O LICENCIAMENTO DE NOVOS EMPREENDIMENTOS EM VAZIOS INTRAURBANOS: O CASO DO EMPREENDIMENTO “EXTRA – JUNDIAÍ”
Autores: Laura Machado de Mello Bueno, arquiteta urbanista e Pedro Cauê Mello
Rosa Monteiro, biólogo.
RESUMO
O trabalho apresenta os impactos ambientais, sociais e urbanísticos decorrentes
do empreendimento Extra Jundiaí, em implantação em vazio urbano, antigo
Frigorífico Guapeva, nas várzeas do rio Jundiaí. Essa fábrica foi criada em 1959 e
fechada nos anos 70. O terreno, que tem 100000 ms2, ficou sem utilização até
2003,
desenvolvendo-se
naturalmente
a
recuperação
da
vegetação
e
enriquecimento das nascentes existentes no terreno, que se encontra nas várzeas
do rio Jundiaí, hoje totalmente canalizado e com avenidas marginais implantadas,
separando o terreno do rio.
No passado recente as edificações abandonadas tornaram-se um problema
devido ao uso para atividades ilícitas e lançamento de lixo. Cerca de 20% do total
tem edificação abandonada. Parte do terreno era utilizada para apresentação de
circos na cidade.
Em 2003 se iniciou paulatino aterro e queima periódica da vegetação em
regeneração desde o fechamento do frigorífico, nos anos 70. Entre 2003 e 2004
ocorreram incêndios e o Corpo de Bombeiros quando acionado alegava que não
existia risco a vida de seres humanos e não ser prioridade o combate aos
incêndios que ocorriam.
O supermercado está em construção ao lado da edificação antiga, e tem cerca de
20000 ms2. Em 2005 a maior parte do terreno foi aterrado, com licenciamento do
DEPRN / SMA, segundo informações telefônicas prestadas pela Policia Militar
Ambiental, sendo suas nascentes drenadas e enterradas.
O estudo realizado se baseia em observações in loco do citado empreendimento e
em fatos registrados através de fotografias.
A LEGISLAÇÃO E A GESTÃO LOCAL
O município tem grande tradição e estrutura institucional de planejamento. Tem
plano diretor (PD) e legislação urbanística desde 1975, periodicamente revisados.
O PD teve sua atualização em decorrência do Estatuto da Cidade, bem como a lei
de zoneamento, a 24 de dezembro de 2004. Mas isso não tem garantido a justiça
sócioambiental e a universalização da qualidade de vida. Diversos instrumentos
urbanísticos não foram regulamentos, como o Estudo de Impacto de Vizinhança
(EIV) ou o IPTU para terrenos ociosos ou subutilizados, citados no PD. No artigo
31 fica instituído o EPIV, e o artigo 32 diz que os empreendimentos e atividades
deverão ser definidos por lei específica. Mas no parágrafo do mesmo artigo, a
obrigatoriedade do EIV somente será exigida a partir da aprovação da referida lei.
No PD o terreno em questão consta no Mapa Anexo 3 de vazios urbanos.
No artigo 47 do PD aprova-se a realização de uma classificação dos imóveis
subutilizadas a ser feita pela SEPLAMA e ratificada pela Comissão do PD, o que
não foi realizado.
A área é classificada como ZR3 – residencial de uso misto, no Zoneamennto,
sendo o uso proposto –supermercado – conforme. A mesma lei, em seu artigo 82
autoriza a canalizar qualquer curso d´água , compensando com cinco vezes a
área de preservação permanente em plantio nativo ou doação à PMJ de áreas
vegetadas.
Exigências inovadoras de manejo de água pluviais ou mesmo arborização não são
citadas nos textos legais para licenciamento de empreendimentos de grande
porte.
A OBTENÇÃO DAS INFORMAÇÕES
Durante o processo de levantamento de informações sobre o projeto executivo e
sobre legislação municipal que pudesse dar subsídios para a elaboração deste
trabalho foi possível perceber a falta de abertura e transparência dos poderes
executivo e legislativo municipais. O acesso da população a projetos de
empreendimentos em execução não é previsto na Lei Orgânica O Regimento
interno da Câmara não prevê acesso a projetos de lei em andamento, como é o
caso de um projeto de lei que se encontra em apreciação pelos vereadores que
trata da regulamentação do Estudo de Impacto de Vizinhança, o que já deveria ter
sido feito durante a revisão do Plano Diretor pós Estatuto da Cidade.
As informações sobre a área construída e maiores detalhamentos do projeto foram
obtidas em uma reportagem veiculada pelo Jornal de Jundiaí no dia 8 de
novembro de 2006, através de visitas aos arredores do canteiro de obras e
visualização das informações prestadas pela empresa responsável pelas obras –
Racional, através de seu website e placas fixadas na entrada do canteiro de
obras, da Racional e da empresa responsável pelo projeto - Orbi.
A lei do Plano Diretor e do Zoneamento foi obtida através do website da Prefeitura
Municipal, o website da Câmara Municipal de Jundiaí disponibiliza apenas a Lei
Orgânica do Município e o regimento interno da Câmara de Jundiaí.
O EMPREENDIMENTO
A intervenção pode ser dividida em três trechos. No primeiro foi aterrada a área da
várzea tornando-a quase plana e foi construído um aterro mais alto onde foi
construída uma via de duas pistas, que separou este trecho do segundo, no qual
está sendo construído o hipermercado. O terceiro trecho é separado do
hipermercado por alto muro de gabiões. Neste trecho do terreno encontra-se o
edifício abandonado do Frigorífico, parcialmente utilizado para canteiro de obras
do Extra.
O novo hipermercado Extra, que está sendo construído no cruzamento da avenida
União dos Ferroviários com avenida Antonio Frederico Ozanan, terá 8 mil m² de
área construída, com 400 vagas de estacionamento. A loja será térrea e a
Construtora Racional, responsável pela obra, tem até 30 de novembro para
entregar a obra.
O Grupo Pão de Açúcar não divulgou o investimento total no local, nem o número
de funcionários empregados. O Extra pertence ao Grupo Pão de Açúcar, que
possui 554 lojas no Brasil, com 70 mil funcionários, em 13 estados brasileiros.
Maior empresa no setor varejista de alimento, atua sob três formatos:
supermercados (divisão Pão de Açúcar, CompreBem Barateiro e Sendas);
hipermercados (Extra) e lojas de produtos eletrônicos-eletrodomésticos (ExtraEletro). O faturamento em 2005 foi de R$ 16,1 bilhões.
Segundo o engenheiro Ruy Ulhôa Rodrigues Guimarães, gestor de contrato do
Extra, as fundações e a estrutura são pré-moldadas e a cobertura, metálica. "A
área total é de 11.700 m². No estacionamento, caberão 400 veículos, sob
cobertura para sombreamento."
As áreas técnicas e de suporte ficarão em um mezanino e a loja será climatizada
com ar condicionado.
ANÁLISE
IMPACTOS AMBIENTAIS
O terreno onde se localiza o empreendimento em questão se caracteriza por ser
uma área de várzea do rio Jundiaí, com afloramentos do lençol freático e
pequenos cursos d’água, sendo estas áreas responsáveis pela recarga do lençol
freático, pelo controle de inundações e pelo conforto higrotérmico da área urbana.
Áreas de várzea são denominadas planícies aluviais com formação geológica
onde predominam Sedimentos Aluviais, Xistos Finos e Metarenitos, locais onde
existem tais formações são descritos por geólogos como os locais de maior
vulnerabilidade do lençol freático, nestes locais qualquer tipo de contaminação por
esgoto ou resíduos decorrentes das atividades do local em questão é acentuada
pelas características descritas acima, assim áreas como a que se localiza o
empreendimento devem ser tratadas de forma diferenciada buscando soluções
técnicas modernas que minimizem os impactos gerados pela instalação do
mesmo.
Sendo observada a presença de espécies da Fauna Brasileira como anuros
(sapos e rãs) e o Vanellus Chilensis (quero-quero) e da Flora como a Typha
domingensis (Taboa), ocasionando em um ecossistema peculiar e de suma
importância para a manutenção do equilíbrio ambiental das áreas urbanas.
Com o inicio da instalação do empreendimento foi feito o aterramento de toda esta
área descrita acima com a supressão das espécies de flora nativa e em
conseqüência das espécies de fauna e também dos afloramentos do lençol
freático e os pequenos cursos d’água, ocasionando uma significativa perda de
biodiversidade e um imenso impacto ambiental na área em questão.
Foto 1 – vista do terreno onde se pode observar a existência de árvores que
foram cortadas e a várzea posteriormente aterradas, em 5/6/2005
Na fase da elaboração do aterro a movimentação de terra ocasionou grandes
nuvens de poeira, que se deslocaram para a área residencial ocasionando
problemas de saúde e incômodo.
Ainda nesta fase do empreendimento o terreno se encontrava com o solo
totalmente exposto e assim quando chovia a erosão superficial se acentuava, e
toda a poeira, restos da obra e terra eram levados para o rio Jundiaí.
Fotos 2 e 3 – área no início do aterro da via principal, destacando-se a erosão
superficial contínua em 23/12/2005
Os fatos demonstram que não foi elaborado um estudo para a implantação de um
sistema de drenagem moderno e eficiente em que se busque lançar no rio um
volume de água próximo do volume que naturalmente seria lançado pela área do
empreendimento, tendo este que buscar alternativas técnicas para que a água se
infiltre no solo antes de chegar ao Rio Jundiaí e também tenha a sua velocidade
reduzida, estas alternativas são de conhecimento geral como estruturas de
contenção e infiltração como piscinas ou baías de contenção.
O empreendimento em seu estágio atual encontra-se em processo de
pavimentação asfáltica, ocasionando a completa impermeabilização do solo,
ocasionando o aumento significativo do volume da água lançado no Rio Jundiaí, o
que resulta no afundamento do leito do rio no local de lançamento, e o
assoreamento do ponto onde o rio deixa de ser canalizado, assim colaborando
para o aumento das enchentes.
Outro impacto resultante da pavimentação asfáltica é o aumento da temperatura
média do entorno do empreendimento, resultando na diminuição da qualidade de
vida dos residentes do entorno.
Foto 4 – Início das edificações com destaque para a vala de drenagem das
nascentes, em 7/10/2006
Foto 5 – pavimentação asfáltica completa do estacionamento do Extra Jundiaí,
com aterro do terreno vizinho e , ao fundo, a edificação antiga sem utilização
definida, em 20/11/2006
IMPACTOS URBANÍSTICOS
O bairro no qual se localiza o terreno tem usos predominantemente residenciais
uni e multifamiliares, bem como atividades de serviços de maior porte, junto à
avenida marginal. Os impactos previstos são o aumento do tráfego pesado,
aumento da intensidade do trafego em geral do risco de acidentes, aumento do
ruído, perda de áreas livres, de esportes e lazer, aumento da temperatura e
aumento das inundações no entorno.
Os acessos do empreendimento ao sistema viário atual são a Av Frederico
Ozanam - marginal ao rio Jundiaí, que neste trecho não tem faixa local, e a Av.
União dos Ferroviários – antigo leito férreo. A entrada e saída para a avenida
marginal apresentam um ponto de conflito com o transito de maior velocidade,
transferindo o impacto do trafego do empreendimento para as vias publicas.
Mapa 1 – planta geral do local
Outra via - dos Ferroviários – apresenta neste trecho forte curva que já causa
acidentes, devido a falta de visibilidade do motorista. Suas calcadas são estreitas.
Nos fins de semana e utilizada como rua de lazer , com grande utilização pela
população de todas as idades. Lindeiro à edificação do frigorífico encontra-se o
Centro Esportivo Municipal Sororóca, de uso por crianças e adolescentes. Durante
as obras as guias e sarjetas do sistema viário construído internamente à
propriedade, foi demolido duas vezes, indicando indefinição e insegurança em
relação à situação funcionalmente adequada.
As áreas edificadas com grandes superfícies impermeáveis – no caso telhado de
tipo industrial e pavimento asfáltico dos estacionamento e pátios - são um dos
mais fortes fatores de aquecimento que provocam as ilhas de calor.
IMPACTOS SOCIAIS
Destacam-se os impactos na saúde dos moradores do entorno, devido â poluição
sonora, atmosférica, aumento de risco de acidentes e do aquecimento, já citados
anteriormente.
A deterioração das condições de moradia acaba por desvalorizar as propriedades,
com perdas econômicas para os moradores.
A atividade abriu vagas de emprego tanto para as obras, quanto para o
funcionamento cotidiano do supermercado, de interesse social e econômico local.
A diversificação de grupos econômicos da área de abastecimento deverá
aumentar a concorrência e beneficiar os consumidores locais.
Entretanto, estudos de outros locais indicam que os grandes empreendimentos
comerciais causam a evasão dos fregueses do comercio local, de pequeno e
médio porte, causando seu esvaziamento
DISCUSSÃO
Os municípios vizinhos como Várzea Paulista, Campo Limpo Paulista e Caieiras já
possuem legislação urbanística revisada recentemente que torna os instrumentos
urbanísticos existentes nos Planos Diretores das respectivas cidades autoaplicáveis, mesmo sem estas possuírem histórico de planejamento urbano. Já
Jundiaí, que possui Plano Diretor há mais de vinte anos, não regulamentou a
aplicação do estudo de impacto de vizinhança. Pode-se então formular a seguinte
questão: até que ponto Jundiaí cumpriu o estabelecido na lei federal , se o EIV
não é aplicável ?
Dois paradigmas não mudaram na prática da Prefeitura de Jundiaí – manejo das
águas pluviais e a desconsideração dos serviços ambientais prestados pelo
espaço intra-urbano.
Desde os anos 80 diversos municípios têm revisado suas concepções de manejo
das águas pluviais, com o abandono das obras de canalização de rios e córregos
e aumento da velocidade de escoamento, pois essa concepção tem servido
principalmente para destruir o ecossistema fluvial e transferir as cheias para
jusante. Essas mudanças tem influência nas concepções e alternativas técnicas,
na legislação e exigência de mudanças da concepção dos empreendimentos
privado. As prefeituras procuram a adoção de legislações urbanísticas com maior
permeabilidade nos lotes e área públicas e implantar dispositivos em pontos
estratégicos do sistema de drenagem para detenção e infiltração, alem da
construção de estruturas de retenção (piscinões), como forma apropriada de
controlar os picos de cheia causados por chuvas intensas. No município em tela
percebe-se a manutenção da concepção anterior. Há diversos outros casos de
obras públicas e privadas em terrenos não edificados em áreas de interesse
ambiental e junto a cursos d´água, como o Hipermercado Carrefour, a ampliação
do Shopping Center Maxi, a construçaõ da rodoviária e terminais e a continuidade
da canalização e de construção das marginais do rio Jundiaí até a Via
Anhanguera.
Isso exige a mudança na análise das alternativas tecnológicas e locacionais para
elaboração de diretrizes de ocupação de vazios urbanos deixados para
especulação imobiliária e a interpretação de seu papel no controle de cheias, do
fenômeno das ilhas de calor e da ampliação das áreas verdes, seja para a
biodiversidade, seja para o uso humano. A leitura técnica de novos planos
diretores possibilitou que no território intra-urbano e periurbano sejam destacadas
áreas estratégica que podem se constituir em reservas para recarga dos aqüíferos
dos rios urbanos , de forma aumentar, ou melhor, recuperar a vazão de inverno e
controlar os picos escoamento de verão.
CONCLUSÕES
Procurou-se apresentar os impactos ambientais, sociais e urbanísticos do
empreendimento e potenciais serviços ambientais de grandes vazios intraurbanos.
Esses impactos eram previsíveis. Há farta literatura sobre minimização de
impactos para obras de reocupação de terrenos vazios ou ociosos em áreas intraurbanas, como é o caso.
A necessidade de defender os direitos difusos urbanísticos e ambientais decorre
do Estatuto da Cidade .Essa possibilidade, entretanto, não é conseguida, devido à
inexistência
de
exigências
técnicas
para
a
implantação
de
grandes
empreendimentos, sob a forma de solução dos passivos sociais ou ambientais
existentes , bem como a aplicação exigências inovadoras de manejo de água
pluviais ou mesmo arborização não são citadas nos textos legais para
licenciamento de empreendimentos de grande porte.
O questionamento do relatório em questão se baseia na existência de alternativas
técnicas distintas das utilizadas, em que os elementos naturais estejam em
harmonia com o projeto arquitetônico e sejam utilizados como atrativos do
empreendimento.
Um mecanismo de prevenção a esse tipo de problema de gestão municipal e de
prática profissional é a adoção de um licenciamento urbanístico e ambiental
integrado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUENO, Laura Machado de Mello “A questão ambiental na gestão urbana”, Anais
do Seminário de Habitação e Reabilitação de Áreas Centrais, Rio de Janeiro, julho
de 2006
FERNANDES, Edésio, Estatuto da Cidade: promovendo o encontro entre as
agendas “verde” e “marrom”, IN STEINBERGER, Marília (org), Território, ambiente
e políticas públicas espaciais, Paralelo 15 e LGE Editora, Brasília, 2006
JORNAL DE JUNDIAÍ, 8 de novembro de 2006
Download

o licenciamento de novos empreendimentos em vazios