno (por exemplo, memórias) ou externo, fazendo com que a atividade mental se volte para eles em detrimento dos demais. 978-85-7241-000-0 seja conduzida de maneira objetiva, valorizando a fala do entrevistado, evitando discursos prolixos e redundantes, bem como anotações excessivas que denotem maior interesse pela escrita do que pelo conteúdo do discurso. Outro preceito a ser observado pelo entrevistador é a comunicação não verbal que se expressa através da postura, do olhar, dos gestos, da vestimenta, e que traduz objetivamente um conteúdo do discurso tão ou mais efetivo que a própria fala e que pode ser interpretado erroneamente pelo entrevistado. São divididas em alterações “fisiológicas” da consciência, dentre as quais o sono, o sonho, a hipnose e o cansaço, e alterações patológicas, que são as qualitativas e quantitativas. AT E N Ç ÃO CONSCIÊNCIA 282 Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA Estado onírico: alteração da consciência na qual o indivíduo vivencia um estado semelhante a um sonho vívido, em que visualiza cenas complexas, ricas em detalhes e terríficas. Geralmente ocorre amnésia consecutiva aos estados oníricos, que podem estar associados a uso de substâncias tóxicas, síndromes de abstinência e quadros febris. Alterações qualitativas O R I E N TAÇ ÃO Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA 283 • Orientação autopsíquica: compreende a capacidade do indivíduo de situar-se quanto a nome, idade, estado civil, data de nascimento, profissão, etc. • Orientação alopsíquica: compreende a capacidade de situar-se no tempo com relação a dia, mês, ano, marcos temporais (orientação temporal) e em relação a lugar, cidade, país (orientação espacial). • Estados crepusculares: estado patológico em que é observada a obnubilação da consciência com conservação da atividade motora coordenada. Surgem e desaparecem de forma abrupta com atos explosivos violentos e episódios de descontrole emocional. Essas crises têm duração variável de poucas horas a algumas semanas. • Dissociação da consciência: fragmentação ou divisão do campo da consciência, que se apresenta semelhante ao sonho. Essa crise dura de minutos a horas, raramente permanecendo por dias. • Transe: estado de dissociação da consciência. É uma espécie de sonho acordado, com a presença de atividade motora automática e estereotipada, acompanhada de suspensão parcial dos movimentos voluntários. • Estado hipnótico: estado de consciência reduzida e estreitada e de atenção concentrada, que pode ser induzido por outra pessoa (hipnotizador). Trata-se de uma técnica refinada de concentração da atenção e de alteração induzida do estado da consciência. 978-85-7241-000-0 • Experiências de quase-morte: experiências vivenciadas por indivíduos que estiveram em situações críticas de ameaça à vida. A grande maioria dos autores as descreve como uma sensação de paz, de estar fora do próprio corpo e de união com o cosmos. Avaliação da atenção • Vigilância: designa a capacidade de voltar o foco da atenção para os estímulos externos. Pode estar aumentada (hipervigil), podendo haver, neste caso, prejuízo da atenção para outros estímulos, ou diminuída (hipovigil), quando o paciente torna-se desatento em relação ao meio. A melhor forma de avaliar a atenção é por meio da observação durante a entrevista. • Tenacidade: capacidade de manutenção da atenção ou de uma tarefa específica. Deve-se observar a capacidade de prestar a atenção às perguntas durante a entrevista, sem estar constantemente distraindo-se. Pode-se pedir ao paciente para bater na mesa toda vez que se diga a letra A, entre uma série de letras aleatórias como K, D, A, M, X, T, A, F, O, K, L, E, N, A,... Grava-se o tempo e o número de erros. • Concentração: capacidade de manter a atenção voluntária em processos internos do pensamento ou em alguma atividade mental. O teste formal para a avaliação da concentração é o da subtração consecutiva do número 7 a partir do número 100. Para pacientes com déficit cognitivo ou quociente de inteligência (QI) abaixo de 80, utiliza-se uma série de 3 números a partir de 20. Se o paciente já tiver realizado o teste muitas vezes, alteram-se os números para 101 ou 21, para evitar que tenham sido decorados. Alterações da atenção • Desatenção: incapacidade de voltar o foco para um determinado estímulo. • Distração: incapacidade de manter o foco da atenção em determinado estímulo. Avaliação da orientação • Orientação temporal: pode-se perguntar ao paciente que horas são, o dia da semana, o dia do mês, o mês, o ano, a estação do ano e há quanto tempo ele está no hospital. • Orientação espacial: o paciente deve ser capaz de descrever o local onde se encontra (consultó- 284 Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA rio, nome do hospital), o endereço aproximado, a cidade, o estado, o país, sabendo também quem são as pessoas à sua volta. • Orientação autopsíquica: devem-se perguntar dados sobre o paciente, como nome, data de nascimento, profissão e o que faz no hospital. Estas informações devem ser conferidas por uma fonte confiável, como um familiar hígido. • Orientação alopsíquica: deve ser capaz de identificar seus familiares, amigos próximos e pessoal que o atende (médicos, enfermeiras, auxiliares, etc.). Alterações da orientação • Desorientação por redução do nível de cons- ciência ou desorientação torporosa ou turva: pode ser influenciada por alterações na atenção e consciência. Entende-se por sensação o fenômeno produzido por estímulos de natureza física, química ou biológica. A origem de tais estímulos ocorre tanto fora quanto dentro do organismo e culmina no acionamento dos órgãos receptores. As diferentes formas de sensação devem-se à especificidade dos estímulos, a saber: visuais, táteis, auditivos, olfativos, gustativos, proprioceptivos e sinestésicos. Em contrapartida, define-se por percepção a tomada de consciência do estímulo sensorial pelo indivíduo. Avaliação da sensopercepção • Alucinações auditivas: pode-se perguntar ao paciente se ele ouve vozes sem saber de onde vêm; se as vozes vêm de dentro da cabeça ou de fora do corpo; se vê ou sente as pessoas que lhe falam; se as vozes o xingam ou ameaçam; se proíbem ou ordenam algo; se ouviu as vozes durante a entrevista. • Alucinações visuais: pode-se perguntar se o paciente tem percebido visões, animais, fantasmas, fogo, demônios ou coisas do tipo; se assustou-se com tais visões; se tem visões a qualquer hora; se sabe de onde vêm essas visões. • Alucinações olfativas e gustativas: pode-se • Desorientação por déficit de memória: não consegue fixar em suas memórias as informações ambientais básicas. perguntar ao paciente se tem notado sabor ou cheiro ruim na comida; se há veneno na comida; se o cheiro passou rápido ou demorou. • Desorientação por apatia: o paciente torna-se deso- • Alucinações táteis e cinestésicas: pode-se per- rientado por intensa alteração do humor e da volição. • Desorientação delirante: atinge indivíduos que estão em um intenso quadro delirante. • Desorientação oligofrênica: acomete indivíduos com grandes déficits intelectuais por incapacidade de compreender o ambiente. • Desorientação histérica: ocorre em quadros histéricos graves, geralmente acompanhada de alterações da identidade pessoal. • Desorientação por desagregação: acontece em quadros esquizofrênicos. • Desorientação quanto à própria idade: ocorre em quadros de esquizofrenia. guntar ao paciente se ele sente algo estranho no corpo; se sente como se lhe tocassem, batessem ou beijassem; se tem a sensação de que tocam nos seus genitais; se sente como se houvesse um animal dentro de seu corpo. • Alucinações cinestésicas: pode-se perguntar ao paciente se ele tem feito movimentos contra a sua vontade; se partes do seu corpo têm mudado de posição sem o seu controle; se seu corpo flutua; se tem a sensação de ter levado um empurrão. Alterações da sensopercepção Ilusão Trata-se da percepção alterada de um objeto real e presente. A mais comum é a visual. Pode ocorrer 978-85-7241-000-0 Quando um cliente fica desorientado, após um quadro de delirium, por exemplo, a primeira noção de orientação perdida é em relação ao tempo, depois espaço e por último (e raramente) em relação a si próprio. A recuperação se dá de maneira inversa: inicialmente, o paciente orienta-se em relação à própria pessoa, posteriormente em relação ao espaço e, por fim, ao tempo. Sensopercepção Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA 285 quando há redução de estímulos ou do nível de consciência (delirium), fadiga grave e em alguns estados afetivos (por exemplo, miragem no deserto). • Dismegalopsias: tipo de ilusão na qual os objetos ou pessoas tomam tamanhos e/ou distâncias irreais. • Macropsias: os objetos parecem mais próximos e maiores. • Micropsias: os objetos parecem menores e mais distantes. Ocorrem em descolamento de retina, distúrbios de acomodação visual, lesão temporal posterior e intoxicações por drogas. somática está relacionada aos órgãos internos (intestinos arrancados, cérebro no abdômen, etc.). • Cinestésica ou vestibular: alucinação relacionada ao equilíbrio e à localização do indivíduo no espaço. O cliente percebe-se movendo-se no espaço, sente estar voando ou percebe o movimento das paredes. • Olfativas e gustativas: trata-se de alucinações raras; gostos e odores são sentidos sem que haja estímulo real (perfumes, terra, sangue, fezes e outros desagradáveis). • De presença: sensação de presença de outra Alucinação Ocorre a percepção sensorial na ausência de um estímulo externo, ou seja, um objeto é percebido sem que esteja presente. As alucinações podem ser: • Auditivas: são as mais comuns; classificam-se em elementares (ruídos, sons inespecíficos, assobios, roncos) ou complexas (vozes). Comumente, são relatadas por pacientes psicóticos. Diálogos entre diversos interlocutores, sonorização dos próprios pensamentos, críticas e injúrias dirigidas ao paciente levam-no a crer, frequentemente, que tais vozes são provenientes do sobrenatural (Deus, demônios, espíritos de falecidos, etc.). As vozes podem ainda determinar ordens ao paciente (por exemplo, “Mate-se!”), atribuindo periculosidade às ações que ele pode concretizar. 978-85-7241-000-0 • Visuais: o objeto percebido pode ter ou não uma forma específica: clarões, vultos, raios, animais peçonhentos; pode ainda se apresentar em forma de cena. Denomina-se alucinação autoscópica aquela em que o paciente se vê fora do seu próprio corpo; quando ele consegue visualizar cenas e objetos fora do seu campo visual, tem-se a alucinação extracampina (por exemplo, ver o que ocorre do lado de fora da parede). • Táteis: são observadas frequentemente nas psicoses tóxicas e delirantes (intoxicação por cocaína, anfetamina, delirium tremens). Os pacientes relatam sensação de picadas de pequenos animais, formigamentos, vermes que entram em orifícios do corpo, sensação de pernas sendo puxadas, estrangulamento. A alucinação sinestésica ou pessoa ou ser vivo que permanece invisível. Existem também as pseudoalucinações, as quais são reconhecidas e percebidas como irreais. Memória e suas alterações Memória é a capacidade de registrar, fixar, evocar e reconhecer experiências ou fatos passados. Está diretamente relacionada ao nível de consciência, atenção e interesse. Dentre os diversos tipos de memória estudados nas diferentes áreas da saúde, tais como memória genética, imunológica e coletiva, para a avaliação psiquiátrica a memória cognitiva é a de maior interesse, pois pode ser definida como aquela que permite registro, conservação e evocação, a qualquer momento, das experiências aprendidas ou dos fatos passados. Avaliação da memória Para fins de avaliação, divide-se a memória em: • Memória imediata: capacidade de reter palavras, números, imagens, etc., imediatamente após percebê-los. Depende da concentração e do estado geral do indivíduo e pode ser avaliada ao pedir ao paciente para repetir uma sequência de números com 3, 4, 5, 6 e 7 algarismos, ou mencionar três objetos não relacionados e repeti-los imediatamente. • Memória recente: capacidade de reter a informação por um período curto (minutos a dias). Pode ser avaliada ao solicitar que o paciente repita a sequência de números anteriores ou faça 286 Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA menção dos três objetos não relacionados após 5min. Pode-se solicitar que ele relate o que comeu em uma das refeições anteriores ou o que fez no último fim de semana. • Memória remota: capacidade de evocar eventos do passado, que pode ser avaliada quando o paciente faz o relato da própria história de vida (nascimento, aniversários, casamento, nascimento dos filhos, etc.). Alterações da memória Alterações quantitativas • Hipermnésias: aumento da capacidade mnêmi- • Amnésias ou hipomnésias: perda da memória, seja por incapacidade de fixar, seja por incapacidade de manter e evocar antigos conteúdos mnêmicos. Essa alteração ainda pode ser subdividida em: – Amnésia psicogênica: perda de elementos mnêmicos com valor psicológico afetivo. – Amnésia orgânica: perda da capacidade de fixação e que pode evoluir até a perda de conteúdos antigos. – Amnésia anterógrada: perda da fixação dos elementos ocorridos a partir do evento que lhe causou dano cerebral. – Amnésia retrógrada: perda da memória para fatos ocorridos antes da doença ou trauma. Alterações qualitativas • Fabulações: preenchimento das lacunas de memória com elementos da imaginação do paciente, sendo que este não reconhece como falsas as imagens produzidas. • Criptomnésias: o paciente não reconhece um fato vivenciado como antigo e acha que a experiência ou fato é novo. • Ecmnésia: trata-se de uma recordação intensa, porém breve e condensada de muitos eventos passados. • Lembrança obsessiva: surgimento espontâneo e fixo de conteúdos do passado ou de imagens mnêmicas que não podem ser repelidas pelo indivíduo. • Agnosias: de origem essencialmente cerebral, correspondem a déficits do reconhecimento de estímulos sensoriais, objetos e fenômenos, como: – Agnosias táteis: de olhos fechados, o paciente não é capaz de reconhecer objetos colocados em suas mãos. – Agnosias visuais: mesmo ao enxergar, o paciente não reconhece os objetos. – Prosopagnosia: incapacidade de reconhecer grupos de coisas. – Agnosia auditiva: sem haver déficit auditivo, o paciente é incapaz de reconhecer os sons. • Alterações do reconhecimento de origem de- lirante: – Falso desconhecimento: o paciente não reconhece os familiares. – Síndrome de Capgras: o paciente reconhece seu familiar como sendo um sósia. – Síndrome de Capgras inversa: o sujeito acredita que ele é um impostor. – Síndrome do duplo subjetivo: o paciente acredita que outra pessoa se tornou idêntica a ele. – Síndrome de Frégoli: o indivíduo identifica um estranho com se fosse alguém do seu círculo pessoal. – Síndrome de Frégoli inversa: há uma crença de que houve uma mudança radical da própria aparência física. • Alterações do reconhecimento de origem não delirante: – Fenômeno dejá-vu: o indivíduo tem a impressão de que aquela experiência já foi vivida no passado. – Fenômeno jamais-vu: o paciente, apesar de ter vivenciado um fato, tem a sensação de que nunca o viveu. Linguagem A linguagem é uma atividade mental especifica do ser humano e principal instrumento de comunicação; pode ser escrita ou falada. A língua é subdividida em três elementos essenciais: • Fonético: sons e elementos materiais da fala. • Semântico: traduz o significado dos vocábulos. 978-85-7241-000-0 ca de evocar lembranças com grande vivacidade e detalhes. Alterações do Reconhecimento Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA 287 • Sintático: expresso pela relação e articulação lógica das palavras. Alterações da Linguagem Transtornos afásicos Os transtornos afásicos são alterações na produção da linguagem. Subdividem-se em: • Afasia de expressão ou de Broca (afasia não fluente): o indivíduo apresenta dificuldade de produzir a linguagem e expressá-la, embora o órgão fonador esteja preservado. A fala é monótona, muitas vezes sem melodia. Pode decorrer de lesões vasculares na área de Broca e vir acompanhada de hemiparesia direita. Formas mais leves são percebidas em razão do agramatismo (ausência de conjugação dos tempos verbais ou uso inadequado das preposições, etc.). • Afasia de compreensão ou de Werniche (afasia fluente): não há impossibilidade motora da fala, porém ela é, por vezes, incompreensível. O indivíduo apresenta dificuldade no entendimento da linguagem falada e escrita, produzindo erros na escolha das palavras. A fala é espontânea e fluida, porém incoerente e sem sentido. Decorrente de lesões na área de Werniche. • Afasia nominal (anomia ou afasia amnéstica): dificuldade de encontrar o nome correto para os objetos. • Parafasias: distorção de determinadas palavras; constituem formas mais discretas de déficit de linguagem. 978-85-7241-000-0 • Agrafia: perda da linguagem escrita por lesão orgânica, sem déficit motor ou perda cognitiva global. Pode estar associada às afasias. • Alexia: perda neurológica da capacidade de leitura previamente adquirida. Pode estar associada às agrafias ou às afasias. • Disartria: incapacidade de articular corretamente as palavras devido a alterações neuronais referentes ao aparelho fonador. A fala é pastosa e de difícil compreensão por conta da dificuldade de articulação das consoantes labiais e dentais. • Disfonia: alteração da fala decorrente da mudança na sonoridade das palavras. Na afonia, o indivíduo não consegue emitir sons ou palavras. É causada por disfunção no aparelho fonador ou defeito na respiração durante a fala. • Disfemia: alteração da linguagem falada sem lesão orgânica associada, determinada por conflitos e fatores psicogênicos. Está frequentemente associada a estados emocionais intensos, quadros histéricos e conflitos inconscientes intensos. Um tipo comum de disfemia é a gagueira, que é a dificuldade de pronunciar certas sílabas. • Dislalia: alteração da linguagem falada que acarreta omissão ou substituição de fonemas. Pode ser orgânica, decorrente de defeitos da língua, dos lábios, da abóboda palatina ou de outro componente do aparelho fonador, ou funcional, resultante de causas psicogênicas, conflitos interpessoais ou imitação. Alterações da linguagem associadas a transtornos psiquiátricos primários • Logorreia: produção aumentada e acelerada da fala (taquifasia), podendo estar associada ao taquipsiquismo geral. • Pressão da fala: fala rápida que aumenta em intensidade e é de difícil interrupção; ocorre na fase maníaca e o indivíduo, por vezes, expressa que não consegue parar de falar. • Loquacidade: aumento da fluência verbal sem prejuízo lógico do discurso. • Bradifasia: caracterizada pela fala muito vagarosa; associa-se a quadros depressivos graves, estados demenciais e esquizofrenia crônica ou com sintomas negativos. • Mutismo: ausência de resposta verbal por parte do paciente. Pode ter causas neurobiológicas, psicóticas ou psicogênicas. Em psiquiatria, é na maioria das vezes uma forma de negativismo verbal, uma resposta de oposição ao ambiente. O coma vigil, ou seja, aquele com movimentos oculares preservados, é denominado mutismo acinético. • Perseveração e estereotipia verbal: fala repetitiva, mecânica e sem sentido, indicativa de lesão 288 Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA orgânica, particularmente das áreas cerebrais pré-frontais. • Ecolalia: repetição involuntária de frases ou palavras ouvidas no ambiente. Encontrada principalmente na esquizofrenia catatônica e nos quadros psico-orgânicos. • Palilalia: repetição automática da última palavra que o paciente utilizou em seu discurso. • Tiques verbais ou fonéticos: produção de sons ou palavras de forma recorrente, imprópria e irresistível. Caracteriza-se pela produção de sons guturais. • Coprolalia: repetição involuntária de palavras obscenas ou vulgares. compreensível. Avaliação da linguagem É realizada durante todo o curso da entrevista. Para tanto, o entrevistador deve observar fala espontânea do paciente, avaliar se é possível estabelecer diálogo com ele e atentar-se para características como fluência, fala reduzida, riqueza ou empobrecimento de linguagem, utilização de termos apropriados ao contexto, repetição de palavras, ritmo da fala. Uma vez detectada deficiência na compreensão oral, deve-se descartar a ocorrência de hipoacusia (diminuição da função auditiva). Juízo crítico É a capacidade de perceber e avaliar adequadamente a realidade externa e separá-la dos aspectos do mundo interno ou subjetivo. Implica separar fantasias, sentimentos e impulsos próprios de sentimentos e impulsos de outras pessoas. Refere-se, ainda, à possibilidade de autoavaliar-se adequadamente e ter uma visão realista de si mesmo, suas dificuldades e suas qualidades. A capacidade de julgamento é necessária para todas as decisões diárias, para estabelecer prioridades e prever consequências. O insight é uma forma mais complexa de juízo. Envolve um grau de compreensão do paciente sobre si mesmo, seu estado emocional, sua doença e as consequências desta sobre si, pessoas que o cercam e sua vida em geral. É reconhecido como um importante mecanismo de mudança psíquica nas psi- Avaliação do juízo crítico A partir da entrevista, costuma-se ter uma boa noção da capacidade de julgamento e insight. Porém, nas ocasiões em que permanecem dúvidas, pode-se fazer perguntas objetivas, como o que o paciente faria se encontrasse uma carta endereçada e selada na rua, sendo a resposta adequada a de colocar em uma caixa de correio. Alterações do juízo crítico Constituem alterações do juízo crítico falar coisas inapropriadas, ser inconveniente, gastar mais do que pode, não medir consequências, não se dar conta da gravidade da doença, não reconhecer limitações. • Ideias delirantes: crenças que refletem uma falsa avaliação da realidade e que, para o paciente, tornam-se verdades indiscutíveis. Podem ser descritas, segundo seu grau de organização, como sistematizadas (relacionadas a um único tema) e não sistematizadas (relacionadas a mais de um tema, sendo, pois, mais desorganizadas e pouco convincentes). • Ideias delirantes de perseguição: o indivíduo acredita que está sendo perseguido por pessoas desconhecidas ou conhecidas, que querem prejudicá-lo de alguma maneira. • Ideias delirantes de autorreferência: o indivíduo acredita ser vítima de referências depreciativas, caluniosas. • Ideias delirantes de grandeza: ocorrem, normalmente, na mania. Nesse tipo de delírio, o paciente acredita ser extremamente especial, dotado de inúmeras capacidades. Há uma concepção exagerada acerca de sua importância, poder ou identidade. • Ideias delirantes de infidelidade ou ciúme de- lirante: falsa crença de que seu amante é infiel. A infidelidade é percebida de forma vil e cruel; o indivíduo acometido acredita que seu cônjuge possui diversos amantes. Em geral, trata-se de uma pessoa extremamente ligada emocionalmente ao ser amado. Podem ocorrer nas psicoses, 978-85-7241-000-0 • Glossolalia: produção de fala gutural, pouco coterapias em geral e em especial nas psicoterapias de orientação analítica. Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA 289 sendo mais frequentes em pacientes alcoolistas crônicos e nos transtornos delirantes crônicos. • Ideias delirantes de erotismo ou erotomania: crença de que alguém, em geral uma pessoa de destaque social, está perdidamente apaixonada pelo cliente e abandonará tudo para que possam se casar. • Ideias delirantes (cenestopático): indivíduo acredita que há animais ou objetos em seu corpo. • Ideias delirantes de conteúdo depressivo: possuem temática triste e são o inverso do delírio de grandeza ou daqueles em que o sujeito acredita ser alguém muito especial. • Ideias delirantes de ruína ou niilista: indivíduo vive em um contexto cheio de desgraças e acredita que o mundo ou os outros não existem ou estão prestes a acabar. • Ideias de delírio de culpa: falso sentimento de culpa e remorso. Característico das formas graves de depressão. • Ideias delirantes de negação de órgãos: falsa Avaliação do humor e do afeto A avaliação do humor e do afeto é feita ao longo da entrevista, observando-se a expressão facial do paciente, sua postura, o conteúdo afetivo predominante no seu relato (tristeza, euforia, irritabilidade, etc.), o tipo de afeto que transmite e que desperta no entrevistador. Fala-se em afeto achatado, aplainado ou embotado, nos casos de severa redução da expressão afetiva, e em grandiosidade ou expansão nos casos de exagero na valorização das próprias capacidades, posses ou importância. Deve-se observar se o paciente comenta voluntariamente ou se é necessário pedir para que informe como se sente. Perturbações do Afeto • Labilidade emocional: instabilidade e constante crença de que seu corpo está destruído ou morto; o paciente pode relatar ausência de um ou mais órgãos. mutabilidade das reações afetivas. É atribuída à insuficiência da regulação interna dos afetos. É frequente em pacientes com quadros orgânicos, como no acidente vascular encefálico. • Ideias delirantes de hipocondria: o indivíduo • Embotamento afetivo: diminuição da expressão crê que tem uma doença grave, incurável, mesmo diante de exames e avaliações negativas. Humor e Afeto Humor 978-85-7241-000-0 O normal para qualquer tipo de afeto é que ocorra uma variação na expressão facial, no tom de voz e nos gestos, denotando um espectro de intensidade na emoção expressada (de superficial a profunda). Da mesma forma, é normal que ocorram variações no humor. É a tonalidade de sentimento predominante e mais constante que pode influenciar a percepção de si mesmo e do mundo ao seu redor. Afeto É a experiência da emoção subjetiva e imediata, ligada a ideias ou representações mentais e que pode ser observada pelas suas manifestações objetivas: alegre, triste, embotado, expansivo, lábil, inapropriado. Em outras palavras, o humor se refere à emoção predominante, mais constante, ao passo que o afeto é a sua expressão, o que se observa sendo mais flutuante. dos sentimentos, sobretudo aqueles que asseguram os nexos afetivos familiares. Ocorre, sobretudo, em quadros de esquizofrenia de longa data. • Incontinência emocional: perda da capacidade de controle das emoções, que se exteriorizam ao menor estímulo. O indivíduo deixa transparecer todas as emoções que sente, as quais costumam ser intensas. É frequente em pacientes com transtorno mental orgânico (principalmente após acidente vascular encefálico). • Ambitimias (ou ambivalência afetiva): coexistência de estados afetivos diversos e inconciliáveis. Sintoma tipicamente esquizofrênico. Não é ambiguidade de sentimentos nem dúvida; é o sentimento que perdeu a sua unidade. • Paratimias: sentimentos inadequados e paradoxais. Há discordância entre sentimentos e pensa- 290 Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA mentos, ou seja, o que é expresso ou narrado não condiz com as expressões afetivas. Ocorre em esquizofrênicos (quadros avançados). Há cisão do núcleo de pensamento. Perturbações do Humor • Humor deprimido (hipotimia): tristeza, deses- • Humor eufórico (hipertimia): os pacientes têm o ânimo elevado. Apresentam aumento da ressonância ao prazer, otimismo imotivado e se envolvem em atividades de risco. Podem ocorrer irritação, onipotência, delírios de grandeza, etc. Ocorre nas síndromes maníacas: transtorno bipolar, hipertireoidismo, início de intoxicações exógenas (álcool, anfetaminas, cocaína), etc. • Humor ansioso: temeridade imotivada, apreensão. Inteligência A inteligência pode ser traduzida como a capacidade de uma pessoa de assimilar conhecimentos factuais, compreender as relações entre eles e integrá-los aos conhecimentos já adquiridos anteriormente. Define-se ainda como a capacidade de raciocinar logicamente e de forma abstrata, manipulando conceitos, números ou palavras. Capacidade de resolver situações novas com rapidez e com êxito mediante a realização de tarefas que envolvam a apreensão de relações abstratas entre fatos, eventos, antecedentes e consequências. É o conjunto das habilidades cognitivas do indivíduo; a resultante, o vetor final dos diferentes processos intelectivos. Refere-se à capacidade de identificar e resolver problemas novos, de reconhecer adequadamente as situações vivenciais cambiantes e encontrar soluções, as mais satisfatórias possíveis, para si e para o ambiente, respondendo às exigências de adaptação biológicas e socioculturais. É a habilidade intelectiva Principais habilidades incluídas no constructo da inteligência RACIOCÍNIO PLANEJAMENTO RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS PENSAMENTO ABSTRATO COMPREENSÃO DE IDEIAS COMPLEXAS APRENDIZAGEM RÁPIDA APRENDIZAGEM A PARTIR DA EXPERIÊNCIA Segundo a teoria das inteligências múltiplas, identificam-se sete tipos de inteligência: linguística, lógico-matemática, espacial, musical, cinestésicocorporal, interpessoal e intrapessoal. Cada tipo de inteligência é um sistema genético ativado por informação interna ou externa que possui certa plasticidade, de modo que certas capacidades intelectuais podem ser ampliadas a partir de estímulos apropriados. Avaliação da inteligência É importante, em enfermagem, coletar informações sobre o desenvolvimento e o rendimento escolar do entrevistado: idade de ingresso na escola, se repetiu algum ano, dificuldades em matérias específicas, dificuldade de leitura e escrita, quando parou os estudos e por que motivo, valorizando sempre as dificuldades em acompanhar a programação letiva. Para avaliar (“grosseiramente”) o rendimento intelectual, pode-se questionar a capacidade do entrevistado de adaptar-se ao meio e a novas situações, aprender com as experiências, desenvolver atividades coerentes com um objetivo, utilizar pensamento abstrato e resolver problemas do cotidiano. A inteligência pode ser inferida por meio do desempenho intelectual durante o exame e com perguntas como: • O troco em dinheiro para $6,37 quando se deu $10,00. • Multiplicar 2=12; 2=24; 2=48; 2=96. • Distância aproximada entre duas capitais. • Nome do presidente do país e os últimos dois que o antecederam. 978-85-7241-000-0 perança, sentimento de menos valia, baixa autoestima e sentimentos de culpa; apatia, afeto embotado (resposta emocional diminuída ou indiferente às alterações dos assuntos). Os pacientes se queixam de que tudo está mais difícil e pesado que antes. Há diminuição da intensidade dos afetos e do ânimo, em geral associada ao retardamento da excitabilidade afetiva, que pode levar a uma incapacidade de sentir prazer (anedonia). As vivências ligam-se aos temas de morte, perda, culpa, insucesso, etc. que, com o mínimo de esforço empregado, obtém o máximo de ganho ou rendimento funcional. Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA 291 • Informações sobre programas populares de televisão ou esportes. Além disso, é possível avaliar os conhecimentos gerais com perguntas sobre geografia ou fatos relevantes da história, estando-se sempre atento ao nível cultural do paciente. Se a deficiência é grosseiramente aparente, informações históricas podem ser utilizadas para verificar se ela esteve sempre presente (deficiência mental) ou desenvolveu-se a partir de certa idade (demência). A capacidade de abstração deve ser avaliada por meio da solicitação de interpretação de provérbios e metáforas (como “quem não tem cão caça com gato”, “mais vale um pássaro na mão que dois voando”, “não se tira leite de pedras”) e da comparação de objetos semelhantes e diferentes (por exemplo, maçã e laranja, criança e anão, mentira e engano). Avaliar a capacidade de inteligência garante ao enfermeiro a percepção do que o paciente entrevistado tem condição de entender, a fim de adaptar o discurso às suas características. 978-85-7241-000-0 Personalidade Personalidade provém do termo persona, que significa a máscara dos personagens do teatro. É aquela máscara que cobria o rosto dos cômicos em Roma, ao representarem diferentes personagens de uma peça. Esse termo tem sido utilizado como um rótulo descritivo do comportamento observável do indivíduo e de sua experiência interior e subjetiva. A personalidade é o conjunto integrado de traços psíquicos, consistindo no total das características individuais, em sua relação com o meio, incluindo todos os fatores físicos, biológicos, psíquicos e socioculturais de sua formação, conjugando tendências inatas e experiências adquiridas no curso de sua existência. A dimensão essencial do conceito de personalidade é o seu duplo aspecto: relativamente estável ao longo da vida do indivíduo e relativamente dinâmico, sujeito a determinadas modificações, dependendo de mudanças existenciais ou alterações neurobiológicas. A estrutura da personalidade, segundo ele, “mostra-se essencialmente dinâmica, podendo ser mutável – sem ser necessariamente instável – e encontra-se em constante desenvolvimento”.3 O texto revisado da quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSMIV-TR, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders-IV Edition-Text Revision) define os transtornos da personalidade como experiências subjetivas e comportamento persistente que se desviam dos padrões culturais. São rigidamente generalizados, têm início na adolescência ou na vida adulta inicial, são estáveis ao longo do tempo e causam infelicidade e comprometimento. Avaliação e estados alterados da personalidade Quando os traços da personalidade são rígidos e mal-adaptativos e causam comprometimento do desempenho ou sofrimento subjetivo, pode-se dizer que existe um transtorno da personalidade. Os transtornos da personalidade são agrupados em três classes no DSM-IV-TR. O grupo A cobre os transtornos da personalidade paranoide, esquizoide e esquizotípica; os indivíduos com tais condições costumam ser percebidos como estranhos e excêntricos. O grupo B é formado pelos transtornos da personalidade antissocial, borderline, histriônica e narcisista; os indivíduos incluídos nesta categoria parecem dramáticos, emocionais e erráticos. O grupo C inclui os transtornos da personalidade esquiva, dependente e obsessivocompulsiva e uma categoria denominada transtornos de personalidade sem outra especificação (como o da personalidade passivo-agressiva e o da personalidade depressiva); nesses casos os pacientes parecem ansiosos e medrosos. O Quadro 13.1 mostra os principais transtornos separados por grupos, além de algumas perguntas que o entrevistador poderá fazer ao paciente e os traços mais marcantes de cada personalidade que poderão ser observados. Vontade A vontade é uma dimensão complexa da vida mental intimamente relacionada às esferas instintivas. É traduzida por expressões típicas como o que quero ou o que não quero. Distingue-se também pelos motivos ou razões intelectuais que influenciam o ato volitivo de atração ou repulsa na decisão volitiva. Alterações da vontade Diminuição ou abolição da atividade volitiva. O indivíduo refere que não tem vontade de nada, sente-se desanimado e sem forças. As alterações da 292 Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA Quadro 13.1 – Transtorno de personalidade segundo o Código Internacional de Doenças (CID-10) e a Quarta Edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV). Perguntas para identificar o perfil de personalidade, adaptado do Dalgalarrondo (2008). Agrupamento A Traços da personalidade paranoide Para personalidade paranoide • • • • • • • Você já sentiu (ou sente com certa frequência) que as pessoas não são confiáveis? • As pessoas se voltam contra você sem um motivo particular? • Sente que as pessoas ou as situações estão frequentemente contra você? Desconfiança constante Sensível às decepções e às críticas Rancoroso, arrogante Culpa os outros Reivindicativo Sente-se frequentemente prejudicado nas relações Para personalidade esquizoide • • • • • • • Prevalece uma observação mais acurada do paciente; são mais nítidas suas excentricidades • Você tem muitos amigos? Quais os grupos sociais você costuma frequentar? • Faça um elogio ao paciente e observe sua reação no momento • Como costuma (m) ser seu (s) relacionamento (s) amoroso (s)? • Que tipo de atividade em grupo você costuma se inserir? • Você possui amigos mais íntimos para quem costuma se abrir mais, expor seus sentimentos? Frio (indiferente) Distante, sem relações íntimas Esquisito (estranho) Vive no seu próprio mundo Solitário (isola-se) Não se emociona (imperturbável) Traços da personalidade esquizotípica Para personalidade esquizotípica • • • • • • • Prevalece uma observação mais acurada do paciente, são mais nítidas suas excentricidades e pensamentos mágicos • Você tem muitos amigos? Quais os grupos sociais você costuma frequentar? • Você já sentiu (ou sente com certa frequência) que as pessoas não são confiáveis? • Você costuma sair com seus amigos para descontrair ou se divertir? • E outras que o entrevistador julgar necessárias caso o paciente verbalize alguma de suas ideias de cunho mágico/místico Ideias e crenças estranhas e de autorreferência Desconforto nas relações interpessoais Pensamento muito vago e excessivamente metafórico Ausência de amigos íntimos Aparência fica excêntrica Desconfiança vontade estão associadas à apatia, à fadiga fácil e à dificuldade de decisão. • Atos impulsivos: em oposição à ação voluntária, há os atos impulsivos, que são como curtos-circuitos do ato voluntário. • Ato compulsivo: reconhecido pelo indivíduo como indesejável e inadequado; o sujeito não consegue refreá-lo ou adiá-lo. Exemplos de atos impulsivos ou compulsivos são automutilação (autolesão voluntária), frangofilia (impulso de destruir objetos), piromania (impulso de atear fogo). • Impulso suicida: desejo de autoextermínio. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tão importante quanto o conhecimento cientifico acerca da semiologia psiquiátrica é o que o profissional enfermeiro fará em prol do cuidado de enfermagem único, personalizado e holístico. Em se tratando de paciente psiquiátrico, a escuta e a observação configuram-se como instrumentos importantes de avaliação e na coleta das informações. Práticas de enfermagem que contemplem os aspectos psicossociais, psicoespirituais e psicobiológicos constituirão um elo para o bom relacionamento enfermeiro-paciente, estabelecendo assim um espaço terapêutico ideal para a instituição do cuidado. 978-85-7241-000-0 Traços da personalidade esquizoide Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA 293 Formulário de Avaliação Global 1 – Dados de Identificação Pessoal Ambulatório Emergência Unidades de internação Endereço: Telefones para contato: Sexo M F Nome: Nascimento: ___/___/___ Idade _______ Cor: _______ Diagnóstico Médico: Estado conjugal: Escolaridade: Analfabeto Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Superior / Completo Sim Não Profissão: Renda salarial: Mora com quem? É curatelado? Sim Não Por quem? Procedência: Paciente chegou: Deambulando Cadeira de rodas Maca Auxiliado Outros Acompanhado por: 2 – História Clínica e Patológica Pregressa 2.1 – Queixa principal: 2.2 – Motivos da internação: 2.3 – História da doença atual: 978-85-7241-000-0 2.4 – História patológica pregressa: – Início dos sintomas: – Já fez tratamento psiquiátrico anteriormente? Sim Não Por quanto tempo? – Faz acompanhamento psiquiátrico regular atualmente? Sim Não – Se interrompeu o tratamento, qual o motivo? – Já foi internado anteriormente? Sim Não Quantas vezes? – Tempo médio de internação: 1 a 5 dias 6 a 10 dias 11 a 15 dias 15 a 30 dias acima de 30 dias – Há quanto tempo foi a sua última internação? – Faz algum outro tipo de tratamento? Sim Não Qual? – Medicações atualmente em uso: 2.5 – História pessoal e hábitos: – Tipo de parto: Normal Cesariana Fórceps Alguma intercorrência ao nascimento? – Quantos irmãos? – Desenvolvimento na infância e adolescência: – Doenças próprias da infância? Sim Não Quais? – Possui filhos? Sim Não – Quantos? Obs: – Internações clínicas ou cirurgias prévias? Sim Não Especifique: – Faz tratamento para alguma doença clínica? Sim Não Quais? – Usa bebidas alcoólicas? Sim Não Que tipo? – Com que frequência? Obs: – Faz uso de cigarros? Sim Não Há quanto tempo? – Quantos cigarros por dia? Deseja parar de fumar? Sim Não Figura 13.1 – Formulário de avaliação global. 294 Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA Formulário de Avaliação Global – Faz uso de outro tipo de droga? Sim Não Quais? – Por quanto tempo? Tem acesso fácil? Sim Não – Condições de moradia: com saneamento básico sem saneamento básico – Quantos cômodos há na sua casa? Quantos residem no mesmo ambiente? – Tem acesso a todos os cômodos da casa? Sim Não Obs: – Tem acesso a materiais perfurocortante (faca, tesoura, etc.)? Sim Não Obs: – Antecedentes patológicos familiares: 3– Necessidades Psicoespirituais 3.1 – Realiza alguma prática religiosa/espiritual: sim não Qual? 3.2 – Solicita algum acompanhamento religioso/espiritual? sim não Cite 4 – Necessidades Psicossociais e Psicobiológicas 4.1 – Segurança / estado emocional prévio: deprimido eufórico alegre triste ansioso irritado sem alterações outros 4.3 – Prática de atividades de recreação e lazer: 4.5 – Dados relevantes sobre autoestima, autoimagem, autorrealização: 4.6– Dados relevantes sobre liberdade, amor, criatividade, espaço e aceitação: 4.7 – Exame Psíquico: – Atenção: normovigil hipovigil hipervigil normotenaz hipotenaz hipertenaz – Consciência: consciente sonolento obnubilado soporoso comatoso – Orientação: desorientado orientado tempo espaço pessoas – Memória: Remota: perda intacta Recente: perda intacta – Pensamento: claro confuso lentidão das associações lógico bloqueio intacto delirante de curso acelerado suspicaz – Linguagem: coerente rica pobre loquaz monossilábica solilóquio prolixo afasia taquilalia ecolalia neologismos lentificada Outros – Vontade: hiperbulia hipobulia abulia – Afeto: lábil aumentado eutímico embotado incontinnete emocional Outros – Humor: deprimido alegre eufórico ansioso eutímico – Sensopercepção: alucinação delírio sem alterações Especifique: – Inteligência: normal diminuída – Ideias suicidas: sim não Quantas vezes? Como? – Heteroagressividade: sim não Quantas vezes? Como? – Ideias de automutilação: sim não Quantas vezes? Como? – Consciência de morbidade: presente ausente – Planos para futuro: presente ausente 4.8 – Oxigenação: padrão respiratório normal relato de dispneia aos esforços relato de dispneia em repouso relato de ortopneia lentificada relato de dispneia paroxística noturna uso prévio de oxigênio complementar: Cite Figura 13.1 – (continuação) Formulário de avaliação global. 978-85-7241-000-0 Especificar: 4.2 – Dados sobre gregária: Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA 295 Formulário de Avaliação Global 4.9 – Percepção dos órgãos dos sentidos: Alterações não visual auditiva dolorosa gustativa olfativa tátil Cite: 4.10 – Cuidado corporal: Déficit prévio no autocuidado, higiene corporal sim não Déficit prévio no autocuidado, higiene oral sim não Cite: 4.11 – Hábito de sono e repouso: A que horas costuma deitar-se para dormir? Tem dificuldade para dormir? sim não O que dificulta seu hábito de sono? 4.12 – Nutrição e hidratação: Segue alguma dieta especial? sim não Cite: – Apetite: preservado diminuído Ingesta hídrica/dia: Déficit prévio no autocuidado para alimentação? Qual? 4.13 – Mecânica corporal/motilidade/locomoção/exercícios e atividades físicas: Déficit de locomoção? sim não Pratica atividades físicas sim não Qual a frequência? 4.14 – Integridade física/cutaneomucosa: Integridade física preservada? sim não Cite o comprometimento: Integridade cutaneomucosa preservada? sim não Cite o comprometimento: 4.15 – Eliminação urinária: normal alterada (volume, aspecto e odor) Espeficique: 4.16 – Eliminação intestinal: hábito regular vezes/dia hábito irregular Alteração na característica das fezes? sim não Qual? 4.17 – Dados relevantes relacionados à sexualidade 978-85-7241-000-0 5 – Identificação do Enfermeiro Carimbo Data: ___/___/___ _____________________________ Assinatura Figura 13.1 – (continuação) Formulário de avaliação global.